O Estado de S. Paulo
William Waack: Sem ‘outsider’
Nós, brasileiros, criamos mais um paradoxo: queremos o ‘novo’ mantendo o ‘velho’
Tenho grande apreço pelo ex-ministro Joaquim Barbosa, que conheço pessoalmente, mas não o suficiente para dizer se ele é fã de Tom Jobim. É atribuída ao maestro a frase “o Brasil não é para principiantes”. Ao desistir da candidatura que nem sequer tinha sido oficializada, Joaquim Barbosa confirmou o cerne da mensagem de Tom Jobim: no sistema político-partidário brasileiro, prosperam apenas os profissionais.
A grosso modo, esse sistema vigora desde a redemocratização e favorece estruturas partidárias estabelecidas e seus respectivos caciques. Nunca foi atropelado por fora – Collor em 1989 já era um conhecido governador e Lula venceu em 2002 quando já era suficientemente parte desse mesmo sistema.
Ele perdura, e impede que o Brasil, nas próximas eleições, possa ser comparado a uma França (Macron fundou um partido um ano antes de se eleger). Frente à realidade das nossas estruturas políticas, Joaquim Barbosa e Luciano Huck preferiram (pelo bem deles e pelo bem geral) cuidar por enquanto das próprias vidas.
A complicação expressada nos “fracassos” de Barbosa e Huck frente ao sistema político é muito maior do que terem embaralhado por algum tempo a corriqueira dança das articulações políticas e as possíveis alianças eleitorais. Pois o que atropelou por fora nosso sistema político foi a Lava Jato, que em boa parte o destruiu, mas não o substituiu por qualquer outra coisa.
Além de ter trazido algo realmente inédito comparado às últimas eleições: a campanha anticorrupção encurralou também a máquina do governo e, ao lado da extraordinária impopularidade do atual presidente, impediu um candidato “governista” capaz de desfrutar da capilaridade e força da estrutura de distribuição de benesses comandada pelo Executivo.
Para os candidatos que ainda estão aí, e correndo para ocupar um lugar privilegiado no chamado “centro” do espectro (a categorização é complicada, reconheço, devido à maçaroca ideológica brasileira), o desafio é severo. Esses candidatos têm de se apresentar como algo “novo”, algo “longe do que está aí”, sabendo perfeitamente que terão de jogar pelas regras do sistema velho e terão de governar pelo já exaurido modo brasileiro de presidencialismo de coalizão.
Pior ainda: quem atropelou por fora o sistema político, os articuladores e condutores da Lava Jato, incluindo braços no STF, detêm hoje um poder extraordinário que é o de determinar o que pode ou não no sistema, por meio do controle que de fato exercem sobre os principais personagens políticos (se necessário for, alterando a Constituição).
No momento a política no Brasil ocupa-se sobretudo com corrupção, com destaque também para a segurança pública, e os árbitros que conduzem o tema estão fora do sistema – que julgam poder “sanear” pela lavagem de seus elementos corruptos. Já é, para todos os efeitos, um “Poder Moderador” exercido recentemente apenas pelos militares, que julgavam saber o que era melhor para a política (ironicamente, imbuídos de similar viés redentor – sim, os militares exerciam o poder para si, vamos ver como fica com os condutores da Lava Jato).
A forma como a política é praticada no País, porém, continua a mesma, agravada pela excepcional desconfiança das pessoas em relação à sua capacidade de resolver problemas. Com o que se desenha o grande cenário abrangente para as próximas eleições: um público indignado, clamando por algo “novo”, que terá de decidir por candidaturas que só prosperam dentro do arcabouço do “velho”, todos conduzidos por uma campanha anticorrupção de grande apelo popular – esta sim, a verdadeira “outsider” na campanha eleitoral. Nós, brasileiros, criamos mais um paradoxo: queremos o “novo” mantendo o “velho”.
Monica de Bolle: Reformas truncadas
Tivessem Brasil e Argentina escapado de reformas truncadas, as perspectivas poderiam ser melhores
A história de reformas econômicas na América Latina não é auspiciosa. Invariavelmente, desde os anos 90 – para que não tenhamos de voltar muito ao passado – os países da região engataram reformas e as viram engasgar pouco tempo depois. Para tomar apenas os exemplos do Brasil e da Argentina, o vaivém das reformas é o grande fio em comum que os une. Os desafios nem sempre foram exatamente os mesmos desde a redemocratização dos dois países, mas arranque e engasgo jamais estiveram ausentes.
Talvez por isso tenhamos visto recentemente reações tão fortes dos mercados nos dois países apesar da sensação de que as duas economias estejam menos frágeis do que estavam há um par de anos. Diante da turbulência que acertou em cheio os países emergentes, com desvalorizações expressivas e quedas nas bolsas, o Banco Central da Argentina se viu na desagradável posição de ter de elevar os juros de 33,25% para 40% na semana passada. A ação veio após duas expressivas elevações anteriores – no fim de abril, a taxa de juros estava em 27,25%. Além da súbita contração monetária, o governo argentino também anunciou alteração na meta para o déficit fiscal, uma redução de 3,2% para 2,7% em 2018. Embora nada de tão dramático tenha ocorrido no Brasil, o País não escapou das fortes oscilações que andaram espantando investidores. Apesar das diferenças que caracterizam os dois países, a desconfiança exacerbada que os afetou recentemente tem relação inequívoca com o histórico de reformas truncadas.
O gradualismo do governo Macri e o imenso desafio de consertar os estragos do Kirchnerismo andavam surpreendentemente bem até o início de maio. A inflação permanece elevada, assim como o déficit externo, mas alguma consolidação fiscal havia sido alcançada e as projeções de crescimento mostravam otimismo com a retomada argentina.
De forma semelhante, até meados de abril, os mercados brasileiros mostravam-se razoavelmente satisfeitos com a recuperação econômica, além de esperançosos em relação à possibilidade de avançar em algumas áreas onde o Congresso, hoje em recesso branco, não fosse necessário. É verdade que o otimismo que predominara no fim de 2017 e no início de 2018, com vários renomados economistas acreditando que a economia andava de vento em popa, começara a se dissipar.
Contudo, nessas duas semanas de maio, a impressão que dá é que atravessamos o Rubicão. Na Argentina, há renovado temor de que Macri não seja capaz de levar a cabo as reformas de que o país tanto necessita, ainda que tenha tempo para fazê-lo até as eleições do ano que vem, e mesmo reconhecendo que, ao menos hoje, não há oposição para atrapalhar seus planos. No Brasil, surgiu o espectro que inevitavelmente apareceria em algum momento: o medo de que as reformas truncadas de Temer para consertar as contas públicas venham a complicar muito o quadro econômico do País, sobretudo com as crescentes incertezas políticas e a certeza de que caberá ao próximo governo tomar medidas duras para evitar uma nova crise. A ameaça das reformas truncadas está em ampla evidência nos países vizinhos.
Diversos fatores são responsáveis pelo ressurgimento da ameaça, mas o timing sugere que dentre todos os estopins, Trump tenha sido elemento fundamental. Afinal, foi em maio que os mercados começaram a se dar conta das possíveis repercussões globais do “Trumpismo” comercial. O imbróglio das sobretaxas de aço e alumínio já afetaram o Brasil e a Argentina, cujo preço para evitar as salgadas tarifas foi expor-se às cotas indigestas demandadas pelo governo americano.
Para além disso, as tensões entre EUA e China escalaram ante a constatação de que o governo chinês não tem a menor intenção de se curvar às vontades inaceitáveis de Trump – de que abandone seu plano de desenvolvimento industrial conhecido como Made in China 2025, de que reduza o superávit bilateral com os EUA no montante de US$ 200 bilhões, cifra que aumenta a cada instante. O embate entre as duas maiores economias do planeta e os dois maiores parceiros comerciais do Brasil e da Argentina nada trarão de positivo para esses países, apesar da possibilidade de alguns ganhos pontuais em setores específicos.
