O Estado de S. Paulo

José Antonio Segatto: Infortúnios políticos

A exumação de um anacronismo pelo PT é mero simulacro de um passado infausto

Há momentos em que a História parece repetir-se, reavivando vestígios e elementos do passado. Muitas das ações e proposições histórico-políticas, incluídas as extemporâneas, insistem em sobreviver, em prosseguir influenciando e direcionando a intervenção de organizações, movimentos, protagonistas. Karl Marx, ao analisar o fardo de determinadas ideologias e práxis pretéritas no presente, lembrou certa feita que, em muitos casos e ocasiões, “a tradição de (...) gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”; e posteriormente completou, ao advertir que “somos atormentados pelos vivos e, também, pelos mortos”.

Uma amostra indicativa desse fenômeno pode ser situada na conduta do Partido dos Trabalhadores (PT) na atual conjuntura. Suas ações e retórica apresentam aproximação e mesmo equivalência às do Partido Comunista Brasileiro (PCB) nos anos 1948-54. Em 1945, no bojo do processo de democratização, o PCB conquistou a legalidade e transformou-se num partido de massas e de caráter nacional-popular.

Chegou a ter 200 mil filiados, adquiriu um porcentual eleitoral significativo, criou uma imprensa com diversos jornais e revistas, conquistou o apoio de extensos setores do proletariado urbano, das camadas médias e da intelectualidade. Fez-se presente na luta pela democracia com uma política de “união nacional, dentro da lei e da ordem, para a consolidação democrática”, assentada num “regime republicano progressista e popular”, como a definiu seu então venerável líder, Luís Carlos Prestes.

O período de legalidade foi, no entanto, curto – os reflexos da guerra fria, juntamente com as pressões de forças conservadoras, acarretaram a ilegalização do PCB (1947). Clandestino e perseguido, isolou-se e adotou uma política sectária, de confrontação e desdém pela liberal-democracia. Enformado por um marxismo dogmático e vulgar, retomou o projeto nacional-libertador com apelo insurrecional. Com uma retórica estridente e intolerante, passou a insultar os adversários chamando-os de “agentes do imperialismo” e/ou “do latifúndio”, “direita fascista”, “traidores do povo”, “vendilhões da pátria”, “escribas da imprensa reacionária”, “lacaios da burguesia”, além de outros termos desabonadores. Essa política começou a ser superada em meados dos anos 1950, quando iniciou um processo renovador – sob os influxos da desestalinização da URSS (1956) – que o levaria a valorizar a democracia, a ação política institucional e a via pacífica para o socialismo.

Fundado na luta contra a ditadura, o PT, por sua vez, foi constituído por segmentos sociais diversos. Generosamente amparado pela mídia, sua política se fundamentou, inicialmente, num radicalismo liberal (contra o Estado), no corporativismo de resultados e no exclusivismo partidário (rejeição de alianças e autoafirmação). Na passagem dos anos 80 para os 90, experimentou metamorfose significativa: incorporou concepções nacional- desenvolvimentistas de base estatal, absorveu contingentes consideráveis de membros da burocracia pública, acomodou-se às vantagens do sindicalismo corporativo, passou a flertar com setores insignes do empresariado, aproximou-se do castrismo e, posteriormente, do bolivarianismo e encetou um projeto de poder. A seguir, alçado ao poder central, governou com um consórcio de partidos fisiológicos e patrimonialistas, por meio da partilha do aparato estatal e de seus proveitos, da cooptação de entidades e movimentos e de políticas públicas clientelistas – sua identidade de esquerda e seu protagonismo impetuoso foram substituídos pelo pragmatismo e pelas conveniências políticas momentâneas.

No momento em que esse arranjo de poder entrou em crise e o PT foi dele excluído, seus dirigentes e militantes, adjuntos e satélites passaram a vituperar os coligados de véspera. Consternados com a destituição do mando, com a autuação de líderes acusados de mercadejar e/ou se apropriar de fundos públicos, com a corrosão de sua credibilidade e com a redução de sua capacidade mobilizatória, reanimaram seu peculiar instinto de animosidade contra os valores, normas e instituições democráticas. Seu vezo persecutório foi extremado com ataques à Justiça (facciosa, a serviço do imperialismo), à imprensa (burguesa, monopolista), ao Congresso (golpista), aos liberal-democratas (neoliberais, direitistas), etc. Com oratória ruidosa, desferiram impropérios de todo tipo contam os que ousaram e ousam não pensar como eles. Para os petistas, esses atos se justificam, pois estamos vivenciando um verdadeiro estado de exceção. A condenação e a prisão de seu “grande líder” – convertido em redentor – haveriam, disseram petistas, de provocar uma comoção inédita no País, com resultados imprevisíveis, que poderia até despertar ímpetos sediciosos em devotos e/ou correligionários e em movimentos populares que, com seus “exércitos” de sem-terra e sem-teto, incendiariam o Brasil.

Essa conduta política rebelde e intolerante parece não ter encontrado ressonância na sociedade – indicativo disso foi a considerável perda de votos e de representação nas eleições municipais de 2016. É também nítido o decréscimo de seu poder mobilizador e de sua faculdade de persuasão político-ideológica, além de ter reduzidas sua inserção e sua influência na sociedade civil e política.

Guardadas as devidas diferenças de época histórica e as particularidades político- ideológicas, bem como de formação e composição de cada um dos partidos em foco, fato é que o PT parece reencarnar muito dos fundamentos da práxis comunista e de sua cultura política, absorvendo concepções e práticas, palavras de ordem e gritos de guerra remotos. Mas se essa política já havia evidenciado seu anacronismo há cerca de sete décadas, sua exumação e concretização no presente é um mero simulacro de um passado infausto.

*José Antonio Segatto é professor titular de sociologia da Unesp


Monica de Bolle: Reservas, para que te quero

Pelo menos US$ 140 bi das reservas externas excedem ao recomendado pelo FMI. Qual o melhor uso para elas?

Experiência recente revelou para mim o quão complicado está tecer análises ou aventar ideias que fujam dos dogmas de diferentes grupos. Começo esse artigo, portanto, com uma ressalva e um alerta. A ressalva é que se trata de uma reflexão sobre as nossas reservas internacionais, hoje em cerca de US$ 380 bilhões. O alerta é para que, sabendo que alguns haverão de distorcer ou desqualificar o que tenho a dizer sobre o assunto, haja cuidado para diferenciar discordâncias saudáveis de ataques pessoais. Triste ter de começar um artigo assim, mas, adiante.

Há vários debates econômicos que jamais desaparecem. Dentre essas discussões está o nível adequado das reservas internacionais. Nos anos 90, quando das crises em série nos países emergentes, concluiu-se que o mais prudente era estocar o máximo de reservas possível para fazer frente às turbulências. Durante os anos 2000, tal estratégia foi possibilitada pelo bom momento da economia internacional, a alta dos preços das commodities, as reformas que muitos países emergentes haviam feito. Havia comprovação empírica de sobra para justificar colchões de reservas como medida precautória: as reservas eram um seguro contra crises financeiras. Contudo, sempre houve custo associado ao colchão: as reservas, como são mantidas em ativos líquidos e de baixo rendimento justamente para que possam ser usadas em caso de necessidade, não podiam ser aplicadas em investimentos de risco mais elevado e retorno maior.

