O Estado de S. Paulo
Mario Vargas Llosa: A Espanha na vitrine
Ensaio de José Varela Ortega apara as arestas das mentiras excessivas e elogios desmedidos
José Varela Ortega deve ter trabalhado muitos anos na pesquisa para seu extraordinário livro España: Un Relato de Grandeza y Odio, e não há dúvidas de que continuará trabalhando em cada uma de suas reedições – já está na segunda –, porque o ensaio é uma daquelas tentativas impossíveis que certos autores excepcionais impõem a si mesmos e das quais resultam às vezes obras admiráveis, como os ensaios históricos da famosa polêmica entre Américo Castro (España en su Historia) e Sánchez Albornoz (España: Un Enigma Histórico).
Seu livro está nessas alturas intelectuais e, em seu campo específico, não há nenhum que se compare a ele.
É preciso antes de tudo dizer que esse ensaio tem muito pouco a ver com o livro de Elvira Roca Barea Imperiofobia y Leyenda Negra, relato interessante que comentei nesta mesma coluna e que estuda, como indica o título, as falsidades, exageros e fantasias absurdas que, para diminuir o prestígio da Espanha, seus inimigos difundem. O ensaio de José Varela Ortega é muito mais ambicioso e se propõe a nada menos que historiar tudo – sim, tudo – que dizem a favor ou contra a Espanha, seus amigos e adversários, entre eles, claro, não apenas os estrangeiros, mas os próprios espanhóis. E a verdade é que, embora a meta seja inatingível, ao se ler esse grosso volume fica a impressão de que o autor esteve a ponto de alcançá-la. Sua pesquisa não se limita a livros e jornais, mas engloba também filmes, de ficção ou documentários, quadros, gravuras, fotografias, histórias em quadrinhos e até boatos e fofocas.
Ainda que pareça mentira, o livro está longe de ser um simples catálogo e é lido com grande interesse graças às amenidades e ironias que Varela Ortega deve ter herdado de seus professores ingleses, pois se formou na Grã-Bretanha, e com as quais, mantendo uma perfeita naturalidade sobre aquilo que conta, apara as arestas das mentiras excessivas ou dos elogios desmedidos, zomba das tolices e idiotices e detalha com simpatia as coisas inteligentes e criativas que tantos críticos quanto defensores têm dito sobre a Espanha.
Uma conclusão evidente é que, em cada período histórico em que gozaram de liberdade – e não foram muitos em sua trajetória –, houve mais espanhóis que criticaram ferozmente seu país do que os que o defenderam e valorizaram. Isso não é uma crítica, mas um elogio, porque o que mantém viva uma sociedade e a faz progredir não são louvações e adulações, mas o espírito combativo e atitudes indômitas – ou seja, o questionamento constante de suas instituições e costumes por seus intelectuais e dirigentes políticos.
A Espanha é o único caso, na história, de um império que em plena conquista da América reúne, por exigência de seus críticos, sobretudo os religiosos, uma grande assembleia em Salamanca para determinar se a conquista era justa ou injusta e se os indígenas – eram filhos de Deus? tinham alma? – estavam sendo bem tratados. Na Inglaterra ou Holanda, alguém como o indomável agostiniano Bartolomé de las Casas, com seus fulminantes ataques à ocupação da América pelos conquistadores, sem dúvida teria sido enforcado.
E o Século de Ouro, quando a Espanha alcança uma superioridade intelectual sobre o restante da Europa, antes que comece a decadência, é uma época de crítica profunda – saudável, no caso de um Cervantes, e contorcida e amarga no caso do desafortunado Quevedo, por exemplo.
O caso da geração de 1898 e suas ramificações está esplendidamente resenhado no livro de Varela Ortega. O desaparecimento da última colônia – Cuba – na derrota na guerra com os Estados Unidos leva os membros dessa geração a descobrir o próprio país, com olhar crítico, sim, mas também compreensivo e generoso. Ao abrir-se a Europa para o mundo de que seus congêneres estiveram afastados por tanto tempo, é através desse contato que escritores como Azorín, Valle-Inclán, Unamuno, Pérez de Ayala, para não falar no principal demolidor de fronteiras, Ortega y Gasset, se conectaram com o restante do planeta. A Espanha volta ser, do ponto de vista intelectual, um país europeu, não apenas consumidor, mas produtor de ideias e conquistas artísticas, literárias e filosóficas. O país vira moda e muitos estrangeiros o visitam ou nele se instalam, atraídos pela “cor local”, o flamenco, as ruínas, as touradas. Alguns deles deixam testemunhos estimulantes, como Gerald Brenan ou George Borrow.
As notas de pé de página de España: Un Relato de Grandeza y Odio merecem menção à parte. São abundantes e às vezes muito extensas, mas nunca supérfluas, e podem ser lidas como pequenos ensaios independentes. Servem para Varela Ortega montar um relato à parte, menos importante que o principal, mas sempre iluminador e com frequência divertido graças às pitadas de humor e erudição pictórica que embute. Essas notas me lembram as que acompanham o esplêndido ensaio La Celestina de María Rosa Lida de Malkiel. “Cada nota é um verdadeiro artigo”, admirava-se meu amigo Sergio Beser, ao lermos ao mesmo tempo essa soberba obra de agudeza crítica e erudição, quando éramos professores na Inglaterra nos anos 1970.
As conclusões que podem ser tiradas do ensaio de Varela Ortega são perfeitamente previsíveis: sobre a Espanha e os espanhóis já foi dito tudo, principalmente o contraditório: o país é triste e alegre, seus habitantes são falastrões e taciturnos, apaixonados e austeros, místicos e sensuais, violentos e pacíficos, cruéis e generosos, como se encarnassem sempre as idiossincrasias e os valores de cada época. Mas, não se poderia dizer o mesmo de todos os países? Sem dúvida, simplesmente porque a unidade buscada em fórmulas nunca existiu, a não ser na fantasia dos ideólogos.
Um país é um formigueiro onde, sob uma superfície aparentemente uniforme, as diferenças explodem. E muito mais nesta época, que fez desaparecer todas as tribos, ou seja, aquele período histórico no qual o indivíduo ainda não existia e o ser humano era só parte da comunidade. As diferentes línguas foram diferenciando as sociedades, assim como as crenças religiosas e os usos e costumes. Um dos grandes méritos do livro de José Varela Ortega é demonstrar isso num caso concreto e específico. As diversas visões de Espanha revelam muito mais a subjetividade dos que a elogiam ou condenam do que a realidade diversa e múltipla do que ela é – um país antigo, o mais longevo do império europeu, que, através de inúmeras adversidades, foi se estendendo e formando um gigantesco conglomerado de seres diversificados, unidos pelo idioma e a história e no qual, visto sem preconceito, cabe o mundo inteiro em sua fantástica diversidade.
O livro de José Varela Ortega será um desses ensaios memoráveis que continuaremos lendo quando tudo isso fique evidente, se os preconceitos nacionalistas – quem diria que eles ressuscitariam? – permitirem e não nos cegarem outra vez.
