o estado de s paulo

Vera Magalhães: O Inferno de Dante

Reunião ministerial é a representação da obra do poeta nos tempos de pós-verdade

“Deixai toda a esperança, vós que entrais!” A inscrição aparece quando o poeta italiano Dante Alighieri cruza o Portal do Inferno em sua epopeia A Divina Comédia. Vale para quem se arrisca a assistir à representação da obra nos tempos de pandemia e pós-verdade. Sim, estou falando da reunião ministerial do governo Jair Bolsonaro de 22 de abril, para a qual o único adjetivo possível é dantesca.

O fato de que alguns críticos anestesiados por tanto horror produzido por este governo tenham conseguido minimizar o que se passou ali nos leva de novo à obra do poeta italiano: são pessoas que estão ali no Vestíbulo, pouco antes do Primeiro Círculo do Inferno.

É o lugar dos covardes, fracos e indecisos, no qual se encontram hoje um bom número de homens públicos, alguns pretensos formadores de opinião e uma parcela letárgica da sociedade.

Mas há os que já desceram a alguns dos Nove Círculos do Inferno percorridos por Dante em sua viagem. Nos seis primeiros estão os que cometem pecados involuntários, nos quais há culpa, mas não dolo.

A coisa começa a ficar mais grave quando se passa aos três últimos círculos, com seus vales, fossas e esferas. É nesses lugares sombrios que estão os participantes da reunião macabra capitaneada por Bolsonaro, o capitão da versão pandêmica do inferno dantesco.

O Sétimo Círculo é o lugar dos violentos. Bolsonaro prega abertamente a criação de uma milícia paramilitar armada até os dentes para resistir a governadores, prefeitos e ordens judiciais. É a defesa da criação de um Estado paralelo, diante de ministros absolutamente silentes.

Os dez fossos do penúltimo círculo do inferno são a morada dos sedutores, aduladores, simoníacos (traficantes de coisas divinas), adivinhos, corruptos, hipócritas, ladrões, maus conselheiros, semeadores de discórdia e falsificadores.

Todas essas figuras aparecem na reunião, sem filtro. Ricardo Salles fala em aproveitar a “tranquilidade” da pandemia para barbarizar na desregulamentação de áreas como meio ambiente e agricultura. Chega a quase salivar de excitação, aos olhos de um incrédulo e novato Nelson Teich, que conseguiu ficar no vestíbulo do inferno bolsonariano, antes de se afogar em seus rios de cloroquina.

Damares Alves está lá, nos fossos do Oitavo Círculo, se esmerando para mostrar serviço ao chefe e falando em usar sua pasta para prender (!) prefeitos e governadores. É estarrecedora a distorção de realidade que ela demonstra, num semitranse, ao elencar notícias falsas para justificar que iria “pegar pesado” dali por diante. Bolsonaro adorou.

Abraham Weintraub, então, pode fazer um rodízio entre os fossos, pois preenche todos os requisitos para chafurdar naquele inferno pelo resto dos seus dias. Para júbilo de um Bolsonaro que exige de seus ministros a capitulação absoluta aos pecados logo na abertura da comédia dantesca, fala em prender “vagabundos”, entre os quais os ministros do STF.

O Nono Círculo do Inferno é o dos traidores. É o lugar de Bolsonaro, e será também o dos que insistirem em seguir com ele diante da evidência de crimes (interferir na Polícia Federal para proteger familiares de investigações, como fica comprovado pelo vídeo e pelas declarações e ações posteriores do presidente), autoritarismo e absoluta falta de humanidade, empatia e preocupação com uma pandemia que ceifa vidas de brasileiros aos milhares enquanto o presidente da República e seus asseclas atentam contra o bom senso, a saúde pública, a ética e a Constituição à luz do dia e em horário de expediente. O Inferno descrito por Dante talvez não contenha círculos suficientes para descrever o que se passou em Brasília em 22 de abril.


Roberto Romano: Bolsonaro, o Absolutista

Líderes bisonhos desejam, mas não possuem saberes para instalar uma ditadura

Jair Bolsonaro exibe notórios traços autoritários já desde antes de sua eleição. Elogia o regime instaurado em 1964 e a tortura, atua contra os direitos cidadãos e, sobretudo, zomba dos direitos humanos. Tais marcas são visíveis para todos, impossível ignorar discursos e gestos, incluindo as mãos prontas para acionar armas.

O projeto de poder que o conduz é simplório e demagógico, mas contém em seu bojo séculos de pensamento contrário à democracia, ao liberalismo, à modernidade. Mas somente no exercício do cargo máximo da República ele revela todo o ranço reacionário e liberticida que move o seu ânimo.

Em ato de que foi cúmplice, o presidente deu ultimato aos demais Poderes: ou seguem o seu ditado ou aceitam o peso das Forças Armadas, que o apoiam. Tal ameaça piora quando diz que a Constituição será obedecida e, notemos, ele é a Constituição. Com a frase Bolsonaro retoma as teses teológico-políticas do século 17 inglês, em especial as de Tiago I. Para aquele monarca, rex est lex (o rei é a lei). Desde aquele tempo ocorre a luta entre juízes independentes, Parlamentos e governos despóticos (B. Bourdin: Theological-Political Origins of the Modern State). Em cada lance histórico um deles obtém hegemonia sobre os demais. Em cada novo movimento de controle estatal surge um regime político diferente.

O programa de Montesquieu - por ele encontrado no diálogo As Leis, de Platão - sobre a harmonia política é um modelo a ser perseguido, nunca foi realizado. Quando a tese liberal democratiza o Estado, o puro modelo se aproxima dos fatos. Mas se a crise de poder deixa as instituições acéfalas, o Judiciário se imiscui ou o Parlamento tudo decide.

O mais frequente é o Executivo praticar golpes de Estado para impor os seus alvos. A crônica dos golpes marca os nomes de Napoleão e de seu sobrinho, seguidos por muitos ditadores. Nos golpes os governantes se livram das obrigações instauradas pela democracia liberal, sobretudo a liberdade de imprensa e a responsabilização dos que ocupam cargos públicos.

Sem democracia o soberano não deve satisfações aos Parlamentos, aos juízes, à cidadania. Tal costume foi combatido na Inglaterra por Edward Coke (1552-1634). Ao admoestar o rei, que defendia seus privilégios contra “os advogados”, Coke afirma que o soberano “não foi educado no conhecimento das leis da Inglaterra”. Tiago I replica: se Coke tem razão, o rei deveria estar sob a lei. A hipótese seria “traição evidente”. Tiago cita Bracton: Rex non debet esse sub homine sed apud Deo et lege (o rei não deve estar sob a lei humana, mas sob a lei divina).