A existência de um benefício – o seguro – e de um custo, isto é, a oportunidade perdida ao não se poder investir em ativos mais rentáveis, levou a intenso debate sobre o nível “ótimo” das reservas, aquele que maximizaria o benefício, ou minimizaria o custo. Na ocasião, o FMI produziu diversas análises que buscavam estabelecer o nível ótimo das reservas internacionais de cada país. Ao final, concluiu-se que o ótimo não existia, dada a complexidade de se mapear cenários. Mais produtivo seria calcular o nível adequado das reservas diante das necessidades de dólares e de outros ativos externos de cada país.

Hoje o FMI calcula esse níveis e os disponibiliza publicamente. No caso do Brasil, aponta o Fundo que nosso volume de reservas é cerca de 1,6 vez maior do que o adequado, ou uns US$ 140 bilhões acima do montante de que necessita o País considerados todos os possíveis riscos externos. E, nossos riscos externos diretos estão sob controle, com o baixo déficit na conta corrente e a quase inexistente dívida pública externa – verdade que as empresas estão mais endividadas em moeda estrangeira, mas, de modo geral, têm cobertura (ou hedge) cambial. Portanto, não seria um despropósito se o próximo governo, amparado por um programa robusto de ajuste das contas públicas e comprometido com agenda de reformas urgente, como a da Previdência, pusesse em consideração o uso de parte dos US$ 140 bilhões que excedem os níveis adequados calculados pelo FMI. Mas, qual o melhor uso para as reservas brasileiras? Como evitar desperdiçá-las?

O Brasil recebe, hoje, baixíssima remuneração pelas reservas que detém. Ao mesmo tempo, o custo médio da dívida mobiliária federal é de uns 10% ao ano. Esse custo está em declínio, mas ainda é muito mais elevado do que o rendimento das reservas. Portanto, é de se considerar a possibilidade de usar o excedente das reservas brasileiras calculado tomando como base alguma métrica de referência – usei a do FMI, mas há outras – para realocar recursos que hoje trazem pouco ou quase nenhum benefício para reduzir a dívida, o que ajudaria a diminuir seu custo de carregamento. Não estou propondo que se utilize o montante de US$ 140 bilhões de supetão, tampouco que isso seja feito de forma isolada. O argumento é que se utilize as reservas aos poucos para recomprar parte da dívida como um dos elementos de uma agenda mais ampla de ajustes que inclua as medidas fiscais cabíveis e as reformas que não podem mais esperar. Há riscos? Sim. O maior e que traria as piores consequências seria desperdiçar o possível espaço fiscal conquistado com essas medidas em maluquices e desvarios que aumentassem a despesa pública. Dada a sanha de nosso Congresso, as ramificações políticas do uso das reservas para esse fim têm de ser bem avaliadas. Mas, já não faz mais sentido ficar sentado em excedentes que perderam a razão de ser.

Que fique claro: não estou propondo torrar reservas, mas usar pedaço delas como parte de um programa econômico para o País. Que venham as críticas e as discordâncias, oxalá com racionalidade e modulação.

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


Eliane Cantanhêde: O eleitor militar

Assim como a maioria dos eleitores, militares também estão cheios de dúvidas

De supetão, o general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, pergunta:

– Você é a favor da intervenção militar?

A resposta é óbvia e rápida:

– Eu? Sou absolutamente contra!

E ele, com um sorriso:

– Você é? Pois eu sou mais ainda!

É assim que as Forças Armadas se esforçam para afastar mais esse fantasma, nesses tempos já tão conturbados e assombrados, e tentam focar em questões mais imediatas e objetivas: fazer as contas dos seus gastos durante as missões extras durante a greve dos caminhoneiros, cumprir bem o mandado de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio e se informar sobre candidatos e propostas para outubro.

Alvaro Dias, por exemplo, já debateu com oficiais em Santa Maria (RS) e a intenção é convidar todos os presidenciáveis bem colocados nas pesquisas para apresentar seus programas, suas ideias e suas intenções a oficiais da Força. Sem preconceito.

O Exército já ouviu ou está pronto a ouvir Ciro, Marina, Alckmin, Meirelles, Rabello de Castro, Bolsonaro... E o candidato do PT? A resposta dos oficiais é rápida e dada com naturalidade: assim que ficar definido o nome do PT, também será convidado.

As Forças Armadas, aliás, não tiveram dificuldade com os governos civis, muito menos com Lula, que nomeou Nelson Jobim para a Defesa, patrocinou a “Estratégia Nacional de Defesa” e bancou os maiores programas de reaparelhamento em décadas, como os submarinos da Marinha e os jatos da FAB anunciados já com Dilma Rousseff.

A boa relação continuou com Dilma. Quando ela queria reclamar de alguém ou de um programa, apontava o dedo para generais, brigadeiros e almirantes e tascava: “Vocês deveriam fazer como os militares! Aprendam com eles!”.

Isso, claro, não significa que oficiais das três Forças estejam animados ou mesmo dispostos a votar num candidato do PT, qualquer que seja ele, ou de um partido nitidamente de esquerda. Mas não é por isso que eles estão indo em massa para o lado oposto, o de Jair Bolsonaro – primeiro nas pesquisas sem Lula.

Ao que se saiba, não há pesquisas eleitorais nas tropas, ou seja, nas bases, mas qualquer conversa na cúpula militar identifica que eles estão mais ou menos como a grande maioria da população brasileira: indecisos, observando, querendo entender melhor o quadro e quais são as alternativas que se colocam. Ou seja: estão prudentes, enquanto líderes militares e enquanto eleitores em tempos de crise.

Basicamente, sabem que o rombo fiscal é gigantesco, a dívida pública apavora, a violência urbana é grave, não dá mais para cortar em saúde e educação e todos os setores vão ter se acostumar com a ideia de que a conta será repartida. Cada um vai dar sua cota e os militares não podem ficar de fora. Isso vale, por exemplo, para a reforma da Previdência que, mais cedo ou mais tarde, virá.

Em conversas informais, oficiais com grande liderança já admitem que a idade de aposentadoria é muito baixa e que, como a população em geral, os militares também estão vivendo muito mais e contribuindo para o desequilíbrio do sistema. Logo, eles aceitam debates e mudanças, mas deixando bem claro que é preciso respeitar as peculiaridades de uma carreira diferenciada, com muitas mudanças e nem sempre com carga horária fixa.

Outra questão muito delicada entra sutil e acessoriamente nas conversas: a Comissão da Verdade, o pedido de desculpas oficial por torturas e desaparecimentos na ditadura e o fato de as notícias daquele período continuarem a atormentar os militares e as Forças Armadas.

Mas isso não é questão para já. Até as eleições e a posse do novo presidente, há muitas outras prioridades já dividindo o País. Muitas questões importantes terão de esperar. Afinal, cada dia, sua agonia.


