O Estado de S. Paulo
Eliane Cantanhêde: O diabo está solto!
O PT rifa seus nomes por hegemonia e alianças, mas nem todos vão engolir calados
Em 2004, com Lula a todo vapor na Presidência da República, a cúpula nacional do PT ignorou, desprezou e, de certa forma, humilhou a jovem petista Luizianne Lins para favorecer Inácio Arruda, do PCdoB, na eleição para a prefeitura de Fortaleza. Galega arretada e atrevida, ela empinou o nariz, enfrentou tudo e todos e venceu a eleição. No segundo turno, até ganhou uns adesivos do PT – mas teve de pagar o frete.
Quatorze anos depois, com Lula imobilizado numa cela em Curitiba, a cúpula do PT repete a primeira parte da história, atingindo em cheio Marília Arraes, neta do mito Miguel Arraes e candidata favorita ao governo de Pernambuco contra a reeleição do governador Paulo Câmara, do PSB.
Não por uma causa, mas por um projeto de poder, Lula e o PT decidiram rifar Marília em troca da neutralidade do PSB na disputa presidencial. Em outras palavras, cortaram a cabeça da petista para matar a candidatura de Ciro Gomes, do PDT. Sem PT, sem DEM, sem PSB e muito provavelmente sem a Rede, Ciro perde fôlego, míngua.
A tal Marília, porém, não parece muito diferente daquela Luizianne atrevida. Primeiro, ela desmentiu tudo num vídeo, atribuindo a versão a um “ataque especulativo”. Confirmado que tal ataque era real e partira da própria Comissão Executiva do PT, também empinou o nariz e avisou que não vai engolir em seco, nem chorar num canto. Como Luizianne, vai à luta, vai bater chapa na convenção do PT.
Bem longe dali, o ex-prefeito de Belo Horizonte Marcio Lacerda, do PSB, era também vítima do acordão entre o seu partido e o PT para desidratar Ciro Gomes, que se lança como opção das esquerdas após a crise do PT e a prisão de Lula – a quem sempre defendeu e agora acusa. Mas, se não é nordestino, nem mulher, nem valente e atrevido como Luizianne Lins e Marília Arraes, Lacerda igualmente não vai baixar a cabeça e morrer calado. Até porque, como ele alegou ontem para o partido, quem bancou todas as despesas da pré-campanha foi ele, do próprio bolso. Quem vai ressarci-lo?
Assim como tenta fazer com Marília Arraes, o PT também rifa candidatos próprios no Amazonas, no Amapá, no Piauí, no mesmo Ceará de Luizianne e no Maranhão, onde os petistas tentam resistir bravamente à hegemonia de décadas dos Sarney e há 12 anos são incapazes de disputar eleições. Viraram saco de pancada do próprio partido. Tudo pelo pragmatismo, pela neutralidade do PSB, do apoio do PCdoB e até do PP e do MDB de Eunício Oliveira (CE) e de Renan Calheiros (AL).
A ex-vereadora, ex-deputada federal e atual deputada estadual Manuela d’Ávila (RS), outra jovem política com garra, vontade própria e princípios, que se cuide. Ela foi lançada para a Presidência na convenção do PCdoB na quarta-feira. Mas, pelo andar da carruagem, parece só estar esquentando a cadeira enquanto vai se fechando o cerco da Justiça a Lula.
A procuradora-geral, Raquel Dodge, deu parecer a favor de mantê-lo preso e ainda acusou o ex-presidente de frustrar milhões de eleitores. O ministro Luiz Fux (STF e TSE) foi taxativo ao falar na “inelegibilidade chapada” dele. O relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, já se manifestou a favor de decidir esse solta-não-solta Lula ainda em agosto. E tem razão. Enquanto Lula insistir em ser uma (falsa) peça para outubro, o tabuleiro não se mexe.
Aliás, por que o PT rifa todo mundo e atira em Ciro? Por ordem direta de Lula. Sua distração na cadeia é traçar a estratégia, manter o controle total sobre o PT e esticar e relaxar a corda de Fernando Haddad.
Dilma Rousseff é uma fábrica de produzir declarações hilárias, mas estava coberta de razão ao dizer que, “em eleições, faz-se o diabo”. Em todos os partidos, inclusive no PT. E o diabo está solto!
Marco Aurélio Nogueira: A nau dos insensatos
Apoiadores de Bolsonaro querem ver o circo pegar fogo e dar um tranco num sistema que não os beneficia
Jair Bolsonaro consegue a proeza de unir os democratas (esquerda, liberais e conservadores) contra ele. Apesar disso, mantém posição de destaque na corrida eleitoral, catalisando descontentamentos, frustrações, ódios, preconceitos e ressentimentos de todo tipo.
Sua retórica assusta, pela falta de responsabilidade cívica, pelo que vocifera contra a democracia, pelo irracionalismo.
O capitão da reserva ameaça passar para o segundo turno, impulsionado por um conjunto de fatores: a fragmentação das esquerdas e do centro democrático, a imagem negativa que sobrou dos governos Dilma, o horror à corrupção e à insegurança, a degradação da política e a exuberante fragilidade do governo Temer. Somados ao desalento que se abateu sobre a população e à confusão ideológica, tais fatores fizeram com que Bolsonaro se estabilizasse.
Na política brasileira atual, sua função é dupla: fazer o elogio da ignorância e do despreparo, que são por ele “ressignificados” para se converterem em trunfo, e dar corpo a uma direita reacionária e retrógrada que há tempo não conseguia encontrar expressão.
Ele, porém, é um fenômeno mais amplo, de caráter simbólico e cultural. Mostra à perfeição o estado a que chegamos, de deterioração política, despreparo ético e miséria educacional. Dá voz à angústia coletiva de diversos segmentos sociais, que não são necessariamente de direita e estão integrados por pessoas que perderam a confiança na democracia e na política.
Seus apoiadores são pessoas que querem ver o circo pegar fogo, dar um tranco num sistema que fere suas convicções ou não os beneficia. Optam por uma “radicalização” que desorganize a vida para então reorganizá-la. O caráter misógino, racista e autoritário do candidato não lhes diz respeito, nem incomoda. Também não há qualquer preocupação com eventuais prejuízos derivados de uma vitória de Bolsonaro. Gostam de seu estilo bateu-levou, debochado e arrogante.
A antipolítica é a estrela-guia deles.
(a) O estilo rústico e agressivo do capitão, que faz graça com coisa séria, mexe com o “instinto” das pessoas, que o admiram por não levar desaforo para casa e confrontar o “politicamente correto”. Do alto de seus excessos, Bolsonaro é visto como uma espécie de “salvador” (um mito), patrono de um novo recomeço. São pessoas que querem mudar, mas que não conseguem qualificar direito o que seria a mudança.
Pensam em conseguir algo “diferente”, que elimine erros e falcatruas. Acreditam que Bolsonaro fará com que a economia deslanche e os empregos voltem, injustiças sejam eliminadas e a tranquilidade retorne. Nesse grupo entram também os que são pura e simplesmente autoritários, que acreditam na virtude da força e querem a volta da “ordem” a qualquer custo. É uma forma de obscurantismo.
