o estado de s paulo
Rosângela Bittar: O discípulo amado
No conflito Salles x Ramos, os nomes não importam. São as alas por trás deles que operam
Vamos invocar logo a Última Ceia, de Leonardo Da Vinci, no detalhe do discípulo amado: ao enterrar a cabeça no peito do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) criou, finalmente, um símbolo apropriado a este governo.
A uma semana das eleições presidenciais americanas e a duas das eleições municipais, no 9.º mês de mortes e medo da pandemia, ainda fumegando a Amazônia e o Pantanal, o Brasil se consagra na mediocridade, destemor e escárnio daquela cena trágica fotografada como cômica.
Num momento como este, foi o que sobrou. Desfecho de uma disputa de poder em que o presidente, mais uma vez, encerrou a conversa incômoda com afago ao time que lhe dá a cabeça ao cafuné. O grupo que Salles representa, ao qual, uma vez escolhido, serve seu corpo por encomenda à condução do conflito.
Este é um dos três núcleos que gravitam em torno do presidente e disputam a condição de serem o seu domicílio. Completam o círculo os militares e os políticos.
O mais recente conflito entre eles colocou, de um lado, o ministro Salles e, de outro, o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Os nomes não importam, são os grupos por trás deles que operam. Tem explicação racional? Não. O que vai acontecer na sequência? Nada. Apenas aguarda-se o próximo episódio. É a dinâmica do governo Bolsonaro.
Convencionou-se caracterizá-los como alas, tributo ao país das escolas de samba. Denominação que guarda distorções. Da ala dos amigos do peito, definida como ideológica, não se conhece uma única ideia. Assim ficou porque se aglutinou, inicialmente, por obra do guru da direita bolsonarista, o escatológico Olavo de Carvalho.
Sua força, no entanto, vem do combustível principal, os laços de família do presidente. Filhos, ex-mulheres, amigos de toda a vida, assessores parlamentares de pelos menos quatro casas legislativas. Acrescidos, depois da chegada ao poder, de ministros, parlamentares (sobretudo evangélicos), manifestantes fanáticos, com destaque para as locomotivas desgovernadas das redes sociais.
Este é seu governo in pectore. Eles ganham sempre e, quando perdem, caem para cima, geralmente premiados com cargos no exterior. Ou recolhem-se para um discreto retiro de meia semana.
Bolsonaro foi buscar na caserna a mão de obra para levar adiante o governo. Nem durante a ditadura foi possível apreciar, como agora, a relação dos militares com os cargos. Assumiram o poder de maneira voraz, conquistando uma cidadela após a outra. Os dois núcleos se combatem desde o início, na disputa da preferência do presidente.
Supõe-se que no imaginário de Bolsonaro a presença dos militares lhe daria sustentação incondicional, quem sabe lhe possibilitando até ir além. Para ele, poder é poder, sem filigranas ou vãs filosofias. Fechado à realidade, não percebeu que as Forças Armadas se civilizaram. Muitos dos escolhidos tiveram vivência anterior intensiva na política, como assessores parlamentares, estabelecendo um relacionamento camarada com as lideranças no Congresso.
Foi para preservar a política, resgatada para o governo depois de patinarem quase dois anos, que os presidentes da Câmara e do Senado penderam, neste conflito, para o grupo militar. O que pareceu, a princípio, um tiro de bazuca para revidar uma puxada de estilingue, provou-se depois de intensidade excessiva, mas necessária. Os amigos do peito não têm limites.
O núcleo político começou a se consolidar com o Centrão, de reconhecido vazio moral e intelectual. Mas não é só ele. Jair Bolsonaro está dependente da velha política, em gênero, número e grau.
Até para dar a volta completa ao círculo e voltar ao ponto inicial, conquistando a meta de proteger os filhos. A doutrina do Centrão esconde a sentença não pronunciada: se é para salvar, salvemos todos, não apenas um senador membro da primeira-família.
Vera Magalhães: Por W.O.
Alerta de Maia sobre prerrogativa de decidir a respeito de vacina pode ser tardio
Rodrigo Maia tem razão, em tese, quando diz que deveriam ser o Executivo e o Legislativo a definir uma política de vacinação contra o SARS-Cov-2, o maldito do novo coronavírus, em vez de passarem de novo pelo carão de ter o Judiciário fazendo seu trabalho. Digo em tese porque, de novo, pode ser tarde demais.
O chamado ativismo judicial é uma dessas pragas da política brasileira, um traço cultural que vai se agravando e tomando todas as áreas da vida nacional, da saúde à educação, dos tributos aos direitos trabalhistas, passando pelo meio ambiente, pelos costumes, por tudo.
Decorre do fato de que, graças ao cipoal de leis, muitas delas confusas e conflitantes com outras, e da velocidade com que a própria Constituição, jovem para os padrões de textos dessa natureza, vai sendo (r)emendada, o cidadão se sente quase obrigado a bater às portas dos tribunais para esclarecer controvérsias, demandar direitos ou tentar postergar obrigações.
E, na ausência dos seus vizinhos de Praça dos Três Poderes, muitas vezes os integrantes do Judiciário acabam avançando o sinal na hora de decidir, legislando em cima das leis ou das lacunas das mesmas.
A questão da vacina é paradigmática dessa barafunda. Não são poucos os dispositivos legais que disciplinam a questão da vacinação. Desde 1975 uma lei já confere ao poder público o poder de vacinar compulsoriamente a população como medida de saúde pública. A lei 6.259/75 leva a assinatura de Ernesto Geisel, um dos ídolos de Jair Bolsonaro, e estabelece que “cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório”. O texto foi alterado em 2018 para estabelecer punições diferentes para quem descumprir esse caráter obrigatório. A lei estabelece, ainda, a coordenação com Estados e municípios para fiscalizar o cumprimento dessa obrigação de vacinar.