Gaudêncio Torquato: Mocinho agora é bandido

Vamos diretamente ao ponto: Pedro Parente foi derrubado. Não saiu por vontade própria. Fez uma densa carta de demissão ao cargo, mas naquela escrita lê-se um desabafo do tamanho do mapa do Brasil. Foi vencido pela visão populista daqueles que acham que o preço dos combustíveis não pode e não deve ter como espelho aumento ou diminuição do barril de petróleo no mercado internacional. Essa foi a visão que balizou a era Dilma, com sua decisão de represar artificialmente preços e, desse modo, deixar nossa maior empresa no buraco.

Nos tempos de dona Rousseff, que se arvorava como exímia conhecedora de questões de petróleo e energia, o país vivia a artificial situação de alto consumo e certo conforto, graças à mistificação adotada para esconder a péssima planilha de contas. Como lembra o bom economista Adriano Pires, ele mesmo profundo conhecedor do mercado de petróleo, países onde os preços dos combustíveis seguem regras do mercado “são democracias consolidadas, e a sociedade tem um alto nível de bem-estar, como a Noruega e os Estados Unidos”. Outros que se ancoram no populismo para definir preços dos combustíveis são pouco democráticos e não atendem à população em suas necessidades básicas, como segurança pública, saúde e educação.

Assistimos, nos últimos dias, a um espetáculo canhestro. Atores com o intuito de chamar a atenção passaram a expressar um discurso populista, onde o apoio aos caminhoneiros era seguido de apelos por intervenção militar. Oportunistas e interesseiros de toda a espécie – inclusive empresários malandros – quiseram tirar proveito do movimento paredista. O candidato da extrema direita, Jair Bolsonaro, posando de herói, foi o alvo maior das Hosanas por encarnar a força militar, a ordem, a segurança nesse ciclo de tensões e perturbações. Felizmente, a cúpula militar reagiu negativamente ao apelo doidivanas de aventureiros.

Essa nossa claudicante democracia abriga coisas absurdas, algo como um pacto secreto reunindo abutres de direita com os falcões extremados da esquerda, cada qual apostando na ideia central de “virar a mesa”, de “entornar o caldo”, de colocar o país de ponta-cabeça, sob a escondida estratégia de apostar no pior para a elevação de seus quadros no pleito de 7 de outubro. É incrível como as coisas por estas nossas plagas estão invertidas. O Brasil acaba de sair da maior recessão econômica de sua história. A desconfiança internacional chegou aos picos. O rombo nas contas públicas inviabilizava qualquer gestão. Mas o país conseguiu atravessar o furacão. Reformas importantes foram feitas. Infelizmente, o governo, ele mesmo sob o bombardeio de denúncias, não conseguiu carrear para sua imagem o rol de coisas boas que fez.

E assim, de crise em crise, o país padece sob a pressão de protagonistas políticos, com sua atenção voltada para o pleito de outubro. Os horizontes são sombrios. O perfil que tirou a Petrobras do buraco agora é crucificado. Só faltam os coroinhas dessa missa macabra que se celebra colocarem sobre a cabeça de Pedro Parente a coroa de Mau Gestor.

É o fim da picada. O mocinho? Ah, é bandido. Inacreditável.

*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação


Murillo de Aragão: Um novo ciclo da política

Caminhamos para uma República submetida ao poder burocrático dos atores do Judiciário

Independentemente de quem venha a ganhar as eleições presidenciais deste ano, algumas questões já estão postas. A primeira é que o próximo governo manterá o presidencialismo de coalizão.

Afinal, sem uma grande coalizão o presidente da República não conseguirá governar, já que o polo central da política se deslocou do Planalto para o gabinete do presidente da Câmara dos Deputados. Portanto, sem uma identificação política entre governo e presidência da Câmara a administração funcionará aos soluços e dependente de medidas provisórias que poderão ser rejeitadas in limine.

Outra questão posta e assegurada é que a Operação Lava Jato e seus sucedâneos continuarão a produzir efeitos e a emparedar o mundo político. Em consequência, a imprensa - que nunca nutriu simpatia pelo establishment político - continuará sua faina diária de desinstitucionalizar o universo político. Independentemente do tamanho e da gravidade da culpa de seus atores.

A terceira questão posta é que o mundo político, entre cético e acovardado, assiste à sua destruição institucional sem esboçar reação. Aceita a perda de terreno para o Judiciário, não se rebela contra o seu ativismo de forma consequente e não constrói uma narrativa minimamente coerente.

Políticos caminham em meio aos destroços como se as bombas atiradas pelo Ministério Público e pela Justiça não os atingissem. Engana-se o mundo político, pois vivemos tempos em que praticamente tudo na política foi criminalizado e a presunção da inocência deu lugar à certeza antecipada de culpa.

Assim, as eleições de 2018 vão marcar apenas mais um passo rumo ao fim da política conforme estabelecida após o fim do regime militar.

Após os fracassos iniciais de Sarney e Collor, uma aliança rentista-burocrática promoveu o aumento da taxa de juros e da carga tributária para pagar a conta fiscal e controlar a inflação, em meio a uma alegoria democrática. Ao lado de certa disciplina fiscal, permitia-se uma bacanal partidária sustentada por três pilares: cargos públicos, verbas orçamentárias e intermediação de negócios. A estabilidade da aliança rentista-burocrática dependia, também, de bons salários para os cargos no Estado dos quais se executavam as políticas vigentes.

A equipe econômica era minimamente blindada para fazer política fiscal e monetária, e o mundo político era financiado para ajudar ou, ao menos, não atrapalhar. Sob a vista grossa de todos, políticos e empresários exploravam a intermediação de obras públicas e a venda às estatais. E a máquina pública impunha uma perversa política tributária, além de sufocar o federalismo.

Paradoxalmente, o ex-presidente Lula - o líder operário e esquerdista - foi o ápice do "novo-republicanismo", ao conciliar a manutenção da aliança rentista-burocrática com a expansão da classe média baixa e o aprofundamento do capitalismo tupiniquim de vendas ao governo. E uma expressão perversa do conservadorismo retrógrado de nossas esquerdas.

Rentismo e popularismo deram algum resultado. Os miseráveis viravam pobres. E os pobres viravam devedores das Casas Bahia! Por sua vez, a alta burocracia ganhou mais privilégios e aumentos salariais generosos, enquanto os ricos ficavam milionários.

O ocaso de Lula vem com o naufrágio da Nova República, cujo féretro está sendo conduzido por uma República que ainda não tem um nome, mas que arrisco chamar de República Judicialista.

Estamos caminhando para uma República submetida ao poder burocrático dos atores do Judiciário, e não necessariamente aos ditames das leis e da Constituição. Algo que, tempos atrás, chamei de "novo tenentismo".

Obviamente, o naufrágio da Nova República ocorre por contradições inerentes ao sistema, que, se por um lado permitiu a farra de verbas públicas, por outro aboliu a disciplina partidária, institucionalizou a corrupção e doações por dentro e por fora, fragilizou o federalismo e permitiu que o governo fosse capturado por corporações burocráticas.