(b) Os que são contra a corrupção veem no capitão um político íntegro. Não levam em conta, por exemplo, que durante sete mandatos como deputado, Bolsonaro somente conseguiu aprovar dois projetos. Foi uma nulidade no Congresso. Formou um pequeno bunker ao eleger os filhos como parlamentares. Além disso, foi integrante ativo de partidos repletos de práticas corruptas. Foi afastado do Exército por má conduta. A falta de critério e informação prevalece.
(c) Os que se preocupam com a insegurança e a violência impressionam-se com as falas duras de Bolsonaro, com suas ideias de redução da maioridade penal, de adoção da pena de morte, de castração química de estupradores, de liberação de armas para a população. Não levam em conta o efeito perverso que tais medidas teriam sobre a sociedade. Querem ver sangue, na linha olho por olho. Não se impressionam com as pérolas envenenadas do capitão, que contaminam os direitos humanos, a paz e a convivência democrática ao elogiarem a tortura contra adversários políticos. Acham que esse é o preço que se terá de pagar para que se recupere a moralidade perdida com a democratização. Uma nova era de trevas e fechamento não seria necessariamente um problema.
(d) Os que acreditam no “perigo comunista” acham que o capitão acabará com o predomínio das esquerdas, a quem culpam pelos dissabores da vida cotidiana, pela perda de renda familiar, pelo desemprego e pela corrupção. Bolsonaro se dedica a seduzir o eleitorado antipetista, mas também atrai parte dos eleitores que se desiludiram com o lulismo e querem se vingar do que consideram ser um “excesso” das esquerdas e do liberalismo progressista, especialmente no campo dos direitos e das postulações identitárias. A crítica à cultura e aos excessos do “politicamente correto” é uma de suas fronteiras de resistência.
Em suma, o exército de fieis que aplaudem Bolsonaro é composto por uma mistura de ingênuos, desiludidos, desinformados e protofascistas – todos mal-educados politicamente, crentes de que um braço forte no Estado fará a vida melhorar. É uma combinação de gente que se sente abandonada, de “fundamentalistas” e ressentidos, inimigos do sistema democrático e amigos da autoridade, para quem a política é algo a ser desprezado e a democracia pouco importa.
Bolsonaro pilota uma nau dos insensatos.
Seu jeito de ser segue um padrão: não interagir com os interlocutores, ignorar as perguntas incômodas, repisar as mesmas teses, incansavelmente, para saturar os ouvintes. Ele é sua própria referência, não quer dialogar nem conversar com ninguém que já não tenha aderido ao seu credo. Abusando de ataques, grosserias e absurdos, ele dá ordens ao séquito, que o acompanha sem vacilação.
Daí que as críticas ideológicas a ele não têm qualquer eficácia. Não penetram, ricocheteiam. Ao contrário, quanto mais se bate nele por essa via, mais ele cresce, como se estivesse imunizado contra tentativas de “desconstrução”. Para a população que o segue, tanto faz se fala mentiras ou verdades, tanto faz se gosta de tortura e ditadura. Sua rusticidade argumentativa o faz ser entendido pela massa de eleitores, ainda que não consiga seduzi-los por inteiro.
Bolsonaro não resulta de virtudes ou talentos: é um subproduto do contexto de crise e degeneração da política, um filho torto da metamorfose que sacode as estruturas sociais. Foi sendo engordado pelos erros dos democratas, pelas políticas públicas enviesadas dos últimos governos, pela demagogia rasteira, pela entrega da esquerda a políticos salvacionistas, com seu paternalismo assistencialista e sua retórica vazia e radicalizada.
Pode não ter tempo de TV e palanques poderosos, mas tem algo que falta nos demais: redes digitais ativas, fanáticos engajados, gente que acredita nele, que se sente abandonada pelos governos sucessivos e que não está nem aí para a democracia.
Bolsonaro é um perigo real. Mesmo que perca as eleições, terá dado o seu recado e alimentado o monstro que se pensava desativado. A nau dos insensatos já está a singrar os mares.
Eugênio Bucci: O sintoma Bolsonaro e dois limites da democracia
É um equívoco crer que a política democrática sobrevive sem precisar de maiores cuidados
Dois limites comprimem a democracia brasileira. Duas muralhas móveis, cada uma de um lado, vão se aproximando uma da outra, como nestas máquinas de compactar detritos. Combinadas, as duas podem transformar o projeto democrático que se desenhou para o Brasil a partir da Constituição federal de 1988 num pacote de lixo concentrado.
O primeiro desses limites fica visível no sintoma chamado Jair Bolsonaro. Como candidato a presidente da República numa eleição assegurada pela democracia, ele fala a favor da ditadura militar e contra essa mesma democracia.
Examinemos melhor o limite posto aí. Pode a democracia abrigar, alimentar, projetar e consolidar uma liderança que a nega? Em outros termos: um discurso que reafirma como acertadas as violações de direitos humanos praticadas pela ditadura militar – ditadura contra a qual se costurou o frágil pacto civil que resultou na nossa democracia atual – pode disputar o poder segundo as regras dessa mesma democracia? Até que ponto o campo democrático pode conferir legitimidade a forças que prometem implodi-lo?
A ditadura militar ocupa um lugar central na compreensão e na vivência que temos de uma experiência política não autoritária: a ditadura é a referência contra a qual uma democracia se tornou minimamente viável entre nós, mais ou menos como, na Alemanha, a democracia do pós-guerra ganhou corpo a partir da oposição ao nazismo. Logo, um discurso de louvação da ditadura, na esfera pública brasileira, produz um estrago simbólico e institucional desestruturante, mais ou menos análogo ao estrago que seria produzido na democracia alemã se por lá se generalizasse o endeusamento de Adolph Hitler. Somos uma democracia na exata medida em que deixamos de ser uma ditadura militar. As duas ordens não admitem conciliação racional, ética, política ou conceitual. Enaltecer a tortura, tripudiar sobre o trauma da escravidão e pregar o ódio contra a política é tecer a destruição da democracia – não de qualquer democracia, mas precisamente da democracia real que conseguimos ter. Eis o primeiro limite.
Não se trata de uma novidade para o pensamento político. São conhecidos os mecanismos pelos quais as revoluções que prometiam luzes humanistas se converteram em seu oposto. As utopias se degeneram e disso já se sabe há um bom (e mau) tempo. As democracias e até mesmo as civilizações podem morrer. O risco de que a democracia, ao autorizar o exercício da liberdade, pode, sim, produzir as falanges que a destruirão já foi pensado, entre outros, por Claude Lefort. O risco é conhecido. E o que temos feito? Nada.
Um dos maiores equívocos de fundo da nossa temporada é acreditar que a política democrática sobrevive sem precisar de maiores cuidados, como se fosse o matagal crescendo nos rincões das capitanias hereditárias. Se não cuidarmos da política, das instituições, das regras que nos permitem discordar sem nos segregar, ficaremos sem política, sem instituições e sem unidade.