Tivessem Brasil e Argentina escapado do eterno ciclo de reformas truncadas que os caracteriza desde quase sempre, talvez as perspectivas fossem um pouco melhores. Mas a Argentina acaba de pedir socorro ao FMI...
* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY
O Estado de S. Paulo: Militares se unem para lançar 71 candidatos nas eleições 2018
Grupo pretende eleger deputados e governadores em 25 Estados e no DF
Por Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo
Motivados pelo desempenhodo deputado e pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL-RJ) nas pesquisas eleitorais, pelo menos 71 militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica lançaram pré-candidaturas a vagas no Congresso e no Executivo em 25 Estados e no Distrito Federal. Por enquanto, só o Acre não tem candidato nesse grupo. Parte deles se reuniu nesta terça-feira, 8, pela primeira vez, em Brasília para unificar o discurso.
Militares pré-candidatos
Os pré-candidatos usaram frases e slogans para afirmar que trabalham com princípios de “honestidade” e “defesa dos interesses do País” cultivados nos quartéis. Bem ao estilo militar, a reunião começou pontualmente no horário marcado, com pouco mais de 30 participantes. A mesa foi composta apenas por generais, hierarquicamente superiores aos demais nas Forças. Cada presente se apresentou e os discursos, feitos sem interrupção, tinham como tema principal o combate à corrupção e o direito de militares de se candidatarem a cargos eletivos.
Mesmo ausente, Bolsonaro foi lembrado no evento, realizado em uma sala da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), na área central de Brasília. O presidenciável foi convidado, mas não compareceu – o que rendeu crítica de um dos presentes, que preferiu não se identificar. Nesta quarta-feira, o grupo pretende ir ao Congresso para se encontrar com o deputado.
O discurso mais contundente da reunião foi o do general de Exército da reserva, Augusto Heleno, que não se coloca como candidato, mas está sendo pressionado por seus pares a entrar para a política. General Heleno primeiro rejeitou a tese de que se esteja tentando formar uma “bancada militar”, justificando que não pode existir divisão entre sociedade civil e militar, e disse que considera isso “um preconceito” e “uma invenção da esquerda”.
O general disse ainda que Bolsonaro “não é o candidato dos seus sonhos”, mas que “é o único com possibilidade de mudar o que está aí porque todos querem que se faça uma faxina no País”. Depois de recomendar que o momento não é de “olhar pelo retrovisor e ficar elogiando o regime militar, mas de olhar para frente e buscar mudanças no País”, o general Heleno saiu em defesa do pré-candidato do PSL.
O general de Exército da reserva Augusto Heleno
O general de Exército da reserva Augusto Heleno, que não é pré-candidato, é pressionado para entrar na política Foto: ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO
“Exigem do Bolsonaro o que nunca exigiram dos outros candidatos. Querem que o Bolsonaro seja a mistura de Churchill, Margareth Thatcher, Ronald Reagan, o Papa Pio XII. Essa cobrança nunca foi feita antes aos outros”, disse o general. “Bolsoraro tem defeito? Tem defeitos. Mas é o único que se apresenta hoje, pelo menos com a intenção e a possibilidade de mudar o que está aí. Daí essa grande reação ao nome dele, que está sendo até chamado de fascista, o que é um absurdo, porque quem não é de esquerda é tachado de fascista, o que ele não é, sem direito de defesa”, afirmou. Neste momento, foi aplaudido pelos colegas. Heleno disse ainda que, “ao contrário do que alguns entendem, Bolsonaro não vai poder governar sozinho e vai ter de montar uma equipe conjunta”.
A mesa de discussão foi conduzida pelo general Girão Monteiro, pré-candidato a deputado federal pelo Rio Grande do Norte – que está atuando como organizador dos candidatos militares no País. Ele defendeu a tese que os militares “têm direito de votar e ser votado, como qualquer outro segmento da sociedade.” Segundo ele, “temos de funcionar como agentes de mudança do País”. Para o general, os militares, com esta mobilização, “estão dobrando a esquina e a dobrada é para o lado direito”.
PARTIDO DE BOLSONARO ATRAI PRÉ-CANDIDATOS
É da legenda de Bolsonaro, o PSL, que vem a maior parte dos pré-candidatos ligados às Forças Armadas – 60 deles são filiados a legenda. Dos 71 postulantes, entre militares da reserva e da ativa, há uma única mulher. A coronel da reserva do Exército Regina Moézia, de 54 anos, quer ser deputada distrital em Brasília.
Terceira geração de militares de sua família e integrante da primeira turma de mulheres do Exército, coronel Regina diz estar acostumada a lidar com grupos majoritariamente masculinos. Mãe de um aluno da Escola Preparatória para o Exército, a coronel Regina está apostando nas mídias sociais para se eleger. Este tem sido o principal meio de comunicação dos candidatos militares – que veem na falta de recursos e na filiação a partidos pequenos e sem dinheiro um dos principais obstáculos para se elegerem.
Além do PSL, outros militares vão lançar candidaturas por 13 partidos – PSDB, PSC, PR, PEN, PRP, PRTB, Novo, Patriotas, DEM, PHS, PROS, PTB e PSD. Várias patentes têm representantes – desde candidatos generais até coronéis, sargentos e capitães.
O Estado de S. Paulo: Joaquim Barbosa confirma que não será candidato à Presidência
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) utilizou as redes sociais para comunicar a decisão
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, cogitado há alguns meses como pré-candidato do Partido Socialista Brasileiro (PSB) à Presidência da República, confirmou nesta terça-feira, 8, que não concorrerá ao cargo. De acordo com ele, a decisão é "estritamente pessoal".
A ideia do partido era lançar a candidatura até o dia 15 de maio. O principal argumento é o de que, a partir desta data, os presienciáveis poderão arrecadar dinheiro para a campanha por meio de financiamento coletivo (crowdfunding), chamado de “vaquinha virtual”.
Joaquim Barbosa
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@joaquimboficial
Está decidido. Após várias semanas de muita reflexão, finalmente cheguei a uma conclusão. Não pretendo ser candidato a Presidente da República. Decisão estritamente pessoal.
10:07 - 8 de mai de 2018
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Barbosa vinha mantendo suspense sobre a decisão de disputar ou não a Presidência da República. À revelia, o PSB já havia começado a montar uma estrutura de campanha e a procurar partidos para compor a chapa presidencial. Os dirigentes pessebistas avaliaram que era necessário antecipar a organização da legenda mesmo sem o aval do ex-ministro.
Esta não foi a primeira vez que o PSB pressionou Barbosa. Em abril, a bancada da legenda na Câmara divulgou manifesto público cobrando do ex-ministro contribuição para que a sigla possa “revigorar” projeto eleitoral apresentado em 2014, quando o partido teve candidatura própria ao Palácio do Planalto.
Recém-filiado, o ex-presidente do STF já era considerado o virtual candidato do partido. A resistência inicial a um projeto eleitoral encabeçado pelo ex-ministro foi superada internamente, disse ao Estado o presidente do PSB, Carlos Siqueira, no início de abril.
“Havia dúvidas, mas ao longo do tempo elas foram se atenuando. Hoje (a candidatura) é um consenso. Vai ser possível anunciar em breve”, afirmou.
Eliane Cantanhêde: Sem favorito(s)
Hoje, uma aposta seria Ciro e Alckmin no segundo turno. Amanhã? Ninguém sabe
Sabe o que faz esta eleição tão atípica, diferente das demais? A esta altura, já havia um favorito em 1994, 1998 e 2002 e já se sabia quem iria para o segundo turno em 2006, 2010 e 2014. Agora, não. Os candidatos se embolam e se contorcem. Nenhum deles é favorito ou está virtualmente no segundo turno.