O episódio do mensalão iniciou um processo irreversível de mudanças. Pela primeira vez o sistema político foi incapaz de se proteger no Judiciário. Mas como nada vem sozinho, a cretinice do mundo político veio acompanhada de outras transformações que retroalimentaram o processo.

Por conta da dificuldade de chegar a consensos políticos importantes, recorreu-se à Justiça para arbitrá-los. Abrindo mão de decidir, o Legislativo estimulou o Supremo Tribunal Federal a assumir o papel de terceira câmara legislativa. Não só julgando, mas também legislando sobre temas relevantes.

Isto posto, proponho que estamos vivendo o naufrágio da política conforme estabelecida no fim do regime militar, como já dito, e reconheço a emergência de uma nova política, exposta tanto pelos índices de rejeição aos políticos quanto pela evidente supremacia do Judiciário sobre os demais Poderes.

As eleições não devem mudar significativamente o universo da política em termos de renovação. O judicialismo prosseguirá emparedando o mundo político e, aqui e ali, pondo algum político importante na cadeia. A política continuará criminalizada. Já que nem políticos nem imprensa, muito menos o Judiciário, conseguem e/ou desejam separar o joio do trigo.

Duas consequências estão claras: a ascensão do Judiciário como Poder e a dependência, cada vez maior, da validação do Judiciário às políticas públicas. Nada estará fora do escrutínio do judicialismo. Até mesmo o que não deveria ser judicializado. Novos tempos já estão em vigência e não poderão ser mudados nem sequer pelas eleições de 2018. Caberá ao Supremo Tribunal Federal conter excessos e, minimamente, tentar restabelecer o império da lei, ora ameaçado por um ativismo muitas vezes desenfreado.

*Murillo de Aragão é advogado, consultor, cientista político, doutor em sociologia (UNB) e professor na Columbia University


Alberto Aggio: A polarização que não cede

Mas há um novo polo, que emergiu das manifestações de 2013 e do impeachment...

Em artigo nesta página (20/4), Fernando Gabeira tratou de um tema essencial aos candidatos às próximas eleições presidenciais: ganhar ou perder votos. Não aconselhou estratégias, mas advertiu ser preciso pensar na principal personagem desta eleição, a sociedade, traumatizada pela violência ou pela deriva de seus antigos líderes.

O tema objetivo dos candidatos configura-se como algo um pouco mais complexo para a sociedade. Importante seria pensar o que é ganhar ou perder para a sociedade. Uma vitória eleitoral não define tudo e tampouco uma derrota eleitoral se torna obrigatoriamente uma derrota histórica. A luta pela democracia e ela mesma não se resumem a números. Mais do que a conquista do voto – que tem toda a importância –, é preciso verificar, junto à sociedade e em nome dela, que tipo de vitória ou derrota os contendores estão dispostos a vivenciar.

A virtù de um candidato e de sua corrente política estaria na justa relação entre a conquista do voto e a perspectiva histórica que os anima. Trata-se de uma complexa construção histórica que demanda leitura competente da realidade, orientação ampla capaz de agregar diversos setores, além de tenacidade, paciência, prudência e vigor, até alcançar o objetivo final.

A título de exemplo, em determinadas circunstâncias, a vitória pode advir e superar uma derrota anterior, de caráter histórico. Nesse caso, é possível verificar a trajetória de atores políticos vitoriosos que conseguiram superar equívocos de orientação estratégica e, num contexto mais favorável, refizeram seus caminhos e compuseram alianças capazes de lhes dar condições de crescer, não importando os mecanismos adotados para enfim alcançarem seus objetivos. Essencialmente, essa foi a trajetória dos “companheiros de armas” do PT, que nas décadas de 1960 e 1970 optaram pela luta armada e depois, sem autocrítica pública, diga-se, conseguiram chegar ao poder na aurora do novo século. A vitória eleitoral desse grupo, como sabemos, não se configurou como uma vitória histórica e orgânica. O ex-ministro José Dirceu, condenado em diversos crimes de corrupção, assim como Dilma Rousseff, afastada da Presidência da República por um processo de impeachment legítimo e legal, são hoje expressões residuais que nem no PT recebem a guarida devida, para além da retórica de praxe.

Ao contrário desses personagens, então vitoriosos, que não produziram mais do que um “pensamento curto” sobre o País, houve aqueles que, derrotados por um golpe verdadeiro (1964), foram fecundos na leitura a respeito do esgotamento do regime militar, que adviria paradoxalmente do seu êxito, como escreveu Armênio Guedes, em 1971, e construíram a grande estratégia que orientou as oposições a derrotarem o autoritarismo em meados da década de 1980. Vitoriosos na sua estratégia política contra a ditadura, os comunistas do PCB foram derrotados ao serem tragados pelas mudanças do tempo histórico e pela inação de um grupo dirigente incapaz de acompanhá-las. Não é o caso aqui de apresentarmos, nem sequer sumariamente, as razões da derrota. Mesmo porque as razões da vitória, provisória e invertebrada, daqueles que alcançaram o poder em 2002 ainda estão mergulhadas em enigmas que aos poucos as instituições da democracia brasileira vão decifrando.

Em meio a vitórias efêmeras, derrotas amargas, frágeis avanços e oportunidades perdidas, o País vive uma democratização falhada que compõe o pano de fundo da crise atual. A “polarização patológica” entre PSDB e PT, nas palavras de Luiz Sérgio Henriques, acabou se transformando num método, em desserviço ao País. E isso precisamente num momento em que era possível que se desencadeasse entre nós uma acumulação histórica de cultura cívica jamais vivenciada. Reitera-se, por assim dizer, a cena observada por Luiz Werneck Vianna ao se referir à transição democrática da década de 1980 como “um processo em busca de um ator”. De fato, na resistência ao autoritarismo nos unimos, assim como no início da transição, que terminou com a fragmentação das forças democráticas para por fim, na democracia, nos enredarmos numa polarização nefasta, improdutiva e paralisante.

Talvez não seja correto dizer que, como país, estejamos condenados a perder sempre, mas é tenebroso anotar que os avanços democráticos alcançados até agora estão sob risco diante de uma polarização que não cede e se reconfigura em novos termos. É verdade que um dos polos, o PSDB, desapareceu enquanto tal, mas o que ainda martela o “nós contra eles” permanece e se radicaliza ao buscar convencer a sociedade de que só o seu retorno ao poder é capaz de dar uma alternativa ao País. E isso depois do desastre da recessão e do desemprego promovido por eles, além da prisão por corrupção dos seus principais líderes. É espantoso!

Recentemente, contudo, o cenário se remodelou com o surgimento de um novo polo que atravessa a sociedade civil e a opinião pública, impactando milhões de pessoas. É um polo bifronte, uma espécie de Janus disforme, fundado no republicanismo que emergiu no contexto das manifestações de 2013 e, em especial, das que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff. Uma de suas vertentes é o rechaço à política e aos políticos em geral. A outra persegue o bem comum em luta antagônica à corrupção. A primeira derivou do antipetismo e se espraiou como antipolítica. A segunda expressa o sentimento difuso de milhões e não se desconecta das instituições democráticas. Por meio delas trava sua batalha ética, mas ainda guarda um desprezo pela política. Não se configura como uma expressão partidária e talvez não se deva mesmo esperar isso dela.