Fingindo serenidade diante de um cenário alarmante, analistas e caciques dizem que Bolsonaro será devidamente erodido pela campanha eleitoral. Basta que comece o horário dito gratuito na TV e ele vai virar fumaça. Pode até ser que isso aconteça, mas há duas ilusões nesse raciocínio que devem ser criticadas aqui.
A primeira ilusão é achar que, dissolvida a candidatura do referido, tudo ficará bem. Não ficará. A cultura antipolítica e antidemocrática mobilizada por essa candidatura voltará com mais força daqui a quatro anos. Há multidões crescentes no Brasil que aprenderam a se jactar de desprezar a política, sem saber que, sem política, não teriam direito sequer de expressar o seu desprezo pela política. Essas multidões não sabem o que desfazem. Não terão perdão. Elas são a prova material de que o mal está posto, está instalado, mesmo que Bolsonaro não chegue ao segundo turno.
A segunda ilusão é acreditar que o horário eleitoral dito gratuito é mais forte que as tramas e tramoias da internet. É bem verdade que a TV tem mostrado sua potência a cada eleição. Em 2014, quando Marina Silva se sobressaiu como uma das favoritas para ir ao segundo turno, a marquetagem a serviço da reeleição de Dilma Rousseff não precisou de mais do que três semanas para destroçá-la com calúnias e infâmias inomináveis – e isso por meio do horário eleitoral na televisão. A relação direta entre minutos no horário eleitoral e chances de sucesso nas urnas continua intacta, tanto que os partidos negociam todos os princípios que têm (e principalmente os que não têm) em troca de segundos a mais na propaganda.
A questão é: até quando será assim? Ninguém sabe. A probabilidade de Bolsonaro ser erodido pela TV é alta, mas não absoluta. Contra a televisão, seus apoiadores vão mesclar, nas redes sociais, fanatismos tanáticos e falsidades factuais para segurá-lo no segundo turno. A estratégia – a única que resta à direita obscurantista – tirará vantagem da gigantesca e planetária privatização do espaço público que foi promovida pelos monopólios globais da era digital (Facebook, por exemplo). Os monopólios globais vão engolindo os espaços públicos para redesenhá-los segundo novos desígnios privados. Seja porque os algoritmos que comandam o fluxo das mensagens nas redes são fechados, seja porque as regras não são transparentes, seja porque os monopólios globais não prestam contas à sociedade, a propaganda política na internet não é pública – é um negócio privado cujos mecanismos são quase secretos.
Essa forma inédita de privatização do espaço público – que já se mostrou acachapante em outros países e agora é particularmente ameaçadora para as eleições que se aproximam no Brasil – é precisamente o segundo limite de que falei no início deste artigo. É a segunda comporta a comprimir os direitos, as garantias e as liberdades que estruturam a nossa democracia. Bolsonaro, o sintoma, tira proveito também do segundo limite. Não por acaso.
*Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP
William Waack: Memórias distantes
Há momentos em que sociedades decidem que um assunto já foi encerrado
A reabertura da investigação sobre o assassinato no DOI/Codi de Vladimir Herzog por parte do MPF e o consequente apelo a invalidar a Lei da Anistia – que perdoou crimes cometidos nos dois lados da guerra suja brasileira – trouxeram de volta a mim memórias muito pessoais que, confesso, estavam bem distantes. Simbolicamente representadas na morte terça-feira última de Hélio Bicudo, naquela época um herói para mim e exemplo de coragem como o homem que enfrentou o Esquadrão da Morte.
Lembranças pessoais nada têm a ver com a maneira como sociedades “trabalham” períodos traumáticos de sua história, isto é, como “lembram” (ou decidem esquecer) esse tipo de acontecimento. Lição que aprendi participando diretamente durante cinco anos seguidos da cobertura jornalística de como a Alemanha reunificada lidou com o legado vivo e palpitante de uma odiosa ditadura comunista, também acusada de crimes contra a humanidade.
Há momentos em que essas sociedades (e aqui incluiria os exemplos de Espanha, Chile, Argentina e Uruguai – mais complexos são os casos de França e Itália) decidem por um entendimento político tácito que o assunto foi encerrado. Por mais ofensivo e dolorido que possa parecer, por exemplo, à viúva de Vlado e seus filhos. E parece-me bastante óbvio que o mesmo – página virada – ocorreu já no Brasil. Não se trata aqui de examinar argumentos jurídicos para invalidar a anistia, e que me parecem bastante frágeis, devido ao fato de que os constituintes de 1988 plantaram-se sobre essa lei para propor a rota futura do País.
Por mais que grupos e personalidades políticas ligadas ao que se convencionou chamar de “esquerda” no Brasil insistam, a tal “memória coletiva” (concordo, de difícil definição) sobre a sequência de acontecimentos datados a partir de 1964 não é nem de longe e não guarda a menor comparação com processos político eleitorais de uma Espanha, um Chile ou uma Argentina pós-ditaduras. Mesmo a recente publicação de papéis da CIA segundo os quais decisões de matar inimigos foram tomadas por generais dentro do Palácio do Planalto sequer arranha a superfície de um estado de espírito na sociedade segundo o qual o passado pouco interessa para decisões que têm de ser tomadas a partir das votações de hoje.
Pode-se lamentar esse tipo de coisa, mas me parece um fato da nossa realidade política. Em outras palavras, não há uma “memória coletiva” dos males de uma ditadura (como foi a brasileira) que sirva para definir como parte expressiva do eleitorado encara a candidatura de Jair Bolsonaro, e tentar destruir a candidatura dele por esse caminho, o de confrontá-lo com a ditadura militar, revelou-se até agora bem pouco eficaz. Há semelhanças com o fenômeno político-eleitoral americano recente, no qual, em vez de perder, Trump ganhava projeção com o que a sabedoria política convencional considerava posturas intoleráveis do então candidato.
As pesquisas indicam que o eleitorado brasileiro este ano postula honestidade pessoal como critério primordial para escolher candidatos, e esse é claramente um julgamento moral. Só posso dizer que, em algum momento na nossa rota, nós brasileiros perdemos (se é que uma vez tivemos) a noção de critérios morais mais abrangentes, substituídos até aqui nesta corrida eleitoral pela doutrina do saco cheio, do vamos acabar com tudo, do não me importam as consequências (vide greve dos caminhoneiros).
Não sei se este estado de espírito se altera com a entrada da clássica propaganda eleitoral na TV, que privilegia por exemplo Geraldo Alckmin contra Jair Bolsonaro. Por enquanto, parece que não.
Eliane Cantanhêde: Alianças não são para quem quer, só para quem pode
Na convenção que o lançou ao governo de São Paulo, o ex-prefeito João Doria deu uma resposta que pode parecer atrevida, mas é simplesmente verdadeira, às críticas contra a aliança do também tucano Geraldo Alckmin com o Centrão: “Quem advoga contra alianças é quem não conseguiu fazer”.
Marina Silva (Rede) pode até não vestir a carapuça, já que ela enfrenta dificuldades com seu próprio partido e tem sido seletiva nas suas conversas com outras siglas, como o PDT de Ciro Gomes. Mas a provocação de Doria, em estilo machadiano, atinge em cheio o próprio Ciro.