Neste ano, já no curso da pandemia, o próprio Bolsonaro assinou a Lei 13.979, que estabelece as diretrizes para enfrentamento da emergência sanitária. Diz lá que o poder público pode adotar medidas de caráter compulsório para enfrentar a pandemia, entre elas a vacinação (artigo 3.º). Diante do negacionismo, inclusive legal, praticado diariamente pelo presidente, sob o beneplácito preguiçoso e conivente do Congresso comandado por Maia e Davi Alcolumbre, era inevitável a judicialização, até porque há uma série de medidas antecedentes à aprovação de alguma das vacinas em teste que precisam ser adotadas com urgência, e também elas estão sendo sabotadas por Bolsonaro.
Maia oscila entre a postura de quem entende que o governo caminha por becos tortuosos em sua relação com as instituições e atrasa a tomada de decisões inadiáveis e a de quem busca um espaço para se aproximar do Planalto. As duas coisas são difíceis de conciliar. Ainda mais com uma sucessão da própria cadeira em curso. Cabe a ele, portanto, ser mais proativo na tomada de decisões, se não quiser receber um prato feito do STF.
Esperar por Bolsonaro nesta questão, está evidente, significa submeter o Congresso e todo o País a uma exasperante rotina de ouvir sandices como a de que teria sido melhor investir na cura que na vacina. Como se fosse só o presidente do Brasil e gênio a desejar a cura para um vírus que paralisou a vida do planeta, e isso fosse algo fácil como mostrar cloroquina para a ema. No jogo de ver quem pisca primeiro entre Maia e Alcolumbre e Bolsonaro e suas várias alas trapalhonas de ministros, o melhor para o Brasil é que Luiz Fux reúna de uma vez o plenário do STF e diga a eles o que devem fazer para não aprofundar ainda mais o buraco que já vitimou quase 160 mil brasileiros.
Monica De Bolle: Sequelas, sequelas, sequelas
Como vamos ajudar as pessoas que foram impactadas de forma desigual pelo vírus?
Dez meses após os primeiros registros da doença hoje conhecida como covid-19, a grande preocupação de cientistas e de gestores de saúde pública mundo afora são os chamados “long-haulers”, ou aqueles que ainda sofrem sintomas ou apresentam sequelas meses depois de terem se “recuperado” do vírus. Artigos sobre as sequelas publicados nos principais periódicos científicos do mundo abundam, relatos clínicos também. A chamada “segunda onda” na Europa tem provocado grande alarme entre as autoridades de vários países devido aos efeitos de um duplo impacto sobre o sistema de saúde: o número de novos infectados que podem a vir a precisar de hospitalização somado ao número de pessoas que desenvolvem sequelas e acabam retornando aos hospitais.
Aqui nos Estados Unidos não é diferente, ainda que Trump siga negando a gravidade da doença, mesmo depois de ter sido hospitalizado e de ter recebido tratamentos de ponta que não estão disponíveis para o restante da população. O Brasil continua fechando os olhos para o óbvio, com mais de 160 mil óbitos e muitas pessoas hospitalizadas em razão das sequelas.
Tenho escrito com frequência nesse espaço sobre as sequelas. Não é incomum que infecções virais causem problemas diversos. Há vasta documentação de sequelas em sobreviventes de Sars e Mers, duas doenças respiratórias mais letais do que a covid-19 e também causadas por coronavírus. O próprio vírus da gripe pode causar problemas pulmonares e neurológicos, entre outros. A diferença no caso da covid-19 é que seu vírus causador, o Sars-CoV-2, pode provocar um enorme desarranjo no sistema imunológico, levando a quadros que se assemelham ao de doenças autoimunes. Tais pacientes não precisam necessariamente ter desenvolvido uma manifestação grave ou severa da doença, já que há evidências do problema também entre pacientes que apresentaram casos leves ou moderados de covid-19.
Entre os diversos desafios que a pandemia trouxe, o mais recente e urgente, sobretudo com o surgimento de novas ondas da epidemia, é identificar quantas pessoas já sofrem de sequelas e quantas mais poderão vir a apresentar problemas. E há problemas de todo tipo: respiratórios, renais, hematológicos, vasculares, cardiológicos, neurológicos. Há pessoas que desenvolvem quadros de hiperglicemia, hipertensão, disfunções da tiroide.
Com a alta do número de infecções no mundo e sua provável elevação daqui a alguns meses no Brasil – defasagens importam e o vírus não deixou de circular –, é razoável supor que a quantidade de gente com sequelas haverá de aumentar. Isso representa não apenas um risco de sobrecarga do sistema de saúde no curto prazo, mas também um ônus considerável de longo prazo.
Governos e gestores de política pública precisam se preparar desde já para esse legado da pandemia, pois esses são elementos suficientes para vislumbrarmos desde já que, mesmo em um futuro que ainda não conseguimos enxergar – aquele em que a vida terá algum semblante do que antes considerávamos ser a normalidade –, os sistemas de saúde não serão os mesmos, muitas pessoas não serão as mesmas, e as economias haverão de refletir essa realidade. Não temos ainda um cálculo para o custo econômico das sequelas, mas não é exagero dizer que ele provavelmente será elevado.
No caso do Brasil, como tenho escrito quase toda semana nesse espaço, um grande desafio será o que fazer para dar ao SUS condições de enfrentamento desse quadro. Já há relatos de hospitais públicos no país onde leitos de UTI estão sendo ocupados por pessoas com sequelas. Esse é um problema não só para a distribuição dos recursos médico-hospitalares do SUS, mas também um enorme desafio para a economia.
Quantas dessas pessoas as terão de forma permanente? Quantas ficarão impossibilitadas de retornar ao mercado de trabalho? Quantas terão de receber algum tipo de assistência do Estado para sobreviver? E os dependentes dessas pessoas, como haverão de sobreviver? Já sabemos que a covid-19 aflige de forma desproporcional pessoas de renda mais baixa, pessoas mais vulneráveis. Como vamos ajudar essas pessoas, impactadas de forma desigual pelo vírus e pelo seu legado?
Todas essas perguntas aguardam respostas. Não apenas do governo federal, mas também dos governos estaduais e, sobretudo, dos governos municipais. As eleições estão aí. Onde estão as respostas?