Em 1616, Tiago adianta que “os reis são justamente chamados deuses, pois exercem um modo de semelhança do Divino poder sobre a Terra. Considerados os atributos de Deus, vemos o quanto eles concordam com a pessoa de um rei. Deus tem poder de criar ou destruir, fazer ou desfazer ao seu arbítrio, dar vida ou enviar a morte, a todos julgar e a ninguém prestar contas (to be accountable). O mesmo poder possuem os reis. Eles fazem e desfazem de seus súditos, têm poder de erguer e abaixar, de vida e morte, julgar acima de todos os súditos em todos os casos e só devem prestar contas a Deus (yet accountable to none but God)”.

Ainda em 1616 ele se dirige aos juízes da Star Chamber: “Não usurpem a prerrogativa da Coroa. Se aparecer uma questão ligada à minha prerrogativa ou mistério do Estado, trato que não lhes diz respeito, consultem o rei ou o seu conselho, ou ambos; porque tais matérias são transcendentes. As prerrogativas absolutas da Coroa não são assunto para a língua de um advogado nem é legal disputar sobre elas”.

Coke foi preso na Torre de Londres por negar as referidas prerrogativas. É inaceitável para o governante absolutista a norma que obriga os dirigentes a prestar contas de seus atos.

O conceito de accountability, com origens na democracia grega e retomado no Renascimento, liga-se diretamente à liberdade de imprensa. Basta ler os escritos elaborados pelos puritanos (precursores dos que fizeram a Revolução Norte-Americana), em especial os de John Milton, como a Areopagítica. Vencedora em muitos momentos da História, a democracia liberal perdeu o controle do Estado desde a contrarrevolução conservadora iniciada no século 19. Ela persiste em ideários retrógrados que chegaram ao poder via pactos demagógicos com setores religiosos inimigos da ciência. Tais líderes bisonhos desejam, mas não possuem saberes para instalar uma ditadura. Iletrado, o dirigente não governa e quer ditar. Recordemos o chiste de César contra os sáfaros de Roma: Sylla nescivit literas, non potuit dictare - ou seja, Sylla ignorava as letras, não podia ditar (Curtius, E.: A Literatura e a Idade Média Latina).

Infelizmente devemos repetir hoje o dito de Coke: “Bolsonaro não foi educado no conhecimento das leis brasileiras”. Quem identifica sua pessoa com a Constituição repete de modo hilário Tiago I (um governante culto, afinal). Mas um dia “o rei” deixará os palácios rumo à insignificância.

  • Professor da Unicamp, é autor de 'Razões de Estado e outros estados da razão' (Perspectiva)

Adriana Fernandes: Intransigências

À espera da explosão do desemprego, o tema é hoje a maior cobrança do presidente para a equipe econômica

Chamou bastante a atenção dos gestores do mercado financeiro que participaram esta semana de uma live fechada, organizada pelo BTG, a fala do vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP).

Uma das principais lideranças do Centrão e também na lista dos cotados para substituir Rodrigo Maia (DEM-RJ), Pereira falou do movimento esperado, nos próximos meses, para a ação das duas alas (bastante distintas) que existem hoje no governo Jair Bolsonaro. A ala militar e a da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Na live, Marcos Pereira abriu o jogo e acabou revelando palavras a ele ditas pelo ministro da Casa Civil, Braga Netto, em reunião na semana retrasada, na Câmara dos Deputados com outros presentes. “Daqui a alguns meses o governo terá de enfrentar a intransigência do ministro Paulo Guedes”.

Nesse caso, a intransigência apontada pelo líder do Centrão e ex-ministro da Indústria e Comércio Exterior continua sendo a disputa em torno de uma maior participação do Estado para tirar a economia do buraco depois da reabertura na fase pós-pandemia da covid-19.

Essa é uma divisão bem mais ampla do que aquela em torno do confronto observado na divulgação do polêmico programa Pós-Brasil, lançado no mês passado com o aval da ala militar e que expôs publicamente, pela primeira vez, as entranhas da divisão entre esses dois grupos dentro do governo.

A disputa vem ganhando fôlego também com o debate em torno da extensão dos programas de assistência à população mais vulnerável. O que está fazendo a diferença cada vez mais é o apoio dos novos aliados do presidente do Centrão, que já escolheram o seu lado: a ala militar.

Por isso, o mercado está tão interessado em ouvir aquelas lideranças dos partidos do Centrão, que já estão abertamente juntas do presidente, para ver onde e como a banda vai tocar daqui para frente.

No primeiro momento, Guedes teve o apoio do presidente Bolsonaro. “Quem manda é o Guedes”, reforçou o presidente depois da tensão provocada com o Pós-Brasil no mercado, que reagiu na época com alta dos juros, dólar e queda da Bolsa.

O debate em torno do Pós-Brasil parece assunto velho, mas não é. O Pós-Brasil e a avaliação de muitos dentro do governo de que o Ministério da Economia é grande demais continuarão assombrando Guedes nos próximos meses. A percepção que ficou para os participantes da live é que Marcos Pereira passou a avaliação de militares, que continuam insatisfeitos com a reação da equipe econômica para a retomada.

Está claro para as duas alas que o encontro marcado com a intransigência, a que se referiu Marcos Pereira, será o momento em que os dados oficiais mostrarem aquilo que todo mundo já espera: a explosão do desemprego.

A expectativa é de que o estrago da pandemia no mercado de trabalho vai ficar mais definido em julho e agosto. Os dados apresentados, na quinta-feira à noite, pela secretaria de Trabalho já apontam nessa direção. Os pedidos de seguro-desemprego tiveram um salto na primeira quinzena de maio. Um aumento de 76,2% em relação ao mesmo período do ano passado.

Recente estimativa do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas indicou que o mercado de trabalho tem mostrado uma rápida piora de seus indicadores em consequência da pandemia. Para o ano de 2020, a previsão é que a taxa de desemprego atinja uma média de 18,7%, uma alta de quase 7 pontos porcentuais em relação ao ano anterior.

Uma resposta rápida ao aumento do desemprego será sem dúvida fator de pressão do Palácio do Planalto que vai se intensificar. É quando as duas forças vão mostrar a sua força. Emprego é hoje a maior cobrança do presidente na equipe econômica. No vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgado com autorização do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro fala para Guedes que 10 milhões de “carteiras assinadas vão para o saco”.

Se antecipando à pressão, Guedes tenta resgatar a construção de uma agenda para a retomada – ainda sem ganhar o entusiasmo dos parlamentares.

O ministro falou nesta semana em um novo contrato de trabalho emergencial simplificado para aumentar as contratações e acenou com a extensão do auxílio emergencial de R$ 600. “É possível… eu não vou dizer que é provável…, mas é possível que aconteça uma extensão…, mas será que a gente tem o dinheiro para fazer a extensão a R$ 600? Acho que não…”, disse Guedes a empresários do setor de serviços, o mais prejudicado pela crise.