Tradução de Roberto Muniz
Luiz Edson Fachin: Eleições municipais, voto informado e democracia
Pleito pode ser um dos meios de defesa do povo contra o autoritarismo e os poderes da Federação
Venho de presenciar eleições em país andino na condição de observador internacional. Essa experiência realça elementos da realidade brasileira.
Não se tenha dúvida: predadores da democracia estão mesmo à espreita. Palavras de simples ameaças que parecem apenas exercitar ideias espalhafatosas que não desbordariam, a rigor, de uma sociedade aberta à livre expressão, vistas de perto, compõem um dialeto de propósito nítido: semear a descrença na democracia e na legitimidade das instituições. Almejam ir às últimas consequências: corroer a credibilidade da Justiça Eleitoral. À força do argumento ressuscitam o argumento da força.
O Brasil do presente é desafiado nesse campo, castigado ainda mais por enxurradas de desinformação. É um caos que até parece bem organizado por meio de notícias falsas e meias-verdades.
Auspicioso é o fato de que, neste 2020, eleições periódicas dos mandatários municipais se avizinham no Brasil. Abrem-se as urnas para o exercício eleitoral da cidadania que se constrói permanentemente. Essa reflexão conclama aos titulares da soberania popular. Nunca é demais enfatizar o poder do voto informado.
Votar é vital para o fortalecimento da musculatura da democracia representativa. Não se trata, por certo, de poção mágica para responder de pronto a todas as legítimas aspirações sociais, econômicas e políticas. Nada obstante, é um eficaz antídoto contra a atrofia que cede às tentações autoritárias.
Mais que isso: o dia das eleições produz uma necessária inquietação para que se entenda que numa democracia verdadeira se elege uma proposta ou alguém todos os dias em todas as horas que, individual ou coletivamente, se perfazem ações ou se configuram omissões. Educação, saúde, segurança, transportes públicos, entre outros temas, batem às portas da administração municipal por intermédio da comunidade de pessoas, grupos, movimentos sociais, entidades e instituições, almejando pôr em prática um constitucionalismo democrático popular.
Guardiões finais da Constituição são todos os que delegam, por agir ou por deixar de atuar, a um Poder o seu próprio poder. Delegações não são abdicações. Eleger é uma escolha importante para apontar quais são, na administração dos locais onde domiciliamos nossas raízes, os mandatários que, dentro da Constituição e das leis da República, vão desempenhar os poderes conferidos por essa legítima manifestação eleitoral.
Para tanto, consciência das possibilidades e dos limites é essencial, uma vez que na democracia se pode muito, mas não se pode tudo.
Limites democráticos são condições indispensáveis à própria democracia. Assim o pluralismo político também se deve traduzir (embora a isso não se resuma, por evidente) em pluripartidarismo. Partidos políticos, ideários e cosmovisões partidárias e programáticas são imprescindíveis. Afastar os partidos do núcleo da democracia consiste em golpear por dentro a razão da representação na República.
Inafastáveis são o controle e a fiscalização, contudo tais ações não apresentam um fim em si mesmo. Combater e punir são instrumentos de um Estado de Direito democrático, cujos fins são vincados pelos fundamentos da República inscritos na Constituição.
Cumpre estar atento a esses novos intentos variados de pôr em modo “hibernar” a legalidade constitucional. Quando nas vizinhanças do Brasil se faz a defesa tout court de pena capital para ilícitos de corrupção, ou simplesmente a revogação da Carta Política, o passo seguinte é aniquilar o doente para supostamente sanar a doença. Impende não ser indiferente a isso. É possível (e necessário) ser implacável com a corrupção sem afrontar o organismo reitor vivo da democracia que é a Constituição. Guardá-la também é protegê-la.
Todas as democracias têm suas conjunturas claro-escuras, porém momentos de crise política não podem obnubilar a estrutura democrática. Transitoriedade e alternância no poder conjugam autoridade, respeito ao voto e democracia.
Às últimas consequências os limites constitucionais.
O escrutínio que se aproxima em outubro vindouro propicia oportunidade para desnudar a diluição institucional, pois um pleito dessa envergadura, dimensão e relevância pode ser um dos meios de defesa do povo contra o autoritarismo e a excessiva centralização de poderes na Federação. É o município o primeiro mundo político da cidadania, elevado em 1988 a ente federativo a merecer maior e melhor presença no federalismo de cooperação.
A diferença entre ponte e abismo vem se colocando no horizonte. Quiçá seja tempo de renovar a esperança de que somos plurais nas diferenças e capazes de ligar margens, e não apenas produzir clivagens. As eleições vêm logo aí. O tripé democracia, igualdade e República se reaviva no município.
Aos predadores antidemocráticos, o que lhes corresponde de acordo com a bula democrática: doses maciças de tolerância e de coexistência injetadas pelo soro dos limites constitucionais. O voto informado pode fazer de cada município a síntese que contém o País.
MINISTRO DO STF E DO TSE
Eliane Cantanhêde: Mudar para não mudar
Onyx Lorenzoni no MEC seria aprofundar a crise interminável na Educação
Depois de Vélez Rodriguez e de Abraham Weintraub, só faltava o presidente Jair Bolsonaro nomear Onyx Lorenzoni para o pobre (mas muito rico) Ministério da Educação. O MEC, professores, alunos, funcionários e o futuro não merecem isso. Por sorte, ou por enquanto, a cúpula do governo diz que a chance de isso acontecer é “nenhuma, zero, esquece”.
Apesar de tudo, e de todos, o que está no horizonte é o esvaziado Onyx manter a sua esvaziada Casa Civil e o atrapalhado Weintraub manter o seu atrapalhado MEC. Com um detalhe: Onyx é o amigão de 20 anos, o aliado de primeira hora de Bolsonaro, mas, hoje, Weintraub está mais forte do que ele no governo. Incrível? Pois é. Há muitas coisas incríveis acontecendo.
Se Weintraub tropeça no português mais elementar, e Onyx? Como se diz na cúpula do governo, ele é muito leal a Bolsonaro e contrariou o DEM para apoiar sua candidatura em 2018, mas não é nenhum gênio e não tem o menor vínculo com Educação. Nunca foi sequer professor e, gaúcho, tem uma fala carregada de regionalismos que desconsideram as conjugações verbais e a letra S. O que, evidentemente, não combina com um ministro da Educação. Seria estender a interminável crise do MEC no governo Bolsonaro.
Ok, Weintraub vai carregar para o resto da vida aquele “imprecionante”, entre outros erros ardidos de português, mas quem dá uma olhada nos discursos e entrevistas do então deputado e agora ministro Onyx diz que a ida dele para o MEC – justamente o MEC – iria anistiar Weintraub. “Ficaria parecendo um letrado, perto do sucessor”, ironiza quem acompanha a ciranda.
Então, o que fazer com o chefe da Casa Civil? Aparentemente, mantê-lo onde está, com um título, mesa e cadeira no Planalto, secretária e telefone, mas praticamente sem função nenhuma. Coisa de amigo para amigo, tipo pagamento de dívida de gratidão. No máximo, transferi-lo para um outro cargo, mas é complicado, porque qualquer coisa soaria a “cair para cima”.
