o estado de s paulo
William Waack: Rumo ou deriva?
A excepcionalidade se parece à normalidade
Os brilhantes almirantes junto a Jair Bolsonaro podiam explicar ao capitão do Exército que um azimute constante em relação a um obstáculo (outro navio, por exemplo, que também está se movendo) vai dar em colisão. O presidente quer gastar para manter a popularidade, e está encantado com as vozes (do ministro do Desenvolvimento Regional, mas não só) que lhe dizem que estaria unindo o útil (reeleger-se) ao agradável (fazer o bem para pessoas ainda mais necessitadas
O obstáculo é o formidável rochedo fiscal, que está aumentando de tamanho. À medida que 2021 se aproxima, fica próximo do irresistível esse canto da sereia de que a excepcionalidade atual imposta pela calamidade pública podia ser esticada um pouquinho mais, só um pouquinho mais, só para algumas obras já orçadas, já iniciadas, necessárias até por razões humanitárias (como levar água para o Nordeste, por exemplo).
Sim, esse argumento procede, tem sólidos fundamentos num país miserável no qual metade da população nem esgoto tem. Sim, as circunstâncias da dupla crise de saúde e economia obrigam a mudar os cálculos (políticos, sobretudo), alteram prioridades (como reforma do Estado ou privatizações) e impõem gastar sem olhar para o fundo do cofre. Afinal, não é o que uma Angela Merkel está fazendo? Deixem os economistas debatendo entre si se esse “novo normal” jogou por terra tudo o que aprenderam na vida acadêmica, pautada ou não pela ortodoxia.
O problema no caso brasileiro, no qual Bolsonaro é uma expressão perfeita de mentalidades e atitudes generalizadas, é o conceito de excepcionalidade. Não há nada de novo no fato de a sociedade brasileira conviver com gastos públicos muito acima da capacidade do nosso espaço econômico de financiá-los. Ao contrário, é o que estamos fazendo há décadas. Também não é novidade alguma o fato de que nos acostumamos a acomodar interesses setoriais e regionais espalhando pela nação inteira os custos dessas acomodações – traduzindo: benefícios, renúncias, incentivos, proteções, privilégios, regimes especiais, a gritante diferença entre o emprego público e o privado.
Circulam no Congresso, e no Planalto, números dando conta de que mais da metade dos 60 milhões de brasileiros que recebem ajuda emergencial acredita que ela será permanente e que a quase totalidade dessas pessoas não está preparada para o momento em que essa ajuda cessar. Para montar já para o ano que vem um grande programa social para Bolsonaro chamar de seu o ministro da Economia, Paulo Guedes, precisa sentar com o Congresso e decidir no que mexer nos R$ 350 bilhões de isenções tributárias – ou seja, onde cortar nas “acomodações” tão ao gosto de nossa sociedade.
Com TCU, STF e o presidente da Câmara dos Deputados avisando que puxadinho no teto de gastos não passa, e que a abertura de créditos extraordinários via MP também não, é com o Centrão que Bolsonaro terá de se entender. O começo dessa relação parece auspicioso: as “novas” lideranças políticas abraçadas pelo presidente garantem a ele governabilidade e a agradável sensação de que o pior da crise ficou para trás, agora que vamos gastar. Convenientemente, ignora-se o fato de que o fisiologismo, que azeita o que for necessário em Brasília, é dono de insaciável apetite (o que isso tem de excepcional?).
Some-se a isto um fator subjetivo muito elucidativo quando se considera a rapidez com que nos acostumamos ao número de mortos na pandemia (um horror em escala mundial): é a de que estamos aparentemente confortáveis dentro da excepcionalidade. Esses tempos “excepcionais” se parecem tanto à normalidade, deixando de lado a chateação das máscaras e as escolas fechadas, com as crianças azucrinando em casa.
Na ponte de comando em Brasília, muitas vezes paralisada por tantas mãos do Executivo, Legislativo e Judiciário mexendo no leme, traçar um rumo é notoriamente uma questão de alta complexidade e mantê-lo também, ainda mais com um “skipper” errático. Que está correndo o risco de confundir rumo com deriva.
Roberto DaMatta: Apagar o passado
Vivemos momento em que se acende alerta de apagão político-moral
A consciência demanda organizar o passado. Há muitas formas de lidar com o tempo. Em sociedades sem escrita, nas quais a morte de um velho seria equivalente à perda parcial de muitos fatos e mitos — algo próximo da destruição de uma biblioteca nacional —, trata-se de um desastre inafiançável.
Será que um dia vamos conhecer nosso passado milenar? Ou existem passagens que simplesmente sumiram, como a poeira das galáxias e das nossas invisíveis almas?
O leitor pode se sentir incomodado pelo assunto. Eu, cronista enviesado, que, se não estou, devo ingressar na cavilosa lista dos antifascistas convictos, apenas reitero que muito do que fizemos é esquecido, senão propositadamente apagado, porque seria prova de incoerências, crimes, projetos hediondos e contradições incontornáveis, sobretudo em coletivos fundados na autoridade do pai, do rei, do supremo sacerdote ou do juiz.
Investigando nossas vidas, descobrimos coisas que apagamos e muitas outras que programamos esquecer. Quando esquecemos de boa-fé e eventualmente ferimos alguém, acertamos o mal-estar por meio de pedidos de desculpa ou perdão. No mundo jurídico-político anistiamos, formalmente suprimindo fatos passados. Reinterpretações desfazem e mudam o passado. Pedir desculpas, perdoar e anistiar “lavam a alma” e são passaportes para recomeços. Mas, para apagar ou esconder o passado debaixo do tapete, como é comum no Brasil, é necessário um penoso, discutível e complexo refazer histórico-social — tipo, como esquecer a ditadura militar. É preciso o autoritarismo forte presente para controlar, conforme sabia o Grande Irmão de George Orwell, o passado.
Eis dois episódios que agasalhei na memória. Ambos ocorreram com um professor, inglês até a alma, que havia programado um jantar de sexta-feira com a esposa e, ao chegar em casa, com ela desentendeu-se. Algo banal, como uma toalha suja, despertou ressentimentos e, com eles, um inesperado ódio expresso em memórias amargas e frases agressivas. Em meio à tempestade, porém, o marido abriu um parêntese similar a uma desculpa e denunciou o mal-entendido. “Querida”, disse, “isso não está acontecendo. Eu vou sair e entrar novamente em casa e nós vamos jantar conforme combinado”. E assim foi feito.
Um outro evento com o mesmo professor confirma, quem sabe, essa capacidade humana de desconstruir, cujo melhor e mais dramático exemplo é o elo entre paz e guerra. Depois de uma impecável conferência em impecável estilo britânico para uma plateia encantada numa universidade do sul dos Estados Unidos, fomos jantar com um colega que hospedou o conferencista. Na manhã seguinte, fui tomar café com o anfitrião, que perguntou ao professor num misto de curiosidade e provocação: “Eu acho”, disse, “que fui muito ofensivo ontem, não?” Ao que, com notável elegância, o professor retrucou: “O que ocorreu ontem foi tão desagradável, mas tão desagradável, que eu simplesmente apaguei da minha memória”.