Lula está fora. Bolsonaro bateu no teto. O resto é o resto e cada um tenta fechar alianças, ganhar uns minutos a mais na TV, montar equipe, articular um esquema de financiamento sólido (e que não dê problemas depois...), além, claro, de subir nas pesquisas. Está uma pedreira.
Há quem insista na candidatura de Lula, preso em Curitiba, sabendo que se trata de ficção. Há quem defenda Fernando Haddad como plano B. Há quem admita o inadmissível na história do partido: abrir mão da cabeça de chapa para Ciro Gomes, do PDT.
Ora Haddad é presidenciável, ora disputa a vice de Ciro, agora já é opção para o governo de São Paulo. Mais um pouco, vira candidato a síndico de prédio. É o PT enfraquecendo o PT.
Gleisi Hoffmann, aliás, diz que Ciro não passa no PT nem com “reza brava”, mas o fato é que ele se fortalece com a fraqueza do PT e tenta servir de boia para o partido trazer junto o PCdoB de Manuela d’Ávila e o PSOL de Guilherme Boulos e, ao mesmo tempo, tornar-se palatável à elite financeira. Lula gostaria de todos juntos, mas não é uma operação fácil.
De qualquer forma, Ciro vai se habilitando ao segundo turno e seus articuladores devem acender velas e investir em chazinhos e ervas para que ele não saia socando jornalistas e eleitores e matando suas próprias chances.
Quanto a Bolsonaro: com a prisão de Lula, ele nem cresceu, como previam uns, nem esvaziou, como torciam outros. Simplesmente estagnou. E é estagnado que tenta atrair partidos, deputados, tempo de TV e recursos para sua campanha. E deve morrer de medo de enfrentar debates ao vivo, que podem ter um efeito inverso para ele: em vez de crescer, minguar.
Pelo centro, um centro com cara e jeito de esquerda, concorrem Joaquim Barbosa e Marina Silva. Uma chapa entre os dois seria poderosa, mas... Joaquim e o PSB brincam de gato e rato, Marina nem admite conversar sobre ser vice e ninguém, na verdade, sabe o que o ex-presidente do STF pensa sobre economia, crise fiscal, reforma da Previdência. Sem isso, o País não sai do fundo e continua asfixiando justamente os mais pobres – que são a maioria.
Geraldo Alckmin, que não atinge dois dígitos e precisa crescer em São Paulo, continua atraindo as atenções (e a aflição) de quem não pula no barco das esquerdas nem no da direita bolsonarista. Ele pode não encantar, mas se beneficia da percepção de que é o único candidato que, apesar de tudo, ainda pode trazer oficialmente o MDB e o DEM, com seus preciosos minutos de TV e sua forte capilaridade.
Michel Temer é tão candidato hoje quanto era no início, ou seja, zero candidato. E, por isso, ele comanda as negociações PSDB-MDB com desenvoltura e até descuido. Ou o presidente esqueceu que Henrique Meirelles saiu da Fazenda para disputar o Planalto pelo MDB?
Como Temer, Rodrigo Maia não chegou em algum minuto a crer nas suas chances. E, sem ele, o DEM tende a somar com PSDB, MDB e PSD em torno de Alckmin. Mas, atenção: em todos haverá dissidentes.
Como eles, também Flávio Rocha, João Amoêdo e o próprio Meirelles tenderão a apoiar Alckmin, principalmente num eventual segundo turno entre ele e Ciro, por exemplo. Mas, juntos, terão de tourear Álvaro Dias, uma peça-chave nessa arena. Dias não tem força para ganhar, mas pode ter para derrotar Alckmin, que, de quebra, para complicar, convive com um fantasma: Paulo Preto, o Palocci do PSDB.
Sérgio Augusto: No Brasil, 1968 foi marcado pelo 'Cinema Fora da Lei' e pela Tropicália
Assim como o século 20 só começou em 1914, com a 1.ª Guerra Mundial, o ano de 1968 só teria começado com as agitações de maio, que na verdade tiveram início em fevereiro (na França) e em março (no Brasil). Em Paris, com uma crise na Cinemateca Francesa; no Rio, com o assassinato de um estudante. Se valem marcos positivos – e por que não valeriam? – tiro dois da cartola: a Ofensiva do Tet, no penúltimo dia de janeiro, quando os vietcongues começaram a “virar” a guerra no Vietnã, e um manifesto do jovem (22 anos) crítico paulista Rogério Sganzerla, Cinema Fora da Lei, escrito enquanto rodava O Bandido da Luz Vermelha.
Com o manifesto e seu filme, só lançado comercialmente em São Paulo no fim do ano, o cinema brasileiro acendeu a primeira fogueira da conflagração cultural da temporada, marcada por atos, fatos, feitos e desfeitos de consequências duradouras. Da crescente politização dos filmes à eclosão do Tropicalismo; da primeira montagem de O Rei da Vela à invasão, por 90 trogloditas do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), de outro espetáculo de José Celso Martinez Corrêa, Roda Viva, com músicas de Chico Buarque; do colossal show cívico da Passeata dos 100 mil à provocativa bandeira serigrafada (“Seja marginal, seja herói”) de Hélio Oiticica; das primeiras e arrojadas feiras de arte no Museu de Arte Moderna do Rio à criação, pelo governo, do Conselho Superior de Censura, que Millôr Fernandes recepcionou com esta tirada: “Se é de censura, não pode ser superior”.
Já na abertura de seu manifesto – um contraponto ao da “estética da fome” de Glauber Rocha – Sganzerla anunciava: “Meu filme é um faroeste sobre o 3.º Mundo”, uma fusão e mixagem de vários gêneros, um filme-soma. Misto de bangue-bangue urbano com toques de documentário e comédia musical, do noir de Orson Welles e do anarquismo de Godard, O Bandido da Luz Vermelha foi, em outra clave, o Terra em Transe de 68. Acabou justamente premiado no Festival de Brasília, concorrendo com Nelson Pereira dos Santos (Fome de Amor) e uma das melhores e mais politizadas safras do cinema brasileiro moderno.
Brasília 68 foi especialmente agitado e, de certo modo, contaminado pela crise institucional protagonizada pelo deputado Márcio Moreira Alves, que despertara a ira dos militares ao sugerir que a população boicotasse os festejos da Semana da Pátria. A Comissão de Justiça da Câmara ainda se recusava a autorizar o governo a processar o deputado quando este fez uma aparição relâmpago no Hotel Nacional (QG do festival), para conversar com os amigos do cinema e da imprensa – e abafou. Horas depois, o poder verde-oliva impôs-se ao legislativo, baixou o AI-5 e fechou o Congresso.
Apesar dos feitos cinematográficos, da poderosa influência (mesmo in absentia) de Glauber e da agitadora onipresença de Zé Celso, 1968 afinal se consagrou como um ano musical por excelência e insistência. O entusiasmo juvenil pelos festivais que a TV Record promovera em 1967 ajudou a consolidar a Tropicália liderada por Caetano Veloso, Gilberto Gil e os Mutantes, um contraponto irracional, anticonvencional e antropofágico do dirigismo programático (e pretensamente brechtiano) do Centro Popular de Cultura, até então hegemônico junto às esquerdas e ao público jovem.
Não sem alguns percalços. Vaiado pela plateia estudantil que lotava o Teatro Tuca, na capital paulista, Caetano, do alto da autoridade moral que lhe dera a recente composição É Proibido Proibir, encarou sem piscar a intolerância. “Mas é isto que é a juventude que diz querer tomar o poder?”, berrou. “Vocês não estão entendendo nada. Nada. Se vocês forem em política o que são em estética...”