E o que fazer com Weintraub? Nada também. Gregos, troianos e, principalmente, especialistas em Educação acham que é o homem errado, na hora errada, no lugar errado. Mas quem são eles? Para Bolsonaro, não são ninguém. Ou não passam de esquerdistas porque, afinal, a Educação, essa “balbúrdia”, é infestada de comunistas e petistas...
Na avaliação do Planalto, Weintraub vem fazendo “muita coisa boa”. O que, exatamente? Não se sabe. Mas ele é considerado “corajoso”, “audacioso”, capaz de enfrentar o que o Planalto considera esquerdismo de primeiro, segundo e terceiro graus. E é da “turma”, ou seja, da turma ideológica do governo.
Quanto ao desastre do Enem-Sisu: o presidente e seu entorno reconhecem que é chato, desagradável, que tantos alunos tenham estudado feito loucos e sido prejudicados por erros técnicos. Sim, tudo é resumido a isso, erros técnicos, de uma gráfica. Na verdade, “um azar danado”, porque estava tudo perfeito, irretocável, até que...
Enfim, o Bolsonaro, que demitiu ou avalizou a demissão do presidente do INSS, do secretário de Cultura e do segundo escalão da Casa Civil, não parece disposto a dar um upgrade nas demissões. Quando se trata de ministros, eles vão ficando. Inclusive, aliás, o denunciado Marcelo Álvaro Antonio, do Turismo.
As crises na Casa Civil e no MEC produziram uma boa chance para Bolsonaro parar de dizer que manda e passar a mandar de fato numa área fundamental para o governo e numa outra fundamental para o País. Ele já vinha no embalo das demissões de 2020 e era só aprofundar o ritmo, mas, ao que tudo indica, não é o que vai acontecer. Gustavo Bebianno e Santos Cruz caíram por “deslealdade”. Onyx e Weintraub vão ficando por lealdade. Para Bolsonaro, é o que basta.
Vera Magalhães: Apagão de janeiro
Primeiro mês do ano mostrou governo preso a suas próprias crises
O Congresso retoma suas atividades nesta semana ainda sem saber qual a estratégia do governo para a reforma tributária, sem perspectiva de receber a proposta de emenda à Constituição da reforma administrativa e sem um projeto do Executivo para equacionar o financiamento da educação básica a partir de 2021.
Janeiro ficou para trás e foi gasto, em Brasília, por apagões gerenciais do governo em várias áreas vitais para a população, crises palacianas vulgares e desnecessárias e o surgimento da velha e boa mamata por parte de aliados de Jair Bolsonaro, que propagandeava que ia acabar com essa velha prática da política, mas uma vez eleito passou a condescender com ela, a depender da lealdade e da proximidade de quem a pratica.
O que se viu no primeiro mês do ano não condiz com as elevadas expectativas que empresariado, mercado, produtores rurais e analistas têm para 2020: de mais reformas, crescimento acima de 2,5% ao ano, geração de empregos em ritmo mais acelerado e reforço na política do ministro Paulo Guedes de contenção do gasto público e ajuste fiscal paulatino, que foi bem sucedida no primeiro ano, mas enfrentará desafios adicionais neste.
Além disso, é necessário observar os ventos do mundo, e o que eles sopram neste início de ano é uma emergência global com o surto do novo coronavírus, cujo impacto na economia ainda é impossível de mensurar, mas que certamente afetará as exportações brasileiras.
Diante de um cenário internacional cada vez mais complexo e da importância de uma agenda econômica difícil de implementar, era de se esperar que o presidente e seus ministros estivessem focados nos assuntos importantes, e que iniciassem desde antes da volta do recesso a tão fundamental quanto negligenciada articulação política com o Legislativo.
Mas não foi isso que se viu no mês que passou. O Ministério da Educação brindou o País com uma lambança no Enem e no Sisu que não se sabe ainda se terminou. O secretário de ensino superior pegou o boné e deixou o cargo pouco depois do lançamento do Future-se, projeto que já pode ser “redesenhado” sem nem ter sido implementado. E a saída para a substituição do Fundeb é discutida pelo Congresso com o Ministério da Economia, porque o MEC simplesmente não é um interlocutor naquela que é a decisão mais importante para o financiamento da educação básica.
Mas o ministro Abraham Weintraub segue prestigiado junto a Bolsonaro. Ganhou uma fotinho no Twitter ao lado do presidente no fechamento da semana como sinal de que escapou do paredão. Tão previsível quanto desalentador, por ser um indicativo claro de que mérito não é critério para a nomeação e substituição de ministros neste governo, e sim uma lealdade baseada em mistificação, ideologia barata e promoção de guerra cultural.
Com essa régua, não causa espanto que o episódio da demissão, recontratação e “redemissão” de Vicente Santini, ex-assessor da Casa Civil que usava a FAB para conhecer o mundo, tenha virado um pretexto para fritar Onyx Lorenzoni, que estava de férias. Era necessário um bode expiatório quando a mamata do amigo da família Bolsonaro ficou pública.
O ministro perdeu o PPI, plano de parcerias e concessões, não porque a lógica sempre ditou que ele seja da Economia, mas como castigo e humilhação pública. De novo, competência não é o critério.
Filas no INSS e no Bolsa Família, intervenção na política ambiental depois da evidência internacional de fracasso na área e a desnecessária pinimba com o ministro da Justiça, Sergio Moro, foram outros legados de janeiro. Nesse quadro, os humores do Congresso na volta não tendem a favorecer a hercúlea tarefa de Paulo Guedes, que virou o ministro faz-tudo. Até quando ele vai segurar?
Fernando Henrique Cardoso: Angústias e crença
É pena ver o governo mergulhado em crenças atrasadas que podem prejudicar nosso destino
Fim e começo de ano são épocas de balanço pessoal, familiar, das empresas e mesmo do País. Sem maiores pretensões, direi umas poucas palavras sobre o mais geral: o que me preocupa ao ver o Brasil como nação.
Primeiro, a maior angústia coletiva: levantar o gigante de seu berço. Tarefa que vem sendo feita ao longo de gerações. É inegável que houve avanços, alguns consideráveis. Bem ou mal, de uma sociedade agrário-exportadora, que usava escravos como mão de obra, o País passou a dispor de uma economia urbano-industrial, baseada no trabalho livre. Para isso não só as migrações internas, como a imigração foram fundamentais. Com elas se acentuou nossa diversidade cultural.
Hoje somos uma nação plural, na qual a contribuição inicial dos portugueses se robusteceu muito, não apenas por havermos conseguido passar da escravidão para o trabalho livre, mas também por termos incorporado os negros à nossa sociedade (embora ainda de forma parcial) e em nossa cultura. Incorporamos também um significativo conjunto de pessoas vindas da Europa latina e de outros segmentos populacionais do continente europeu, além de árabes e asiáticos, sobretudo japoneses. E desde o início da colonização houve miscigenação com as populações autóctones.