O diagnóstico após a declaração do ministro é de que com esse aceno ele já começou a fazer uma guinada, mesmo que tímida, para diminuir a pressão. O problema, porém, só começará a ser resolvido quando o crédito para as empresas, principalmente para os pequenas, começar a fluir. Até agora, sem sinais de solução e com consequências negativas justamente para o emprego.


José Márcio Camargo: O Centrão, as reformas e a austeridade fiscal

A história recente mostra que, na verdade, este grupo de partidos não é contrário a essa agenda reformista

Os primeiros 16 meses do governo Bolsonaro representaram uma mudança importante na forma de fazer política no Brasil. Ao contrário dos governos anteriores desde a redemocratização, o presidente se negou a montar uma base parlamentar no Congresso por meio da distribuição de cargos a pessoas ligadas aos partidos.

Ainda que o Executivo tenha aprovado reformas importantes, como a reforma da Previdência, o cadastro positivo e a Lei da Liberdade Econômica, a ausência de base parlamentar, além de fazer com que várias medidas provisórias caducassem e vetos presidenciais fossem derrubados, agravou o conflito entre Executivo e Legislativo, que quase gerou uma crise institucional no final de abril.

Diante deste cenário, o presidente da República iniciou uma negociação com os partidos do chamado Centrão, com o intuito de formar uma base parlamentar capaz de lhe dar suporte. O pedido de demissão de Sérgio Moro e as acusações do ex-ministro de que a causa do pedido era a tentativa do presidente de interferir na Política Federal e ter acesso a investigações em andamento – o que, no limite, poderia levar a um pedido de impeachment – aceleraram as tratativas.

O Centrão é um conjunto de partidos com perfil conservador, composto por políticos importantes em nível regional, em grande parte quase desconhecidos nacionalmente. Para manter a fidelidade de suas bases eleitorais, necessitam de cargos para colocar à disposição de seus apoiadores nos Estados. O grupo esteve no centro de várias denúncias de corrupção nos governos Lula e Dilma: venda de votos no Parlamento (mensalão) e corrupção na Petrobrás (Operação Lava Jato).

Existe um receio legítimo na sociedade de que episódios como estes possam voltar a acontecer. Mas isso depende mais do Executivo do que do Centrão. Se um não quer, dois não brigam!

Por outro lado, o apoio destes partidos parece já começar a dar resultados concretos nas votações no Congresso. Em especial, na negociação da ajuda a Estados e municípios. O projeto aprovado na Câmara dos Deputados propunha uma compensação integral aos Estados e às prefeituras pela redução de receitas com ICMS e ISS em 2020, na comparação com 2019, e foi considerado pela equipe econômica do governo fiscalmente insustentável, por não se conseguir prever a despesa em que se incorreria e por gerar incentivos perversos para governadores e prefeitos.

Apesar dessa oposição, o projeto foi aprovado na Câmara e enviado para o Senado. Em lugar de colocá-lo em votação, o presidente Davi Alcolumbre, após negociações com o Executivo, o substituiu por outro projeto, que atendia às demandas da equipe econômica: criou um limite nominal de transferência de recursos (R$ 60 bilhões em quatro meses) e introduziu o congelamento dos salários dos funcionários públicos até o fim de 2021. Uma importante vitória do Executivo, que será confirmada caso o prometido veto imposto ao artigo que cria exceções ao congelamento de salários seja aprovado pelo Congresso.

O acordo com o Centrão tem, também, deixado alguns analistas pessimistas quanto à capacidade do governo de persistir com a agenda de austeridade fiscal e reformas estruturais. Na verdade, a história recente mostra que o Centrão não é contra essa agenda. Ele foi um dos sustentáculos do presidente Michel Temer no Congresso quando o governo aprovou grande conjunto de reformas estruturais, sem as quais teria sido impossível reduzir as taxas de juros da economia brasileira sem gerar pressões inflacionárias. Sem o Centrão, nenhuma reforma teria sido aprovada. E sem abrir mão da austeridade fiscal. Afinal, os cargos colocados à disposição do Centrão já estão no Orçamento. Não precisa de gasto adicional.

Em outras palavras, se o governo negociar com cuidado, não ceder às pressões para aumentar os gastos públicos (o que sempre acontece) e não permitir corrupção, o apoio do Centrão poderá ser instrumental para ter reformas com austeridade fiscal.

*Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos


Rosângela Bittar: Íntegra de vídeo conta histórias absurdas, ilegais e imorais

Reunião ministerial não deixa dúvidas sobre a interferência do governo em órgãos de Estado

O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, prova citada pelo ex-ministro Sérgio Moro para sustentar sua denúncia de que o presidente Jair Bolsonaro interferiu na Polícia Federal para ter acesso a informações privilegiadas e sigilosas, conta várias outras histórias absurdas, ilegais e imorais, além desta. Sobre a interferência em órgãos de Estado a discussão não deixa dúvidas, pois o próprio presidente a admite, inclusive trocando, ao longo de todas as suas manifestações, o velho “taok” por um novo “ponto final”, agora seu desfecho peremptório. “Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas e ponto final”, “interfiro e ponto final”.

A obsessão pelo tema levou Bolsonaro a revelar ação de outros serviços eficientes. Antes de entrar a tarja da censura judicial a esta parte da reunião, deu para entender que ele citava um serviço de informação chinês tanto circulando aqui e como nos Estados Unidos.

A novidade desta questão da informação, só conhecida com a divulgação do vídeo, é a revelação de que o presidente Jair Bolsonaro tem um esquema paralelo pessoal de informação que funciona, enquanto todos os demais, do Estado, não funcionam.

Foi também absurda a insistência com que se referiu à necessidade de armar o povo, pior ainda a razão: para defender-se de ditadura. “Como é fácil impor uma ditadura aqui; o povo, se tivesse armado, iria para a rua”. Povo armado na rua é revolução, crime organizado ou forças Armadas. Bolsonaro quer armar o ovo para enfrentar prefeito que fixou regras de isolamento social durante a pandemia.

Abraham Weintraub fez o que se considerava impossível, superou as expectativas e a si próprio: Definiu “Brasília”, não a cidade, mas um fantasma com esse nome, como cancro. E mais do que a já conhecida agressão a Supremo Tribunal Federal, que gostaria de ver todo preso, ele insultou o próprio governo que o abriga, denunciando intrigas palacianas e a presença de muita gente com “agenda própria”, que veio para “jogar”. Ou seja, um bando.