Se fazemos, podemos desfazer. Democracias podem desandar em regimes policialescos que trazem do passado escravocrático um viés semelhante ao dos nazifascismos e estalinismos.
Vivemos um momento no qual se acende um alerta de apagão político-moral que suspende o bom senso. A direita bolsonarista tem como simbólico um inacreditável terraplanismo — um contrassenso indicativo de uma postura, digamos o mínimo, radicalmente irracional. Na política, não há dúvida de que se quer um presidencialismo absolutista. Uma outra contradição que, ao lado de um patológico familismo presidencial, completa a negação de solenes promessas de campanha.
Em suma: testemunhamos tentativas de apagar o dito que se transforma num não dito, incompatível com uma necessária estabilidade capaz de minar a autoestima e o respeito internacional, sobretudo em tempos de pandemia num mundo globalizado.
Se esquecemos as implicações morais da escravidão e as obrigações igualitárias da República, por que, como adverte o jornalista Carlos Alberto Sardenberg no GLOBO, não livramos, por meio de um apagão legal, o principal condenado da Lava-Jato, avocando que o magistrado foi parcial?
Mas, se isso for admitido, como o plano da lei e o caráter dos magistrados ficam perante todos os condenados na mesma operação anticorrupção que ainda está em curso?
Para quem duvida que o autoritarismo protofascista nacional é avesso ao igualitarismo, seria cabível livrar somente o ex-presidente, quando todos os seus asseclas foram investigados por um mesmo magistrado? Para os leigos em jurisprudência, tal livramento seria mais um “Você sabe com quem está falando?” na área criminal. Sabemos que a realidade pode ser manipulada, mas, por isso mesmo, temos consciência de limites. Um deles é a morte ou, no caso, o supremo suicídio da estrutura jurídica nacional. Esse instrumento que sustenta o regime republicano num simples ideal: o de que todos são iguais perante a lei, no caso, os julgados e condenados…
Resta candidamente avisar que apagar passados impede construir futuros.
Vera Magalhães: Alô, alô, marciano
Marciano desavisado que olhasse as manchetes do Brasil nesta terça-feira acreditaria nos versos de Rita Lee, segundo os quais 'pra variar estamos em guerra'
O marciano desavisado que olhasse as manchetes do Brasil nesta terça-feira, uma semana antes do prazo final para o envio do Orçamento de 2021 ao Congresso, acreditaria nos versos de Rita Lee, segundo os quais “pra variar estamos em guerra”.
O senhor da guerra é Jair Bolsonaro, cuja última diatribe é esquadrinhar uma divisão de recursos que privilegia a Defesa em detrimento da Educação durante uma pandemia que vitimou centenas de milhares, continua comendo solta e deixou estudantes em casa por um ano, muitos dos quais ao Deus-dará.
Pelo último esboço da proposta que tem de ser enviada até o dia 31, a Defesa teria R$ 8,2 bilhões a mais de dinheiro que a Educação.
Em tempos de uma “briga danada” pelo Orçamento, como afirma o próprio presidente, a escolha de prioridades diz tudo sobre o governo de turno, mais preocupado em recompor o que considera “injustiças” com os militares cometidas desde a redemocratização, que na verdade são apenas um tremendo reforço a privilégios seculares.
Enquanto isso, num país em que uma menina de 10 anos tem de ser submetida a um aborto legal porque engravidou do tio que a estuprava seguidamente desde os 6, educar crianças e jovens não é uma urgência.
Bolsonaro pode estar se sentindo com a bola toda dada sua circunstancial subida nas pesquisas. Mas essa receita descompensada de dilmismo fiscal, populismo nacionalista à la Médici e delírios chavistas de militarização não têm como resultar em boa coisa na plena vigência de alguns estatutos legais.
São eles a Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a já condenada lei do teto de gastos, pelos quais os demais Poderes precisam zelar. Paulo Guedes resolveu ficar e tapar de novo o nariz a tudo que está sendo feito pelo chefe, e que representa a negação cabal de sua doutrina liberal.
Agora também parece disposto a bater continência e abrir as burras da Viúva para um projeto de hipertrofia da Defesa que não esconde a velha crença de Bolsonaro de que se, lá na frente, precisar fechar o STF e o Congresso, vai precisar do cabo e o soldado satisfeitos e engajados no seu projeto.
PARTIDOS: Recuperação de Bolsonaro embaralha cenário para 2022
A momentânea reação de Jair Bolsonaro nas pesquisas acabou por embaralhar ainda mais o já embaraçado novelo partidário brasileiro. O maior nó é o verdadeiro “plot twist” que pode fazer com que os bolsonaristas depois de rodar e rodar voltem ao PSL velho de guerra.
Se acontecer, será um recasamento de conveniência, sem amor algum envolvido e com ainda mais desconfiança que da primeira união.
Pragmático às raias da tosquice, Bolsonaro admitiu na última live nas suas redes sociais que o tal Aliança pelo Brasil encalhou, depois de tanta pompa e circunstância em seu anúncio.
Depois de desovar filhos e aliados em legendas aleatórias, como o Republicano de Marcelo Crivella, e flertar com o PTB do condenado e ex-preso Roberto Jefferson, o capitão admite voltar à velha casa alugada.
Não são os belos olhos de Luciano Bivar ou a tendência do presidente à conciliação que inspiram esse movimento, mas o cofre do Fundo Partidário, algo que Bolsonaro nunca engoliu que, tendo sido conquistado às suas custas, ficasse para trás no divórcio.
O barata voa com a súbita ascensão da popularidade de Bolsonaro também acirrou os ânimos no Partido Novo. Assim como entre os “farialimers” (com licença, Raul Juste Lores), na sigla, há quem alimente a esperança de que o ministro Paulo Guedes dispute com João Amoêdo a candidatura novística em 2022.
O plano é incentivado pelo empresário Salim Mattar, que deixou o Ministério da Economia, mas segue próximo a Guedes, tem ascendência sobre uma ala da bancada federal da sigla e não esconde o desejo de jogá-la de vez na base aliada.
Isso enquanto o fundador do partido defende que candidatos a prefeito e atuais detentores de mandato do Novo se afastem o quanto antes do governo iliberal de Bolsonaro.
A disputa tende a esquentar à medida que a campanha municipal for para a rua e ficar evidente que muitos candidatos do Novo são, na verdade, bolsominions que trocaram o amarelo pelo laranja, que está mais na moda.
Rosângela Bittar: O artilheiro e seu canhão
Com um profissional no papel de formulador da tática, Bolsonaro foi cuidar dos disparos de canhão
O primeiro sinal para o início do espetáculo da sucessão soou como um alarme. E os adversários de Jair Bolsonaro na disputa à Presidência acordaram, embora tarde. Luciano Huck, que já teria decidido disputar, permanece indiferente ao tempo e não se anuncia. O que não lhe tira a vantagem de ser o candidato mais perto do povo, mas aprofunda sua desvantagem de distanciamento do mundo político. Desperdiça a campanha municipal como palanque ideal para uma aproximação necessária da máquina indispensável à disputa eleitoral.