Dado o mosaico, será que conseguimos de verdade criar uma nação consciente de seu destino comum e acreditar que ele seja bom? Esse é o desafio que explica parte de nossas incertezas. Hoje somos muitos, mais de 210 milhões de pessoas habitam o Brasil. Nossa força, como também nossas dificuldades se ligam ao tamanho dessa população: somos muitos, diferentes e desiguais. Não me refiro à desigualdade provinda da diversidade, que nos enriquece, mas da que mantém na pobreza boa parte dos nossos conterrâneos. Esta é outra fonte de nossas angústias: como envolver num destino comum, de prosperidade e bem-estar, tanta gente social, cultural e economicamente desigual? Se há algo a admirar nos Estados Unidos é que, como nação, e apesar de existirem as mesmas, e até maiores, diversidades e confrontos entre seus habitantes, eles conseguiram criar e transmitir o sentimento de que “estão juntos”. A crença nos valores da pessoa humana, da democracia e da liberdade, que a Constituição americana expressa, serviu de cimento para que os Estados Unidos avançassem.
Precisamos de algo semelhante. Um dos caminhos é o da educação. Enquanto tive poder de decisão, pendi para ampliar a inclusão dos jovens na pré-escola e no ensino fundamental. Não porque descreia da importância do ensino secundário e do superior (nem poderia, dada minha vivência como professor), mas porque nos dias de hoje quem é bom de verdade avança, mesmo que sozinho, e se torna “global”. Porém o que conta para a formação nacional é a média, e não a ponta de excelência. E a média não avança se a base da pirâmide não for ampla e sólida.
Até que ponto se conseguiu avançar?
Em certos setores, bastante: nos segmentos produtivos nos quais fomos capazes de introduzir ciência e tecnologia. Assim aconteceu especialmente na agricultura, que desde o passado se apoiou na tecnologia. O Instituto Agronômico de Campinas exemplifica bem o que ocorreu com a produção cafeeira. Por trás de cada produto em que a agricultura avançou sempre houve o apoio de alguma instituição de fomento e pesquisa.
Mesmo na indústria houve esforços consistentes no desenvolvimento de uma indústria de base moderna (aço, petroquímica) e na produção de bens de transporte tão sofisticados quanto aviões. A indústria extrativista, que era pouco eficiente, se agigantou (basta ver o que aconteceu com o petróleo). E tudo isso requereu melhorias na infraestrutura.
No mundo contemporâneo, a tradução de ciência em tecnologia se acelerou. E o Brasil tem mostrado dificuldade de acompanhar essa aceleração, o que tende a aumentar a distância entre nós e os países mais avançados, limitando as nossas possibilidades de desenvolvimento.
É essa a grande preocupação quanto a nosso futuro. Pouco se fez em algumas das áreas que mais avançam na era contemporânea: robótica, inteligência artificial, machine learning, todo um conjunto de tecnologias características da chamada indústria 4.0.
É pena ver o governo atual mergulhado em crenças atrasadas que podem prejudicar no largo prazo o nosso destino como nação. Se, em vez de namorar o criacionismo e o “terra-planismo” – uma quase caricatura –, os que nos governam acreditassem mais na ciência, na diversidade e na liberdade; se, em vez de guerrear contra fantasmas (como o “globalismo” ou a penetração “gigantesca” do “marxismo cultural”), os que se ocupam da educação, da ciência e da tecnologia no Brasil voltassem sua vista para observar como se dá a competição entre as grandes potências e dedicassem mais atenção à base científico-tecnológica requerida para desenvolvimento de um país moderno, democrático e que preza a liberdade, estaríamos mais seguros de que nossas inquietações, com o tempo, encontrarão solução.
Espero que encontrem, pois os governos passam e as nações permanecem.
*Sociólogo, foi presidente da República
Adriana Fernandes: Que ajuste fiscal é esse?
A promessa de que o teto seria vital para priorizar os gastos mais essenciais caiu por terra
O Ministério da Economia foi completamente atropelado pela decisão do governo Jair Bolsonaro de fazer uma capitalização de R$ 9,6 bilhões no final do ano passado em empresas estatais federais.
A Emgrepron, estatal vinculada ao Ministério da Defesa, foi uma das empresas beneficiadas com o presente de Natal – R$ 7,6 bilhões de uma tacada só. Serão construídos quatro navios de guerra da Classe Tamandaré e um navio de apoio ao Programa Antártico Brasileiro.
Pouca gente sabe, mas o que permitiu o aporte bilionário do final do ano foi o dinheiro do pré-sal. Justamente aquele prometido para financiar o “futuro” dos brasileiros com mais educação.
É impossível não reconhecer que a decisão está na direção contrária ao discurso dos integrantes da equipe econômica de que a crise fiscal é ainda grave e exige governar com prioridades.
Há exato um ano, o que se mais ouvia em Brasília, no início do governo, era a importância da política de privatização. A promessa era de que ela seria rápida e reduziria gastos com as estatais pesadas e custosas para o contribuinte, abrindo espaço para investimentos nas áreas fundamentais: saúde, educação, segurança e assistência social.
O discurso de que é preciso avançar na busca do equilíbrio das contas públicas não funcionou nesse caso.
Pelo contrário, a capitalização enfraqueceu o discurso do ajuste daqui para frente, como também a importância do teto de gasto – a tal regrinha fiscal que limita o crescimento das despesas à variação da inflação que foi vendida com essencial para reduzir o rombo.
O governo diz que a capitalização não prejudicou as contas públicas. Pois bem, não é bem assim. Explico. A lei que criou o teto de gasto tem um dispositivo que retira do limite os gastos com capitalizações de empresas estatais.
Essa exceção não significa que a porteira está aberta para o gasto. É uma exceção. Na primeira folga de receitas, porém, o governo foi lá e recheou o cofre da Emgepron. Antecipou – de uma única vez – recursos que deveriam ser repassados ao longo dos próximos anos.
É bom lembrar que todas as outras despesas com investimento e custeio estão muito comprimidas devido ao teto de gastos. Logo, se o teto não existisse, o reforço de caixa com a arrecadação dos leilões do pré-sal poderia ter irrigado as áreas mais carentes de recursos e fundamentais para a população mais pobre.
Em 2019, a falta de recursos foi geral, afetando os serviços públicos e colocando a máquina em situação de quase apagão. Como é que sobra dinheiro para antecipar recursos futuros para a capitalização de uma estatal militar?
Além da estatal da Marinha, a Telebrás recebeu um aporte de R$ 1,5 bilhão, e a Infraero, mais R$ 1 bilhão. Um total no ano de R$ 10,1 bilhões em capitalização.
Tem algo muito errado nas prioridades. Isso não quer dizer que a modernização da frota da Marinha não seja necessária. Mas qual é prioridade para o Brasil?
Se a prioridade – de fato – fosse a redução do rombo das contas, o governo teria usado o dinheiro para diminuir o déficit.
As contas teriam fechado com déficit de R$ 85 bilhões em vez de um saldo negativo de R$ 95 bilhões. O ajuste poderia ter sido um pouco mais rápido ou com menos custo para a população.
A promessa de que o teto seria importante para priorizar os gastos mais essenciais caiu por terra.
Onde estavam o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o seu secretário especial de Desestatização, Salim Mattar, quando a Junta de Execução Orçamentária (JEO) aprovou em novembro essa farra de capitalização? Afinal, para que serve o teto de gastos?