Ao contrário de Marina, Ciro – que já foi PDS, PMDB, PSDB, PSB e PPS antes de se filiar ao PDT para disputar a Presidência em 2018 – se empenhou publica e ostensivamente por alianças à esquerda e à direita. Até agora, a duas semanas do fim do registro de candidaturas na Justiça Eleitoral, sem êxito.
Errático, Ciro acenava para o PT enquanto, daqui e dali, dava estocadas no ex-presidente Lula. Quando o PT tirou o corpo fora, ele se virou para o lado oposto, o DEM, parceiro do PSDB desde 1994. E, quando o DEM se rendeu à gritante ausência de convergências, o que fez Ciro? Tentou voltar-se novamente para o PT e as esquerdas.
Hoje, Marina Silva e Ciro Gomes conversam, mas sem perspectiva de aliança, enquanto o PDT ainda sonha com algum acordo com o PSB, replicando a nível nacional a aliança em São Paulo a favor da continuação de Márcio França (PSB) no Palácio dos Bandeirantes.
Mas, se Marina e Ciro não conseguiram fazer alianças, o PSB não consegue nem mesmo decidir que caminho seguir. Pode ir para o PDT, pode ir para o PT, pode ter dissidentes para todo lado e pode, simplesmente, tomar uma decisão temerária: liberar geral, cada um votando como bem entenda. Isso, convenhamos, não é próprio de partidos, mas de ajuntamentos de futuro incerto.
Vera Magalhães: ‘Lacração’ x propostas
O saldo final do Roda Viva foi positivo para Jair Bolsonaro. Submetido a duas horas de entrevista em rede nacional de TV, conseguiu seu objetivo principal: não perder exércitos nesta fase ainda inicial do jogo de War.
Confrontar Bolsonaro com temas como ditadura militar, cotas, homofobia e racismo é dar espaço para que ele se reafirme como antípoda da esquerda – a principal razão de voto do seu eleitor – e, colateralmente, até se mostre mais “moderado” que no passado sobre esses temas. Quem se choca com o que ele diz sobre isso já não vota nele.
Os momentos em que o deputado do PSL se sai pior são aqueles em que é questionado sobre suas propostas caso seja eleito presidente da República – cargo sobre o qual recaem atribuições que ele insiste em dizer que não domina e que não tem nada a ver com a maior parte dos temas em que ele pretende “lacrar”. Nesse aspecto a entrevista foi pobre. Tanto na ausência de mais perguntas quanto no total despreparo demonstrado nas respostas.
A peroração de Bolsonaro sobre as causas do aumento da mortalidade infantil poderiam ter saído da boca de Dilma Rousseff naqueles momentos clássicos do “dilmês”. Além de atribuir as causas a clichês desconexos entre si, ele não foi capaz de elencar uma mísera ação do Estado (em saneamento, pré-natal e saúde preventiva) que pudesse reverter a alta do indicador.
O mesmo vale para sua resposta constrangedora sobre ciência e tecnologia – com a insistência na caricatura do astronauta para ministro – e as tergiversações sobre Previdência, que não escondem o fato de que ele não admite rever privilégios de corporações como policiais e militares.
O uso de Paulo Guedes como uma espécie de supertrunfo do qual ele se vale para o fato de não conhecer nada de macroeconomia mesmo depois de 28 anos como congressista poderia ser desmistificado com mais perguntas que mostrassem a contradição entre a prática do candidato e a teoria do economista.
Adversários têm a pretensão de “desconstruir” Bolsonaro ao longo da campanha. A entrevista mostrou que não será fácil. Naquilo em que “lacra”, na visão de seu eleitor convertido, trata-se de enxugar gelo. Nas demais questões, a nova pose de humilde que vai delegar a quem entende funciona como vacina. Uma espécie de posto Ipiranga da ignorância.
NOVELA SEM FIM
Aldo e Ana Amélia lideram ‘bolsa’ para vice de Alckmin
A escolha do vice de Geraldo Alckmin afunilou para os nomes de Aldo Rebelo (SD) e Ana Amélia (PP). Como os dois ainda sofrem resistências, os articuladores não descartam uma “surpresa”, mas as conversas hoje orbitam entre o ex-deputado e a senadora gaúcha.
O tucano prefere Ana Amélia, mas ela ainda sofre oposição do Centrão, notadamente em seu próprio partido. Aldo enfrenta desconfiança pelo seu passado de comunista – o que pode afugentar o eleitor “azul’ que Alckmin precisa conquistar para ir ao segundo turno.
Os que advogam pelo ex-deputado dizem que ele tem bom trânsito com militares e no agronegócio, o que funcionaria como antídoto para seu passado esquerdista. Ana Amélia, por outro lado, poderia ajudar mais Alckmin no primeiro turno, por trazer votos das mulheres e na Região Sul (onde Alckmin enfrenta concorrência de Bolsonaro e do senador Alvaro Dias). A ideia da aliança é anunciar o nome amanhã à tarde.
O Estado de S. Paulo: TSE poderá julgar Lula antes do início do horário eleitoral
Em Salvador, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, diz que um condenado em segunda instância da Justiça é ‘inelegível’ e ‘não pode se tornar candidato sub judice
Por Yuri Silva, Rafael Moraes Moura e Teo Cury, de O Estado de S.Paulo
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux, afirmou, nesta terça-feira em Salvador, que um político enquadrado na Lei da Ficha Limpa “não pode forçar uma situação, se registrando, para se tornar um candidato sub judice”. Apesar de não ter citado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato, Fux deu a declaração ao ser questionado se a estratégia do PT, que promete registrar a candidatura do ex-presidente, causava insegurança jurídica nas eleições 2018.
De forma mais direta, Fux, que também é ministro do Supremo Tribunal Federal, reforçou o entendimento que vem manifestando desde a posse no TSE, em fevereiro, quando disse que candidato ficha-suja está “fora do jogo democrático”.
Para Fux, a condenação em segunda instância é suficiente para impedir uma candidatura. “No nosso modo de ver, o candidato condenado em segunda instância ele já é um candidato inelegível, ele é um candidato cuja situação jurídica já está definida. A Lei da Ficha Limpa impede ele de concorrer, portanto, ele é inelegível. Então não pode concorrer um candidato que não pode ser eleito”, afirmou o ministro, destacando que não gostaria de personalizar “nenhuma questão”.
Integrantes da Corte Eleitoral ouvidos pelo Estado sob a condição de anonimato avaliam que o caso de Lula deverá levar o plenário do TSE a julgar o provável registro de sua candidatura até no fim deste mês, antes do início da propaganda eleitoral no rádio e na TV.
O início do horário eleitoral está marcado para 31 de agosto. O palanque eletrônico é considerado pelo PT como uma oportunidade de o ex-presidente – que cumpre prisão em Curitiba – aparecer em rede nacional.