Talvez pelos estudos feitos, não se esperava que o ministro Paulo Guedes fosse insistir, um ano e meio depois de conhecer o funcionamento de uma democracia pelos seus canais internos. Expôs as rasteiras que planeja dar aos demais poderes. Referiu-se a uma clara intenção de ludibriar. Deixou claro que usará o Congresso para aprovar as coisas e, se em determinado momento, soltarem a mão, já terá condições de seguir em frente sozinho.

Lição aprendida pelo ministro Salles “vamos aproveitar que a imprensa só fala de covid para passar (aprovar no Congresso) as reformas infralegais”.

O presidente esbravejou, pediu defesa do governo, respostas e briga frontal, afirmando que, “a continuar assim, vamos ter crise política de verdade”. É aqui que sua conduta na reunião onde se passou o suposto crime objeto de inquérito no Supremo se mistura à nota assinada pelo ministro chefe da GSI, Augusto Heleno, com as ameaças insinuantes de sempre.

Recorreu à intimidação que ainda provoca seu título de general, ainda que sem tropas, para reagir ao trâmite institucional de um pedido dos partidos políticos para exame do aparelho de telefone celular do presidente da República. Eleno ruge, é considerado o mais violento dos ex-militares em postos civis no governo, mas para morder faltam-lhe os dentes.

Nenhuma estratégia de combate à pandemia que massacra os brasileiros, nenhuma palavra de comiseração às vítimas do coronavírus. Ao contrário, citando como se fora marketing numa hora dessas, o presidente criticou o prefeito de Manaus por abrir covas coletivas. Até isto, em passant.


Marco Aurélio Nogueira: Democratas de todas as colorações, uni-vos!

Ou se unem com determinação, ou o Brasil ficará inviável por longo período

Não é preciso arrolar, pela enésima vez, os ilícitos e as perversões que desabam sobre a sociedade. Formam robusto prontuário. Só não os vê quem não quer.

A continuidade do governo Bolsonaro ameaça a vida, a Nação, a sociedade. Lança-nos num vórtice de destruição, que potencializa o vírus e infecta a reprodução da ordem social.

Precisamos dar um basta a essa situação, em que a insanidade governamental se mistura com o ativismo fanatizado da extrema direita e com o silêncio dos democratas. Bolsonaro é a crise viva, em expansão. Sua remoção precisa ser posta na mesa, para que se evite o abismo.

Mas não é só o impeachment. Será preciso reorganizar o País. Disputas internas não ajudarão, por mais que sejam inevitáveis.

Também somos responsáveis pelo que está aí. Cometemos erros, que não foram processados. Continuamos a nos dividir, a brigar com a própria sombra, a insistir em atitudes e discursos que não dialogam com as pessoas, não as direcionam, não as esclarecem. Somos prisioneiros do cálculo eleitoral, do oposicionismo retórico. Estamos carentes de ideias, de luzes, de lideranças. De articulação.

Temos de encontrar um meio de fazer oposição com eficácia e generosidade. Sem vetos. Sem postulações doutrinárias. Sem maniqueísmos. Sem tergiversações. É um suicídio continuarmos a repetir fórmulas que não funcionam mais e prolongam uma agonia paralisante.

Há que agir. No Parlamento, nas redes sociais, na imprensa, nos núcleos da sociedade civil. A quarentena não é pretexto para ficarmos à espera de um raio que caia em Brasília. A cautela não dispensa a denúncia veemente, antes a exige.

Ainda há muitos brasileiros impregnados pela imagem redentora do “mito”, ressentidos, frustrados, com raiva, sem compreensão dos tempos da política, do valor da democracia e da representação parlamentar. Precisamos alcançá-los, trazê-los para o terreno da racionalidade democrática. Não avançaremos repetindo mantras surrados, que não levam a lugar nenhum, nem convencem quem precisa ser convencido.

Devemos reconhecer nossas limitações, insuficiências, falhas de compreensão da realidade.

Os democratas brasileiros – de centro, liberais, conservadores, de esquerda – deixaram-se dividir por excessos, querelas ideológicas, batalhas infrenes de poder. Levaram longe demais a exploração de suas diferenças. Não olharam atrás da porta. Não perceberam que pela direita crescia uma onda contrária a eles, hostil a seus programas, às perorações de seus líderes, ao modo como se apresentavam ao mundo.

Não decodificaram a linguagem da época. Continuaram amarrados aos mesmos dogmas, às mesmas diatribes e polêmicas, reunindo-se em tribos impotentes, agredindo-se reciprocamente.

Menosprezaram o adversário principal, achando que poderiam derrotá-lo com um sopro. Assistiram à propagação de uma gosma venenosa que contagiou parte importante da população. Permaneceram agarrados às obsessões de antes, a fantasmas insepultos, a promessas ocas e frases de efeito.

Em 2018 perderam a eleição presidencial para um político tosco, inescrupuloso e manipulador, que fez seus adversários comerem poeira. Foi um espetáculo vergonhoso, trágico, pelo qual estamos pagando alto preço.

Passada a refrega, os democratas permaneceram a lamber suas feridas. Viram o circo pegar fogo, orbitando lideranças que não lideram, rotinas engessadas, partidos estraçalhados e impotentes. Hoje zelam pelas instituições e pelos ritos constitucionais, o que é ótimo. Mas suas falas não reverberam, só fazem prolongar a existência de um governo perdido e descompensado.

Continuaremos a brigar as mesmas brigas? Teremos coragem e disposição para reorganizar a agenda, aposentar o que não mais agrega valor à política, buscar o que lateja em meio aos escombros do sistema que ajudamos a erguer, mas não mais nos ajuda? Saberemos afastar preconceitos e abrir espaço para os jovens, as novas linguagens, os youtubers e comunicadores, os parlamentares que não seguem ordens partidárias rígidas? Ou vamos prosseguir achando que somos donos do futuro?

Muitos acreditam que o sistema de pesos e contrapesos está intacto. Em nome disso, ignoram o arbítrio e a violência legal do Executivo. Não criticam os jogos procrastinadores do Congresso, a covardia de suas lideranças. São benevolentes com o Judiciário.

Chegamos à hora da verdade. Necessitamos de pessoas que ajam com firmeza democrática e republicana. Nossa fronteira está além de contraposições inúteis entre esquerda e direita, liberalismo e socialismo, mercado e Estado. Temos de nos reposicionar. Reaprender a dialogar, com paciência e tolerância. Que os moderados se disponham a lutar, que os radicais lutem de outro modo. Que todos baixem o tom, dispensem maximizações extemporâneas e apurem o foco.

Ou os democratas se unem com determinação – para fazer política, travar a luta cultural, interpelar a população – ou o País ficará inviável por um longo período.

Unamo-nos, enquanto há tempo!