Miguel Reale Júnior: Um país do avesso
Busca-se um juiz imaculado. Essa é uma ilusão tão louvável como irrealista
Como tudo o que atualmente sucede no Brasil, a adoção da figura do juiz das garantias revestiu-se de emoção e pré-juízos. Hoje, para ser jurista basta ser internauta.
O juiz das garantias é o competente para decidir sobre os incidentes ocorridos na fase do inquérito policial, em especial escuta telefônica, busca e apreensão e prisão preventiva do indiciado. Pretende-se, então, deixar o juiz da causa isento de qualquer participação em decisões anteriores ao início da ação penal, para que atividade anterior não comprometa a imparcialidade.
O juiz das garantias é adotado em diversas legislações em que há, contudo, o juizado de instrução, com ampla atuação probatória do juiz na fase inquisitiva. No processo penal chileno, no italiano e no código modelo para a América Latina há um juiz de instrução, com grande poder de determinação de produção probatória e até mesmo indicação de propositura da ação penal, como dispõem o artigo 258 do Código de Processo Penal (CPP) do Chile e o artigo 409 do CPP da Itália.
No nosso sistema, ao contrário, o juiz é passivo, pois em geral age por solicitação da polícia ou das partes, exceto nas hipóteses previstas nos artigos 156 e 242 do CPP, que deveriam ter sido revogados desde a Constituição de 88, pois efetivamente não deve o juiz ter nenhuma iniciativa probatória.
Presume-se que o juiz, por autorizar medidas cautelares pedidas pelas partes, venha a criar predisposição impeditiva de postura equidistante. Suspeita-se que o juiz, ao examinar pedido de medidas cautelares, como uma escuta telefônica, estará por isso comprometido com um veredicto final condenatório. Não me parece, todavia, que o juiz se vincule às suas decisões precárias no exame da prova de forma a estar já convicto de como decidir. Estaria o juiz que não concede a prisão preventiva solicitada pela polícia comprometido a absolver o réu? Não. E, igualmente, o que a concede deixará de absolver diante de provas de inocência produzidas no processo só porque decretou a preventiva?
Essa pressuposição de estar o juiz viciado para decidir a causa por ter atuado na fase de inquérito é exagerada, a ponto de se entender necessário preservar o juiz da causa da contaminação pelo conhecimento de qualquer dado obtido na fase do inquérito policial. Busca-se um juiz imaculado, sem mancha a comprometer-lhe a mais perfeita imparcialidade. É uma ilusão tão louvável como irrealista.
Ilusão porque a circunstância de o juiz do processo não participar da fase preliminar de inquérito policial não é elemento garantidor de uma decisão livre de posições de simpatia ou antipatia por um dos lados da lide, da parte do julgador. Seria, sem dúvida, ilusão pretender alcançar a perfeita imparcialidade por via de magistrado em estado de pureza probatória. Ilusão, ainda, porque a formação da decisão sofre a influência de fatores diversos, desde a conformação cultural do julgador, sua vivência, suas idiossincrasias, de modo que muitas vezes intui o justo antes da análise mais profunda da prova. Basta ver como o juiz preside audiência, por vezes simpático ou não, em processos dos quais apenas leu a denúncia no dia da audiência.
Mas, ainda por cima, há grave contradição. Pela nova lei, cessa a competência do juiz das garantias com a propositura da ação penal, cabendo, portanto, ao juiz do processo receber ou rejeitar a denúncia. Ora, esse exame só poderá, por óbvio, ser feito com base na prova colhida na fase inquisitiva, o que denota insuperável contradição, pois estará atuando na mesma posição de um juiz de garantias, decidindo antes da produção das provas em juízo.
E mais: as decisões tomadas pelo juiz das garantias, como, por exemplo, a decretação de prisão preventiva, não vinculam o juiz do processo, que deve, todavia, em dez dias do recebimento da denúncia decidir se mantém ou não a prisão. Como irá, então, após receber a denúncia e manter a prisão preventiva, com base única no inquérito, prolatar a sentença final se tomou medidas antes da prova em juízo? Não estaria comprometido também?
Por outro lado, há uma realidade incontornável. Pelo site do Conselho Nacional de Justiça se verifica haver em 18 Estados cerca de 3.500 juízes. Nove Estados têm entre 56 e 200 juízes. Na Bahia, 60% das comarcas têm apenas um juiz. Neste Estado imenso há 276 comarcas e apenas 582 juízes, a maioria deles em 30 comarcas. Pernambuco tem 536 juízes. Como, então, pensar, num país com esse quadro de magistrados, na exigência de um juiz das garantias diferente do juiz do processo?
Essa novela foi adiada sine die. Em inversão de competências: o presidente da República sancionou a lei por sugestão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que dias depois legislou ao adiar a vigência por seis meses e ao excluir os crimes de violência doméstica da “exigência” de juiz “imparcial”!!! Em seguida, o vice-presidente do STF adiou a vigência por tempo indeterminado. O contrário da segurança jurídica é a surpresa, que é o que não falta quando o País está do avesso.
*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça
Vera Magalhães: Onyx vai a Bolsonaro, mas ainda balança no cargo
Presidente encerra entrevista sem confirmar se chefe da Casa Civil fica ou sai do governo
Chá de cadeira. Onyx está sendo colocado em fogo brando pelo chefe. Bolsonaro demorou a receber o ministro, que voltou antes das férias nos Estados Unidos quando viu que sua cabeça estava a prêmio. "Já que deturpou a entrevista, acabou a conversa", respondeu o presidente, encerrando um dos quebra-queixo em frente ao Alvorada no fim da tarde desta sexta-feira em que pretendia falar apenas das medidas de prevenção ao coronavírus. "Deturpar" a conversa, no caso, é perguntar se um dos principais ministros do governo vai permanecer ou cair.
Resta um. Nos bastidores, auxiliares dão conta de que Bolsonaro estuda formas de realocar Onyx no governo. Poderia ser o Ministério do Desenvolvimento Regional ou o cobiçado Ministério da Educação, mas há obstáculos no caminho, além do desconforto do chefe da Casa Civil com a possibilidade de que a mudança seja vista como "rebaixamento".
Montanha-russa. O gaúcho foi o primeiro ministro anunciado pelo então presidente eleito, ainda em outubro, juntamente com Paulo Guedes. Tal prestígio se devia ao fato de ter sido o primeiro deputado com trânsito na Câmara a apoiar o então baixo clero Bolsonaro, contrariando inclusive decisão do DEM, seu partido. Ele demonstrou força ao bancar a candidatura de Davi Alcolumbre no Senado e ao emplacar um auxiliar seu no Ministério da Educação, mas foi perdendo espaço para outros integrantes do Planalto e se indispondo com Guedes pelo rumo das reformas.
Eles que lutem. Onyx agora vive a situação bastante constrangedora de ter de duelar por uma vaga com um aliado seu, o titular da Educação, Abraham Weintraub, que ele "inventou" no bolsonarismo. Weintraub começou uma campanha para se manter no posto que passa por atiçar uma das principais características de Bolsonaro: a paranoia. Passou a ventilar que Rodrigo Maia o ataca para iniciar o caminho para propor o impeachment do presidente. Tenta, assim, obter um biombo para evitar sua saída do governo com base apenas na lealdade, e não em critérios técnicos ou gerenciais, uma vez que o caos administrativo se alastra pela Educação.