Empenhado em tirar efeito das providências do Estado no combate à pandemia, João Doria está em situação oposta. Candidato mais próximo da máquina política, está sem condições, no momento, de mergulhar no burburinho municipal e misturar-se ao povo.
Ciro Gomes, sem mandato ou cargo que fixe sua imagem, e desgastado pela memória de embates anteriores, parece não ter um plano de recomeço. Talvez ainda intimidado pelo jogo petista que já voltou às mesas de bar: Lula poderá ser candidato? Fernando Haddad terá fôlego?
Sobre Sérgio Moro o que ressalta é a falta de iniciativa para transpor o paredão artificialmente erguido para que sua candidatura se viabilize. Falta-lhe de um tudo e, como para os demais, o tempo de construção é agora.
Um novelo que precisa ser urgentemente desfeito sob pena de a reeleição de Bolsonaro se consolidar muito cedo. O candidato no futuro que está no cargo presente pode abusar da oferta de benesses ao eleitorado e aos cabos eleitorais. Se acrescentar a estas vantagens a de não ter adversário, quando se sabe que terá, apenas adia-se a brecha da fraqueza.
Fortes candidatos a deputado federal, fundamentais na campanha presidencial, devem sair do quadro de perdedores das eleições municipais. O projeto em que vão se engajar precisa estar claro, no dia seguinte. Enquanto Bolsonaro for o único palanque presidencial na campanha municipal, sua vitória é presente de mão beijada.
Política é isto, correr atrás. Sem ritual, dispensando apresentação e até o próprio anúncio de sua nomeação, o experiente Ricardo Barros assumiu a liderança do governo com apenas um aviso aos navegantes. Mas é como se tivesse dito o que todos ouviram: “Coube-me, como professor, formar a aliança majoritária; basta me dizerem, no momento certo, para quê”. Com um profissional no papel de formulador da tática e da estratégia, retaguarda coberta, Bolsonaro foi cuidar dos disparos de canhão.
Colocou nas ruas uma campanha na clássica tradição brasileira. Para os pobres, demagogia. Dinheiro na veia da especulação, para os ricos. Daí, a questão. Até quando o assistencialismo continuará decidindo as eleições no Brasil? País, o nosso, que se projeta na fusão de imagens políticas da Venezuela, da Bolívia e da Argentina, para consolidar o pobre retrato eleitoral da maltratada SudAmerica.
O sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso prevê que assim será enquanto a desigualdade se mantiver brutal. E a indiferença da classe dominante recrudescer, por interesse eleitoral ou inação. “Ela (a classe dominante) não se abala.”
Não está fechado o espaço para um projeto alternativo ao assistencialismo, mas, como se sabe, não há partidos interessados em apresentá-lo. Não é impossível, também, que alguém, individualmente, vocalize um caminho novo, como admite o ex-presidente. “Mas é preciso que o povo acredite.”
A opinião pública sente-se traída. Bolsonaro conseguiu fazer crer que romperia com a era PT. Na primeira oportunidade, assumiu métodos e medidas que combatia.
Há, sim, uma expectativa de que ainda aparecerá alguém capaz de provar que a era Bolsonaro precisa ser encerrada. Se não, e a economia não atrapalhar, o populismo demagógico, mais uma vez, vestirá a faixa.
Pedro Fernando Nery: O Brasil do auxílio
A população precisa de políticas de emprego e benefícios robustos. Não de preconceito
Os últimos dias foram de discussões acaloradas sobre o auxílio emergencial, à medida que em plena pandemia ele alavancou a popularidade do presidente em locais em que ele não foi bem votado em 2018. De fato, o impacto dos R$ 600 no Nordeste e no Norte é mesmo gigantesco. A concentração do auxílio em algumas partes do Brasil é corolário da concentração do emprego com carteira assinada e gastos previdenciários em outras.
Menos de 20% dos catarinenses receberam a nova renda básica, mas mais de 40% dos roraimenses a receberam. Os valores pagos também tenderam a ser maiores nas regiões mais excluídas, que concentram crianças e, por isso, mais mães-solo (que receberam R$ 1.200).
Comparemos os municípios de Agrolândia e Agricolândia. Parecem parecidos? Na verdade, estão em regiões muito distintas: o primeiro pertence a um dos nossos Estados mais ricos, Santa Catarina, o outro a um dos nossos Estados mais pobres, o Piauí. Para comparar os municípios que têm números de habitantes diferentes, vamos dividir os valores pagos da renda básica emergencial pela população. Em Agrolândia, a mais próspera, o valor recebido por habitante foi três vezes menor do que na prima Agricolândia. Uma desproporção ainda maior se observa entre Água Doce, também em Santa Catarina, e em Água Doce do Maranhão. A transferência por água-docense foi quatro vezes maior no município maranhense.
Nessas cidades em que os trabalhadores não conseguem se inserir no mercado de trabalho nos moldes exigidos pela CLT e Previdência tradicionais, as transferências do INSS são menos relevantes – já que ele gasta mais onde há mais emprego e salários maiores. Por isso, garantir uma Previdência menos desequilibrada e focar recursos na assistência social é tão importante. Chegamos então à minha comparação preferida – e prometo que é a última.
O Bom Jesus gaúcho pertence ao terço de municípios mais ricos do Brasil. Já o Bom Jesus potiguar está entre os 15% mais pobres do País. Na cidade do Sul, a Previdência despende quase R$ 50 milhões por ano. Na cidade do Nordeste, despende cerca de R$ 10 milhões, ou cinco vezes menos. Lembre-se: eles têm a mesma população. E no auxílio emergencial? A situação se inverte. Bom Jesus do Rio Grande Norte recebeu 50% mais do que Bom Jesus do Rio Grande do Sul.
Essa concentração regional da Previdência – e em decorrência da nossa rede de proteção social tradicional – existe porque no Centro-Sul há mais idosos e também mercados de trabalho mais fortes, com mais emprego formal. Já o auxílio emergencial tem como pré-requisito ter renda baixa (o que exclui boa parte das famílias com aposentados e pensionistas) e não ter emprego formal (condição para acessar a Previdência urbana).
Esse grupo é excluído do orçamento da Seguridade Social no Brasil: na comparação com Estados de bem-estar social de democracias desenvolvidas, gastamos muitíssimo menos com benefícios para as famílias com crianças ou políticas de emprego.
Entre outros, um influencer comentou os dados do DataFolha: “Conclusão: o brasileiro é corrupto”. A pobreza extrema no menor nível já registrado. A desigualdade de renda idem. Dezenas de milhões poupados de cair na pobreza, e alguns outros milhões levantados temporariamente dela. O comércio com dados melhores que o da China. O efeito dos R$ 600 na vida dos brasileiros mais vulneráveis é real.
Os desdobramentos do auxílio na popularidade do presidente são um choque de Brasil para tantos que bradavam que os mais pobres eram os prejudicados pela reforma da Previdência urbana ou pela reforma trabalhista. Ao contrário, quem não tem emprego formal pode se beneficiar de mudanças inclusivas nos gastos do governo e na legislação do trabalho.
Mesmo nos últimos meses, a única proposta relevante para aumentar os números insignificantes de emprego formal nos lugares mais pobres do País é a tal carteira de trabalho verde e amarela de Paulo Guedes. A população que agora ficou menos invisível por conta do DataFolha precisa de políticas de emprego e de benefícios robustos voltados às famílias com crianças – não de mais preconceito.