Essa guerra cultural entre irmãos – todos vítimas das mesmas forças retrógradas estéticas e ideológicas que mandavam no País – culminaria com um duelo musical, não entre o samba tradicional e as guitarras elétricas tropicalistas, mas entre uma canção lírica e outra de protesto. A brasilidade pura não estava em jogo na noite de 29 de setembro, final do Festival Internacional da Canção, no ginásio do Maracanãzinho, no Rio. Uma das finalistas, Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, era a Canção do Exílio de Gonçalves Dias revisitada. A concorrente, Para Dizer que Não Falei de Flores (também conhecida como Caminhando), de Geraldo Vandré, conquistara a plateia, que a tomou por um hino de protesto contra a ditadura.
Os jurados do festival afinal optaram pelo protesto sutil de Sabiá, escolha recebida com a mais estrepitosa vaia que meus ouvidos já ouviram – e certamente também os de Tom e Chico, que saíram constrangidos. Torci por Sabiá, que o tempo me convenceu ser a mais bela das canções brasileiras. Caminhando acabou proibida pela Censura e Vandré, perseguido pelos militares.
O aziago 1968 tinha tudo para terminar mal, como de fato terminou. Enquanto o Festival da Canção descia a cortina, um enfarte tirava de nosso convívio o mais estimado gozador da imprensa e da TV, Sérgio Porto, vulgo Stanislaw Ponte Preta, o Lalau das “certinhas” e do Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País), aliviando um pouco a barra dos poderosos do dia, vítimas diárias de seu sarcasmo. Em menos de duas semanas, outra perda irreparável para o humor e a cultura: Manuel Bandeira, nosso poeta mais alegre, partia de vez para Pasárgada. 1969 não lhe faria a menor falta.
Eliane Cantanhêde: Lula solto?
Não é provável, mas tudo é possível no plenário virtual da Segunda Turma
Pergunta que não quer calar, inclusive dentro do próprio Supremo: por que o ministro Edson Fachin enviou para o plenário virtual da Segunda Turma um agravo regimental da defesa do ex-presidente Lula? Por que não para o plenário real da Turma ou para o próprio plenário do tribunal? Afinal, o que está em jogo é grave: manter ou não Lula na cadeia.
Com o Supremo pegando fogo e a Segunda Turma a toda hora botando mais lenha na fogueira com decisões no mínimo polêmicas, a sensação – ou suspeita? – é de que recorrer ao plenário virtual foi para proteger os ministros e evitar que se exponham ao vivo e em cores durante a votação. Ou seja, possam tomar uma decisão até mesmo esdrúxula sem a exposição direta à opinião pública.
A votação virtual, por escrito, foi aberta na última sexta-feira e vai até a próxima quinta-feira, com o anúncio do resultado no dia seguinte. Depois disso, os votos estarão abertos, mas voto escrito é muito diferente de voto com a cara, a voz e as expressões do ministro, e sem debates desgastantes ao vivo. Digamos que é menos constrangedor – se o voto, evidentemente, for constrangedor.
Primeiro, a defesa de Lula entrou com uma reclamação, alegando que o TRF-4, de Porto Alegre, havia descumprido a determinação do STF de só prendê-lo após o fim do julgamento, até dos embargos dos embargos. Como o próprio Fachin negou provimento (embargos dos embargos não têm efeito suspensivo, são considerados meramente protelatórios), os advogados entraram com o agravo que recebe os votos virtuais dos cinco ministros da Segunda Turma.
Tecnicamente, conforme especialistas, o agravo perdeu o objeto, porque a reclamação foi antes da análise dos embargos dos embargos, agora já concluída pelo TRF-4. Seria, assim, uma votação simples e, em favor de Fachin, esse teria sido o motivo para que ele optasse pelo plenário virtual, que é justamente para casos simples. Mas será simples mesmo?
A defesa de Lula tem o objetivo explícito de anular a autorização de prisão dada pelo TRF-4 e aplicada pelo juiz Sérgio Moro. Logo, de anular a própria prisão. E esses recursos estão no mesmo embalo da decisão da própria Segunda Turma de tirar de Moro os trechos sobre Lula nas delações da Odebrecht.
Com base nela, a defesa entrou com pedido para retirar de Moro não só esses trechos, mas todo o inquérito sobre o sítio de Atibaia – que, segundo o juiz, foi calcado em outras provas e começou antes mesmo das delações da Odebrecht. Relator, o ministro Dias Toffoli negou o pedido, argumentando, em tradução livre, que uma coisa (os trechos da delação) é uma coisa, outra coisa (o inquérito do sítio) é outra coisa.
Como Toffoli tem tomado decisões consideradas extravagantes até por alguns colegas – como a autorização para Demóstenes Torres concorrer em outubro, mesmo após a cassação pelo Senado –, paira uma dúvida no lindo prédio de vidro e concreto do Supremo: Toffoli negou monocraticamente aquele pedido da defesa de Lula para reduzir preventivamente o impacto da decisão do plenário virtual da Segunda Turma?
Vamos saber em alguns dias, mas a avaliação de quem vive nesse clima é que, se for uma decisão técnica, o agravo da defesa de Lula será derrubado por unanimidade, por cinco a zero. Mas será tão técnica assim? Pelo histórico da turma, que se contrapõe à Primeira, dá sempre 3 a 2 ou 4 a 1, com Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski de um lado, Fachin do outro e o decano Celso de Mello como pêndulo. Logo, tudo pode acontecer. Inclusive Lula ser solto.
Foro
A favor da restrição do foro privilegiado, Cláudio Lamachia (OAB) compara com a indústria e admite que não será uma festa: “A capacidade instalada da Justiça está aquém da demanda”.
Bolívar Lamounier: Um bico de pena para corações fortes
O resultado da eleição afetará a recuperação econômica, podendo até mesmo revertê-la
Para mim, a quantidade de sandices, disparates e aberrações que vemos e ouvimos diariamente sobre a vida pública brasileira só tem uma explicação: a maioria das pessoas não consegue imaginar o quanto a situação atual pode piorar.
Quando digo “as pessoas” não me refiro a toda a sociedade e certamente não às camadas de menor renda e escolaridade. Estas padecem de severas limitações no tocante à compreensão das informações que recebem. Desse ponto de vista, não existe e nunca existiu uma sociedade homogênea e é por isso que as camadas médias e altas têm de arcar com uma parcela maior de responsabilidade no que diz respeito à manutenção de padrões razoáveis de racionalidade social. Afirmar o contrário, como diuturnamente fazem aqueles que se arvoram em críticos do “elitismo”, é mera demagogia. Mesmo os cidadãos mais informados e lúcidos às vezes se esquecem de que a destruição do que acabamos de construir pode ser rápida, mormente quando causada por erros palmares na condução da economia e dos negócios do Estado, como ocorreu no período de governo da sra. Dilma Rousseff.
Nas ciências humanas, uma constatação central na evolução do conhecimento histórico durante o século 20 foi a de que qualquer país, mesmo os mais adiantados, pode sucumbir a retrocessos gravíssimos (preciso lembrar o caso alemão?). Nos países que ainda se debatem com o desafio de criar condições aceitáveis de renda para a maioria da população, essa constatação assumiu um sentido simétrico: nada garante que progrediremos de forma natural e indefinida. Não chegaremos ao patamar social que almejamos nem mediante um sistema de planificação macroeconômico nem por obra e graça de uma mão invisível infinitamente benigna. Não há um bom porto previamente construído, pronto para nos dar as boas-vindas; haverá, talvez, se o soubermos construir, passo a passo, ou seja, operando para que a sociedade em que vivemos não se afaste demasiadamente de um padrão médio de racionalidade. Para nos convencermos disso, como antecipei, precisamos não só aspirar a um futuro melhor, mas também a aprender a temê-lo, quando começamos a perder até os elementos básicos da comunicação social, a linguagem da política, e todo senso de realidade.