Gonzalo Vecina: O fim da pandemia

O que fazer para não passar por um genocídio? Isolamento até a queda de casos e mortes

A covid-19 se alimenta de três fatos: concentração demográfica, mobilidade social e falta de acesso a serviços básicos como água tratada, alimentação e serviços de saúde. Esses são os componentes intrínsecos da dieta da pandemia. Existe um quarto componente que é extrínseco: a incompetência dos governantes. Sim, pois a ação pública consegue reduzir os impactos da epidemia - reduzir a mobilidade social, preparar os serviços de saúde, divulgar os comportamentos esperados da população, dar exemplos de condutas adequadas, testar os suspeitos e os contatos, financiar ações voltadas para o desenvolvimento de medicamentos e vacinas, preparar a rede hospitalar etc.

Mas como acabar com uma epidemia? Basicamente há três maneiras:

1) O vírus deixa de circular. É a estratégia de Wuhan. Um lockdown violento, ninguém se move por 14 dias e quem estava infectado ou morre ou se cura e o vírus diminui sua circulação. A partir daí se estabelece uma política de testagem agressiva e se controla quem sai e entra de forma muito rigorosa.

2) Se cria uma vacina eficaz e segura.

3) Se alcança a imunidade de rebanho. Aqui significa conseguir que ao menos cerca de 70% da população tenha a doença. No Brasil, algo como 147 milhões de pessoas. Com essa massa de pessoas imunizadas - tiveram a doença e morreram ou a derrotaram e, portanto, estão imunes por algum tempo - se estima que o vírus para durante algum tempo de circular. Com novos nascimentos e a entrada de migrantes a situação tende a se reverter.

No caso do Brasil as saídas 1 e 2 não fazem parte do cenário de curto prazo. Só resta a saída 3. Mas para que 147 milhões de pessoas tenham a doença, temos de levar em conta que 15% serão internados em hospitais e 5% em UTIs. No total serão 29,4 milhões de pessoas. O SUS interna algo como 20 milhões/ano. O impacto de mais uma vez e meia as internações de um ano seria insuportável para o sistema de saúde. E ainda existem as mortes - levando em conta uma das taxas de letalidade mais baixas citadas nos estudos que é de 0,36%, teremos cerca de 529 mil mortes! A questão é em quanto tempo: um ano, dois? Depende de nossa capacidade de impor o isolamento social, do contrário iremos discutir a falência dos cemitérios.

De qualquer forma, começam a aparecer as primeiras estimativas de número de pessoas imunes na sociedade e, por mais atrevidas que sejam, não passam de 5%. Ou seja cerca de 11 milhões de brasileiros estão imunes.

O que fazer até a vacina chegar sem passar por um genocídio? Isolamento social até ocorrer queda consistente do número de casos e mortes por duas semanas e daí relaxa aos poucos e, se o número voltar a aumentar, deixar as regras mais duras de novo até chegar a vacina, pois não creio que vamos chegar à imunidade de rebanho.

Paralelamente a isso, fortalecer a capacidade de gestão dos leitos do SUS estaduais e municipais organizados em um fila única e incorporando leitos privados contratados e ou requisitados. Fortalecer e pôr para funcionar a atenção primária à saúde para atender os casos que estão no início por meio de estratégias inovadoras baseadas em telemedicina e na presença dos agentes comunitários de saúde adequadamente protegidos por EPIs e realizando testagem em larga escala.

Exige-se aprimoramento de nossos sistemas de acompanhamento epidemiológico. Muita difusão de informação sobre medidas de higiene, sobre o comportamento social - uso de máscaras e distanciamento - e principalmente, criar adequadas políticas de proteção social de pobres e marginalizados.

  • É médico sanitarista

Zeina Latif: Ajustar engrenagens para travessia longa

Toda ajuda estatal deve ter como objetivo a travessia nos próximos meses, e não corrigir falhas estruturais

O ex-ministro Luiz Mandetta alertou que a crise seria longa. Em 16 de março, afirmou que a curva de novos casos da covid-19 atingiria o platô apenas em julho. O declínio efetivo se daria em setembro, assumindo 50% da população imunizada (ou já infectada).

Em pesquisa recente, Fernando Reinach apontou na mesma direção. A taxa de imunização na cidade de São Paulo – provavelmente superior à média do País – está em 5,2% e chegaria a 65% em 2 meses. Uma taxa de imunização inferior a 60% seria suficiente para estabilizar a curva de infectados.

Na economia, alguns analistas – como esta colunista – alertaram que a volta da economia seria lenta, diferentemente da crise de 2008, por conta da natureza da crise e da fragilidade econômica do País.

Esse cenário se cristaliza cada vez mais, ainda que com boa dose de incerteza. Não se sabe quando o período de calamidade pública será superado.

As demandas por socorro governamental continuarão crescendo, portanto. Será necessário zelo técnico nas decisões de postergar os atuais programas e criar outros futuros. Não será possível ajudar a todos, nem seria sábio fazê-lo, pelo custo para a sociedade e gerações futuras.

Retomo esse tema por sua importância. Estabelecer prioridades em linhas gerais – como cuidar da saúde das pessoas e garantir sua subsistência – é a tarefa mais fácil. Difícil é desenhar políticas públicas focalizadas e efetivas, afastando oportunismo e desperdício; especialmente em um país com poucos exemplos de política pública bem-sucedida.

Um exemplo de medida que precisará de ajustes no caso de sua (inevitável) postergação é o auxílio emergencial. Será necessário aprimorar os controles (por exemplo, 73 mil militares receberam o auxílio) e definir um novo valor (certamente menor e talvez com diferenciação pelo tamanho da família), com base em estudos técnicos.

Conforme se avança na lista de prioridades, mais complexa a tarefa.

Definir o escopo da política de crédito subsidiado a empresas – não se trata de compensá-las por todas as perdas, mas apenas garantir a travessia durante a epidemia – não é tarefa fácil. E contrapartidas devem ser requeridas às beneficiadas, como não demitir e cortar dividendos e salários elevados.
Empresas com acesso minimamente preservado ao mercado de crédito e que podem contar com aportes dos acionistas e controladores deveriam ficar de fora.

O mesmo vale para empresas que não serão viáveis no pós-pandemia, por não serem bem geridas (vão quebrar de qualquer forma) ou por seu funcionamento depender de aglomeração de pessoas. Aqui é necessária a participação do sistema bancário na seleção dos contemplados.

Raghuram Rajan defende, para os EUA, um quesito para exclusão da ajuda estatal: pequenos negócios que poderão ser facilmente substituídos depois da crise, ao contrário de empresas com capital organizacional – um ativo intangível associado à qualidade da gestão, que gera eficiência produtiva e inovação e benefícios que vão além do ambiente da empresa.