*DOUTOR EM ECONOMIA
O Estado de S. Paulo: Mesmo com pandemia, governo planeja cortar orçamento da Saúde para 2021
Valor pode ficar em R$ 127,75 bi, R$ 47 bi a menos do que o limite de despesas autorizado para este ano; representantes do setor defendem adoção de ‘piso emergencial’ para escapar do teto de gastos
Mateus Vargas e Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Em plena pandemia da covid-19, o governo Jair Bolsonaro prevê cortar o orçamento do Ministério da Saúde para R$ 127,75 bilhões em 2021. O valor é menor do que o aprovado para o começo deste ano (R$ 134,7 bilhões) e do que o limite atual de gastos da pasta (R$ 174,84 bilhões, alcançado após liberação de créditos para enfrentar a crise sanitária).
Se a proposta for confirmada, o orçamento da Saúde para 2021 pode ser R$ 7 bilhões menor do que o previsto inicialmente pelo governo para este ano, antes da pandemia, ou R$ 47 bilhões inferior ao limite de gastos alcançado durante a covid-19, o que tende a aumentar a pressão por mais espaço no teto de gastos – a regra fiscal que impede o crescimento das despesas acima da inflação.
As discussões sobre o orçamento ocorrem no momento de disputa interna no governo sobre aumentar ou não as despesas públicas. Na terça-feira da semana passada, Guedes alertou que Bolsonaro pode parar na “zona sombria” do impeachment se furar o teto.
Depois da criação do chamado “orçamento de guerra” que permitiu o aumento de gastos na pandemia, há uma “guerra” aberta no governo e no Congresso para aumentar os recursos para bancar obras de infraestrutura, reforçar o caixa do Ministério da Defesa e tirar do papel o Renda Brasil, o programa social do governo Bolsonaro que vai substituir o auxílio emergencial de R$ 600 e o Bolsa Família. Como o Estadão revelou, o governo prevê mais verba para o Ministério da Defesa do que para o da Educação.
Com o risco de perder recursos, a área de Saúde também vai intensificar agora a pressão no Congresso. A proposta de Orçamento da União para o próximo ano está nas mãos da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e deve ser encaminhada até o fim deste mês ao Congresso.
Guedes, que vem enfrentando “fogo amigo” e críticas abertas de colegas de Esplanada, não quer mexer no teto. Ele afirma que o mecanismo, criado no governo do ex-presidente Michel Temer, foi responsável por viabilizar a queda recorde dos juros e dos custos de rolagem da dívida pública. O ministro quer discutir o Orçamento de 2021 junto com medidas de corte de gastos por meio de “gatilhos” – que disparariam quando o aumento dos gastos obrigatórios (como folha de salários) colocasse em xeque outras despesas como investimentos.
“É como se o governo achasse que a covid-19 vai simplesmente sumir no dia 31 de dezembro de 2020”, afirma a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Luiza Pinheiro. Para Luiza, o governo desconsidera que parte da estrutura criada para atender a pandemia deve ser preservada, como leitos e respiradores. “Além disso, ignora os serviços que não foram prestados em 2020 por conta da pandemia (como cirurgias eletivas) e o aumento da demanda do SUS devido ao alto desemprego, que faz com que as pessoas percam seus planos de saúde, e da sua família.”
Distribuição
Da verba prevista para 2021 para o Ministério da Saúde, R$ 110,14 bilhões seriam de gastos obrigatórios, como a folha de pagamento de servidores, que não podem ser bloqueados. Outros R$ 16,47 bilhões são valores discricionários, que podem ser remanejados pelo governo, como para contratação de serviços e investimentos. Ou seja, o recurso que a Saúde pode escolher onde aplicar deve ser cerca da metade dos destinados à pasta no começo de 2020 e um quarto do que foi autorizado até agora, depois de reforço por força da pandemia.
O valor apresentado pela equipe de Guedes não computa emendas parlamentares. Consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Funcia estima que, para se cumprir o piso constitucional para a Saúde, será preciso acrescentar cerca de R$ 10 bilhões de recursos de emendas. “É um duplo retrocesso. Não só reduz o orçamento atual, como ainda condiciona a uma fatia grande de emendas”, afirmou.
Neste ano, para enfrentar a covid-19, o Ministério da Saúde recebeu aporte de R$ 41,7 bilhões por meio de dez medidas provisórias. O recurso foi usado para reforçar o caixa de Estados e municípios no combate à pandemia, comprar respiradores, entre outros insumos, e custear as despesas de internação no SUS.
Além disso, cerca de R$ 2 bilhões serão usados pela Fiocruz para viabilizar a compra, processamento e distribuição de 100 milhões de doses de vacina contra a covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca. Do recurso extra autorizado pela pandemia, o ministério autorizou o pagamento de R$ 27,62 bilhões e, de fato, desembolsou R$ 20,65 bilhões.
Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou. O Ministério da Economia afirma que a proposta de Orçamento para 2021 ainda é discutida internamente e pode ser alterada até 31 de agosto, limite para envio ao Congresso Nacional.
Carlos Ayres Britto: Projeto de lei sobre ‘fake news’
Artigo 10.º do PL 2.630 é o que me parece mais vistosamente destoante da Constituição
É de percepção geral o fenômeno das fake news. Fake news como notícias falsas, literalmente. Ainda que tal desencontro com a verdade não seja total. Ou aconteça por modo tão completamente voluntário quanto apenas em parte, ou até mesmo sem nenhum ingrediente subjetivo de parceria com a inverdade. De toda maneira, notícias falsas que se espalham instantaneamente e em escala planetária, porquanto formatadas sob essa revolucionária forma de mensageria em rede que toma o nome técnico de “comunicação de dados”.
Compreensível, pois, que se pressione o Estado para editar leis de enfrentamento eficaz desse recorrente fenômeno. É o pano de fundo do Projeto de Lei número 2.630, em tramitação pela Câmara dos Deputados e sob a ementa de “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”. A exigir a lembrança de que boa parte dos temas ali tratados tem o seu regime jurídico diretamente estabelecido pela Constituição da República. Logo, um regime que não pode deixar de se pôr como obrigatório parâmetro para toda e qualquer lei de escalão infraconstitucional.
Essa advertência começa pela necessidade de se entender o que não sejam fake news. Por ilustração, elas não correspondem às categorias constitucionais da liberdade de “manifestação do pensamento” e da “expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação”. Tampouco mantêm identidade com o direito de “acesso à informação”. Antes frustram o direito de todos ao mais livre acesso a um tipo veraz de informação, pois somente ele é que se põe como direito fundamental (por isso que bem de personalidade). E quanto à tarefa de dizer em que as fake news consistem, é preciso ver se elas já se encaixam nesse ou naquele molde legal de infração penal. Ou se é possível tomá-las como hipótese de incidência de um novo ilícito. Mais ainda, importa saber se a perpetração de fake news expõe o(s) seu(s) agente(s) à vedação de protagonizar futuras e distintas relações de internet. O que, data venia de entendimento contrário, me parece juridicamente descabido.