Nosso poeta maior, Carlos Drummond, escreveu que no meio do caminho havia uma pedra. O Brasil não tem uma, tem muitas pedras, e pelo menos três delas deveriam estar bem nítidas em nosso radar coletivo: o impacto da corrupção no sistema político e os consequentes embates entre a Lava Jato e o STF; a natureza do PT e do lulismo como entidades políticas, responsáveis principais pelo rancor que vem corroendo até os fundamentos linguísticos do debate público; e, não menos importante, os ventos malignos que a caixa de Pandora da eleição presidencial tem o potencial de liberar.
Além de sua escala espantosa, a teia de corrupção desvendada nos últimos anos evidenciou, acima de qualquer dúvida, dois aspectos de nossa estrutura institucional que percebíamos, mas talvez não quiséssemos identificar em toda a sua crueza. De um lado, a desagregação praticamente total da organização partidária, que a esta altura não cumpre papel algum, nem mesmo o de prover ao público uma elementar sinalização das posições que se manifestarão na eleição de outubro. Há pesquisas indicando que metade do eleitorado não se dispõe a votar e a outra metade votará muito mais com os pés que com a cabeça, procurando o candidato ou candidata que melhor expresse sua cólera sobre tudo o que tem acontecido. E dado que a política abomina o vácuo, a “judicialização da política” atingiu níveis virtualmente impensáveis. Não só pela debilidade dos partidos e do Legislativo, claro, também pelo impacto da Lava Jato; mas como desgraça pouca é bobagem, o que estamos a presenciar diariamente é um STF ao mesmo tempo intervencionista e causticamente dividido internamente. Quatro ou cinco ministros parecem menos interessados em colocar a instituição na altitude arbitral que a Constituição lhe atribui do que em bloquear os avanços logrados no combate à corrupção.
O segundo ponto a considerar é a natureza do PT e do lulismo dentro de nossa história democrática e de nossa presente engrenagem institucional. Não se requer mais que um simples retrospecto dos 37 anos de existência do partido para concluir que ele se alimenta de uma ambiguidade constitutiva em relação à democracia representativa. Põe um pé dentro dela e outro fora, trocando-os conforme suas táticas e conveniências. Carece por completo de uma fundamentação doutrinária inteligível: tanto podemos qualificá-lo de marxista como de anarcossindicalista (segundo as Reflexões sobre a Violência, de Georges Sorel), como de uma agremiação que cultiva a política na forma dual recomendada pelo teórico pré-nazista Carl Schmitt: o “nós” contra “eles”, ou o amigo contra o inimigo. Esses traços já seriam graves, mas é preciso acrescentar que a inspiração soreliana implica uma paixão incontível pela ação direta, pelo desrespeito às instituições, na contestação das normas constitucionais vigentes, como temos visto seguidamente nos bloqueios de vias públicas e estradas e num persistente esforço de erosão das normas do convívio social.
Por último, mas não menos importante, a eleição de outubro, cujos contornos se apresentam nebulosos. O resultado, qualquer que seja o presidente escolhido, afetará profundamente o processo de recuperação econômica, podendo mesmo (queira Deus que não!) revertê-lo. Os melhores prognósticos que os economistas têm aventado para o quatriênio indicam um crescimento anual medíocre do PIB (2% talvez) e a dívida bruta do setor público chegando a 90% do PIB em 2021. E esse, entendamo-nos, é o mínimo necessário para podermos pensar num desempenho aceitável a partir daquela data.
* Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciência.
Fernando Henrique Cardoso: Rumos, não só lamentos
O País precisa de renovação, mas com conhecimento, visão, honestidade, esperança
Passei uma semana em Nova York para participar de um evento sobre novas tecnologias para a medição da ingestão de drogas por condutores de caminhão pelas marcas deixadas nos cabelos. Tendo exercido por muitos anos a presidência da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, da qual continuo a ser membro, achei útil difundir os aperfeiçoamentos na medição do seu uso continuado para coibir que os adictos a tal prática ocupem funções em que esse hábito possa ser daninho ao bem público e à vida de terceiros.
Defender uma política não repressiva aos usuários de drogas não significa ser partidário de seu uso. Nem se devem tratar os usuários como criminosos (tratamento a ser dado aos narcotraficantes) nem deixar de restringir as possibilidades do uso das drogas, a começar pelo tabaco, hoje praticamente expulso dos locais de trabalho, estudo e mesmo lazer.
Pois bem, à margem da conferência, que se realizou em dependência da ONU, ao ler os jornais e ver a TV, voltei nesta terça-feira ao Brasil com a intenção de fazer um paralelo entre a “política” nos Estados Unidos e a nossa. Por lá a mídia não perdoa. Por menos que eu tenha simpatia pelos métodos e propósitos de Trump, há que reconhecer que qualquer passo dele é vigiado e se tenta obstruir seu caminho usando notícias em geral verdadeiras, mas também duvidosas. Isso é da alma da democracia contemporânea, hoje mais atribulada pela força das mídias sociais. Tanto lá como aqui. Com uma diferença: as instituições americanas são mais fortes do que as nossas e os rumos do país são debatidos com argumentos pelas organizações partidárias.
Aqui chegando, um susto: pegou fogo e ruiu um edifício em pleno centro de São Paulo, no qual habitavam dezenas ou mesmo centenas de famílias e que pertencia à União, a qual negociava com a Prefeitura sua posse e seu uso. Pelo nome do prédio, a família que o construiu deve ter sido a mesma que possuía uma fábrica de alumínio e vidros para os batentes e para as portas e janelas, materiais que na época (1950-1960) eram o símbolo da “modernidade”. Sabe-se lá por que tropeços, o edifício foi parar nas mãos da União (provavelmente dívidas não pagas) e esta, depois de usá-lo, ficou sem saber o que fazer com ele, assim como com milhares de outras edificações. Mais grave ainda: esse edifício era tombado pelo patrimônio histórico. Quer dizer, nele nada se pode fazer sem autorização pública. Ora, diante da carência de habitação para os mais pobres e dos movimentos sociais e políticos (falsos e verdadeiros), seria previsível o que aconteceu e acontece em centenas de outros edifícios do centro de São Paulo: a ocupação por famílias “sem teto”.
Daí por diante a ação do poder público se torna ainda mais lenta, com boa escusa: trata- se de uma questão social que requer o olho da Justiça antes da ação da polícia. Tempo suficiente para que exploradores se misturem aos que autenticamente têm compromisso com a causa do acesso à moradia e comecem a explorar os mais miseráveis, cobrando taxas e todo tipo de subordinação. Ou seja, a “questão social” (falta de renda, trabalho e moradia) explode, confundindo-se com a exploração feita por malandros ou pelos próprios organizadores de invasão, ainda que justifiquem suas ações com propósitos defensáveis.
Ruiu um prédio, morreram pessoas (por sorte poucas, mas no caso de vidas não são os números que contam), dezenas de famílias estão desabrigadas, a mídia faz barulho, as administrações fazem jogo de empurra e, pior, o que aconteceu não é diferente do que provavelmente acontecerá em muitos outros prédios ocupados.
Ocupações também houve em Nova York, no Bronx ou mesmo no Harlem. E não faltaram squatters em Londres. Em Paris, até hoje os habitantes podem solicitar às prefeituras apartamentos com aluguel moderado, chamados HLM (habitations à loyer modéré), solução que não deu certo porque, como a maioria dos projetos do Minha Casa, Minha Vida, em geral resulta em habitações localizadas em áreas pouco urbanizadas e distantes dos locais de trabalho dos moradores. Muitos se transformaram em aglomerações urbanas com altos índices de delinquência. Mas nas cidades citadas houve maior continuidade nas ações dos governos, mesmo com coloração política distinta, em busca do bem-estar comum.