Prioridades. Enquanto uma guerra como sempre autoinduzida consome o presidente, seus filhos, alguns dos principais ministros e vários postos de escalões inferiores, às vésperas da volta do Congresso, no mundo grandes reviravoltas podem ter consequências para o Brasil sem que o governo pareça dar a elas a atenção devida. O Reino Unido selou sua saída da União Europeia, o que deve mexer com interesses brasileiros, entre eles a prioridade para o acordo comercial entre Brasil e UE. E o surto de coronavírus galopa no mundo enquanto o Brasil ainda engatinha em medidas tímidas e restritas ao Ministério da Saúde, sem que haja uma abordagem global de governo, que englobe áreas como comércio exterior, agricultura, turismo e segurança, por exemplo.
Gabriel Kohlmann: As lições de Davos para o Brasil
Agentes financeiros já incluem risco climático e políticas verdes nas decisões de investir
O encontro anual do Fórum Econômico Mundial, realizado na cidade suíça de Davos, é, em geral, uma vitrine para governantes e empresários mostrarem ao mundo seus melhores produtos: oportunidades de investimentos, robustez de economias, crescimento de mercados consumidores e políticas públicas “pró-business”, além de apresentar tendências de negócios e empresariais.
Esse roteiro foi protagonizado por alguns dos representantes brasileiros no evento – tanto agentes políticos (entre eles o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o governador de São Paulo, João Dória) quanto financeiros (o CEO do Itaú Unibanco, Cândido Bracher, e o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco). No entanto, fica a questão: o que esses mesmos representantes trouxeram de Davos?
Houve um componente especial na edição de 2020. Pela primeira vez em 50 anos, a bandeira central da conferência foi a questão ambiental, tratada como crise climática. O Fórum evidenciou que o meio ambiente já altera dinâmicas econômicas, de mercados e sociais, representando, assim, riscos para os negócios.
O Relatório Global de Riscos 2020, apresentado em Davos, alocou como riscos de maior probabilidade e maior impacto os seguintes elementos: eventos climáticos extremos, fracasso das medidas climáticas, desastres naturais e perda da biodiversidade.
Há muito é evidente que o mundo vem sofrendo com esses problemas. No Brasil, em específico, períodos de estiagens prolongadas e mais severas, queimadas e desmatamento na Amazônia, chuvas em excesso em ambientes urbanos, entre outros, são acontecimentos recorrentes. Alguns desses eventos impactam, por exemplo, o setor de energia elétrica (disponibilidade de água para geração hídrica e térmica) e o agronegócio – carro-chefe da economia brasileira –, afetado diretamente pela escassez de recursos hídricos, pela ocupação do solo e pelas demais condições de clima no dia a dia da produção.
O estudo Setor Elétrico: como precificar a água em um cenário de escassez, lançado recentemente pelo Instituto Escolhas, precificou a escassez de água em algumas importantes bacias hidrográficas do País. Na bacia do Rio Xingu é estimado prejuízo de R$ 2 bilhões por ano na perda de energia firme da usina hidrelétrica de Belo Monte, motivado por conflito pela água, enquanto na bacia do Rio São Francisco o custo da escassez pode atingir R$ 2,5 bilhões, entre energia e agricultura, com impactos no processo de privatização da Eletrobrás.
Há a percepção de que esses custos e riscos não estão adequadamente precificados por financiadores, empreendedores, produtores e governantes no planejamento e aprovação de negócios, regulações, investimentos e políticas públicas.
Os líderes financeiros do Brasil que foram a Davos poderiam ter retornado imbuídos da determinação de fazer suas instituições formularem novas metodologias de custos e riscos ambientais para empreendimentos que serão afetados pelas mudanças climáticas, tais como energia, agricultura, mineração e infraestrutura em geral, entre outros. Poderiam também adotar novas políticas de gestão de carteiras e créditos, condicionando os investimentos das instituições a compromissos ambientais preestabelecidos, conforme amplo debate sobre financiamento verde realizado em Davos.
Exemplos apresentados no Fórum não faltam. Agentes financeiros internacionais já utilizam cálculos de risco climático e políticas verdes de gerenciamento de carteiras de investimento. O banco francês BNP Paribas, por exemplo, gera uma “métrica de temperatura” em suas operações e pode decidir pela recusa do investimento caso o empreendimento não contribua para ações de mitigação das mudanças do clima. Metodologias semelhantes são aplicadas pelas seguradoras francesas AXA e Scor.
Neste novo contexto, o anúncio mais impactante do setor financeiro veio da gestora de ativos BlackRock, uma das maiores do mundo, ao informar que limitará investimentos em empreendimentos não aderentes às políticas climáticas e somente alocará recursos em negócios verdes. Larry Fink, CEO da instituição, comentou que está na fronteira de mudanças fundamentais e estruturais nas finanças globais.
Pelo lado governamental, o ministro Paulo Guedes, da Economia, poderia ouvir mais. Os custos e riscos climáticos tendem a ser assumidos pelo Tesouro Nacional ou pela sociedade, via custo Brasil – é o caso dos custos do setor de energia, que são pagos pelos consumidores. Reguladores britânicos e franceses, além do Banco da Inglaterra, já estudam regras específicas de precificação desses elementos nas suas políticas públicas e normas para investimentos.
Assimilar e implementar localmente essas discussões, os exemplos, os negócios e as políticas mais avançadas para lidar com o principal fator de risco, a mudança climática, deveriam ser o compromisso central de quem foi passar aqueles dias na neve suíça. O dever de casa está dado!
FORMADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS, MESTRE EM ECONOMIA INTERNACIONAL E DESENVOLVIMENTO PELA UNIVERSITY OF APPLIED SCIENCES BERLIN, É GERENTE DE PROJETOS E PRODUTOS DO INSTITUTO ESCOLHAS
Elena Landau: Contabilidade criativa
O Estado está presente onde não se justifica e é ausente onde ele é necessário
A Constituição, no seu artigo 173, definiu que a presença do Estado na atividade produtiva é exceção e não regra. Privatizar, além de seguir o princípio constitucional, reduz o déficit público e permite que o Tesouro use os recursos para fins socialmente justificados. Um bom programa de privatização deve também estimular a concorrência e trazer ganhos de produtividade e eficiência.
O programa do governo atual conta qualquer operação de venda como privatização: venda de subsidiárias, de posições acionárias, de projetos de infraestrutura, leilões de óleo e vendas de campos da Petrobrás – tanto faz. A nova contabilidade criativa disfarça a timidez e lentidão da desestatização do governo Bolsonaro. A frustração é grande. O R$ 1 trilhão virou piada, e mesmo sabendo-se que Bolsonaro é contra a privatização, a expectativa era que Guedes conduzisse um programa ousado para cumprir a promessa de redução dramática da dívida pública com recursos das vendas das estatais.