Há visivelmente uma cultura política autoritária transversal aos dois polos ou a parte deles, enquanto a cultura democrática, ainda frágil entre nós, busca permanecer viva na expectativa de candidatos e votos.


Eliane Cantanhêde: Isolados e sob ataque

De economistas a generais, há quem arrisque a saúde e a imagem para o País não afundar

A renúncia de Pedro Parente tem lá seus motivos, mas faltou algo essencial: senso de oportunidade. Ele sai a poucos meses das eleições e na pior hora não só para o governo como para ele próprio. Em vez de levar para casa o troféu de quem reconquistou o primeiro lugar do pódio para a Petrobrás, leva a queda espetacular nas Bolsas e o recuo à quarta colocação nacional.

Excelente gestor, um dos três pilares tucanos na economia de Michel Temer e lustroso integrante do “dream team” original do governo, Parente renunciou justamente no primeiro dia do fim da greve dos caminhoneiros, atrapalhando a comemoração e o descanso de fim de semana de uma equipe e um País exaustos. E foi assim que ele jogou luzes sobre um outro lado da moeda: os homens públicos que, isolados e sob feroz ataque, mantêm o barco navegando.

Nesses tempos de raiva e indignação contra tudo e contra todos, há que se reconhecer o esforço quase heroico dos homens de Estado que estão trabalhando 20 horas por dia, dando a cara a tapa na TV e enfrentando um rombo crescente no casco fiscal para levar o barco até 31 de dezembro, sob o lema de que o Brasil não pode parar.

Além de Eliseu Padilha (gestor) e Moreira Franco (formulador), do MDB e da entourage de Temer, há uma tripulação que sacoleja, mas não arreda pé da sua missão, como Raul Jungmann, Ilan Goldfajn, Eduardo Guardia, Sergio Etchegoyen, Eduardo Villas Bôas, Silva e Luna, Ademir Sobrinho e uma única mulher, Grace Mendonça.

O governo é o mais impopular da história, o presidente Michel Temer continua sob pressão da Justiça, há milhões de desempregados, o cobertor dos recursos é curtíssimo, o Congresso é rebelde, e a mídia, implacável. E lá estão eles, por motivações e interesses distintos, mas com a disposição inarredável de não pular do barco e deixar o País afundar de vez.

Fora da Lava Jato, destaca-se Jungmann, que era deputado do PPS, ex-partidão, tomou posse na Defesa e estava pronto para disputar a reeleição por Pernambuco quando deu meia volta para assumir a nova pasta de Segurança e, agora, a linha de frente contra a crise dos caminhoneiros. Pela personalidade e determinação, lembra Nelson Jobim, que passou por Executivo (com FHC, Lula e Dilma), Legislativo (no então PMDB) e Judiciário, no Supremo.

São homens de Estado, como Ilan Goldfajn e Eduardo Guardia, que foram da equipe de Pedro Malan na Fazenda, ao que se saiba nunca se meteram em negociatas e têm como ambição servir como homens públicos, acertar nos seus propósitos e merecer reconhecimento. Economistas podem concordar ou criticar suas políticas, mas sem desmerecer seu talento e dedicação.

O senso de missão está impregnado nos generais, almirantes e brigadeiros da atual cúpula militar, que vêm de uma cultura de ordem e hierarquia e estão, pela Constituição, a serviço das autoridades constituídas e do presidente da República. O barco sacode, as ondas são assustadoras, não há frestas nas nuvens escuras e eles têm um objetivo: evitar que o Brasil afunde.

E surge um novo personagem que cresce, aparece e conquista não só assento no gabinete de crise do Planalto, mas também interlocução – e respeito – no Supremo, no STJ, na PGR, na área militar e na mídia. Trata-se de Grace Mendonça, da Advocacia-Geral da União (AGU).

Com tanta desgraça, tanto ódio, o governo está ilhado, em meio ao dilúvio, e é preciso lembrar que nem todo mundo é ladrão, mal-intencionado e opera para afundar o Brasil. Há muito marinheiro arriscando a saúde e a imagem para entregar o leme para o próximo presidente. Não é fácil, nessas condições de tempo e temperatura, botar a cara na TV e falar por este governo. Mas o mote deles não é um governo, é um País, o nosso País.


Sergio Fausto: Contra a aventura autoritária

O espectro da desordem deixou-se entrever nas últimas semanas

O espectro da desordem deixou-se entrever nas últimas semanas. Com a greve dos caminhoneiros cresceu o medo de eventual colapso da ordem pública, sentimento instrumentalizado pelos que clamam por “intervenção militar já”.

Historicamente a direita preferiu a ordem à liberdade, quando julgou aquela ameaçada. Foi assim em 1964. O movimento que pôs fim ao período democrático iniciado em 1945 não foi uma revolução, como querem seus adeptos. Tampouco uma quartelada. Contou com apoio civil relativamente amplo e se assentou num projeto de poder voltado para a modernização conservadora do País.

Hoje parte da direita aposta na candidatura de Jair Bolsonaro. Corre o sério risco, se vitoriosa, de perder a liberdade sem obter a ordem. O ex-capitão é antes parte do problema que da solução para um país que clama pelo restabelecimento da autoridade pública. Representa o autoritarismo em estado primitivo, ao estilo “tiro, porrada e bomba”. É uma criatura pré-política, incapaz de compreender os requisitos mínimos para a estabilidade da ordem pública numa sociedade complexa e desigual como a brasileira.

O Brasil e o mundo de hoje não são os mesmos do início da década de 1960. O poder difundiu-se, descentralizou-se, democratizou-se. Reconcentrá-lo em moldes autoritários, supondo que assim se restabeleceria uma ordem política e moral estável e conservadora, é pesadelo de uma noite de verão. Subir nessa canoa é embarcar numa aventura.

Bolsonaro não é Humberto de Alencar Castelo Branco. A diferença de patente na hierarquia militar não é a única que marca a imensa distância entre o ex-capitão e o falecido marechal.

Castelo Branco era membro da elite miliar que emergiu no pós-guerra. Tinha trânsito e prestígio no establishment americano, na alta oficialidade das Forças Armadas brasileiras e conexões com a elite empresarial e burocrática do País. Bolsonaro é um deputado apagado, com produção legislativa pífia, mais conhecido por sua indisciplina quando militar da ativa e pelo raciocínio raso quando solicitado a falar sobre políticas e propostas de governo. No exterior é visto como uma figura folclórica, na melhor das hipóteses.

Preocupado em inibir o surgimento de caudilhos militares, fonte de instabilidade política na América hispânica, Castelo Branco acabou com a posição de marechal e marechal do ar na hierarquia militar e fixou tempo máximo de 12 anos para permanência no generalato. Bolsonaro quer restabelecer a ordem social entregando armas, até fuzis, à população... Deve ter-se inspirado em Chávez, caudilho militar venezuelano que armou os que, a seu ver, eram os homens e mulheres de bem da Venezuela.