São aspectos que, junto a muitos outros de idêntica relevância – a partir do caráter jurídico totalmente privado das relações de internet -, não têm como ser dissecados num breve artigo de jornal. Por isso me limito a pinçar do projeto em causa todo o artigo 10.º, que me parece mais vistosamente destoante da Constituição. É que ele instaura um regime de rastreamento sobre as pessoas naturais que termina por lhes recusar os direitos fundamentais à “intimidade” e à “vida privada” (inciso X do artigo 5.º). Vida privada num plano intersubjetivo ou social, vida privada num plano espacial ou geográfico. Além de submetê-las a um tipo de investigação que, por independer do caso concreto e da apuração das coisas em autos oficiais, ignora os pressupostos também diretamente constitucionais da investigação criminal e da instrução processual penal.
Deveras, penso que esse artigo 10.º inverte as coisas. Investigação criminal e instrução processual penal não se instauram senão documentalmente. Assim como não são abertas a partir do nada. Ambas pressupõem a ocorrência de algo sinalizador, em sua materialidade, de infração penal. Algo já abstratamente definido como ilícito penal e a ser apurado quanto à respectiva materialidade. Isso na perspectiva da identificação do respectivo autor. Um só autor, ou mais de um, contanto que essa coautoria seja passível de quantificação ou determinação numérica. Não em aberto, porque, senão, a essa indeterminação subjetiva passa a corresponder uma permanente situação de suspeita criminal sobre todo mundo e um Estado-polícia por definição. Como se a máxima de que “o preço da liberdade é a eterna vigilância” (Thomas Jefferson) não fosse cunhada a favor dos particulares e contra ele mesmo, Estado. Não o contrário.
Claro que não se está a desconhecer o vínculo funcional entre o combate às fake news e a concreção do bem jurídico fundamental da “segurança pública”. Ainda assim, que esse imbricamento se faça a partir do recorte que o artigo 144 da Constituição já fez quanto a dois literais sujeitos jurídicos: de uma banda, o Estado; de outra, as pessoas privadas. O Estado como sujeito que tem o “dever” de assegurar à população tal segurança; as pessoas privadas como titulares do direito ao desfrute desse bem da vida e também como responsáveis pela respectiva prestação. Sem que a lei possa baralhar as duas categorias jurídicas, pois o substantivo “dever” é conatural à figura do Estado mesmo. Estado que tem como uma das suas justificativas existenciais a permanente desincumbência desse específico dever, justamente.
Já a responsabilidade, o seu significado técnico é de colaboração ou ajuda ou auxílio. Sem constituir-se numa das próprias razões de ser das pessoas privadas. Pelo que a lei não pode forçar os particulares a fazer as vezes do poder público. A se colocar no lugar dele. Mais uma advertência que fica.
EX-PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAl (STF)
Mario Vargas Llosa: Rumo à Estação Finlândia
Em livro, Edmund Wilson resolve o difícil equilíbrio entre tipos humanos e líderes de massa
Edmund Wilson publicou dezenas de livros – artigos, ensaios críticos, polêmicas, um longo estudo sobre a literatura da guerra civil americana, Patriotic Gore, e seus diários pessoais, bastante libidinosos. Em toda essa extraordinária obra se destaca Rumo à Estação Finlândia (Companhia das Letras), que tem como subtítulo Um Estudo Sobre Escrever e Atuar na História, publicado em 1940. É um livro absolutamente atual, que pode ser lido e relido como os grandes romances e que, no passar dos anos desde sua publicação, ganhou encanto e vigor, a exemplo das obras-primas literárias.
Seu propósito é narrar, como o faria um romance, a ideia socialista, desde que o historiador francês Michelet descobriu Vico e sua tese de que a história das sociedades nada tinha de divino, era obra dos próprios seres humanos, até dois séculos depois, quando, numa noite chuvosa, Lenin desembarca na Estação Finlândia, em São Petersburgo, para liderar a Revolução Russa. É um livro de ideias, que parece ficção pela habilidade e imaginação com que foi escrito e pela originalidade e força compulsiva dos personagens que nele aparecem – Renan, Taine, Babeuf, Saint-Simon, Fourier, Owen, Marx, Engels, Bakunin, Lassalle, Lenin e Trotski – os quais, graças ao poder de síntese e à prosa de Wilson, ficam gravados na memória do leitor como os personagens de Os Miseráveis, Os Irmãos Karamazov ou Guerra e Paz. É uma obra-prima que, por motivos políticos, foi marginalizada, apesar de seu alto valor do ponto de vista literário.
A ideia socialista é a ideia de um paraíso na terra, de uma sociedade sem ricos e sem pobres, onde um estado justo e generoso distribuiria riqueza, cultura, saúde, lazer e trabalho para todos, de acordo com suas necessidades e capacidades, e onde, pelo mesmo motivo, não haveria injustiças nem desigualdades e o ser humano viveria desfrutando do bem da vida, a começar pela liberdade. Essa utopia nunca se materializou, mas mobilizou milhões de pessoas ao longo da história e produziu greves, motins e revoluções, violências e repressões indizíveis, além de um punhado de personagens fascinantes que trabalharam até a loucura para incorporá-la à realidade. O resultado dessa odisseia irrealizável – em grande medida, graças às lutas que motivou – foi corrigir boa parte das ferozes injustiças da velha sociedade, para que a classe trabalhadora e seus sindicatos renovassem profundamente a vida social, adquirissem direitos que antes lhes eram negados e fossem transformadas de forma radical a economia e as relações humanas.
O homem que Lenin mais odiava provavelmente era Eduard Bernstein, o líder dos social-democratas alemães, a quem acusou de “oportunismo” e “reformismo”, palavras terríveis no jargão marxista. Por que esse ódio? Porque Bernstein, de fato, passou de revolucionário a reformista, graças às concessões que o poderoso movimento operário alemão vinha arrancando da burguesia: melhores salários para trabalhadores, escolas e hospitais, padrões de vida que se confundiam com os da baixa classe média, reconhecimento e proteção jurídica aos sindicatos. Nesse ambiente, era um delírio continuar postulando a revolução total. Mas a Rússia não era a Alemanha social-democrata. Havia ali um czar e uma polícia que assassinavam e torturavam irrestritamente e campos de concentração no Polo Ártico, onde os revolucionários passavam muitos anos, se sobrevivessem à fome e ao frio. Lenin e a incrível Krupskaya ficaram detidos lá. Nesse contexto, as teses social-democratas de Bernstein não tinham razão de ser e prevaleciam as de Lenin: um partido de militantes revolucionários que exigia “todo o poder” para realizar as reformas que transformariam as raízes da sociedade russa e, acrescento, criariam a mais perfeita sociedade totalitária da história. Esta é apenas uma das inúmeras rupturas e inimizades que a luta pela ideia socialista gerou. E talvez não seja tão luminosa e romântica como aquela que separou Marx e Bakunin, ou Marx e Lassalle. O anarquista Bakunin era imensamente popular; nos cárceres perdeu os dentes e músculos, mas não as convicções e, viajando por meia Europa, ele espalhou – e nele acreditaram – sua doutrina básica: que a “destruição” era uma ideia fundamentalmente criativa.