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Adriana Fernandes: Proposta de plebiscito no Brasil é debate às avessas do movimento chileno
Não é correto responsabilizar a Constituição por todas as escolhas ruins que foram feitas por vários e vários governos
BRASÍLIA - Na esteira do movimento ocorrido no Chile, é oportunista a declaração do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), propondo a realização de um plebiscito para que os brasileiros decidam sobre a elaboração de uma nova Constituição.
Sob o argumento de que a Carta Magna transformou o Brasil em um “País ingovernável”, Barros culpou as regras do Orçamento com o argumento de que o Brasil não tem mais capacidade de pagar a sua dívida, que com o efeito da pandemia do coronavírus cresceu muito.
Não é correto responsabilizar a Constituição por todas as escolhas ruins que foram feitas por vários e vários governos. A Constituição não determinou a elevação das renúncias tributárias de 2% para 4,3,% do Produto Interno Bruto (PIB), as várias ineficiências dos programas de governo, a corrupção, a contratação de grande quantidade de servidores, as remunerações acima do teto, os penduricalhos, os seguidos Refis (parcelamento de débitos tributários) que beneficiaram os devedores contumazes, as obras faraônicas sem retorno social e econômico, os R$ 200 bilhões de subsídios via BNDES e outras fontes de transferência de recursos para setores privilegiados, além da falta de prioridade política nas últimas duas décadas para fazer a reforma tributária e cobrar do “andar de cima”.
Não precisa fazer uma nova constituição para dar conta da rede de proteção prevista na Constituição. Tem é que ter coragem para enfrentar o ajuste e as medidas necessárias.
A Constituição tem defeito. Entre elas, amarras que engessam o Orçamento. Mas por que falar de mudanças justo agora quando faltam poucas semanas para uma série de encaminhamentos de medidas de ajuste para 2021? Passa a impressão de que o líder está sinalizando que o governo pouco pode fazer para costurar um acordo no Congresso para medidas que apontem um rumo para 2021 diante do ímpeto gastador dos aliados do presidente Bolsonaro. Estaria o líder jogando a toalha?
Como líder do governo, Barros deveria estar mais preocupado com a criação das condições políticas para a instalação da Comissão Mista de Orçamento (CMO), que poderia ajudar o País a sair do impasse fiscal e orçamentário que tem alimentado as incertezas sobre o futuro da economia.
Como definiu a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto, ferrenha defensora dos recursos para saúde e educação garantidos na Constituição, um plebiscito agora traria, na prática, uma espécie do debate chileno às avessas: uma desconstitucionalização das garantias de saúde e educação públicas universais e um retrocesso brasileiro na contramão da revolta social chilena.
Rubens Barbosa: As novas ameaças e o Brasil
País deve acompanhar a evolução tecnológica e geopolítica da exploração espacial.
Grande parte das facilidades da nossa vida no planeta Terra depende, para seu funcionamento diário, de objetos baseados no espaço. Sistemas de comunicação, transporte aéreo, comércio marítimo, serviços financeiros, monitoramento de clima e defesa dependem da infraestrutura espacial, incluindo satélites, estações terrestres e movimentação de dados em âmbito nacional, regional e internacional. Essa dependência apresenta sérios – e frequentemente pouco percebidos – problemas de segurança para empresas provedoras e para os governos.
Nesse cenário, começam a ser examinadas novas ameaças de ataques aos satélites em órbita que podem afetar todos os serviços e facilidades mencionados. Essas ameaças devem estar sendo avaliadas pelo governo brasileiro. Além disso, a utilização do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, tornada possível depois de décadas de decisões equivocadas, representa um grande desafio para o governo e as empresas brasileiras. Não só pela necessidade de melhoria na infraestrutura da região e do próprio centro, mas também na legislação interna, sobre uma lei do espaço (que defina as atividades comerciais no espaço, como a utilização de detritos espaciais), sobre o órgão responsável pela negociação com empresas interessadas na utilização do CLA, a definição do contrato de licenciamento de lançamento, a ser assinado com a autoridade nacional e o comércio de tecnologia espacial.
Como qualquer outra infraestrutura digitalizada, satélites e outros objetos baseados no espaço são vulneráveis, em especial, a ameaças cibernéticas. As vulnerabilidades cibernéticas apresentam riscos muito sérios não só para esses objetos, mas também para infraestruturas essenciais terrestres. Se não forem contidas, essas ameaças poderão interferir no desenvolvimento econômico global e, por extensão, na segurança internacional. Cabe registrar que essas preocupações não são meramente hipotéticas. Na última década mais países e atores privados conseguiram adquirir e empregar meios para afetar esses objetos espaciais críticos com aplicações inovadoras que começam a representar uma ameaça real ao seu funcionamento.
A ideia da guerra espacial não é nova, começou com os foguetes V-2 da Alemanha. A eventual atividade bélica no espaço hoje se concentra nos instrumentos utilizados para as guerras na Terra. Os satélites são utilizados nas operações militares para identificar alvos e responder a questões estratégicas, além de localizar as forças militares e bombas e obter informações nos teatros de guerra. Isso torna os satélites alvos atrativos para mísseis terrestres. EUA, China e Índia estão desenvolvendo armamentos destrutivos de objetos no espaço, visando a impedir os sinais para a Terra dos satélites militares com lasers ou mesmo os explodindo, fazendo detritos se espalharem pelo cosmo. Estão também tornando suas Forças Armadas voltadas para o espaço. Em 2019 foi criada pelo governo dos EUA a Força Espacial, serviço militar independente cujos doutrina, treinamento e capacidade estão sendo definidos pelo Pentágono.
Para tentar evitar uma lei da selva espacial começa a ser discutido algum tipo de regime multilateral. No momento não há leis nem normas específicas para uma eventual guerra espacial. O Tratado sobre o Espaço Exterior, de 1967, proíbe a utilização de armas de destruição em massa no espaço, mas não trata de armas convencionais. Se dois satélites, por exemplo, ficam muito próximos de maneira ameaçadora, não há respostas adequadas. Em 2008 a União Europeia propôs um código de conduta voluntário para promover “comportamento responsável” nessa área. No mesmo ano, para se contrapor a essa iniciativa, China e Rússia propuseram um tratado que proibiria armas no espaço. O tratado não visava armas antissatélites, mas armas antimísseis baseadas no espaço. A oposição à iniciativa europeia, além da Rússia e da China, veio da América Latina e da África.