Castelo Branco entronizou uma equipe econômica de alta qualificação técnica: Otávio de Bulhões, Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen. Liberais todos, os dois primeiros com larga trajetória prévia no alto escalão do Estado. Bolsonaro arrumou um economista ultraliberal, craque em formulações abstratas, sem nenhuma experiência de governo. A dupla Campos-Bulhões era parte orgânica do grupo castelista. Paulo Guedes é um enfeite útil à candidatura de Bolsonaro.

O Programa de Ação Econômica do Governo Castelo Branco (Paeg) resultou de longo amadurecimento dentro do núcleo econômico do grupo castelista. Reformas econômicas foram feitas sob o tacão da ditadura.

Bolsonaro já declarou “não entender porra nenhuma de economia”. Quando se pronunciava sobre a matéria, defendeu fuzilar o então presidente Fernando Henrique por privatizar a Vale do Rio Doce. Guedes vê Bolsonaro como instrumento a proporcionar-lhe a realização do sonho juvenil de ser o czar da economia para “privatizar tudo”. Essa bizarra aliança, se bem-sucedida, estouraria como bolha de sabão ao primeiro choque com a realidade política brasileira. Ninguém fará reformas liberais no Brasil “na marra”, felizmente. Ditadura nunca mais.

O restabelecimento da autoridade política no Brasil é fundamental. O Estado democrático depende em última instância de a sociedade aceitar como legítimos os termos de troca entre o que entrega em tributos e o que recebe em serviços, bem como entre o que entrega em obediência às leis e o que recebe em segurança de que seus direitos serão garantidos pelo poder estatal.

É crescente a percepção de que há uma desproporção nesses termos de troca, agravada pela má distribuição social da carga tributária e do gasto público e pelo desequilíbrio na imposição de lei ao cidadão comum e aos “poderosos”. A Lava Jato vem corrigindo esse desequilíbrio, mas com um efeito colateral negativo: a disseminação de visões radicalmente depreciativas sobre o Brasil e sobre a política.

Mexer nos termos da equação de que depende a legitimidade da autoridade pública democrática exigirá muito engenho e arte, pois as condições não são favoráveis. A sociedade odeia a política quando mais dela precisa. Embala quem quer rasgar de vez o desgastado pacto social da redemocratização, que presidiu os últimos 30 anos da vida brasileira, quando mais necessário é quem saiba renová-lo reconhecendo os novos padrões de legitimidade exigidos pelas transformações econômicas, políticas e sociais desse período, no Brasil e no mundo.

É tarefa para várias mãos e várias vozes, mas que requer liderança política. Democrática, nos métodos, nas palavras, nas atitudes, na condução de um processo de reforma cujo âmago diz respeito à equidade do pacto fiscal-tributário, à aplicação igualitária da lei, à eficiência na prestação dos serviços públicos, à honestidade pessoal e à transparência republicana na gestão da coisa pública.

Não é hora de lamentar a falta de “grandes políticos” ou de aderir ao exercício estéril de “falar mal do Brasil”. Não temos outro país para chamar de nosso. Chegou o momento de construir um pacto pela ordem democrática para conter o risco da aventura autoritária.

*Sérgio Fausto é superintendente executivo da Fundação FHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University, é membro do Gacint-USP


Eliane Cantanhêde: Nem golpe nem Venezuela

A greve deixa uma conta altíssima, mas as instituições funcionam

A bandeira da “intervenção militar já” é mais nociva do que o refrão “o Brasil vai virar uma Venezuela”. Nenhuma das duas coisas vai acontecer, mas pregar a ditadura é grave e perigoso, enquanto falar em venezuelização é apenas marketing leviano. Logo, uma mobiliza desmentidos e esconjuros até das Forças Armadas, enquanto a outra não passa de papo de botequim.

A paralisação dos caminheiros sacudiu o governo, acionou o Legislativo e o Judiciário e deixou um rastro de prejuízos bilionários, mas ensinou duas lições: 1) diferentemente do que ocorre na Venezuela, as crises são pontuais, enfrentadas por instituições sólidas e solucionadas; 2) a insatisfação é generalizada, inclusive nos meios militares, mas não há lideranças dispostas a transformar o caos em inferno.

Os radicais são ruidosos, muitas vezes ruinosos, mas são sempre minoria. Têm força para aproveitar uma paralisação com motivos justos para fazer um movimento político sem pé nem cabeça e com pedradas contra os que se dão por satisfeitos e só pensam em voltar para casa com o troféu – e as vantagens – da vitória.

Diante dos gatos pingados que pedem “intervenção militar já”, num país traumatizado pela longa história de ingerências militares na política e uma ditadura que deixou vítimas e ódio, as Forças Armadas assumiram elas próprias a missão de rechaçar a ideia de golpe.

Até a minha entrevista com o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, de dezembro de 2016, foi tirada do baú. E lá está ele, como a mais reluzente liderança militar nesses tempos difíceis, ironizando “os malucos, os tresloucados” que batem às portas dos quartéis pedindo intervenção.

Também o ministro da Defesa, general Silva e Luna, disse agora a Tânia Monteiro que as Forças Armadas “trabalham 100% apoiando a legalidade, com base na Constituição e sob a autoridade do presidente da República”. E ratificou: “O único caminho de acesso ao poder é pelo voto”.

Fazendo coro, o chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Ademir Sobrinho, desdenhou, no plural: “Não temos concordância com isso (intervenção), seguimos a Constituição, a democracia”. E, no Planalto, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, outra estrela militar, disse que não vê nenhum militar pensando nisso e ironizou: “Esse assunto é do século passado”.

Que assim seja e a história registre todas essas manifestações enfáticas, mas, pelo sim, pelo não, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, usou a primeira sessão do plenário após o início da greve para fazer uma declaração que, sem citar caminhoneiros, militares ou “vivandeiras de quartéis”, teve um objetivo claro: condenar ditaduras e fazer uma defesa enérgica da democracia, regime que prevê instrumentos e remédios legais para as crises mais difíceis.

É assim que vamos atravessando crises sucessivas, incrédulos, confusos, indignados e sem saber o que nos reserva uma eleição totalmente imprevisível, mas com a certeza de que nossos “Venezuela’s days” confirmam que temos energia institucional, econômica e social para enfrentar crises e o Brasil jamais será uma Venezuela.

E, por mais que os “tresloucados” não saibam nada ou tenham memória curta, o trauma da ditadura não é só civil, é também militar, e não há lideranças nem vontade nas Forças Armadas para aventuras sem saber como depois sair delas.

Está difícil encontrar homens-bomba contra a democracia. Há militares com liderança e força, mas não querem e sabem que não podem nem devem. E, se há militares que queiram e acham que podem e devem, não têm liderança nem força. Sem unir liderança, força e vontade, não tem golpe. Aliás, não terá golpe nenhum. Que venham as eleições!