A percepção consolidada pela Lei da Ficha Limpa é de que o registro deve ser negado quando o candidato tem a sentença confirmada por um tribunal colegiado – no caso de Lula, isso ocorreu quando o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) confirmou a condenação por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá (SP) e elevou a pena para 12 anos e 1 mês de prisão. O ex-presidente está preso desde 7 de abril na capital paranaense.
O PT tem até 15 de agosto para fazer o registro da candidatura de Lula. No TSE, a avaliação é a de que as chances de o petista obter vitória é mínima, a menos que consiga uma liminar suspendendo a inelegibilidade.
PGR indica que pedirá impugnação da candidatura de Lula
Na semana passada, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, indicou que deve pedir a impugnação da candidatura de Lula. Raquel também avisou que o Ministério Público vai pedir o ressarcimento de recursos públicos que tenham financiado a candidatura de políticos inelegíveis.
Para Fux, “o candidato sub judice é aquele que tem a sua elegibilidade ainda sujeita à apreciação da Justiça”. Ele fez questão de diferenciar candidatos “sub judice” de candidatos “inelegíveis”. “Aqueles candidatos que já tiveram a sua situação definida pela Justiça não são candidatos sub judice, são candidatos inelegíveis”, afirmou o presidente do TSE, durante o evento Políticos do Futuro em uma escola pública da capital baiana.
Mesmo com uma possível derrota na Corte Eleitoral, a defesa de Lula pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Segundo o Estado apurou, o pedido seria distribuído livremente entre os integrantes da Corte, sendo excluídos do sorteio eletrônico a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia (que, por questões regimentais, não recebe pedidos de medida liminar), e os três ministros do Supremo que também integram o TSE: Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin (que será efetivado no tribunal em meados de agosto). Dessa forma, o processo seria encaminhado para algum dos outros sete integrantes do tribunal.
TSE quer dar lição de moral em candidato, diz advogado do PT
O advogado Eugênio Aragão, que integra a equipe eleitoral do PT, criticou as declarações do presidente da Corte Eleitoral. “O que estamos vendo aqui é o presidente do TSE querendo dar lição de moral em candidato”, afirmou.
Em nota divulgada nesta terça-feira, a assessoria do Instituto Lula afirmou que Fux já escreveu em livro, publicado em 2016, “que sempre que houver possibilidade do candidato reverter a inelegibilidade, a lei garante que o candidato ‘prossiga na corrida eleitoral’ (Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte, Fórum, 2016)”.
“Por isso a fala de hoje do ministro sobre candidatos ‘em situação definitiva’ não poderem concorrer não se aplica a Lula. Nem o Ministério Público sustenta o caráter definitivo da inelegibilidade de Lula”, diz a nota. / COLABOROU RICARDO GALHARDO
Vinícius Müller: A expansão do centro entre os estabelecidos e os outsiders
Quando os antigos centros urbanos e sócio-culturais não mais se sobrepõem às periferias, a solução não está no seu inverso, as periferias se sobrepondo aos centros, mas sim na interpenetração mútua
Em seu primeiro e pouco conhecido livro, Os Estabelecidos e os Outsiders (Jorge Zahar Editor, 2000), o sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990) nos revela, a partir da trajetória da pequena cidade britânica de Winston Parva (nome fictício dado pelos autores), os modos exemplares como variadas camadas históricas podem se encaixar e, ao mesmo tempo, se misturar. Elias e seu colega de trabalho, John Scotson, descrevem ao menos três diferentes ocupações que se sucederam ao longo da história local, de modo que teríamos, quase de forma concêntrica, uma cidade com três regiões determinadas: a mais antiga e central, ocupada por famílias tradicionais que representavam a elite local; uma segunda, intermediária, oriunda da ocupação por migrantes que se instalaram como mão de obra das indústrias que por lá se desenvolveram, e; uma terceira, mais periférica e recente, também resultado da chegada de mão de obra voltada à segunda fase de industrialização ocorrida na cidade.
Conforme sugere o título do livro, os moradores da região central de Winston Parva, membros de famílias que por lá se instalaram em tempos mais distantes, são os “estabelecidos”. Ou seja, aqueles que se percebiam e se comportavam como os representantes dos valores e dos costumes que definiriam o que seria o certo, o justo e o desejável na comunidade. Já os “outsiders”, distribuídos entre os moradores das outras duas regiões, representariam, aos olhos dos estabelecidos, as ameaças aos valores que sustentavam aquela sociedade. Mais significativo, contudo, é o modo como os grupos, mesmo envolvidos pela tática defensiva de caracterizar pejorativamente os outros, assumiam muitas vezes como autoimagem aquilo que outro grupo lhes atribuía. Por exemplo, os habitantes da região mais periférica, os trabalhadores da indústria, muitas vezes se enxergavam com características que, na verdade, lhes foram atribuídas pelos moradores da área central, a saber, como preguiçosos e pouco higiênicos. Ou seja, os grupos de moradores, definidos por critérios objetivos como sua localização, tipo de trabalho e tempo em que estavam na cidade, também eram definidos não só pelos seus próprios valores, costumes e tradições, mas principalmente por aqueles que lhes eram atribuídos pelos outros grupos.
A partir da identificação do problema, o mesmo Elias se debruçou sobre como ele se desenvolveu ao longo do tempo. O que talvez não se tenha levado em conta foi a diluição de certas hierarquias – e a criação de outras – que de algum modo equilibrou esta disputa. Ou seja, a combinação entre desenvolvimento econômico, tecnologia e avanço dos direitos fez com que a ‘vantagem’ que os habitantes das áreas centrais gozavam em relação aos moradores periféricos diminuísse. Se antes era mais fácil para o grupo mais antigo determinar que os seus valores e tradições eram aqueles que davam coesão à sociedade e, por oposição, atribuir aos membros dos outros grupos características contrárias, a História nos mostra que tamanha facilidade não existe mais. Ao contrário, há um maior equilíbrio entre a capacidade que os grupos centrais têm em atribuir aos outros características falsas e pejorativas, e a capacidade que os grupos periféricos têm em fazer o mesmo – aquilo que Moses Naim chama de o ‘Fim do Poder’ –, e, além disso, de fazer com que aquilo que dizem sobre o outros, mesmo que falso, seja incorporado pela ‘vítima’.
Se por um lado esse maior equilíbrio dissolveu certa hierarquia social e ampliou o poder dos grupos periféricos, por outro não arrefeceu as disputas. Apenas as tornou mais equilibradas. E, se as disputas envolviam o uso de ‘fake news’ voltadas à desmoralização do outro grupo, elas tampouco diminuíram ao longo da História. Ao contrário, ficaram cada vez mais agressivas. Em outras palavras, se a cidade cresceu de modo a aproximar geograficamente os grupos centrais e os periféricos, a melhoria da convivência entre eles não está no simples reconhecimento de que, ao contrário do que acontecia antes, não só um dos grupos e sim todos têm o direito de atribuir ao outro características falsas, mas na capacidade de criar cooperação entre eles. Isso significa, ainda na metáfora urbanística, expandir o centro. A cidade pode facilitar os encontros entre o centro e a periferia por meio de vias que os aproximem; pode fazer com que tais vias sejam entrecortadas por praças que estimulem a convivência entre eles no meio do caminho. Mas, fundamentalmente, deve proteger certos mínimos morais que serão construídos no encontro entre os grupos cujos poderes se equilibram. Pode-se fazer isso a partir de uma referência histórica, a partir de um valor minimamente consensual, ou, na pior das hipóteses, pela Lei.