É isso o que nos falta. Marchamos quase às cegas para novas eleições daqui a cinco meses. Candidatos à Presidência proliferam. Por quê? Ah, porque sim; porque “tenho todas as condições pessoais para isso”, diz a maioria. E é assim que se consegue governar? Talvez algum caudilho antiquado ou “carismático” engane as massas por algum tempo. Mas governar é coisa mais séria. Se a União nem consegue dar destino a um prédio que é seu e a Prefeitura nem sabe bem como fazer para ocupá-lo (ou desocupá-lo para evitar tragédias...), vê-se que o País precisa reformar a máquina pública. O que dizem a respeito os candidatos? Com que forças sociais e políticas contarão se eleitos? Em uma palavra: com o que estão eles ou elas política e socialmente comprometidos? O que farão com o Brasil, que, afinal, é o que conta? Com o País e com sua gente.
Há uns poucos que têm história e carregam o peso de terem partidos. Sabe-se mais ou menos o que pensam e como agem. E digo isso sem me referir apenas a um candidato, e sim aos que têm trajetória e experiência. O País precisa de renovação, mas esta não é apenas juventude e falta de prática político-administrativa. Para dar bom resultado ela precisa de conhecimento, visão, persistência, honestidade e esperança.
Quem sabe, no entremear de alianças partidárias para aumentar o tempo de televisão, do esforço desesperado para escapar das acusações em curso, das manobras congressuais para abocanhar pedaços do “fundo eleitoral”, ainda se consiga ouvir a voz dos candidatos, tonitruantes, mas não apenas com slogans, e sim com propostas embasadas no que sabem e no que serão capazes de alcançar porque terão apoio na sociedade. É minha torcida.
* Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da República.
O Estado de S. Paulo: ‘Barbosa vai ter de se apresentar e dizer o que pensa’, diz Paulo Câmara
Paulo Câmara afirma que setores do PSB estão ansiosos pela definição e acham que ex-ministro do STF está ‘muito silencioso'
Por Eduardo Kattah e Pedro Venceslau, de O Estado de S.Paulo
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), disse que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa “precisa se apresentar”, pois “o povo não vai eleger um presidente sem conhecer suas ideias”. O PSB ainda aguarda a definição de Barbosa, que se filiou ao partido e poderá ser o candidato da legenda na disputa pelo Palácio do Planalto.
Herdeiro político de Eduardo Campos, o governador pernambucano tenta atrair o PT para uma aliança em torno de sua futura candidatura à reeleição. Segundo ele, os projetos regionais do PSB não impedem uma candidatura própria à Presidência da República. Câmara concedeu entrevista nessa sexta-feira, 4, ao Estado em um hotel da região sul de São Paulo.
O sr. teve um encontro recente com o ex-ministro Joaquim Barbosa, que se filiou ao PSB e é um possível candidato à Presidência. O que conversaram? Qual foi sua impressão?
O PSB saiu do seu congresso (em março) com três entendimentos para 2018: candidatura própria, alianças com partidos de centro-esquerda ou liberação nos Estados para apoiar candidaturas próprias. Dentro desse contexto apareceu a filiação do ex-ministro Joaquim Barbosa. Tive um encontro com ele antes da filiação e outro depois, fora a reunião do partido em Brasília. Ele está muito consciente das bandeiras das quais o PSB não abre mão. Há ansiedade em muitos setores do partido em resolver logo isso, mas há um movimento acertado de esperar um pouco mais. Existe um tempo político e eleitoral. Vamos definir isso nos próximos 60 dias. Pode haver alguns setores que acham que está muito silencioso.
Barbosa representa o novo na política?
Ele sempre foi um ministro com uma visão de justiça social. Passa a impressão de que tem determinação de fazer o que precisa ser feito, mas precisa se apresentar. Se for caminhar para uma candidatura será muito questionado. Vai ter que dizer o que pensa em relação ao Brasil. O povo brasileiro não vai eleger nenhum presidente sem conhecer suas ideias e ter um mínimo de confiança.
O que acha das ideias dele para economia?
Ele sabe da necessidade de reformas, tem preocupação com desenvolvimento social e desigualdade social. Tem uma estratégia de conversar com todas as alas da economia. Esse é um dever de casa que ele se propôs a fazer.
Barbosa devia se expor um pouco mais? Ele demonstrou pouco traquejo político naquela reunião com o PSB...
Temos que respeitar o tempo que ele pediu. É óbvio que, se tiver a candidatura, ele vai ter que expor e falar. Não se faz campanha eleitoral sem estar nas ruas. Esse é o passo seguinte. Nós também não podemos sair com uma candidatura própria sem conversar com os campos com que nos identificamos, de centro-esquerda. Vai precisar acontecer uma discussão com os demais partidos de centro-esquerda. Isso é fundamental. Precisamos de uma estratégia para o primeiro e o segundo turno.
No plano regional, o PSB procura o apoio do PT. No nacional, o candidato pode ser o ministro que foi relator do mensalão que condenou a cúpula do PT. Uma eventual candidatura do Barbosa pode atrapalhar seu plano regional?
Temos uma ampla aliança em Pernambuco. Sempre houve a possibilidade de termos palanques variados, mesmo com candidatura própria. Já passamos por isso em outros momentos. O importante é o projeto, e o PSB tem um muito claro, que foi feito com Eduardo Campos em 2014.
Então para Barbosa ser candidato pelo PSB, ele precisa se adequar à plataforma de centro-esquerda do partido, e não o partido se adequar a ele...
Isso é evidente. Não temos um projeto eleitoral, mas de governo. Não abrimos mão. Se a pré-candidatura do ex-ministro for para frente, ela tem que se incorporar a esse programa e às ideias do partido, que tem 70 anos. O PSB não apareceu agora. Tem história. Está no campo de centro-esquerda. Qualquer candidato do partido vai ter que ter coerência com o que nós pensamos.
A morte do Eduardo Campos deixou o partido fragmentado. A candidatura presidencial não é importante para isso?
Isso sempre existiu. As diferenças regionais existem. Mas, mesmo com a morte de Eduardo, conseguimos um ponto de equilíbrio, que foi a ida do Carlos Siqueira para a presidência do PSB. No final, o PSB sempre mostra unidade.
O ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) esteve muito próximo do PSB, mas a aliança com ele não foi para frente. Ele destoa muito do pensamento do partido?
A gente tem muito respeito pelo ex-governador Geraldo Alckmin. Tivemos uma convivência muito boa. Aqui em São Paulo o PSB é um aliado dele. Mas o Brasil é grande e o partido tem um programa de governo. Muitas bandeiras que Alckmin defende, o partido discorda. As reformas, por exemplo. Não defendemos a reforma da Previdência que foi exposta pelo governo federal, e o ex-governador Alckmin defendeu.
Alckmin e outros candidatos de centro vão ter dificuldade de conseguir votos no Nordeste?
O candidato a presidente que quiser ter votos no Nordeste vai tem que apresentar um programa com ações efetivas, como o presidente Lula teve capacidade de fazer.
O Nordeste é lulista?
O Nordeste tem muita gratidão pelo que o presidente Lula fez pelo desenvolvimento da região. Isso está muito presente na cabeça do povo nordestino, que rejeita a forma como o Brasil está sendo governado pelo presidente Temer. As pesquisas e avaliações mostram isso.
Qual será o reflexo da prisão do ex-presidente Lula na campanha à Presidência e na disputa em Pernambuco?
A população ainda está assimilando isso. Não tenho uma opinião formada sobre isso. A própria decisão do STF sobre a prisão do Lula foi dividida, 6 a 5. Há muita divisão no País, mas a população nordestina tem muita solidariedade e gratidão (a Lula). Isso pode pesar nas eleições de 2018.