Levando à risca os critérios acima, não sobrariam muitas empresas a serem socorridas. O Brasil tem muitas empresas ineficientes de menor porte – em grande medida fruto de benefícios tributários equivocados que as protegem. Mudar essa realidade de forma abrupta na pandemia custaria muito caro em termos sociais. Convém avaliar a recomendação de Rajan com cautela.

Não é momento de misturar questões conjunturais (agudas) e estruturais (crônicas). Toda ajuda estatal deve ter como objetivo a travessia nos próximos meses, e não corrigir falhas estruturais.

O auxílio emergencial não visa a corrigir injustiças sociais, mas sim prover subsistência aos vulneráveis. O mesmo vale para o crédito subsidiado. A ideia é estabelecer limites para o socorro estatal: de um lado, preservar estruturas organizacionais e empregos que valem a pena, e de outro, limitar a inevitável “seleção natural” no setor privado.

Há um longo caminho pela frente e as políticas públicas precisam ser bem calibradas.

*Consultora e doutora em economia pela USP


O Estado de S. Paulo: Congresso acumula 32 pedidos de impeachment e sete de CPIs para investigar Bolsonaro

Oposição e partidos de centro aumentam ofensiva contra o presidente, que tenta se 'blindar' com o Centrão

Camila Turtelli e Julia Lindner, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Apesar da aproximação do governo com líderes do Centrão para tentar se "blindar", partidos da oposição e de centro aumentaram nos últimos dias a ofensiva contra o presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Ao menos sete pedidos de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) estão na fila para serem abertos e os requerimentos de impeachment se acumulam na mesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Nesta quinta-feira, 21, mais um foi apresentado, totalizando 32 – o que o torna recordista de pedidos em 17 meses de governo, como mostrou o Estadão.

Um dos pedidos de CPI mais avançados é o encabeçado pelo Cidadania, que tem como foco a investigar as acusações, feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal para proteger aliados. “Aqui no Senado já temos quase todas as assinaturas necessárias”, afirma a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), sem, no entanto, revelar quantos faltam. Para ser criada, é preciso o apoio de 27 parlamentares.

Na Câmara, onde são necessárias 171 assinaturas, o deputado Arnaldo Jardim (SP), líder do Cidadania, diz não ver contraposição entre a investigação parlamentar e a que é conduzida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o caso. “São esforços que se somam”, disse.

Nos bastidores, a expectativa é que a abertura de uma comissão sobre as acusações de Moro tem potencial para ser tão ou mais explosiva do que a CPI dos Correios, que em 2005 apurou denúncias relacionadas ao processo do mensalão, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Por esse motivo, o governo tem atuado para conter o avanço das assinaturas e evitar que uma investigação neste momento pode se tornar uma "CPI do fim do mundo", fragilizando ainda mais o presidente.

Caso criado, o colegiado poderá solicitar depoimentos e ter acesso a diversos documentos do governo federal que uma comissão normal da Câmara ou do Senado não teria. Em 2005, a CPI foi criada para investigar as denúncias de corrupção nas estatais, mas o foco acabou virando para o mensalão.

Sob pressão de aliados e após sofrer sucessivas derrotas políticas no ano passado, Bolsonaro passou a distribuir cargos aos partidos do Centrão em troca de apoio no Congresso, ressuscitando a velha prática do "toma lá, dá cá". Até agora, Progressistas, Republicanos e PL já foram contemplados. Como revelou ontem o Estadão, até mesmo a liderança do governo na Câmara deve ser transferida para um indicado do bloco.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) é autor de um dos pedidos de CPI, apenas na Câmara. Ele diz ter coletado 101 assinaturas até o momento e cita as sessões virtuais, em que parlamentares não precisam estar presencialmente em Brasília, como um obstáculo. “No plenário a gente faz corpo a corpo, pede um a um, por requerimento na frente do parlamentar e entrega a caneta. Argumenta e pronto. A distância é duro”, disse. O deputado Aliel Machado (PSB-PR) diz ter 120 assinaturas para o mesmo pedido. “Nossa expectativa é de conseguir todas as assinaturas em até 20 dias.”

O PSOL fez o requerimento no fim de abril e até o momento conseguiu 80 assinaturas. Há ainda pedidos da Rede, PSDB e PT. “Estou confiante, o apoio a Bolsonaro, dentro da Câmara, tem diminuído bastante. Lembrando que hoje temos o apoio de partidos de centro e direita que querem o afastamento do presidente”, disse o líder do PT, Enio Verri (RS).

Impeachment
Nesta quinta-feira, partidos de oposição protocolaram um pedido coletivo de impeachment contra Bolsonaro. A diferença, agora, é que siglas, movimentos sociais e associações se uniram para fazer pressão pela saída do presidente através de um documento único. Os outros pedidos haviam sido apresentados individualmente por parlamentares.

No pedido, a oposição denuncia Bolsonaro com base em três pontos principais. Um deles foi o apoio ostensivo do presidente e sua participação direta em manifestações antidemocráticas contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal durante a pandemia do novo coronavírus; outro são as suspeitas de interferência política na Polícia Federal; e os pronunciamentos feitos em cadeia nacional contra o isolamento social, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e entidades médicas como forma da conter a propagação da covid-19.

Em apelo ao presidente da Câmara para que aceite o pedido de impeachment, parlamentares de partidos como PT, PSOL e PCdoB fizeram um evento no Salão Nobre da Casa para apresentar a denúncia contra Bolsonaro. Estavam presentes a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), o senador Rogério Carvalho (PT-PR), o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), a líder do PSOL na Câmara, Fernanda Melchionna (RS).

O ex-presidenciável Guilherme Boulos, do PSOL, que também participou do encontro, afirmou que Bolsonaro é "um problema de saúde pública" no País. "A prioridade do Brasil nesse momento deveria ser salvar isso, é justamente por isso que estamos aqui hoje. Bolsonaro virou não só um problema político, mas um problema sanitário. Bolsonaro é um problema de saúde pública no Brasil", disse.


Eugênio Bucci: A pandemia da ignorância

O remédio de que dispomos contra ela responde pelo nome de impeachment

Para falar das coisas prementes, vamos começar por um diagnóstico antigo: “Hoje, a maioria dos homens está doente, como que de uma epidemia, em função das falsas crenças a respeito do mundo, e o mal se agrava porque, por imitação, transmitem o mal uns aos outros, como carneiros”. Essas palavras foram mandadas gravar em pedras na cidade de Enoanda, na Capadócia (atual território da Turquia), por um certo Diógenes, no século 2.º desta era. Seguidor dos ensinamentos do filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.), Diógenes fez essas e outras inscrições em nome de seu mestre, para quem a filosofia teria o poder de nos curar. Epicuro via na ignorância um terrível mal da humanidade e nisso concordava com outros sábios gregos.