Outras páginas inesquecíveis do livro se dedicam à extraordinária amizade que uniu Marx e Engels: a descrição que Edmund Wilson oferece da generosidade e dedicação de Engels a Marx e sua família, convencido de que ele mudaria a história humana, é imperecível. Engels não apenas sustentou os Marxs por longos anos; chegou a escrever crônicas para o jornal americano que contratara Marx como colaborador. Lendo esse capítulo, é impossível não sentir a mesma simpatia por Engels e reconhecer seu heroísmo discreto, como faz Edmund Wilson em páginas comoventes. Engels odiava ser empresário em Manchester e se sacrificou vários anos nesse ramo para que Marx pudesse escrever o primeiro volume de O Capital. O segundo, com Marx já falecido, foi mais difícil de editar, ainda que o autor houvesse deixado muitas notas e fragmentos. O próprio Engels deu início à tarefa, mas não conseguiu terminá-la, constrangido pela enormidade do empreendimento, e acabou substituído por Karl Kautsky. No livro de Edmund Wilson, todos esses episódios têm cor, graça e a convicção de que por trás daqueles acontecimentos minúsculos e obscuros foram dados passos decisivos para a transformação da história humana. Não foi exatamente assim, mas, no livro, foi. E um de seus grandes méritos é nos convencer disso.
Ao mesmo tempo que criavam tipos extraordinários e forças da natureza, como o anarquista Bakunin e o socialista Lassalle, as lutas sociais iam renovando a Europa. Os sindicatos e partidos políticos dos trabalhadores transformavam a sociedade, deixando-a menos injusta. Exceto na Rússia, onde o czar Alexandre III nunca fez a menor concessão e continuou com a ferocidade de outrora e a perseguição aos adversários, fossem moderados ou intransigentes. Assim ele cavou sua própria sepultura e embarcou seu país e o mundo na mais ruinosa das aventuras. Tudo isso acontece em Rumo à Estação Finlândia, antes que Stalin ascenda ao poder e a revolução mostre sua face mais horrível: a liquidação dos dissidentes, reais ou inventados. Em suas últimas páginas, Lenin e Trotski ainda são amigos e se respeitam – e este último acaba de publicar um ensaio vibrante: A Revolução de 1905.
Trotski não tinha a convicção fanática de Lenin, nem estava disposto a fazer os mais trágicos sacrifícios para impulsionar a revolução; era mais culto e melhor escritor. Mas as revoluções não são feitas por homens de cultura, mas sim por revolucionários, e Lenin o fez de corpo e alma, com a ajuda de Krupskaya, exigindo que os militantes não se esquecessem nem por um segundo da ideia da revolução e estivessem dispostos a fazer todos os sacrifícios.
O livro relata as teorias, as rivalidades e inimizades, as vaidades em jogo, as intrigas e futilidades que regulavam a vida desses grandes homens. E, ao mesmo tempo, narra como, trabalhando pela justiça, eles estavam coagulando futuras injustiças. Esse difícil equilíbrio entre tipos humanos e líderes de massa Edmund Wilson o resolve de maneira soberba, destacando, por exemplo, no caso de Marx, a vida miserável que ele e sua família levavam morando em dois quartinhos do Soho e a fantástica transformação social daquele que tinha a convicção absoluta de ser um porta-estandarte.
Havia uma edição antiga de Hacia la Estación de Finlandia em espanhol, que quase passou despercebida. Agora, numa tradução aprimorada, a editora Debate a relança. Preparemo-nos para receber com dignidade esse trabalho excepcional. / Tradução de Renato Prelorentzou.
Eliane Cantanhêde: Sem dó nem piedade
Faltaram tochas e máscaras brancas nos gritos de ‘assassina’ para a pobre menina pobre
É de chorar copiosamente de raiva, vergonha e desânimo quando um bando de enlouquecidos usa o nome de Deus para transformar uma pequena e sofrida vítima em vilã, aos gritos de “assassina”. É de uma crueldade sem limites, que faz recrudescer uma angústia que só aumenta: a audácia dessa gente que saiu das trevas não tem fim?
A pobre menina pobre tinha seis anos quando passou a ser abusada por um tio, na casa onde morava com os avós. O pai? Não se sabe. A mãe? Também não. Sem os pais e sem o olhar, o cuidado e a piedade dos adultos, responsáveis, amigos e vizinhos, que não viram nada ou não quiseram “se meter na vida dos outros”, o que e quem sobrou? Nada, ninguém. Só o medo, a solidão, a dor do corpo e da alma.
Histórias assim ocorrem o tempo todo, por toda parte, contra milhares de meninas e meninos pobres e desamparados neste nosso Brasil tão lindo, de gente tão alegre e sol o ano inteiro, invejado por natureza pujante. Um Brasil tão solar que abriga um Brasil tão obscuro, soturno, onde a Justiça não é igual para todos, juízas injustas se referem à “raça” do suspeito para condená-lo e crianças não têm o direito de serem crianças. Abandonadas pela família e pelo Estado.
A nossa brasileirinha, tão sofrida, menstruou cedo e engravidou aos 10 anos do criminoso que usava da intimidade da casa para destruir o corpinho, a autoestima e a vida dela. A lei autoriza o aborto em caso de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia do feto. Ela se encaixa em dois dos três critérios e a Justiça autorizou, mas médicos no Espírito Santo lavaram as mãos e ela teve de ser acolhida em Pernambuco, num hospital que interrompeu uma gravidez que poderia tê-la matado, depois de longa tortura que ninguém viu, ou não quis ver. The end? Não, foi só mais um capítulo dessa novela macabra. O drama dela continua, assim como o dos quase 70 mil estupros por ano.
Almas do mal rondam a desgraça alheia, como a blogueira que desfilava de peito de fora quando feminista e agora, depois de se metamorfosear em bolsonarista, é alvo da Justiça por jogar fogos de artifício contra o Supremo e capaz de divulgar o nome da criança grávida e o endereço do hospital. Que pessoa é essa? Que mente deturpada é essa? É preciso responsabilizá-la pelo crime, previsto em lei, de expor menores de idade em situações adversas. Além de investigar quem vazou para uma pessoa com essa índole os dados da menina e do seu destino para a execração pública.
É demoníaco, mas mulheres e homens que se dizem religiosos, até pastores, atenderam à convocação e se aglomeraram diante do hospital para aprofundar a dor, a vergonha e a humilhação daquela criança. Só faltaram máscaras brancas e tochas para reproduzir a Ku Klux Klan, reencarnação do nazismo nos Estados Unidos condenada em todas as democracias saudáveis.
Parabéns ao médico Olímpio de Moraes, que cumpriu a autorização judicial e enfrentou a hipocrisia e os ensandecidos para defender, com coragem e generosidade, o direito à saúde e à vida. “Obrigar uma criança a ter uma gravidez forçada é um absurdo”, disse ele. Sim, absurdo, maldade, escândalo, uma desumanidade. Como Nação, não podemos compactuar com perversidades assim. Não se trata de ser contra ou a favor do aborto, mas de humanidade.