Como avalia a estratégia do PT de manter a candidatura do Lula, mesmo preso?
O ideal era que todos os partidos e forças políticas de centro-esquerda conversassem mais e tivessem uma estratégia que pudesse resultar em uma candidatura única ou aliança no segundo turno. Fazemos parte de uma frente de partidos e assinamos um manifesto pela democracia. Estamos dispostos a dialogar. Temos até julho para discutir isso e ver a melhor estratégia.
Marina Silva foi a candidata do PSB após a morte do Campos, mas saiu do partido. O que houve com essa relação?
O afastamento veio da própria Marina, e não do PSB, que sempre esteve aberto a conversar com ela. A Rede participou do meu governo por três anos, com pessoas próximas a Marina, em pastas importantes, como o Meio Ambiente. O ex-secretário Sérgio Xavier era muito presente na vida de Marina Silva. Ela simplesmente se afastou do PSB, especialmente em Pernambuco, onde tinha uma identificação muito grande comigo e com a família de Eduardo Campos. Infelizmente, a política tem isso. A gente só quer estar junto de quem quer estar junto de nós. Se ela quiser conversar, o PSB está de portas abertas, mas não basta só um lado querer dialogar.
Quanto pretende gastar na campanha?
O limite de gastos da legislação é em torno de R$ 9 milhões, menos da metade do que gastamos em 2014. Pretendo gastar o que a legislação permitir. Mas o partido ainda não definiu a distribuição. O PSB tem muitas candidaturas majoritárias.
Nesse aspecto, uma candidatura presidencial não drena recursos dos palanques estaduais?
Prejudica, mas vamos ter que nos adaptar se tivermos candidatura. Uma campanha presidencial puxa voto.
A intervenção federal na segurança do Rio tem sido criticada. Pernambuco também sofre coma questão da violência. Como avalia esse processo? Pode ser válido para Pernambuco?
Eu, como governador, não aceitaria uma intervenção. Cabe ao governante tratar a questão da segurança do Estado. A União tem um papel a cumprir, mas não cumpre bem há muito tempo.
Renata Campos tem um papel central na política de Pernambuco?
Ela sempre esteve presente na trajetória de Eduardo. Tem uma vivência e experiência. Mas, com o falecimento de Eduardo, decidiu não entrar na vida partidária. Gosta da política, mas não será candidata. É uma pessoa que sempre é ouvida.
O João Campos, filho de Eduardo, assumiu esse papel mais partidário?
Ele se formou aos 21 anos em engenharia e definiu que queria entrar na vida pública. É um talento. Foi meu chefe de gabinete. Vai disputar agora um mandato de deputado federal.
Mas a família está dividida. Marília Arraes, prima de Eduardo, é pré-candidata pelo PT, o irmão, Antonio, está no Podemos...
Dr. Arraes sempre deixou muito claro que não tinha herdeiros na política. Eduardo caminhou com suas próprias pernas.
Como foi sua relação com o governo Dilma Rousseff? Como é a relação com Michel Temer?
A relação foi difícil com Dilma. Já éramos oposição em 2015. Ela quis fazer um ajuste naquele ano sem consequências que paralisou o Brasil. É muito difícil, de uma hora para outra, sem planejamento, parar com os investimentos federais no Brasil. O governo Temer tem prioridades totalmente contrárias ao que a gente entende que é melhor para o Brasil. Isso gera muito conflito. É um governo sem legitimidade que acabou trazendo a ampliação das desigualdades. Nós fomos um dos Estados que mais sofremos. A falta de acesso ao crédito em Estados que têm níveis baixos de endividamento dificultou muito. Podíamos estar gerando emprego e renda com nossas próprias pernas.
O PSB vai ter candidatura própria?
A gente tem um período de maturação. Não dá para ter uma definição. Hoje, o partido nem pré-candidato ainda tem.
A educação será a principal bandeira do senhor?
Ser governador tem muito sofrimento e algumas alegrias. Mas a gente tem algumas alegrias realmente. A educação dá muita alegria, porque você vê meninos pobres que se dedicam, passam o dia nas nossas escolas de tempo integral, estudam, aí já estão ganhando o mundo nesse programa que manda para o exterior. Meninos que nunca viram o mar, que não conhecem o Recife, vão para o Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Estados Unidos, Espanha, e voltam sabendo que só depende deles. Eu estou motivando (esses jovens) a fazer universidade, principalmente os que não têm renda, eu dou uma bolsa, para quem é da escola pública, tem baixa renda e que passa na universidade pública, de dois anos para se manter até conseguir um estágio, arrumar emprego. E esses meninos estão passando em todas as universidades, estão vindo para São Paulo estudar Direito na USP, estão indo para a UnB estudar Relações Internacionais, indo para o Recife estudar na Federal. Educação a gente vê que transforma a vida. Em 2007, quando Eduardo assumiu, Pernambuco estava lá atrás, a pior educação do ensino fundamental, último lugar, 21º no ensino médio. Em 11 anos, se tiver foco, gestão, prioridade, se faz uma transformação como a gente está fazendo.
Quanto o sr. investe em educação?
Eu invisto 27% das nossas receitas, o limite é 25%. Mas a gente consegue ter um (gasto) per capita, por aluno, muito menor do que todos os Estados, porque nós temos merenda, fardamento escolar, tudo devidamente dado. E tem gestão. Acho que o grande salto que nós demos foi na gestão, priorizamos escola em tempo integral, escolas regulares. Em dez anos é possível transformar. O que o Brasil precisa é de planejamento. Se qualquer presidente deixar de ficar quatro anos pensando em reeleição, se pensar em plantar sementes, a gente transforma. Isso é possível fazer. O Brasil tem tudo para avançar, mas precisa de gestão, de priorização, de regras claras, de mais entendimento.
Fernando Gabeira: Grande problema, grande cidade
Por que tragédias num lugar que pode ser um dos mais atraentes da metrópole?
Passei uma semana no centro de São Paulo, antes da queda do prédio de 24 andares no Largo do Paiçandu. Meu foco era a Cracolândia, mas não deixei de registrar a grande presença de moradores de rua, cerca de 25 mil na cidade, e os prédios ocupados pelos movimentos de sem-teto.
Um deles me impressionou. Tinha 20 andares, a pintura encardida e cortinas rosa, vermelhas, verdes, algumas improvisadas com papelão. A imagem me levou a alguns minutos de contemplação.
Um funcionário da Secretaria de Habitação me informou que havia negociações em curso para comprá-lo e achar uma saída, antes que as coisas ficassem mais graves. Um prédio com as mesmas características pegou fogo e desabou. Havia negociações em curso.
Como entendo pouco do tema, procurei saber algo mais com os atores envolvidos. Supunha que divergências ideológicas estivessem travando soluções de consenso. Saí de São Paulo com uma sensação de que o problema é tão complexo que o ideal seria definir pontos de convergência e tentar algumas soluções, inclusive para a Cracolândia.
Não deixa de ser ingênuo desejar que as pessoas deixem a rigidez ideológica na porta e discutam de uma forma madura medidas pragmáticas. Os que se apoiam na ideologia e dependem do conflito para mobilizar precisam experimentar também pequenas realizações para descobrir que não se cresce só brigando, mas também fazendo acordos.
Existem setores que vão resistir. Na Cracolândia, por exemplo, o crime organizado está presente e quer manter as coisas como estão. Como explicar a invasão e o saque aos prédios populares que eram a vitrine do governo Alckmin naquela região?