Apesar de apoiar a desmilitarização do espaço, os países dessas regiões não aceitaram que os países com objetos no espaço pudessem ter o direito de usar a força para defendê-los. Nenhuma das duas iniciativas prosperou, mas experimentos militares com fins ofensivos continuam a ser feitos visando à eventual destruição de satélites que poderão ter efeitos devastadores para a defesa e as comunicações globais.
O governo brasileiro não poderá perder de vista as transformações positivas que ocorrerão na área aeroespacial pela redução de custos, por novas tecnologias e, sobretudo, pelo aparecimento de uma nova geração de empresários privados operando ao lado dos governos. Turismo para os ricos e mais avançada rede de comunicações para todos, exploração mineral e transporte de massa passarão a ter um impacto nos negócios e tornarão o espaço uma verdadeira extensão da Terra. Com visão de futuro, o Brasil, que passará a ter interesses concretos nesse campo, deveria fazer o acompanhamento da evolução tecnológica e geopolítica da exploração espacial.
Sem descurar das novas ameaças que começam a ser discutidas agora e poderão afetar as facilidades terrestres de que dispomos, o Brasil deveria participar dessas conversações, quando retomadas.
*Presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen)
Eliane Cantanhêde: Combater o bom combate
Enquanto militares se calam, diplomatas vão da perplexidade à indignação
De um lado, militares são tidos como corajosos e durões e, de outro, diplomatas carregam a fama de medrosos e melífluos, mas esses preconceitos estão sendo colocados à prova no governo Jair Bolsonaro. Enquanto generais resmungam em privado contra humilhações impostas aos seus pares, embaixadores engrossam a crítica à política externa e aos delírios do chanceler Ernesto Araújo.
Militares e diplomatas são carreiras de Estado, com provas de acesso e cursos que vão deixando muita gente boa para trás, até afunilar nos melhores dos melhores. Ambas são baseadas em hierarquia, disciplina e… cuidado ao falar. O que mais se espera de militares e diplomatas, porém, é paixão pelo Brasil e prioridade ao interesse nacional, porque governos vêm e vão, o Estado fica.
São conhecidos a explicação dos militares de alta patente e o interesse dos de baixa patente ao apoiar o capitão para presidente. Uns, por ideologia. Os outros, pela expectativa de ter no poder quem passou a vida, na caserna e no Congresso, cuidando de privilégios corporativos. O que não dá para entender é por que eles aceitam com tanta facilidade Bolsonaro e seus filhos batendo continência para um tal guru que xinga generais aos palavrões. Quando o general Santos Cruz reagiu aos insultos, quem perdeu a guerra, e o cargo no Planalto, foi ele.
Agora, Bolsonaro humilha o general da ativa Eduardo Pazuello, que se submete candidamente: “um manda, o outro obedece”. Muito se lê que os militares ficaram indignados, mas só Santos Cruz lembrou, ou advertiu, que hierarquia e disciplina “não significam subserviência” e tudo não se resume a “mandar varrer a entrada do quartel”. O general da reserva Paulo Chagas fez coro, ensinando que a ética militar entre superiores e subordinados não pode ser o simples “um manda e o outro obedece”.
E como assimilar que Ricardo Salles chame o general da reserva Luiz Eduardo Ramos de “Maria Fofoca” e seja apoiado pelo filho do presidente? No fim, Salles pediu desculpas “pelo excesso”, ao que Ramos prontamente aquiesceu: “as diferenças estão apaziguadas”. “Diferenças”?
Com Pazuello, bastou uma visitinha do presidente. Com Ramos, uma volta de moto pelo DF. Assim, coube aos políticos, à frente Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, tomar as dores de Ramos e, por tabela, dos militares: “Não satisfeito em destruir o meio ambiente, (Salles) resolveu destruir o próprio governo”, desferiu Maia.
Assim como nas Forças Armadas, há no Itamaraty, ao lado da hierarquia e da disciplina, o instinto de sobrevivência e a disputa por postos e promoções. Mas cresce a fila de embaixadores “da reserva” dizendo o que precisa ser dito. No artigo “O grande despautério”, no Jornal do Brasil, o ex-embaixador na Itália Adhemar Bahadian resumiu o discurso do chanceler para os novos diplomatas: “as palavras foram como pedras mal-educadas, rudes e tingidas de ódio” e “a diplomacia brasileira (…) foi chicoteada como em navio negreiro”.
Também já se manifestaram Rubens Ricupero, Roberto Abdenur, Marcos Azambuja, Celso Amorim, José Alfredo Graça Lima, José Maurício Bustani, Samuel Pinheiro Guimarães, Sérgio Florêncio, ex-chanceleres fora da carreira, como Celso Lafer, e embaixadores ainda na ativa, como Everton Vargas, Paulo Roberto Almeida e Mário Vilalva (licenciado).
O tom vai da perplexidade à indignação diante da subserviência ao governo Trump, a opção por um lado na guerra entre EUA e China, as caneladas em parceiros tradicionais, a prevalência da ideologia sobre o interesse nacional e o retrocesso em foros internacionais. Ao combater o bom combate, esses nossos embaixadores trazem luz e realidade não só para os diplomatas, mas para todos os corajosos e durões na defesa do Brasil.
*Comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal e do Telejornal Globonews em Pauta
O Estado de S. Paulo: Líder do governo Bolsonaro na Câmara diz que Constituição tornou Brasil 'ingovernável'
Ao comentar votação no Chile, Ricardo Barros defende plebiscito no País e afirma que a Carta brasileira 'só tem direitos e é preciso que o cidadão tenha deveres com a Nação'
Breno Pires e Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defendeu a realização de um plebiscito para que os cidadãos brasileiros decidam sobre a elaboração de uma nova Constituição, sob o argumento de que a Carta Magna transformou o Brasil em um “País ingovernável”. Barros citou como exemplo o Chile, que foi às urnas no domingo, 25, e definiu que uma nova Assembleia Constituinte deverá ser eleita para a criação de uma nova constituição do país.