Que a violência contra essa brasileirinha acorde a sociedade para esses abusos que acontecem com uma frequência assustadora sob as nossas barbas. É preciso proteger nossas crianças, incentivar as denúncias de quem finge que não vê e punir os culpados. Para as seitas que chamam a pequena vítima de “assassina”, convém lembrar que o real criminoso está solto, ao lado de milhares de outros prontos a destruir a vida e o futuro de crianças como ela.
O Estado de S. Paulo: Ministério da Defesa deve ter mais dinheiro do que a Educação em 2021
Proposta do governo Bolsonaro deixa área de ensino com menos verbas do que militares pela 1ª vez em dez anos; desvantagem é de R$ 5,8 bilhões
Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O governo de Jair Bolsonaro prevê reservar R$ 5,8 bilhões a mais no Orçamento do ano que vem para despesas com militares do que com a educação no País. A proposta com a divisão dos recursos entre os ministérios está nas mãos da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e deve ser encaminhada até o fim deste mês ao Congresso. Caso confirmada, será a primeira vez em dez anos que o Ministério da Defesa terá um valor superior ao da pasta da Educação.
Egresso do Exército, Bolsonaro foi eleito tendo os militares como parte de sua base de apoio. Na quinta-feira passada, na “live” semanal que faz nas redes sociais, o presidente disse sofrer pressão para aumentar os recursos destinados às Forças Armadas, mas reclamou que “o cobertor está curto”. “Alguns chegam: ‘Pô, você é militar e esse ministério aí vai ser tratado dessa maneira?’ Aí tem de explicar. Para aumentar para o Fernando (Azevedo e Silva, ministro da Defesa) tem de tirar de outro lugar. A ideia de furar o teto (de gastos) existe, o pessoal debate, qual o problema?”, disse o presidente, em referência à regra que limita aumentar despesas acima da inflação. Na mesma ocasião, ele afirmou que a Defesa pode ter “o menor orçamento da história”.
Não é o que está na proposta mais atual em discussão no governo, à qual o Estadão teve acesso. Segundo a previsão, a Defesa terá um acréscimo de 48,8% em relação ao orçamento deste ano, passando de R$ 73 bilhões para R$ 108,56 bilhões em 2021. Enquanto isso, a verba do Ministério da Educação (MEC) deve cair de R$ 103,1 bilhões para R$ 102,9 bilhões. Os valores, não corrigidos pela inflação, consideram todos os gastos das duas pastas, desde o pagamento de salários, compra de equipamentos e projetos em andamento, o que inclui, no caso dos militares, a construção de submarinos nucleares e compra de aeronaves.
A previsão de corte nos recursos da Educação em 2021 já era tratada no governo há alguns meses e, como revelou o Estadão em junho, gerou reclamações do ex-ministro Abraham Weintraub. Pouco antes de sua demissão, ele afirmou que a proposta em discussão poderia colocar em risco até mesmo a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no ano que vem. Na semana passada, reitores de universidades federais também alertaram que a possível redução do dinheiro pode inviabilizar atividades nas instituições.
Ajustes
Os pedidos do MEC e de outros ministérios por mais recursos foram avaliados na quinta-feira passada pela Junta de Execução Orçamentária, composta por Guedes, o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, e técnicos do governo. O grupo aceitou elevar em R$ 896,5 milhões a verba da Educação. A maior parte para o pagamento de bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e para reforçar o caixa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável por compra de livros escolares, transporte de alunos e financiamento estudantil, entre outros programas.
Guedes e Braga Netto também foram generosos com o Ministério da Defesa. Os ministros aceitaram aumentar em R$ 768,3 milhões as despesas discricionárias previstas para a pasta – aquelas que não são obrigatórias e podem, por lei, ser remanejadas. É o dinheiro para pagar água, luz, obras e programas considerados estratégicos para os militares, como os submarinos e os caças. Mesmo com o acréscimo, o valor reservados para este tipo de gasto deve cair de R$ 9,84 bilhões neste ano para R$ 9,45 bilhões.
O governo também decidiu manter no ano que vem a “blindagem” ao orçamento da Defesa, excluindo a pasta de possíveis tesouradas. Na Educação não há essa restrição e, no ano passado, bolsistas da Capes sofreram com os contingenciamentos.
As discussões sobre o Orçamento ocorrem no momento de disputa interna no governo sobre aumentar ou não as despesas públicas. Na terça-feira passada, Guedes alertou que Bolsonaro pode parar na “zona sombria” do impeachment se furar o teto.
Por causa da pandemia, o Congresso autorizou o Executivo a extrapolar as previsões iniciais em 2020. Como resultado, a Defesa, por exemplo, conseguiu elevar seus gastos para R$ 114,3 bilhões, e a Educação, para R$ 118 bilhões. A expectativa da equipe econômica, no entanto, é que os limites sejam respeitados no ano que vem.
Governo diz que proposta ainda pode ser modificada
Os ministérios da Economia e da Defesa afirmam que a proposta de rateio das verbas do Orçamento de 2021 ainda passará por discussões internas e poderá ser alterada. Procurados, Presidência, Casa Civil e Educação não se manifestaram.
Aliado do presidente Jair Bolsonaro e general da reserva, o deputado Roberto Peternelli (PSL-SP) afirmou que o governo prioriza a educação, mas que isso não deve se refletir no Orçamento. “Tenho a plena convicção de que o fator mais importante é a educação”, afirmou. “Agora, ser o mais importante e ter o maior orçamento são análises distintas.”
Não é só no Orçamento que Bolsonaro tem beneficiado seus aliados fardados em um cenário de cortes de despesas. No mês passado, enquanto quase 9,6 milhões de trabalhadores da iniciativa privada tiveram seus salários reduzidos e servidores públicos civis foram proibidos de ter aumento por causa da pandemia do novo coronavírus, integrantes das Forças Armadas passaram a ter direito a um reajuste de até 73% como bonificação.
Chamado de “adicional de habilitação”, o “penduricalho” foi incorporado na folha de pagamento de julho dos militares, com impacto de R$ 1,3 bilhão neste ano e de R$ 3,6 bilhões em 2021. O reajuste foi aprovado com a reforma da Previdência dos militares, no fim de 2019.
É o gasto com pessoal o que mais consome a verba da Defesa. Na proposta para 2021, 91% dos gastos irão para salários, benefícios e pensões. “O presidente tem um pendor especial pela sua corporação”, avaliou Carlos Melo, cientista político e professor do Insper. “Foi assim na reforma da Previdência e tende a ser assim em qualquer situação. / COLABOROU ADRIANA FERNANDES
Eliane Cantanhêde: A derrota da realidade
Se os fatos não correspondem às versões, danem-se os fatos; Bolsonaro agradece
A realidade e os fatos vão para um lado, a popularidade do presidente Jair Bolsonaro vai para o outro, confirmando que a propaganda é a alma do negócio e que o grande desafio dos governantes em processo de reeleição não é dar bons exemplos, agir estrategicamente e tomar as decisões mais adequadas ao País, mas manter um eleitorado cativo, cooptar o indeciso e atacar sem piedade qualquer tipo de opositor.