A ignorância é um mal que mata. Se alguém ainda duvida, que olhe para o Brasil. Em nosso país ficaram escancarados os nexos entre a estupidez e o fracasso no combate à pandemia da covid-19. Se quisermos olhar o mesmo fato por um ângulo invertido, diremos que estão mais do que patentes os nexos entre o conhecimento e o sucesso contra a pandemia. Países onde as autoridades evitam espalhafatos e ancoram suas decisões na ciência têm se saído melhor. Nesses lugares distantes, os governos agem com o que se pode chamar de bom senso: as decisões são pautadas na razão, nas evidências científicas, e, não menos importante, a sociedade compreende o que as autoridades falam. A comunicação honesta e séria deve ser concebida como uma dimensão integrante da razão. Onde as autoridades alopram, predominam os surtos cloroquínicos, as mortes se avolumam e ninguém entende nada.

Na televisão, os sepultamentos com retroescavadeira conferem aos funerais um aspecto de manobras de terraplanagem. Loucura desgrenhada. Embora o atestado de óbito registre covid-19, não há mais como fingir que a burrice governamental não seja uma assassina pior. A ignorância causa a mortandade – ou o morticínio. As provas estão aí. Se o novo coronavírus não se vê a olho nu, as engrenagens internas da irresponsabilidade estulta do presidente da República estão mais do que expostas. Todo mundo vê, todo mundo sabe, mesmo os que não sabem o que fazem ao apoiá-lo, como “carneiros” celerados, em transes dominicais.

O presidente é um avatar do fascismo digital, com o detalhe de que, em lugar de um comando pensante em outra dimensão de si mesmo, tem as instruções de seus atos vindas de um lugar fora de si. Que ele pareça um ser fora de si é mero detalhe. O que não é detalhe é a lógica irracional (mas, ainda assim, lógica) a que ele obedece, como um personagem desses videogames em que os contendores se engalfinham pelas redes digitais. O presidente é um autômato teleguiado pela dinâmica das redes sociais. Ele e seus aduladores vivem a fantasia tecnológica de uma guerra permanente contra os direitos, a democracia, a modernidade e a civilização. E em tempos de pandemia essa brincadeira de criançonas psicóticas mata gente a uma taxa de mais de mil por dia.

Os brasileiros estão morrendo não só de covid-19, morrem porque lhes foi inoculada a doença da ignorância apatetada do presidente da República. Estamos morrendo de bolsonarite. No inferno das UTIs precárias, das UTIs inexistentes, dos cemitérios revirados do avesso pelas motoniveladoras, a nossa maior tragédia não é que Bolsonaro seja fascista (o que ele é, embora não saiba o que quer dizer esse adjetivo), a tragédia maior é que nele a idiotia militante (e fascista) assume a forma de uma política pública de genocídio a céu aberto.

Diante da vala comum a que este governo nos vai reduzindo, os juristas ajuizados (são poucos) trabalham para localizar elementos probatórios de crime de responsabilidade onde grassa a irresponsabilidade mais desarvorada e mais tanática. Trata-se de dar um jeito de montar um pedido de impeachment com começo, meio e fim que force o sujeito a sair de lá. Não é de descartar a hipótese de que, apavorado, ele renuncie. (O Centrão não será resistência, pois vai com quem dá mais e quando perceber que o governo não tem mais o que dar pulará fora.)

O impeachment ganhou a força de um imperativo moral, um dever cívico, uma questão de sobrevivência, uma agenda de saúde pública e uma mobilização para evitar a morte pública da coisa pública, das vidas brasileiras e, se você quiser, também da economia nacional. Esse é o compromisso inadiável dos que acordaram para a urgência de construir uma unidade antifascista (uma frente) para estancar o genocídio. O remédio de que dispomos contra a epidemia da ignorância responde pelo nome de impeachment.

O antídoto é mais simples do que o tetrafármaco prescrito por Epicuro: “Não há que temer a morte, não há que temer os deuses, a dor se pode suportar, a felicidade se pode alcançar”. O impeachment é mais fácil de usar do que a ataraxia (imperturbabilidade da alma). Impeachment na veia. Aviemos logo a receita.

P.S. – Este artigo foi escrito em memória do filósofo José Américo Motta Pessanha (1932-1993), que tanto ensinou sobre Epicuro e sobre liberdade.

*Jornalista, é professor da ECA-USP


William Waack: As razões dos militares

Eles suportam um governo que embarcou numa perigosa aventura

Os militares que estão no governo aparentemente não comandam. Por motivo simples: uma coisa é a aptidão técnica e a formação intelectual para planejar e executar considerando meios e fins. Para isso os militares foram muito bem preparados em suas academias, que equivalem a escolas de business comparáveis às melhores lá de fora.

Outra coisa é o exercício da política, aprendizado que não está nos currículos dessas academias. Tem sido mais fácil para os militares no governo se apegar a seu padrão ético de “cumprir a missão”, “obedecer ao comando hierárquico” e “não abandonar o barco em dificuldades” do que enxergar que prestígio e respeito pacientemente recuperados pelas Forças Armadas após o regime que instauraram e conduziram por 21 anos estão naufragando pelo suporte que emprestam ao que hoje, sob Bolsonaro, deriva numa aventura rumo ao abismo.

O que os levou a pular para a carruagem do atual presidente, que estava longe de ser a primeira escolha deles, foi a noção de esgarçamento do tecido social e de desagregação institucional ilustrada por dois episódios significativos ainda no início da campanha eleitoral de 2018. O primeiro foi o fica ou sai de Lula da cadeia em Curitiba, devido a uma sequência de canetadas do Judiciário. Bagunça que por um triz não levou à desordem. O segundo foi a bagunça mesmo criada pela greve dos caminhoneiros.

A um candidato sem planos, além de frases de efeito, os militares levaram seriedade, confiabilidade e gente experiente em logística, gestão de recursos, planejamento, disciplina e hierarquia. Acharam que a onda disruptiva que destruiu a reputação de políticos, partidos, imprensa e várias instituições se traduziria num “momento” político capaz de fazer prosperar mesmo num Legislativo hostil a reformas, à transformação do Estado e por aí vai. Não estavam sozinhos nessa mescla de fé e esperança, combinadas a um pouco de cálculo.

Faltou o lado político, pelo qual Bolsonaro enveredou da pior forma possível. Preferiu renunciar ao exercício de seu maior poder, que é ditar a agenda. Preferiu concentrar-se no afago à suas parcelas de seguidores incondicionais, que estão diminuindo. Jogou fora várias oportunidades de se tornar uma voz pregando convergência, união, pacificação, concentração de esforços. Perdeu tempo e, com a pavorosa crise do coronavírus, perdeu também a moral.