“Eu pessoalmente defendo nova assembleia nacional constituinte, acho que devemos fazer um plebiscito, como fez o Chile, para que possamos refazer a Carta Magna e escrever muitas vezes nela a palavra deveres, porque a nossa carta só tem direitos e é preciso que o cidadão tenha deveres com a Nação”, disse Barros nesta segunda-feira, 26, em um evento chamado "Um dia pela democracia”.
No começo da tarde, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu a declaração de Barros. "A situação do Chile é completamente diferente da do Brasil. Aqui, o marco final do nosso processo de redemocratização foi a aprovação da nossa Constituição em 1988. No Chile, deixaram está ferida aberta até hoje", disse ele ao Broadcast Político/Estadão. Maia tem nacionalidade brasileira, mas nasceu em Santiago, no Chile, em 1970, durante o exílio do pai, o também político brasileiro Cesar Maia. O vereador e ex-prefeito do Rio de Janeiro era militante do Partido Comunista Brasileiro e havia fugido por ser perseguido pela Ditadura Militar no País.
Ricardo Barros, que representa os interesses do governo federal na Câmara dos Deputados, disse que a Constituição tornou o País “ingovernável”, ao afirmar que o Brasil hoje tem uma “situação inviável orçamentariamente". "Não temos mais capacidade de pagar nossa dívida, os juros da dívida não são pagos há muitos anos, a dívida é só rolada e com o efeito da pandemia cresceu muito, e esse crescimento nos coloca em risco na questão da rolagem da dívida”, disse. Emendas à Constituição, segundo ele, não são o suficiente.
“A nossa Constituição, a Constituição cidadã, o presidente (José) Sarney já dizia quando a sancionou, que tornaria o país ingovernável, e o dia chegou, temos um sistema ingovernável, estamos há seis anos com déficit fiscal primário, ou seja, arrecadamos menos do que gastamos, não temos capacidade mais de aumentar a carga tributária, porque o contribuinte não suporta mais do que 35% da carga tributária, e não demos conta de entregar todos os direitos que a Constituição decidiu em favor de nossos cidadãos”, disse.
O outro problema, na visão do parlamentar, é que “o poder fiscalizador ficou muito maior que os demais” e, por isso, seria necessário também “equilibrar os Poderes” no país. O deputado, que é alvo de investigações do Ministério Público Federal, diz que é preciso punir quem apresentar denúncias sem prova.
Conhecido crítico à Operação Lava Jato, Barros acrescentou que, apesar de ser um desejo dos brasileiros, o combate à corrupção não pode ser feito “cometendo crimes”. O deputado disse também ser a favor do parlamentarismo. “Seria um regime de governo muito mais efetivo, que nos permitiria ajustar rapidamente as crises, retomar mais rapidamente o rumo quando existe um impasse, mas vamos ainda lutar por isso”, disse.
O discurso do deputado foi feito em evento organizado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), que contou com a presença de ministros do Supremo Tribunal Federal, do ministro da Economia, Paulo Guedes, e de juristas.
Integrante do Centrão, deputado federal por seis legislaturas e ex-ministro da Saúde de Michel Temer, Ricardo Barros foi nomeado como líder em agosto, no lugar de Major Vitor Hugo (PSL-GO).
O Estado de S. Paulo: Saab quer ajuda do governo Bolsonaro para vender Gripen a outros países
O suporte do Brasil, da FAB e da Comissão do Programa da Aeronave de Combate será 'extremamente importante' para chegar a outros mercados, como a Colômbia, afirma o presidente da Saab
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O presidente e CEO da empresa sueca Saab, Micael Johansson, aposta na parceria com o governo Jair Bolsonaro para abrir mercados aos jatos F-39, o Gripen, principal projeto estratégico da Força Aérea Brasileira (FAB). Em entrevista ao Estadão, o executivo afirma que o Brasil pode ajudar a convencer governos como a Colômbia a comprar o “jato muito fácil de pilotar”, como ele define. Johansson diz que a expansão favorecerá a indústria de Defesa nacional.
A aeronave de origem sueca está sendo desenvolvida e melhorada em parceria com a Aeronáutica e empresas nacionais. Dos 36 comprados pelo governo, o primeiro foi apresentado na sexta-feira, 23, em cerimônia em Brasília. Bolsonaro entrou no cockpit. Johansson evita criticar a política ambiental brasileira, um tema caro à sociedade sueca. Ele diz ser favorável à “globalização e ao mercado aberto”. O CEO da Saab ressalta que o Brasil, mesmo diante de dificuldades econômicas, deve manter investimentos no projeto para não perder o conhecimento tecnológico adquirido na parceria iniciada em 2014: “É muito difícil de recuperar”.
Depois de tantos anos, atrasos, qual o sentimento de entregar o primeiro caça Gripen?
Esse tem sido um grande projeto. Não é somente nós desenvolvendo e entregando a primeira aeronave, o que é um algo grande. Esse é um relacionamento entre as forças aéreas e a indústria brasileira. Tivemos muito sucesso na transferência de tecnologia, que é uma grande porção deste programa. Vamos continuar a entregar aeronaves, quatro no ano que vem, mas tem toda a relação, as indústrias beneficiadas aqui, isso é um grande conquista. É um projeto sofisticado e complexo.
Como foi trabalhar com parceiros brasileiros na transferência de tecnologia?
Nós já tínhamos feito transferências antes, mas limitadas, mas nada como esta. Não teria sido possível se o Brasil não tivesse uma indústria muito boa, uma indústria aeronáutica com que podemos trabalhar. A Embraer é o exemplo óbvio, mas há outras que puderam receber essa tecnologia. De outra forma, não funcionaria, teríamos que construir algo do zero, o que é extremamente difícil. O Brasil tem uma indústria sofisticada e competitiva, que pode receber essa tecnologia, e esse foi um fator-chave para o sucesso.