Não importam os princípios, importa o que bate diretamente no bolso. Não importam os fatos, importam as versões. Os esquemas da família Bolsonaro, de rachadinhas, funcionários fantasmas e do vício de pagar em dinheiro vivo escola, plano de saúde e até apartamentos não têm efeito na popularidade nem na rejeição do presidente. Diminui daqui, soma dali, o resultado é que Jair Bolsonaro continua sendo o único candidato à Presidência em 2022 e está em ascensão.
Também não interessa o desempenho trágico do presidente no combate ao coronavírus, que até aqui matou perto de 110 mil brasileiros. Como não importam o desmanche do Ministério da Saúde, a disparada das queimadas na Amazônia, o desdém pelo meio ambiente, o abandono da Educação, a exclusão da cultura da pauta nacional e a política externa desastrosa. Sergio Moro, Lava Jato e órgãos de combate à corrupção? Já vão tarde. Quem está interessado nisso? Em Polícia Federal? Coaf? Receita? PGR? Só essa mídia “esquerdista”, “petista”, para desmistificar o “mito”. O “povo” tem mais o que fazer e com o que se preocupar.
Igualmente pouco importa se Bolsonaro assassinou as promessas de campanha e voltou à “velha política” e ao Centrão. Os bolsonaristas raiz, de memória curta, continuam fiéis e o número de desgarrados é compensado nas pesquisas por outro tipo de rebanho: o dos que precisam do Estado para sobreviver, até para comer. Para esses, não interessa se Bolsonaro apenas cedeu ao Congresso, mas sim que é ele quem distribui os R$ 600 e o socorro a empresas.
Além desse fator objetivo, que muda a percepção no Nordeste e entre os desempregados e os que ganham até dois salários mínimos, houve também uma guinada estratégica que estancou a sangria na classe média e entre os escolarizados: Bolsonaro parou de prejudicar Bolsonaro. Pôs de lado a metralhadora giratória contra tudo e todos, saiu das manchetes e reverteu a curva: deixou de cair, passou a subir.
Portanto, a nova pesquisa Datafolha, apurando que Bolsonaro atingiu o melhor índice de aprovação desde a posse – 37% - e reduziu sua rejeição em dez pontos porcentuais – para 34% - pode ter definido dois jogos internos no governo: a favor de estourar o teto de gastos para vitaminar a campanha do presidente e, portanto, contra Paulo Guedes.
Se Rogério Marinho, Tarcísio de Freitas e o time militar têm o Datafolha para convencer Bolsonaro de que gastança garante reeleição, o que Guedes tem para contrapor? Um crescimento econômico pífio em 2019, antes da pandemia, e… mais nada. Ah! Mas foi o presidente quem atrapalhou a reforma tributária e vetou a administrativa! Ok, é verdade. Mas quem quer saber da verdade, se a versão bolsonarista é que importa?
Moro foi dormir ídolo e acordou Judas, Luiz Henrique Mandetta era um poço de popularidade e secou, o general Santos Cruz era líder e virou uma ilha entre militares. Guedes pode ir se preparando. Os “gabinetes do ódio” (no plural) não atuam só contra críticos e esquerdistas, mas para apagar a verdade e massificar versões e fake news. As pesquisas depois colhem o resultado. Descobrem, por exemplo, que Bolsonaro não tem nada a ver com as 106 mil mortes!!! Bolsonaro e bolsonaristas vão muito bem. Não se pode dizer o mesmo do Brasil e dos brasileiros.
Vera Magalhães: O 'e daí?' coletivo
Brasileiro 'compra' cinismo de Bolsonaro em relação à pandemia
O Brasil é um país resignado diante da morte. Essa é a mais triste constatação dos vários recortes da última pesquisa Datafolha: o “e daí?” cínico de Jair Bolsonaro ecoou e deu a muita gente que não está nem aí com a tragédia em que estamos mergulhados um conforto para continuar agindo com egoísmo e livrando o presidente e os demais governantes de suas responsabilidades no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
Foram tantos os absurdos impensáveis praticados e ditos por Bolsonaro, chancelados por ministros e ignorados pelo Congresso entre anestesiado, inerte, cúmplice ou aliciado que parecia impossível que a conta não chegasse.
E ela chegou, por alguns meses. Mas bastou Bolsonaro lançar mão de alguns artifícios tão evidentes quanto toscos e manjados para o brasileiro mergulhar num estado de letargia ou negação semelhante aos que, em 2018, nos trouxeram até esse pesadelo.
Para 47% dos brasileiros Bolsonaro não tem nenhuma responsabilidade pelo altíssimo número de mortes por covid-19 no País que deveria governar. Isso a despeito de uma lista de ações e omissões do presidente, de declarações criminosas a incentivos golpistas, passando pela demissão de dois ministros da Saúde no auge da pandemia.
A combinação explosiva entre o cansaço com a prolongada quarentena — e suas implicações econômicas, familiares, mentais, físicas e sociais —, um auxílio emergencial que aplaca o desespero dos mais necessitados e a absoluta falta de estratégia e de postura dos opositores do presidente da direita à esquerda produziram um efeito que os panelaços de março e abril e as ações do STF até junho não autorizavam supor: Bolsonaro emplacou, em algum grau, sua narrativa mentirosa de que não tem nada a ver com mais de 100 mil cadáveres sepultados em cinco meses.
Como se fosse inevitável que chegássemos até aqui, uma vez que o Supremo impediu o presidente de agir, os governadores e prefeitos agiram deliberadamente para piorar o quadro, a imprensa torceu pelo vírus e qualquer outra mentira repetida à exaustão pelo presidente.
Não é assim no resto do mundo, nem com o amigão de Bolsonaro. Nos Estados Unidos, Donald Trump enfrenta as consequências de um desempenho semelhante ao do seu fãzaço brasileiro, que pode lhe custar a reeleição. Lá, políticos com divergências históricas e visões de mundo díspares, inclusive republicanos, se uniram em torno do óbvio: exigir de um chefe de Estado que lidere a Nação em seu momento mais dramático no século e o cobre em termos duros quando não o faz.
Aqui, enquanto isso, petistas aproveitam a pandemia e o rompimento de Sérgio Moro com Bolsonaro para emplacar outra cascata, a do golpe contra Lula e Dilma, que só teriam plantado o bem enquanto estiveram no poder.
Ao centro, os eventuais postulantes a 2022 se dividem entre os que acham que política é reality show, distribuindo motocas para personagens midiáticos, e os que ignoram o beabá da articulação e acham que o simples fato de terem sido expelidos do governo Bolsonaro os credencia a serem candidatos.
O PT torpedeia opções à esquerda, a direita dinamita a Lava Jato e tudo caminha, com o País absolutamente abobalhado no meio, para nos levar de novo à polarização burra, mesquinha e perpetuadora de nossos flagelos. Não existe disposição cívica genuína para um diálogo entre diferentes que enxergue que Bolsonaro vai se safando de seus crimes com a ajuda do Centrão e a covardia dos que deveriam contê-lo e imputar a ele suas muitas responsabilidades.
O presidente está à vontade para subir em palanques, driblar o teto de gastos e se safar das cobranças pela crise da pandemia porque os que deveriam constrangê-lo estão perdidos como baratas tontas.