Na mais recente grande crise do governo, a da saída de Sérgio Moro, os militares encontraram como conveniente justificativa para tolerar um governo no mínimo errático a postura do STF de limitar as prerrogativas do Executivo. Além de legislar, o Judiciário em alguns casos até governa, ou não deixa governar. Há um forte debate jurídico e acadêmico sobre o tema, mas militares e políticos, e não só os do Centrão, avaliam esse fato como usurpação de prerrogativas.

Portanto, sob essa ótica, é até “compreensível” o flerte nada discreto do presidente com a crise institucional que os militares não querem que aconteça. O problema político que eles não resolveram é traçar a linha entre o que é “suporte institucional” a um governo destrambelhado e o que é cumplicidade com o destrambelhamento. É o tipo de coisa, porém, que só fica bem clara depois.

Parece evidente neste momento que está além da formação técnica e doutrinária dos militares resolver um nó que é político na mais pura essência. O símbolo de tudo isso é um general, que não é médico, liberando no Ministério da Saúde um documento contendo protocolo de tratamento que médicos que o antecederam não quiseram assinar – e se recusaram a fazê-lo por razões técnicas, e o general o fez por razões políticas do presidente da República.

São razões que passaram a ser, por conivência, conveniência ou inércia, as razões também dos homens que vestiram ou vestem fardas.


Almir Pazzianotto Pinto: A reconstrução

As perspectivas são desfavoráveis, mas a missão não é impossível

A pandemia de covid-19 surgiu na China em dezembro. Fez as primeiras vítimas em janeiro. Espalhou-se pelo mundo e chegou ao Brasil entre fevereiro e março. Quando aqui aportou encontrou o País em crise, com milhões de desempregados.

Há esperanças de deixarmos o isolamento até o início de junho. Hipóteses otimistas acenam com a possibilidade de refluxo no segundo semestre. O colapso das atividades econômicas só não é mais assustador do que o número de mortos e infectados. Milhares de empresas quebraram. Outras sobrevivem com graves dificuldades. A economia interna retrocederá uma década. O produto interno bruto cairá fortemente, na pior recessão em mais de cem anos. O desemprego poderá alcançar 20 milhões até dezembro.

É tempo de planejar a reconstrução. Joaquim Levy, ex-presidente do BNDES e ex-ministro da Fazenda, entrevistado pelo Estadão (15/4), advertiu sobre a necessidade de se organizar a “saída ordenada da crise”. Alertou, porém, que “tentar reconstruir a economia como era não vai funcionar”.

A reconstrução será possível, porém sobre novos fundamentos. O “custo Brasil” é o primeiro obstáculo que exige demolição. Para o nosso tamanho, é pífia a participação no cenário econômico internacional. Produtos industriais, de tecidos a automóveis, devem se tornar competitivos além do Mercosul, graças à qualidade e ao preço. Além de reduzir a burocracia e a carga tributária, as relações entre capital e trabalho deverão desenvolver-se em ambiente pautado pela busca do entendimento. Em vez do conflito crônico, o diálogo e a negociação.

A história do movimento sindical brasileiro oscila da servil promiscuidade com o governo, como à época do Estado Novo e boa parte do regime militar, ao grevismo irresponsável, tal e qual durante o governo Sarney. Com o fim da contribuição sindical obrigatória, a estrutura desabou. Da debacle salvaram-se entidades de servidores públicos e alguns sindicatos de estatais, de sociedades de economia mista e de multinacionais do setor automotivo. De qualquer forma, a classe trabalhadora não deve ser esquecida, mas prestigiada e integrada ao esforço de reconstrução.

Resisto à ideia do pacto social, à semelhança do que se conseguiu na Espanha no final de 1977, e não se alcançou no governo José Sarney após o malogro do Plano Cruzado. Os interlocutores e as circunstâncias são outros. Garantir a manutenção dos níveis de emprego durante determinado período deverá funcionar como valiosa moeda de troca para empregadores. Dos trabalhadores se espera o compromisso da redução dos litígios. Será indispensável criar ambiente de segurança jurídica, preservando-se a validade dos acordos ajustados segundo as regras das Medidas Provisórias 927 e 936. O temor do “passivo oculto” inibe contratações.

O Brasil fechou-se ao mundo pela incapacidade de enfrentar políticas econômicas pragmáticas, como são as norte-americanas, chinesas, japonesas, alemãs e sul-coreanas. Erguemos barreiras alfandegárias como instrumento de proteção da ineficiência. A tecnologia é importada e atrasada, incapaz de se ombrear com o mundo informatizado. Somos pobres em pesquisas. A mão de obra se ressente da baixa produtividade.

O balanço final da pandemia revelará que raros países vão sobreviver ilesos. A China interromperá 20 anos de desenvolvimento. Para 2021 são previstas perdas econômicas de 6,8%. As dificuldades dos Estados Unidos não serão menores. A Europa empobreceu. Vejam-se Itália, Inglaterra, Espanha, França. A proposta de Plano Marshall é além de idiota. Pedir dinheiro ao exterior é ato criminoso, escreveu Napoleão Bonaparte (Máximas e Pensamentos, Ed. Topbooks). Não será com dinheiro vertido de fora que o Brasil se reconstruirá, mas graças ao esforço planejado e incansável de trabalhadores e empresários, unidos pelo desejo de reerguer o País. O descontrolado endividamento causou-nos imensos prejuízos e demandou anos de sacrifícios para ser pago.

As perspectivas são desfavoráveis, mas a missão não é impossível. Dependerá de quem assumir a liderança. O êxito não resultará de medidas de força, mas da inteligência, perseverança, visão e capacidade de coordenar esforços dos responsáveis pela reconstrução. Na exoneração do ministro Sergio Moro, após a demissão do dr. Luiz Henrique Mandetta, comprovou-se o que já se imaginava: o Poder Executivo federal tem à frente imprevisível e impulsivo comandante. O que esperar de alguém dotado de personalidade autoritária, praticante do monólogo e avesso ao diálogo? De alguém incapaz de compreender que o dissenso é próprio da democracia e que o consenso nasce do entendimento, não resulta de imposição da caneta?

O presidente Jair Bolsonaro desperdiça a credibilidade adquirida na campanha eleitoral. Despreza opiniões que não venham de seus apoiadores. A promessa de implantação de novo modelo político é desmentida pelos fatos. Não lhe será fácil recuperá-la.

*Ex-ministro do trabalho, fundador da Academia Paulista de Direito do Trabalho (APDT), presidiu o Tribunal Superior do Trabalho