Qual o principal ganho para a indústria aeronáutica brasileira no projeto Gripen?
Foi um atalho para serem os fabricantes, montadores, prestarem suporte e desenvolvimento de sistemas. O sistema desses caças vai se desenvolvendo ao longo de anos e anos. Esse trabalho dura décadas. Ter um centro no Brasil para fazer esse desenvolvimento de software é um enorme benefício para a indústria local e para a Força Aérea Brasileira, em termos de segurança de fornecedores e capacidade de soberania. Isso leva a negócios, porque algumas empresas-chave são parte do sistema do Gripen, independentemente. Quando vendermos a aeronave no mercado mundial, elas serão parte da cadeia de fornecedores global, e isso é muito importante para elas.
Qual a principal contribuição brasileira ao projeto Gripen?
O Brasil foi um cliente que fez requisitos adicionais ao produto final. A indústria no Brasil criou coisas. O Brasil adicionou muito valor ao sistema, como as telas (tela panorâmica, monitor no capacete, visor frontal) que estarão em todos os caças Gripen ao redor do mundo. A indústria brasileira é parte da cadeia de suprimentos.
Como o senhor enxerga o poder da FAB como força aérea, que agora terá o cargueiro KC-390 e o Gripen?
São plataformas completamente diferentes. O KC-390 é fantástico, é uma aeronave de transporte, pode ser tanque, tem ótima tecnologia. Mas não é um caça. Um caça é diferente. A FAB será muito competente e forte, terá uma grande capacidade quando tiver o KC-390 e o Gripen, com certeza.
Um de seus objetivos como presidente e CEO da Saab é aumentar os negócios com outros países. Como esse projeto no Brasil participa do plano, as aeronaves brasileiras serão parte do cardápio da Saab?
Eu vejo dessa forma. Somos uma companhia de um país distante no Norte, não temos uma população tão grande. Para crescer e depois desenvolver nossa companhia, temos que nos tornar multidomésticos. O Brasil é definitivamente um dos países em que concentro energias com parcerias locais, para crescer nossa presença no País, o que é ganha-ganha, para nós e para a indústria brasileira. E para o hub de Defesa brasileiro no mercado internacional, criando exportações do Brasil para países estrangeiros. Isso encaixa muito bem na nossa estratégia como empresa.
O Gripen brasileiro poderia servir à Força Aérea de outros países?
Eu li que a Colômbia poderia comprá-los. E a Índia também estaria interessada. Definitivamente. O sistema básico é muito sofisticado e nossos clientes pedem algumas adaptações, bem fáceis de fazer no Gripen. Nós fizemos uma oferta à Colômbia e somos competitivos. O suporte do Brasil, da FAB e da Copac (Comissão do Programa da Aeronave de Combate) será extremamente importante.
Como o governo brasileiro pode ajudar?
Contando aos políticos colombianos e usuários sobre esse projeto que fazemos no Brasil, sobre o que é e como vem dando certo. O Brasil entraria no mercado latino-americano e poderia oferecer suporte à Colômbia. O que é muito melhor do que nós darmos apoio da Suécia, que é muito mais distante. Obviamente, a ajuda do Brasil teria um papel decisivo para vencer na Colômbia.
E quais outros países?
Temos outras campanhas em andamento. Na América Latina, com tempo, talvez haja interesse no Chile e no Peru. Mas o país que está conversando, com processo acontecendo agora, e espero que decidam ainda neste ano, é a Colômbia. E temos que trabalhar do Brasil. Temos outras frentes, como Índia, Canadá e Finlândia. Temos ainda um bom mercado lá fora.
Os brasilienses foram surpreendidos nesta semana com o caça Gripen sobrevoando suas casas, em área residencial. No que mais esses caças vão surpreender os brasileiros?
Sei que vocês têm uma Força Aérea muito competente, mas é um ganho de capacidade. Ele pode fazer muitas coisas e surpreender o povo brasileiro. Acreditamos muito que cada país tem que defender sua população, dar segurança à sociedade e proteger suas fronteiras. O Gripen integrado à FAB terá um grande papel nisso. Quando tivermos mais e mais Gripens no Brasil as pessoas ficarão mais surpresas quando eles voarem. Você escuta o caça, e depois o vê. Mas é muito mais que isso.
O senhor já negocia a compra de outros lotes da aeronave? Parece que a FAB deseja ter mais de 100 caças.
Nós escutamos isso, que a necessidade é maior do que de apenas 36 caças, o que já foi bom. Mas não sei quando será a hora de começar essa discussão. Nós vamos ajudar quando quiserem abrir a conversa. Nós mostramos que podemos entregar e que a aeronave está funcionando como previmos. Mantivemos nossos compromissos. Eu penso que, como em qualquer outro país, isso é importante para um próximo passo. Depende da Força Aérea Brasileira, de o governo decidir quantas aeronaves e quando. Mas estamos prontos para ajudar quando esse dia chegar.
O Brasil enfrenta uma recessão, alta de desemprego. O senhor enxerga problemas orçamentários ao projeto Gripen no futuro?
Eu não sei. Estamos tendo conversas muito positivas com a FAB e a Copac. Eu respeito esses efeitos na economia. O Brasil é uma economia grande, com uma população grande e muitas iniciativas. Eu entendo que a economia é importante. Mas só podemos explicar que, quando entregamos um sistema como esse, trabalhamos com a indústria, com a Força Aérea, treinamos pilotos, mais de 350 engenheiros vão a treinamento na Suécia e voltam para trabalhar nesse sistema… Sempre tentamos alertar que é importante tentar manter essa competência indo. Se perdermos essas habilidades, e tivemos essa experiência em alguns momentos na Suécia, é muito difícil de recuperar. Criamos uma capacidade fantástica com a indústria no Brasil e desejo que todos entendam o que isso significa, para não perder a capacidade de os engenheiros trabalharem com o sistema. Eu não sei quando mais jatos poderão ser encomendados. Nós teremos que acompanhar a economia brasileira e explicar o que podemos oferecer com o melhor preço. Alguns aspectos-chave do nosso Gripen são: um custo razoável, boa tecnologia, transferência de tecnologia e uma capacidade fantástica. É um bom mix.