Mas o processo, hoje, se resume ao desinvestimento em participações minoritárias e de subsidiárias das estatais- mãe. Não se discute que o enxugamento de ativos e o uso do desinvestimento para reduzir o endividamento e dispersão de atividades das estatais é uma estratégia positiva. “Melhor do que nada”, diriam alguns. Mas é pouco perto do que precisamos.
Essa estratégia não contribui para a redução da dívida, nem para reforma do Estado. Os recursos obtidos ficam à disposição dos dirigentes das empresas- mãe. É só na eventualidade de pagamento de dividendos, para a União e minoritários, que chegam aos cofres públicos.
O Estado continua onipresente e limitando a liberdade do mercado. Petrobrás mantém seu monopólio no gás; Banco do Brasil, a exclusividade no crédito agrícola; e a poupança dos trabalhadores continua compulsoriamente administrada pela Caixa.
Na agenda verdadeiramente liberal não cabe o apelo a “setores estratégicos”, conceito que varia ao sabor da tendência política de cada governante. Como já escrevi várias vezes neste espaço, o art. 173 deveria ser a regra do jogo, o norte do programa, mas vem sendo ignorado por completo. Nem mesmo estatais “do PT” estão no horizonte de privatização deste governo.
A venda de ativos vem de decisões da administração das empresas que não passam pelo Conselho do Programa Prioritário de Investimentos (PPI), nem estão incluídas no PND. Não seguem uma orientação do Ministério de Economia que, aliás, não tem comando sobre o processo, como revela a ausência gritante da Valec, EPL, Infraero e EBC na lista do PND.
A redução da presença do setor público, que se obtém vendendo subsidiárias ou participações minoritárias, pode se revelar temporária. É provável que uma estatal fortalecida financeiramente venha a reinvestir e expandir de novo seus negócios. Afinal, não há governança que não possa mudar ao sabor da política e da pressão dos “aliados”. Nada mais revelador do que a recriação da Telebrás no governo Lula.
E por falar em governança de estatais: como justificar que o governo suspenda peças de propaganda, cancele palestras de seus críticos, deixe no ar a ameaça de intervir nos preços dos combustíveis e indique diretores, apesar da lei das estatais? Só a venda definitiva garante uma redução permanente da presença do Estado na economia.
No Fla-Flu das redes sociais, o que vale é quantidade. A qualidade do programa pouco importa. E o governo aproveita para surfar nesta onda. Prometeu arrecadar R$ 150 bilhões, sem, no entanto, revelar a origem dessa estimativa. A julgar pela contabilidade do ano passado, vale tudo. Até mesmo a venda de participações minoritárias em sociedades privadas, o governo conta como privatização. Difícil privatizar o que já é privado.
Com essa contabilidade criativa, tenta convencer a opinião pública de que há um amplo programa de privatização em curso. E não há.
A cada manifestação, a meta anunciada pelo secretário de desestatização muda de apelido: 300 empresas, 300 negócios, 300 ativos ou 300 companhias. Não são a mesma coisa. A narrativa oficial coloca qualquer desinvestimento de estatais como privatização. Não é.
A lentidão do processo é atribuída à burocracia no PND e à má vontade do Congresso. Toda privatização, pequena ou grande, sofre resistência política. Foi sempre assim. Não paralisou Eduardo Leite, que aprovou até uma PEC, nem impediu que Temer enviasse ao Congresso um projeto para liberar a venda da Eletrobrás que, aliás, é a única iniciativa enviada ao Legislativo até o momento e que conta com apoio de Maia. Este governo poderia seguir o exemplo e enviar um PL para bancos públicos e Petrobrás. Só assim se saberá de fato o que pensa o Congresso, que ainda não foi testado. Mas se o próprio governo é contra, fica difícil.
O Estado está presente onde não se justifica e é ausente onde ele é necessário: Enem, Sisu, INSS e Bolsa Família. Governo federal poderia seguir o exemplo do governador do Rio Grande do Sul.
*ECONOMISTA E ADVOGADA
O Estado de S. Paulo: Brexit começa e Reino Unido busca negócios com EUA
Britânicos deixam nesta sexta-feira a UE e iniciam negociações para um acordo de livre-comércio que compense a perda de mercado europeu
LONDRES - Um dia antes de o Reino Unido deixar a União Europeia (UE), o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, recebeu nesta quinta-feira, 30, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que enfatizou os “enormes benefícios” para os dois países do acordo comercial pós-Brexit que eles estão prestes a negociar.
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Três anos e meio após a decisão britânica de deixar a União Europeia, o Reino Unido experimenta uma situação econômica paradoxal: os investimentos caíram e o crescimento é lento, mas o desemprego está em um mínimo histórico. A aproximação com os EUA é uma aposta de Johnson para compensar as perdas do Brexit. É difícil saber quanto a saída da União Europeia custou ao Reino Unido até agora, mas é certo que o crescimento da economia tem patinado: de 1,8%, em 2017, para 1,4%, em 2018, de acordo com o Escritório de Estatísticas Nacionais (NSO). A reunião de Johnson e Pompeo, em Londres, durou meia hora.
Ao sair, o chefe da diplomacia americana disse que tinha sido um encontro “fantástico”. “Estou otimista, porque havia coisas que o Reino Unido tinha de fazer como membro da UE e agora eles podem fazê-lo de maneira diferente”, disse Pompeo. “Tudo isso será visto no acordo de livre-comércio que queremos começar a negociar imediatamente. Quando você olha pelo espelho retrovisor, verá os enormes benefícios para nossas duas nações.” Depois que o Parlamento Europeu ratificou o acordo de saída, na quarta-feira, o Reino Unido deixará o bloco hoje à meia-noite (20 horas de Brasília), embora na prática quase nada mude durante o período de transição planejado até o final de dezembro.
Londres encerrará quase 47 anos de relacionamento com a UE, que, pela primeira vez em sua história, perderá um membro e conquistará um poderoso concorrente comercial e financeiro à sua porta.Um dos principais argumentos dos defensores do Brexit tem sido – desde a campanha do referendo de 2016 em que ele foi decidido por 52% dos votos – recuperar o controle de sua política comercial para negociar livremente acordos com outros países.É certo que a esmagadora vitória de Boris Johnson nas eleições legislativas de dezembro deu ânimo à economia. A primeira estimativa dos índices que medem o crescimento da atividade econômica indicou na semana passada uma recuperação em um nível que não era visto desde setembro de 2018, após cinco meses de queda.
PARA ENTENDER
A cronologia do Brexit
Decisão de sair da União Europeia deixou os britânicos com a tarefa de conduzir o processo sem fazer um rompimento brusco; relembre
Além disso, uma pesquisa publicada pelo principal sindicato patronal, o CBI, mostrou uma recuperação do otimismo entre os empresários. A confiança aumentou para 23% no período de três meses encerrado em janeiro, algo que não ocorria desde 2014, em comparação com 44% negativos da pesquisa anterior.