A expansão do centro, portanto, não se dá pelo equilíbrio entre forças voltadas à disputa, e sim pelo reconhecimento de que quando o antigo centro não mais se sobrepõe à periferia (e isso é desejável), a solução não está no seu inverso: a periferia se sobrepondo ao centro. Está, sim, no alargamento do centro até o ponto em que as diferenças anteriores não sejam mais relevantes. Nesse caso, não sabemos ao certo se o centro é que se expandiu em direção à periferia – ou se, ao contrário, a periferia penetrou o centro. Em outras palavras: quem é o estabelecido e quem é o outsider? Quando não sabemos mais a resposta, significa que funcionou. A isto podemos chamar de processo civilizador.
*Vinícius Müller é doutor em História Econômica pela USP e professor do Insper.
Eliane Cantanhêde: Nós, mulheres
Voto feminino é desafio de candidatos e candidatas. Com vices e ideias mirabolantes?
Nós, mulheres, costumamos ser menos afoitas, mais desconfiadas, demoramos mais a tomar decisões. Estereótipo? Sei lá. O fato é que o eleitorado em geral já está em cima do muro, mas o feminino, que é a maioria (52,5%), está mais ainda. Indeciso ou decidido a votar branco ou nulo. Acordem, candidatos e candidatas!
Pesquisa Datafolha de junho mostra que a soma entre as indecisas (54%) e as que pretendem anular o voto (26%) chega a chocantes 80%, o maior índice na comparação com eleições anteriores nesta mesma época da campanha. A mulherada anda braba, ou descrente de tudo.
Até Jair Bolsonaro, com 8,5 milhões de seguidores no Twitter, Facebook, Instagram e YouTube, não conquista a eleitora com a mesma eficiência, ou na mesma proporção, com que atinge o eleitor. A desproporção é grande.
Aí começam as ideias mirabolantes e os jeitinhos de última hora, principalmente na escolha dos vices nas chapas. Ciro Gomes, por exemplo, acena com 50% dos ministérios para mulheres. Bolsonaro foca na advogada e professora Janaína Paschoal que, como ele, nunca gerenciou coisa nenhuma. Geraldo Alckmin namora a ideia da deputada Tereza Cristina, que é do DEM e preside a Frente Parlamentar da Agropecuária. E já venderam a ele até a opção pela vice-governadora do Piauí, Margarete Coelho.
Marina Silva é a única, no pelotão de frente, com uma porcentagem maior de apoios no eleitorado feminino do que no masculino, na base de 17% para 12%. Além de ser mulher, Marina tem um discurso que sensibiliza naturalmente a média das mulheres, pela seriedade, pela crítica à “velha política”, pelo esforço para fazer “diferente”.
Em São Paulo, o candidato do MDB ao Palácio dos Bandeirantes, Paulo Skaf, caprichou e uniu o útil ao agradável. Sua vice, Carla Danielle Basson, além de mulher, é tenente-coronel da PM paulista. Como se sabe, a crise na segurança pública é um problemaço de Norte a Sul do País.
Uma enquete do jornal O Globo, porém, mostra que a maior preocupação das mulheres nem é a questão gravíssima da segurança pública, mas a saúde, que pode traçar ainda mais diretamente o limite entre a vida e a morte. Nós, mulheres, temos aparentemente mais responsabilidade pelos pais e mães muitas vezes idosos, pelos filhos pequenos, jovens ou adultos, pelos maridos sempre mais refratários a procurar médicos e hospitais.
Imagine-se o imenso universo de mulheres pobres, as trabalhadoras de classe média baixa, que se vêm às voltas com as condições precárias e assustadoras dos serviços públicos de saúde no Norte, no Nordeste, no Sudeste, no Sul, no Centro-Oeste? O que os senhores e senhoras candidatos podem dizer a elas sobre programas factíveis para atacar essa calamidade?
Outra questão tóxica, da qual candidatos e candidatas fogem desde sempre como diabos da cruz, é a da descriminalização do aborto. Nesta semana mesmo, o Supremo Tribunal Federal abre uma audiência pública com profissionais da área médica, representantes de igrejas e experts de diferentes setores sobre a descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação.
A ideia não é estimular o aborto, é acabar com uma realidade social injusta, e aí, sim, criminosa. Fecham-se os olhos para as mulheres ricas que fazem aborto em clínicas seguras e discretas e sai-se prendendo mulheres pobres que arriscam a vida e a saúde em pocilgas infectas e ainda são punidas pela lei.
Como a reforma da Previdência, essa é uma discussão internacional, mas não prospera no Brasil por falta de ambiente e de coragem. Com eleitoras engajadas e com candidatos e candidatas comprometidos realmente com direitos e o bem público, quem sabe se possa falar, ouvir e decidir com o coração e a razão?
Carlos Alberto di Franco: Jornalismo, alma da democracia
As redes sociais reverberam, multiplicam, agitam, mas o pontapé inicial é sempre das empresas de conteúdo independentes
Não existe um único assunto relevante que não tenha nascido numa pauta do jornalismo de qualidade. Os temas das nossas conversas são, frequentemente, determinados pelo noticiário e pela opinião dos jornais. A imprensa é, de fato, o oxigênio da sociedade. Sem ela as sociedades sucumbem às recorrentes aventuras populistas e autoritárias.
As redes sociais reverberam, multiplicam, agitam. Mas o pontapé inicial é sempre das empresas de conteúdo independentes. Sem elas a democracia não funciona.
O jornalismo não é antinada. Mas também não é neutro. É um espaço de contraponto. Seu compromisso não está vinculado aos ventos passageiros da política e dos partidarismos. Sua agenda é, ou deveria ser, determinada por valores perenes: liberdade, dignidade humana, respeito às minorias, promoção da livre-iniciativa, abertura ao contraditório. Por isso os jornais são fustigados pelos que, à esquerda e à direita, desenham projetos autoritários de poder.
O jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos espúrios, mas com a força informativa da reportagem e com o farol de uma opinião firme, mas equilibrada e magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o coração da mídia.
As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular para o processo comunicativo e propiciado novas formas de participação, de construção da esfera pública, de mobilização do cidadão. Suscitam debates, geram polêmicas, algumas com forte radicalização, exercem pressão. Mas as notícias que realmente importam, aquelas que são capazes de alterar os rumos de um país, são fruto não de boatos ou meias-verdades disseminadas de forma irresponsável ou ingênua, mas resultam de um trabalho investigativo feito dentro de rígidos padrões de qualidade, algo que está na essência dos bons jornais.
A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns acertando suas contas na prisão e outros sofrendo o ostracismo do poder, só são possíveis graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.