O que faz dos Gripen E e F tão únicos?
O sistema integrado. Sei que essa é uma palavra complicada, mas ele pode se comunicar com outros sistemas e plataformas. Os navios e outras aeronaves podem se comunicar. E quantidade de sensores, a interface homem-máquina, que usa inteligência artificial para dar a melhor consciência da situação ao piloto, para que ele possa ter controle e tomar as decisões certas. É um jato muito fácil de pilotar. Não diria que é fácil ser um piloto, mas voar essa aeronave não é a coisa mais complicada. Outra coisa é que criamos uma arquitetura dividida. O cliente pode aprimorar a aeronave com novas funcionalidades táticas, sem afetar a segurança de voo. Isso é chave. Um país pode viver com essa aeronave por décadas.
A guerra eletrônica ou cibernética é uma das principais discussões no mundo hoje. Qual o preparo do Gripen para isso?
Primeiro, ele tem um sistema de guerra eletrônica fantástico. Se você voa nesse caça, você escuta passivamente tudo o que vem dos sinais. Ter um sistema sofisticado de guerra eletrônica é um aspecto fundamental. O sistema é resiliente a ciberataques, com certeza. E ele pode causar interferências. Se alguém tentar descobrir quem você é ou tentar atrapalhar o voo, o piloto pode provocar interferências contra fonte. O jato tem muito conteúdo relacionado com ciber-seguro, e também trabalhar num ambiente eletrônico complexo. Porque vai ser assim no futuro. Teremos ambientes extremamente difíceis de atuar com qualquer sistema, com muitas iniciativas de tentar afetar sistema com sinais eletrônicos. O sistema do caça tem que poder trabalhar nesse tipo de ambiente.
E o que fez dele o mais indicado para o Brasil?
A relação entre um custo justo para o País obter sua capacidade de soberania, em termos de transferência de tecnologia, habilidades, desempenho e um ciclo de vida com custo competitivo. Na realidade, não é um avião tão caro para voar ao longo do tempo. Tudo isso junto, acho que muitos países pensam ser bom.
Quero lhe fazer uma pergunta sobre política.
Mas sou um homem de negócios.
Por isso mesmo quero ouvir sua opinião.
Eu entendo.
O acordo entre a União Europeia e o Mercosul tem sido barrado por alguns países por preocupações com os problemas ambientais do Brasil. Como isso é tratado pela Saab? Isso pode afetar esta parceria e outras futuras?
Não tenho uma opinião a respeito. Claro que acompanhamos, porque é bom ter comércio aberto e boas relações com países, mas nossa companhia é humilde e respeita a política interna dos países. Os povos e seus governos devem decidir suas políticas. Não tenho uma opinião sobre os países que falam sobre a política ambiental do Brasil. Espero que sempre haja boas relações, como deveria haver, entre muitos países e o Brasil. O que seria benéfico para nós, é claro.
O que o senhor explica aos políticos suecos e como eles reagem à cooperação com Bolsonaro?
Nós trabalhamos com esse programa a longo prazo. Estaremos no Brasil por décadas. Em muitos países, haverá novas eleições. É uma decisão do povo eleger o presidente. Nós garantimos que, se um país quer se proteger e temos boa relação entre as forças aéreas, nós trabalhamos com ele. Não nos envolvemos. Da perspectiva sueca, não se trata dessas coisas, mas de o Brasil ter boas relações em muitos aspectos. Não tem nenhum tipo de controle ou restrições de exportações com o Brasil, não é o caso, então não vira um tema.
O conselheiro de segurança do presidente, ministro Augusto Heleno, do GSI, disse durante uma entrevista que o Brasil poderia retaliar por causa de boicotes a produtos brasileiros provocados pelas questões ambientais. Ele disse: “Você já comprou algo sueco alguma vez? Eu não me lembro de ter nenhum produto em casa”. Isso afeta os negócios?
Eu acredito na globalização, no livre comércio. Acho que não se deve usar isso quando se entra em discussões políticas. Não tenho uma visão sobre isso. Não cabe a mim, eu não discuto essas questões com políticos suecos. Espero que a Suécia e todos os países entendam que a melhor maneira de compreender um ao outro e como as pessoas agem é manter o mercado aberto e fazer negócios entre eles, em vez de fechar fronteiras, ser protecionista. Acredito fortemente nisso. Porque, claro, eu venho de um país cuja economia é completamente dependente de exportações.
Luiz Carlos Trabuco Cappi: Superar a acomodação
Há muito tempo o País cresce de forma letárgica, 1% ou 2%, isso quando não temos recessão
Um dos pensadores mais influentes do século 20, Jean Piaget definiu o termo acomodação como uma etapa natural do processo evolutivo. Podemos dizer que é nessa fase em que nos encontramos, com a economia paralisada diante das atuais circunstâncias.
Passada a fase mais crítica da covid-19, chegou a hora de pensar no futuro que queremos para o Brasil, a economia e a nossa cidadania. Vamos deixar de lado, por enquanto, a hipótese de uma segunda onda da pandemia. O País sairá dessa crise sanitária com problemas econômicos sérios, mas que podem ser resolvidos, e com o desafio de voltar a crescer num ritmo robusto e duradouro. Temos os alicerces para isso: instituições sólidas, democracia, sociedade civil ativa e influente, boas universidades, boas empresas, bons profissionais.
O Brasil não é um país pobre, pequeno ou irrelevante no plano mundial. Já é tempo de reorganizar todos esses ativos com a finalidade de reingressar num ciclo de desenvolvimento econômico e de progresso social compatível com a nossa história e com as nossas possibilidades.
Devemos nos levantar e seguir em frente.