Prioridade
O presidente americano, Donald Trump, considera “uma prioridade absoluta” alcançar um ambicioso acordo de livre-comércio com o Reino Unido, e seu secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, disse que espera concluí-lo ainda neste ano.Mas Washington e Londres terão percalços. A decisão britânica de permitir que a fabricante chinesa de telecomunicações Huawei participe, mesmo que limitadamente, de sua rede 5G é uma das principais.Washington acusa a gigante tecnológica chinesa de ser espiã do governo de Pequim, o que a empresa nega. Com esse argumento e em um contexto de rivalidade comercial, ele pediu a seus aliados que excluíssem a Huawei do desenvolvimento da próxima geração de sua rede de internet móvel de alta velocidade.“O Partido Comunista Chinês representa a principal ameaça do nosso tempo”, afirmou Pompeo em Londres. Johnson havia defendido o direito dos britânicos de acessar a tecnologia de ponta da Huawei, e disse que isso não vai prejudicar a cooperação com os Estados Unidos.
Europa
Ao mesmo tempo em que costura acordos com Washington, Johnson deve negociar o futuro relacionamento com a UE após o Brexit. Até agora, seus 27 parceiros temem que o Reino Unido se torne um concorrente injusto, exigindo que respeitem um certo número de normas de direitos trabalhistas, ou ecológicas, para acessar o mercado europeu. Esse exercício será delicado. Nas negociações com os EUA, Londres poderá ter de aceitar, por exemplo, produtos com padrões menos rígidos para a saúde, ou para o meio ambiente, em relação aos alimentos, do que os impostos pela UE.
Entre outras questões que complicam as relações anglo-americanas, estão o projeto britânico de taxar gigantes da internet, a recusa dos EUA em extraditar a mulher de um diplomata envolvido em um acidente de trânsito que matou um adolescente na Inglaterra, assim como a denúncia de um procurador de Nova York de que o príncipe Andrew, filho da rainha Elizabeth II, não estaria cooperando com uma investigação do FBI sobre o pedófilo Jeffrey Epstein, morto em agosto. / AFP e EFE
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Marcos Sawaya Jank e Renata Amaral: Acordo EUA-China – impacto e inconsistências legais
Frágil, incompleto, ele pode implodir a qualquer momento e causar estrago global
O mundo está instável e perigoso. Epidemias, migrações descontroladas, conflitos étnicos e religiosos, protestos de rua, terrorismo e nacionalismos exacerbados são fatos diários neste período turbulento que vivemos.
Nos últimos seis meses vimos a China ser abatida por uma epidemia de peste suína africana, que dizimou a produção doméstica da proteína preferida da culinária chinesa. Na sequência, a guerra comercial com os Estados Unidos parece estar se transformando num grande acordo que pode impactar o acesso dos demais competidores. A epidemia de coronavírus, nas últimas semanas, pode afetar o crescimento e o comércio chineses.
Durante mais de 70 anos os EUA lideraram um louvável esforço para criar regras multilaterais de comércio no sistema Gatt-OMC. A China aderiu ao sistema em 2001, beneficiando-se fortemente da corrente de abertura comercial e globalização que foi criada. É nesse contexto que temos de analisar o impacto da primeira fase do acordo econômico e comercial entre EUA e China, assinado em 15 de janeiro.
O endosso das duas maiores economias do planeta a um acordo explícito de facilitação de comércio em favor dos EUA (na linha “America first”) pode representar um golpe profundo na Organização Mundial do Comércio (OMC), além de causar mudanças importantes na geopolítica do comércio global.
Acordos comerciais típicos normalmente tratam de liberalização do comércio entre dois ou mais países. Diferentemente, este acordo comercial é uma versão extrema de uma nova e perigosa forma de “comércio administrado”, com a China concordando em comprar um adicional US$ 200 bilhões em bens e serviços dos EUA “com base nas condições do mercado”. Isso quase dobraria as exportações dos EUA para a China em 2021, em relação ao ano-base de 2017.
Duas questões fundamentais emergem desse contexto: 1) pode a China forçar suas empresas domésticas a comprarem esse imenso volume dos EUA, em detrimento de outros parceiros comerciais? 2) Essa nova prática de “comércio administrado” é consistente com as regras multilaterais da OMC?
O capítulo do acordo sobre agricultura impõe à China uma série de obrigações para conceder melhores condições de acesso a mercado para as importações dos EUA de grãos, lácteos, aves, carne bovina e suína, carne processada e arroz, entre outros. Chama a atenção a criação de uma espécie de fast track regulatório para os EUA em questões sanitárias, administração de cotas de importação e trocas de informação para o comércio de produtos de biotecnologia agrícola entre os países (variedades transgênicas de soja, por exemplo).
As obrigações da China variam entre a remoção de certas restrições de importação, o relaxamento de alguns requisitos substantivos e procedimentais na inspeção sanitária, a concordância com padrões de produtos e requisitos de rotulagem e o acesso facilitado a importações originárias de plantas fabris norte-americanas qualificadas.
A menos que a China estenda esses compromissos a outros membros da OMC, a implementação desse acordo com os EUA soa fortemente discriminatória. A chamada cláusula da “nação mais favorecida” estabelece que os membros da Organização devem estender os mesmos benefícios e conceder tratamento não discriminatório a todos os demais membros (artigo I.1. do Acordo Geral de Tarifas e Comércio – Gatt 1994).
No mesmo tom, o artigo 2.3 do acordo SPS da OMC estabelece que medidas sanitárias não podem ser fonte de discriminações arbitrárias e injustificadas entre os membros. O que vale para um vale para todos, salvo no caso da existência de acordos preferenciais de comércio, o que não é o caso entre EUA e China.
Outro capítulo que chama a atenção nesse acordo é o que trata de “expansão de comércio” por meio de compromissos não recíprocos de importação. Na agricultura, as importações da China oriundas dos EUA teriam de saltar de US$ 16 bilhões no ano passado para US$ 36,5 bilhões este ano e US$ 44,5 bilhões em 2021.
Administrar quantitativamente o comércio é um erro crasso, que vai desviar comércio, em vez de aumentá-lo. O mecanismo para isso permanece secreto, mas se aplicado de forma discriminatória a outros países – por meio de cotas, por exemplo – estaria potencialmente violando os artigos XI e XIII do Gatt.
O acordo entre Pequim e Washington marca o nascimento de uma nova era nas relações comerciais internacionais, mas faz um desserviço ao sistema multilateral de comércio, já abalado pelo bloqueio dos EUA à nomeação de juízes para o Órgão de Apelação da OMC – que por isso deixou de funcionar em dezembro último.
Em que pese a trégua temporária entre as duas potências, em vez de aprimorar regras comerciais globais e horizontais, caminhamos a passos largos na direção do comércio bipolar e administrado, que certamente ajudará a reeleger Donald Trump no final deste ano. Mas o pior é que, sem segurança jurídica, incompleto e com pouca previsibilidade, o acordo EUA-China é frágil, inconsistente e pode implodir a qualquer momento, causando grande estrago no cenário global.
RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR DE AGRONEGÓCIO GLOBAL DO INSPER, TITULAR DA CÁTEDRA LUIZ DE QUEIROZ DA ESALQ-USP, E DOUTORA EM DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL, PROFESSORA AJUNTA DA AMERICAN UNIVERSITY, EM WASHINGTON DC