Fernando Gabeira: O bloqueio das ideias

É tempo também de reorganizar a cabeça, depois desse movimento dos caminhoneiros que parou o País

Aos poucos volta a gasolina aos postos e os alimentos às prateleiras. É tempo também de reorganizar a cabeça, depois desse movimento dos caminhoneiros que parou o País.

Sim, é preciso reorganizar a cabeça. Não vai nisso nenhuma subestimação da inteligência. É que os fatos nos obrigam a uma constante revisão.

Esta semana, por exemplo, lembrei-me duma viagem a Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Isso foi na década dos 90. Rodávamos por estradas precárias e perguntei por que não as reparavam. Alguém me disse que as estradas ali estavam perto da fronteira com a Argentina. Eram tão ruins que desestimulavam uma invasão militar.

Achei bizarro. Afinal, estamos de bem com a Argentina, já havíamos resolvido a questão nuclear fraternalmente. Aquilo era uma desculpa esfarrapada.

Voltando atrás no tempo, sigo pensando que as estradas devem ser as melhores possíveis. Mas percebo, com a paralisação da semana, que num país como o nosso deveriam ser um tema dominante na defesa nacional.

Um país não pode ser tão vulnerável. As notícias de perdas se sucedem: portos, agricultura, comércio, indústria, quase todos os setores da economia nacional foram atingidos.

Isso não quer dizer que nunca mais haverá greve de caminhoneiros. Simplesmente não podem ser devastadoras como esta.

A segunda ideia: como as coisas acontecem sem que sejam detectadas no País. As manifestações de 2013 começaram por causa dos 20 centavos a mais no preços das passagens. E surpreendentemente evoluíram para um protesto geral.

Onde estávamos todos? Talvez mais concentrados no jogo político de Brasília do que propriamente nas tensões sociais. Onde estava o governo, que recebeu uma indicação clara da greve e a subestimou?

Se fosse um pouco mais franco e transparente, pelo menos avisaria à sociedade que algo de muito grave estava para acontecer. Se não quisesse nos defender, ao menos acionaria nossos instintos de autodefesa. Não são necessariamente negativos como uma corrida aos supermercados. Havia muito o que fazer para salvar vidas, garantindo oxigênio, material de hemodiálise, enfim, artigos decisivos para a saúde pública.

As refinarias foram bloqueadas. Como, assim, as refinarias podem ser bloqueadas simultaneamente? Os grevistas chegaram primeiro, embora tenham avisado que iriam desfechar o movimento.

Compreendo a revolta difusa contra políticos que vivem no mundo da lua. Creio que ela é inevitável no Brasil de hoje, em que a sociedade já esgotou sua cota de tolerância.

O governo Temer está preocupado em fugir da polícia e influenciar as eleições. Ele merece uma dose de caos para cair na real. Mas a sociedade, não. Ele já vem sofrendo ao longo desses anos de crise, corrupção, assalto às empresas públicas, como a Petrobrás.

Existe alguma fórmula para evitar que um governo fraco fique de joelhos sem que para isso o próprio País também tenha de se ajoelhar?

O que me ocorre, as ideias ainda não voltaram todas às prateleiras: é um instrumento de Estado, uma lei talvez, que defina que o País não pode parar, independentemente das hesitações do governo.

Ao governo caberia negociar, mas dentro de um quadro em que estradas e refinarias não poderiam ser bloqueadas. Isso subordinaria as próprias negociações.

Por mais rastejante que fosse o governo, por mais concessões que estivesse pronto a oferecer, não estaria ao seu alcance permitir que o País parasse.

Finalmente, uma ideia que me faz lembrar 2013: uma revolta política despojada de uma visão real do que fazer, para onde ir.

Não se deve ignorar a presença no movimento de grupos que defendem a intervenção militar. Mesmo ignorados, estão crescendo. É preciso encará-los. Eles estão vendo a mesma decadência política que nós. Só que propõem uma saída absurda, não só pelas condições internas, mas também pelo isolamento internacional que isso representaria para o Brasil.

Foi num precário processo democrático que chegamos até aqui. E por meio dele vamos encontrar uma saída.

Já vi caminhoneiros precipitarem a queda do governo de Salvador Allende, no Chile. Estava defronte ao Palácio de La Moneda quando os aviões o sobrevoavam, anunciando o golpe. Augusto Pinochet acabou como alguns políticos brasileiros, alquebrado, de bengala, sempre nos colocando o dilema: cadeia ou prisão domiciliar para morrer em casa?

Voltar ao passado não é uma solução. É uma espécie de morte viver a História como uma repetição mecânica.

Não deixa de ser estranho ver tanta gente usando a rede social, que ampliou o potencial humano de livre expressão, pedindo uma ditadura militar. É como usar uma boia para se afogar com ela. Já não é apenas viver a História como morte, mas como suicídio.

Estamos num ano eleitoral. O País em frangalhos, uma esfera política desmoralizada, é nessa aridez que teremos de plantar a flor da mudança.

Um poeta consegue plantá-la no asfalto. Nossa tarefa não é tão difícil: derrubar pelo voto a maioria dos picaretas, eleger gente nova e empurrá-la para uma aliança com alguns sobreviventes, para que a inexperiência não venha a pesar tanto nas suas decisões.

Conviver com este governo e com todo o universo político é bastante doloroso. Mas não há alternativa. Em outubro já haverá um novo presidente, um novo Parlamento. Podem não ser ideais. Mas a lição destes anos é de que as más escolhas podem levar o País à desintegração.

Os adeptos do voto nulo deveriam parar um minuto e refletir sobre isso. Não existe outro mundo. Você pode deixar os políticos de lado, mas eles têm o poder de arrasar seu cotidiano.

Por favor, nada de suicídios, como a intervenção, nem masoquismo, como o voto nulo. Pelo menos, vamos tentar sair dessa maré.


William Waack: Flerte com o abismo

Enorme quantidade de pessoas não entende que dinheiro público é o dinheiro delas

Como assim as pessoas apoiam um movimento, o dos caminhoneiros, mesmo sabendo que sofrerão severos transtornos e prejuízos diretos na vida pessoal e financeira? Em outras palavras, agindo contra os próprios interesses – e sabendo disso.

Supõe-se que alguma coisa mais esteja em jogo, além da irracionalidade em decisões (no comportamento de consumidores, por exemplo) há tanto tempo detectada por teorias econômicas de comportamento. Como eventual contribuição a uma explicação, avanço aqui duas possibilidades inteiramente subjetivas e derivadas da minha biografia pessoal como repórter.

Será que as pessoas percebem seus “interesses objetivos e racionais” como analistas percebem ou acham que deveriam perceber? No caso brasileiro dos últimos dias, é patente que não. Em primeiro lugar, salta aos olhos que uma enorme quantidade de pessoas não entenda que dinheiro público é o dinheiro delas, recolhido por meio de impostos e contribuições. Para elas, portanto, se tem alguém gastando mais do que arrecada, esse alguém é “o governo”, essa distante e incompreensível entidade que manda nas nossas vidas sem que a gente entenda muito bem como.