Os moradores do prédio no Largo do Paiçandu pagavam entre R$ 200 e R$ 500 de aluguel. O movimento político que administrava a invasão tem interesses materiais no status quo. Pelo que pude observar, examinando propostas do governo e dos intelectuais de esquerda que fizeram o projeto de renovação dos Campos Elísios, algumas casas populares estavam nos planos de ambas as partes.
Apesar do grande desastre no Largo Paiçandu, o que senti nas ruas de São Paulo é que os moradores de rua estavam vivendo um momento favorável, se é possível dizer isso. Foram dias de sol e o verão abriu lugares menos hostis. Eu os vi na lateral da Prefeitura e do outro lado da rua. São muitas as ONGs e igrejas que procuram alimentá-los. No inverno as coisas ficam mais difíceis – 25 mil pessoas ao relento equivalem à população de muitas cidades do interior. Como agasalhá-los ou mesmo prevenir doenças e morte? A isso se soma o fato de que mais de 1 milhão de pessoas vivem em condições precárias de habitação.
Ao observar o que se passa na Cracolândia e no centro, outro ângulo me preocupou: a segurança biológica. Vivemos tempos difíceis e o próprio Bill Gates ao lado de um grupo de cientistas advertiu sobre o perigo das epidemias, que podem ser devastadoras. É preciso incluir essa dimensão no planejamento urbano, evitar a vulnerabilidade de parte da população porque, em tese, o destino de todos está em jogo.
Minha viagem a São Paulo foi uma introdução à gravidade do problema. Ele não acontece por acaso: milhares de pessoas deixam suas cidades em busca de uma chance na metrópole.
Mas São Paulo é maior que esse problema. Isso não significa que não se viva aqui um dos grandes dramas nacionais. O prédio desabado, por exemplo, era do governo federal.
Os candidatos a presidente poderiam fazer uma visita ao centro de São Paulo. Mesmo que isso não os motive, pelo menos conheceriam um importante aspecto do país que pretendem governar.
Mencionei a Cracolândia e o centro num artigo na semana passada, desejando aprender com as soluções e torcendo por elas. Concluí que se a sensação de urgência não prevalecer sobre a rigidez da visão ideológica, corremos o risco de tornar o Brasil ingovernável.
A queda de um edifício de 24 andares no centro da maior e mais rica cidade do Brasil é algo forte demais para ser um episódio perdido no tempo. Para mim, o lugar é uma espécie de marco zero. Não só o terror devasta, mas também anos de indecisão e descaminhos.
Soluções amplas para problemas dessa dimensão precisam de dinheiro. Se puder vir de todas as fontes, melhor. O governo federal tem uma secretaria de drogas. Não é possível que não tenha uma política para a Cracolândia, onde o drama se mostra sem máscara.
Uma renovação desse território é tão desafiadora que até o seu êxito pode criar novos problemas: uma política bem-sucedida com a população de rua, em tese, pode atrair mais gente para a metrópole.
Casas populares numa área economicamente forte podem originar o que os ingleses chamam de gentrificação. Elas se valorizam, os moradores as vendem para gente de mais poder aquisitivo. Mas é melhor tratar com eles do que com o fracasso. Na verdade, as coisas estão mudando na região, mas num ritmo ainda lento.
Um hospital será construído na Cracolândia, o Pérola Byington. A base policial montada no Largo Coração de Jesus é elogiada pelos moradores. Embora os soldados não cheguem até o chamado fluxo, a concentração de usuários de crack, eles garantem uma segurança no entorno.
Três postos do governo acolhem usuários e moradores de rua em espaços onde podem comer, tomar banho, dormir, obter documentos e até fazer terapia musical. Comparando imagens que fiz agora com as do passado, cheguei à conclusão de que houve uma redução, um progresso territorial que afastou de uma praça e alguns outros pontos a concentração de usuários.
Tomara que a queda do edifício ajude também a apressar os passos dados, desatar longas negociações. Por que tragédias num lugar que pode ser um dos mais atraentes da metrópole?
* Fernando Gabeira é jornalista
Eliane Cantanhêde: Fim do foro, fim da festa?
Restrição ao foro foi grande passo, mas as dúvidas são muitas e vão durar
Ao restringir o foro privilegiado para senadores e deputados federais apenas por crimes cometidos durante o mandato e relativos a ele, o Supremo quebrou um paradigma, abriu uma ampla avenida para derrubar o foro de demais autoridades e lavou a alma da opinião pública. Mas isso é só o começo.
Depois da sessão, perguntei à presidente Carmen Lúcia quando a mudança vai começar na prática: “Imediatamente”, ela respondeu, sem titubear. E pode ser hoje. As dúvidas, porém, são muitas:
1) O próprio STF terá de avaliar, caso a caso, o que é e o que não é crime relativo ao mandato. Receber propina para votar um projeto, evidentemente, é. O marido bater na mulher, ao contrário, não tem nenhuma relação com a função. E quando o deputado dá um tapa na cara de alguém num evento político, como aconteceu no Pará?
2) Após a decisão do STF, os advogados vão avaliar se é melhor para o réu ficar no STF ou ir para a primeira instância. E vem a maratona de recursos, numa direção ou outra. Quanto tempo isso dará ao réu e quanta energia tomará do ministro e de uma turma do STF?
2) Não haverá mudança de instância após a instrução do processo – quando o ministro dá prazo às partes para alegações finais –, pelo princípio da “prorrogação de competência”. Afinal, o juiz que acompanha um caso, ouve acusação e defesa e conhece as provas é o mais apto para proferir a sentença. Então, dois casos semelhantes poderão ter destinos diferentes por questão de timing. Um ficará no STF, outro irá para a primeira instância. Uma confusão.
4) Todos os processos referentes à Lava Jato irão automaticamente para o juiz Sérgio Moro, ou uns vão para o Rio, outros para Brasília, outros ainda para a Bahia e assim por diante? Com 18 mil juízes no País, há ou não o risco de olhares, interpretações e sentenças muito díspares? Para uns réus, a ida para a primeira instância será o inferno e, para outros, o paraíso?
5) Mais: Moro está numa Vara especializada nos crimes da Lava Jato, mas em Belo Horizonte, por exemplo, há dezenas de juízes com milhares de processos referentes a tráfico, estelionato, assassinato etc. Quando um juiz receber um caso do Supremo, por sorteio, vai se deparar com um processo complexo, cheio de minúcias e de excelentes advogados pagos a peso de ouro. Isso vai ou não parar tudo até ele tomar pé da situação?
6) Renan Calheiros, Romero Jucá e Aécio Neves, campeões de inquéritos entre os que têm foro no STF, enfrentam processos por variados motivos. Cada processo vai para um Estado, uma Vara, um juiz? Vão ter advogados em Curitiba, Brasília, São Paulo, Minas, Alagoas, Roraima? Vão virar muitos Renans, Jucás e Aécios?
7) Como indagou o ministro Gilmar Mendes, o que acontece com os processos de parlamentares que trocam de cargo? Detalhando: como deputado, o sujeito era julgado no STF, agora cai na primeira instância, aí vira ministro e volta para o STF? E, se é demitido, volta de novo para o juiz de primeira instância?
8) Aliás, quando virá a “isonomia” cobrada por Dias Toffoli? Ou seja, e a restrição de foro também para ministros, governadores, membros do próprio Supremo...? Nesse caso, um dos 18 mil juízes poderá pedir busca e apreensão no Planalto e no STF?
9) E a principal dúvida é se, e quando, vier o fim da prisão em segunda instância. O sujeito será julgado antes na primeira e depois na segunda instância, mas, condenado, o que acontecerá? Nada. Ele fará um ar indignado, posará de injustiçado, culpará os inimigos e a mídia e irá para casa curtir mil e um recursos durante 20 anos. Até seu caso voltar à origem: o próprio Supremo.
O Brasil precisa mesmo rever o foro, mas não achem que será rápido, fácil, muito menos uma festa.