Poucas coisas podem ter o mesmo impacto que o jornal tem sobre os funcionários públicos corruptos, sobre os políticos que se ligam ao crime, que abusam do seu poder, que traem os valores e os princípios democráticos. Políticos e governantes com desvios de conduta odeiam os jornais. Mas estes são, de longe, os grandes parceiros da sociedade, a alma da democracia.
Navega-se freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos dispersa a inteligência. Fica-se refém da superficialidade e do vazio. Perdem-se contexto e sensibilidade crítica. A fragmentação dos conteúdos pode transmitir certa sensação de liberdade. Não dependemos, aparentemente, de ninguém. Somos os editores do nosso diário personalizado. Será?
Não creio, sinceramente. Penso que existe uma crescente demanda de jornalismo puro, de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há uma nostalgia de reportagem. É preciso recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e o fascínio do jornalismo de sempre.
Jornalismo sem brilho e sem alma é uma perigosa doença que pode contaminar redações. O leitor não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. As empresas precisam repensar os seus modelos e investir poderosamente no coração. É preciso dar novo vigor à reportagem e ao conteúdo bem editado, sério, preciso, ético.
É preciso contar boas histórias. E apurar com verdadeiro empenho de isenção. A apuração de mentira representa uma das mais graves agressões à ética e à qualidade informativa. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade, mas num artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Mata-se a notícia. Cria-se a versão.
Frequentemente, também se sucumbe ao politicamente correto. Certas matérias, prisioneiras de chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos. Resultado: a credibilidade, verdadeiro capital de um veículo, se esvai pelo ralo dos preconceitos.
A precipitação e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade. A incompetência foge dos bancos de dados. Na falta de pergunta inteligente, a ditadura das aspas ocupa o lugar da informação. O jornalismo de registro, burocrático e insosso, é o resultado acabado de uma perversa patologia: a falta de planejamento e a obsessão de editores com o fechamento. Quando editores não formam os seus repórteres, quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline, quando as pautas não nascem da vida real, mas de pauteiros anestesiados pelo clima rarefeito das redações, é preciso ter a coragem de repensar todos os processos.
Estamos em ano eleitoral. Os leitores esperam algo mais do que aspas, fofoca, intriga política e marketing superficial. Querem bons perfis dos candidatos, análise aprofundada das suas propostas, desconstrução de miragens demagógicas e populistas.
A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade. Não é verdade que o público não goste de ler. Não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância. Um bom texto, para um público que adquire a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.
* Carlos Alberto di Franco é jornalista
Vera Magalhães: O eleitorado cinza
Entre antipetistas/bolsonaristas e lulistas há metade do eleitorado, que definirá o jogo
Existe um elemento ainda em grande parte inescrutável nesta eleição de 2018: o eleitor. Até aqui, foi possível conhecer os dois extremos desse contingente. De um lado, aqueles que se lembram do governo Lula com saudosismo, porque achavam que sua vida estava melhor. Nesse grupo estão os petistas ideológicos, mas não só. De outro, os antipetistas empedernidos. Mas entre o preto e o branco há toda a paleta de cores. E aí vai se definir a eleição.
Ouvi de um pernambucano uma frase que me ajudou a entender um pouco a resiliência de Lula mesmo preso, mesmo após o petrolão, mesmo após o impeachment de sua escolhida Dilma Rousseff. “As pessoas estão escovando os dentes com água do São Francisco no sertão da Paraíba. Para o nordestino, isso é a realização da profecia de Conselheiro”, me disse esse observador, que não é petista, aliás.
É uma dimensão difícil de alcançar por nós, jornalistas, cientistas políticos, especialistas em pesquisa urbanos, que falamos, escrevemos e analisamos a partir do Sudeste e de um conjunto de fatores – corrupção, Lava Jato, papel do Estado, aparelhamento das instituições, patrimonialismo – que nada tem a ver com algo que mistura numa só imagem altas doses de messianismo e “a vida como ela é”. Para mim foi importante esta perspectiva.
O grupo dos lulopetistas persistentes abrange também uma certa classe média urbana que ou foi contra o impeachment no primeiro momento ou se convenceu de que ele foi um erro por obra e graça de Michel Temer, que conseguiu a façanha de superar Dilma em impopularidade, não entregou a propalada recuperação econômica e se arrasta como um zumbi num fim de mandato irrelevante e melancólico.
No outro extremo do espectro do eleitorado está o antípoda desse lulista resiliente. O antipetista radical, que enxerga justamente as variáveis que listei três parágrafos atrás – corrupção, Lava Jato, papel do Estado, aparelhamento das instituições, patrimonialismo – como as razões do atraso brasileiro, e as considera obra do lulopetismo. O que de fato são. Treze anos de Lula e Dilma condenaram o País ao buraco de hoje. Inclusive legaram Temer, que os dois extremos renegam.
Esse eleitor revoltado vai de Jair Bolsonaro. Professa essa fé quase como um soco na cara. Manifestações como o autoritário “é melhor jair se acostumando” nada mais são do que um grito de “agora chegou nossa vez, petistas”.
Os dois extremos respondem por 46% do eleitorado que já manifesta sua intenção em pesquisas. Há, portanto, metade do eleitorado cuja opinião é matizada, não se encaixa nos polos.
Na hora do vamos ver esse contingente vai se alinhar segundo a divisão levada em conta pelos partidos, entre direita e esquerda? Ou no pós-Lava Jato essa decisão será mais entre candidatos do sistema (ou da velha política) e os antissistema (ou que pregam o “novo”)?
A presença forte do PT nas pesquisas parece apontar para a primeira hipótese – na qual aposta todas as fichas Geraldo Alckmin (PSDB), que acredita que, se assim for, caberá a ele a outra vaga no segundo turno, contra o candidato petista, repetindo 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014. A cristalização do voto em Bolsonaro e também o recall duradouro de Marina Silva, no entanto, parecem mostrar que a busca por um candidato antissistema pode não ser apenas um “modismo” da Lava Jato e das redes sociais. E, neste caso, estaríamos diante de uma ruptura real de paradigmas do que foram as últimas eleições.
Só o início “oficial” da campanha, com a propaganda da TV na rua, a cobertura mais massiva da imprensa, os debates e os palanques finalmente formados responderão para onde vai esse eleitor que ainda não “falou” nas pesquisas. E que enxerga o cinza, para além de branco e preto.
Entre antipetistas/bolsonaristas e lulistas há metade do eleitorado, que definirá o jogo
Existe um elemento ainda em grande parte inescrutável nesta eleição de 2018: o eleitor. Até aqui, foi possível conhecer os dois extremos desse contingente. De um lado, aqueles que se lembram do governo Lula com saudosismo, porque achavam que sua vida estava melhor. Nesse grupo estão os petistas ideológicos, mas não só. De outro, os antipetistas empedernidos. Mas entre o preto e o branco há toda a paleta de cores. E aí vai se definir a eleição.
Ouvi de um pernambucano uma frase que me ajudou a entender um pouco a resiliência de Lula mesmo preso, mesmo após o petrolão, mesmo após o impeachment de sua escolhida Dilma Rousseff. “As pessoas estão escovando os dentes com água do São Francisco no sertão da Paraíba. Para o nordestino, isso é a realização da profecia de Conselheiro”, me disse esse observador, que não é petista, aliás.