Em segundo lugar, o governo é ocupado por “eles”, políticos e seus nomeados, uma espécie de casta. “Eles” são interessados apenas nos próprios negócios, na própria corrupção e, agora que “nossa” paciência se esgotou e nossa indignação explodiu, precisam ser varridos como lixo. É evidente que “nós” não nos sentimos representados por “eles” – e quando confrontada com o fato de que “eles” estão lá pois foram votados para estarem lá, imensa quantidade de pessoas não gosta do que enxerga no espelho.

Muita gente acha que a revolta que acompanhou as manifestações de caminhoneiros (acompanhadas, em alguns casos, de comportamento criminoso) é uma espécie de mal necessário para que dessa situação crítica renasça um novo País, não importam os danos imediatos causados à economia. É óbvio, na minha percepção, que essa conduta reflete muito mais uma imensa frustração do que um claro sentido de ação, mesmo os caminhoneiros tendo arrancado o que pretendiam (baixar os próprios custos, empurrando a conta para outros).

Não são poucos os que enxergaram, por outro lado, que atender às reivindicações dos caminhoneiros só seria possível tornando ainda mais complicada a solução para contas públicas quebradas. Mas – e aqui deveríamos escrever MAS, em maiúsculas –, foi irresistível para parcela expressiva da população a identificação proporcionada pelo símbolo do trabalhador sacrificado (o caminhoneiro) que levanta o dedo médio em riste contra “eles”, enquanto entrega a Deus o comando na boleia.

Acho perda de tempo decifrar neste momento qual o “recado” que essa revolta está transmitindo para a política – na verdade, a mensagem principal é o ódio e o desprezo em relação à própria política, entendida como um jogo sujo no qual só “eles” ganham, com seu sistema de benefícios próprios, desperdícios, corrupção e a inexplicável administração de preços que leva o combustível que “nós” produzimos a custar bem menos na Bolívia.

Temo ter de dizer que esse flerte com o abismo, registrado nos últimos dias, seja a expressão da desintegração (que não me parece meramente passageira) da capacidade do Estado de impor diretrizes e autoridade. Mas também desse nebuloso estado de espírito segundo o qual a fúria e a frustração que existem na população criam a necessidade de mudança por meio do fracasso social.


O Estado de S. Paulo: Greve de caminhoneiros deixa rastro de prejuízos bilionários em todo o País

Com protestos no fim, crise de desabastecimento começa a ser revertida, mas efeitos na economia ainda vão perdurar por muito tempo; perdas com a greve superam R$ 75 bi

Por Cleide Silva, de O Estado de S.Paulo

Apesar de alguns pontos de manifestação ainda espalhados pelo País, a paralisação dos caminhoneiros dá claros sinais de que chegou ao fim. Em todos os Estados, a vida começa a voltar ao ritmo normal. O quadro de desabastecimento inicia sua reversão: o combustível está chegando aos postos, os alimentos voltam aos supermercados. Os reflexos da crise provocada pelos protestos, porém, ainda devem perdurar por bastante tempo.

Nem todos os setores têm um levantamento das perdas. Quem já fez essas contas mostra que o prejuízo será contabilizado na casa dos bilhões. O número dos setores consultados pelo Estado já chega a pelo menos R$ 75 bilhões em perdas.

Mas o impacto na economia será bem maior. Economistas já levam em conta os efeitos da greve nas revisões, para baixo, que vêm fazendo para o desempenho do PIB. O número, que era próximo de 3% no início do ano, agora é de 2%. E há outros efeitos. O governo teme que a paralisação dos motoristas abra caminho para outras greves de forte impacto no País. Os petroleiros já seguiram esse caminho.

Perdas. As projeções preliminares de diversos segmentos da economia após dez dias de greve dos caminhoneiros apontam para perdas de mais de R$ 75 bilhões. Em alguns casos, os prejuízos ainda podem aumentar mesmo após o fim do movimento, pois, dependendo do tipo de atividade, a retomada poderá levar de uma semana a 20 dias.

Também há preocupação sobre como será a volta das atividades. “Não sabemos ainda, por exemplo, como será precificado o aumento do frete”, afirma José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). “Dá arrepios só de pensar.”

O setor calcula que deixou de gerar, até agora, R$ 3,8 bilhões, e precisará de duas a três semanas para retomar totalmente as atividades.

A Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) estima que as áreas de comércio e serviços deixaram de faturar cerca de R$ 27 bilhões entre os dias 21 e 28.

“São nítidos os transtornos causados pelo desabastecimento generalizado, que pode provocar danos ainda maiores ao País, como aumento do desemprego, falta de gêneros alimentícios, estoques, baixo fluxo de vendas e prejuízo ao desenvolvimento econômico”, diz o presidente da Fecomércio de Minas Gerais, Lúcio Emílio de Faria Júnior.

Os supermercados contabilizam R$ 2,7 bilhões em prejuízos. Para os distribuidores de combustível, as perdas já atingem R$ 11,5 bilhões.

Volta lenta. Com menos bloqueios nas estradas e a volta, lentamente, do abastecimento de combustíveis, algumas empresas estão retomando operações.

Das 167 unidades produtoras de aves, ovos e suínos que estavam paradas em todo o País, 46 reiniciaram atividades nesta quarta-feira, informa a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). As empresas do setor acumulam prejuízos de R$ 3 bilhões e perderam 70 milhões de aves, mortas por falta de ração. Com parte do abastecimento retomado, a mortandade deve acabar.

Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), a cadeia produtiva da pecuária de corte deixou de movimentar entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões.

Os produtores de leite perderam R$ 1 bilhão, parte disso com o descarte de mais de 300 milhões de litros de leite. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) calcula que produtores em geral devem levar de seis meses a um ano para se reestruturarem.

O setor têxtil estima perdas de R$ 1,8 bilhão e, até quarta-feira, ainda tinha cerca de 70% das empresas paradas ou prestes a parar. A previsão da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) é de que serão necessários pelo menos 20 dias para que a situação seja normalizada.

Carros. Na indústria automobilística quase todas as fábricas estão paradas desde sexta-feira. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale, diz que “a maioria retomará a produção, de maneira gradual, a partir de segunda-feira”. As unidades da Fiat em Minas Gerais e da Jeep em Pernambuco voltam a operar nesta quinta-feira.

+ Resultado confirma retomada, mas incerteza aumenta

A Anfavea não divulgou prejuízos, mas, com base na produção média de veículos em abril, cerca de 51 mil veículos deixaram de ser fabricados. O resultado deste mês poderá interromper uma sequência de 18 meses de alta na comparação interanual.

Até terça-feira as vendas do setor tinham caído 11% em relação a abril (para 192,8 mil unidades), mas ainda devem superar o volume de maio de 2017, de 195,6 mil unidades.

A indústria química soma R$ 2,5 bilhões em perda de faturamento e calcula em dez dias o período para retomada de atividades. 

/ COLABORARAM MÁRCIA DE CHIARA E MÔNICA SCARAMUZZO