É uma dimensão difícil de alcançar por nós, jornalistas, cientistas políticos, especialistas em pesquisa urbanos, que falamos, escrevemos e analisamos a partir do Sudeste e de um conjunto de fatores – corrupção, Lava Jato, papel do Estado, aparelhamento das instituições, patrimonialismo – que nada tem a ver com algo que mistura numa só imagem altas doses de messianismo e “a vida como ela é”. Para mim foi importante esta perspectiva.
O grupo dos lulopetistas persistentes abrange também uma certa classe média urbana que ou foi contra o impeachment no primeiro momento ou se convenceu de que ele foi um erro por obra e graça de Michel Temer, que conseguiu a façanha de superar Dilma em impopularidade, não entregou a propalada recuperação econômica e se arrasta como um zumbi num fim de mandato irrelevante e melancólico.
No outro extremo do espectro do eleitorado está o antípoda desse lulista resiliente. O antipetista radical, que enxerga justamente as variáveis que listei três parágrafos atrás – corrupção, Lava Jato, papel do Estado, aparelhamento das instituições, patrimonialismo – como as razões do atraso brasileiro, e as considera obra do lulopetismo. O que de fato são. Treze anos de Lula e Dilma condenaram o País ao buraco de hoje. Inclusive legaram Temer, que os dois extremos renegam.
Esse eleitor revoltado vai de Jair Bolsonaro. Professa essa fé quase como um soco na cara. Manifestações como o autoritário “é melhor jair se acostumando” nada mais são do que um grito de “agora chegou nossa vez, petistas”.
Os dois extremos respondem por 46% do eleitorado que já manifesta sua intenção em pesquisas. Há, portanto, metade do eleitorado cuja opinião é matizada, não se encaixa nos polos.
Na hora do vamos ver esse contingente vai se alinhar segundo a divisão levada em conta pelos partidos, entre direita e esquerda? Ou no pós-Lava Jato essa decisão será mais entre candidatos do sistema (ou da velha política) e os antissistema (ou que pregam o “novo”)?
A presença forte do PT nas pesquisas parece apontar para a primeira hipótese – na qual aposta todas as fichas Geraldo Alckmin (PSDB), que acredita que, se assim for, caberá a ele a outra vaga no segundo turno, contra o candidato petista, repetindo 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014. A cristalização do voto em Bolsonaro e também o recall duradouro de Marina Silva, no entanto, parecem mostrar que a busca por um candidato antissistema pode não ser apenas um “modismo” da Lava Jato e das redes sociais. E, neste caso, estaríamos diante de uma ruptura real de paradigmas do que foram as últimas eleições.
Só o início “oficial” da campanha, com a propaganda da TV na rua, a cobertura mais massiva da imprensa, os debates e os palanques finalmente formados responderão para onde vai esse eleitor que ainda não “falou” nas pesquisas. E que enxerga o cinza, para além de branco e preto.
Eliane Cantanhêde: Alckmin versus Bolsonaro
Eleição embica para candidato do PT contra tucano ou ex-capitão
As pesquisas ainda não registram, mas a eleição presidencial embicou para três candidatos principais: o sr. X do PT, a ser definido, mas já com a força eleitoral do ex-presidente Lula, contra Jair Bolsonaro, do PSL, ou Geraldo Alckmin, do PSDB. Isso projeta um segundo turno entre esquerda e direita e uma guerra entre Bolsonaro e Alckmin para ver quem chega lá contra o PT. Chova ou faça sol, o candidato do PT parece imbatível no Nordeste e deve colher os votos de Lula no resto do País. Já dá ao menos 20%, suficientes para jogar o partido no segundo turno numa eleição com tantos candidatos. Em sendo Fernando Haddad, agregue-se a boa vontade de não petistas da classe média escolarizada com um professor com jeitão confiável.
Partindo-se da premissa de que o PT estará no segundo, resta a outra vaga. Mais uma vez, Ciro Gomes foi uma boa promessa, mas derrota-se a si próprio pelo destempero e incapacidade de fazer política, de atrair apoios. E Marina Silva tende a, pela terceira vez, inflar no início, murchar no final.
Henrique Meirelles tem campanha azeitada, mas o candidato não ajuda e o MDB cumpre tabela. Álvaro Dias entrou no vácuo do PSDB no Sul, sem ampliar fronteiras. João Amoedo é um desconhecido após meses de campanha. Manuela Dávila e Guilherme Boulos, estão naquela do “tudo que seu mestre mandar”. Assim, sobram Bolsonaro, campeão nas pesquisas sem Lula, e Alckmin, campeão na batalha por alianças.
Bolsonaro consolidou-se entre os mais jovens, os homens, os ricos e os mais escolarizados (aliás, bastante curioso). Mas, segundo o instituto Ideia Big Data, ele não conquistou as mulheres, nada satisfeitas ao ouvir o candidato defender, por exemplo, que têm filhos e, ora, devem ganhar menos que os homens... Seu eleitorado masculino é três vezes maior que o feminino, que prefere o discurso ético e educativo de Marina.
Alckmin, vários pontos atrás de Bolsonaro nas pesquisas, tem potencial nesse eleitorado feminino, sempre mais desconfiado, mais cauteloso, e precisará converter o apoio do establishment em votos do eleitor e da eleitora com curso médio e superior. Todo o cuidado é pouco, porém, para transformar a aliança com o Centrão em ativo, não passivo. Seu ponto forte, particularmente no contraste com Bolsonaro, foi destacado pelo empresário Josué Gomes da Silva, ao recusar a vice, mas anunciar apoio: “Prova de sua (de Alckmin) competência é a maneira firme, serena e eficaz com a qual tem conduzido o governo paulista em meio à gravíssima crise que enfrentamos.” O Brasil e os Estados estão em petição de miséria, mas São Paulo resiste bravamente.
Em linguagem clara, Bolsonaro precisa atacar a alianças PSDB-Centrão, e Alckmin tem de convencer a D. Maria e a Mariazinha da importância de ter dez partidos, tempo de TV e força política. Presidentes sem sólida liderança no Congresso não têm governabilidade, não aprovam projetos fundamentais e ficam sujeitos até a ameaças de impeachment.
Mas, além de convencer o eleitorado feminino, que não embarcou na canoa de Bolsonaro, o candidato tucano terá também de furar a afoiteza do jovem eleitor e a irritação do eleitor escolarizado, encantados com o discurso antipolítica do ex-capitão do Exército. Alckmin terá uma arma poderosa: 40 vezes mais tempo de TV. Mas Bolsonaro tem o mais moderno arsenal de campanhas: as redes sociais.
Assim, as duas grandes apostas que se cruzam são: Bolsonaro está cristalizado ou vai esfarelar por falta de tempo na TV e de consistência nos debates? E Alckmin, que entrou definitivamente no jogo ao fechar o apoio de dez partidos, vai deslanchar ou continuar patinando pela resistência do eleitorado aos “políticos e partidos tradicionais”?