Entre os problemas a resolver está a grave questão fiscal. Os gastos essenciais feitos pelo governo em saúde e no auxílio emergencial provocaram um déficit que deve elevar a dívida pública a algo próximo de 100% do PIB. A parada repentina da economia em 2020 fez subir o número de desempregados para 14 milhões e provocou o fechamento de empresas. É preciso um programa de assistência a vulneráveis, responsabilidade da qual não podemos fugir.
Os manuais de economia têm soluções para crises fiscais, insolvência, desemprego, mas a resposta definitiva é o crescimento econômico consistente. Essa é a pauta que devemos colocar no topo das prioridades do País e fazê-la avançar com foco e energia.
A primeira barreira a ultrapassar, como já vimos, é a da acomodação, um fenômeno natural depois de décadas de programas de estabilização e ajustes, seja por causa da hiperinflação e das crises cambiais, seja, como agora, o descontrole fiscal.
Há muito tempo o País cresce de forma letárgica, 1% ou 2%, isso quando não temos recessão. Com essa situação, damos as costas às nossas desigualdades sociais. Sem crescimento, é impossível combater a miséria e acirram-se os conflitos de interesses.
A primeira coisa a resgatar, portanto, é a ambição de assumir o crescimento como meta central. Na virada das décadas de 1930 e 1940, o País optou pela industrialização e urbanizou-se. A renda per capita dobrou nas primeiras quatro décadas do século 20 e quintuplicou nos 40 anos seguintes.
No referido ciclo, surgiram a moderna indústria brasileira, as grandes obras de infraestrutura e a expansão das fronteiras agrícolas. O sistema financeiro ganhou escala, capilaridade e capacidade de fomentar a economia. Foram anos de crescimento contínuo e a taxas muito mais altas do que as que vemos hoje.
Entre 1946 e 1957, o PIB brasileiro cresceu, em média, 6,33% ao ano. No ciclo seguinte, entre 1958 e 1978, a taxa média anual atingiu patamares chineses: 7,39%.
A partir desse ponto, lidando com fatores como hiperinflação e crise da dívida externa, perdemos a perspectiva do crescimento. A estabilização econômica passou a ser a tônica. Entre 1979 e 2003, a taxa média anual retrocedeu para 2,26% e chegou a 3,80% no período entre 2004 e 2012. Os piores resultados se deram em 2015 e 2016, quando o PIB ficou negativo respectivamente em 3,55% e 3,31%. Desde 2017 não crescemos além de 1,1% ao ano.
Assim como a hiperinflação foi resolvida com o Plano Real, agora precisamos superar a estagnação com um programa abrangente de desenvolvimento e modernização que priorize a educação, a inovação, a tecnologia e a infraestrutura, sem as quais nossas iniciativas serão efêmeras, parciais e isoladas.
Dificuldades fazem parte da evolução humana – não podemos nos vitimizar em razão das ilusões perdidas. É hora de afirmar nossa vocação para o desenvolvimento.
PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS
Affonso Celso Pastore: Riscos da inflação e de repressão financeira
Ainda que em manifestações públicas empresários e economistas expressem confiança no cumprimento do teto de gastos, não é isso que indicam o comportamento do câmbio e da curva de juros, cuja inclinação positiva continua aumentando. Não precisam manifestar sua crítica. O mercado fala por eles.
Para evitar que o risco de insolvência cresça devido ao aumento do custo da dívida, o Tesouro optou por financiar o déficit primário deste ano com títulos de prazos curtos, que têm prêmios de risco mais baixos. Na rolagem da dívida que vence, resgata os títulos de prazos longos com recursos da venda de títulos mais curtos.
Com isso o prazo médio da dívida pública já caiu para 35 meses, e deverá cair ainda mais em 2021, quando ocorrem resgates superiores a R$ 300 bilhões por trimestre. Nesta velocidade, o prazo médio de vencimento da dívida rapidamente cairá abaixo de 30 meses.
A dificuldade na administração da dívida é uma primeira manifestação da dominância fiscal, que leva à inflação e à repressão financeira (a obrigatoriedade imposta aos intermediários financeiros de comprarem títulos com vencimentos mais longos), que já existiu nos anos 70 e 80, quando muitos dos que atuam no mercado financeiro não haviam nascido e desconhecem a magnitude das distorções que provoca.
Os prêmios de risco se manifestam também na taxa cambial, que desde o início do ano já se depreciou perto de 40%. Se o Banco Central atuasse sobre a curva de juros reduzindo sua inclinação positiva, pressionaria ainda mais o câmbio, e se tentasse conter a depreciação cambial com intervenções mais ativas no mercado de câmbio elevaria a inclinação positiva da curva de juros, encurtando ainda mais o prazo médio da dívida.
Estes são exemplos de ações que apenas escondem a manifestação do risco em um dos dois mercados, e como o verdadeiro risco é fiscal, e não desaparece com mágicas, o prêmio apenas migraria de um mercado para o outro.
Nesta situação, o risco de inflação é maior do que se supõe. Há muito aprendemos que o repasse cambial para os preços dos bens tradables não é afetado pelo hiato do PIB. Diante de uma depreciação cambial, os produtores de soja, carne, milho, arroz, açúcar, entre muitos outros, elevam os seus preços no mercado interno e se não conseguirem vender o que produziram exportam todo o excedente àquele preço.
Por isso, a depreciação cambial eleva fortemente os preços pagos aos produtores de produtos agrícolas, que são repassados aos preços nos supermercados e nas feiras livres, elevando o item “alimentação no domicílio” dentro do IPCA, que nos últimos 12 meses já cresceu 15%.
Para os 66 milhões de brasileiros que por quatro meses se beneficiaram de uma ajuda emergencial de R$ 600 ao mês, há enorme diferença. Como a demanda de alimentos tem uma elasticidade-preço muito baixa, e eles têm de se restringir ao seu orçamento, que encolheu com o fim do auxílio emergencial, terão de cortar outros gastos para continuar comendo.
Isto significa que o peso da alimentação no domicílio na sua cesta de consumo será maior do que o usado pelo IBGE no cômputo do IPCA. Sua “inflação percebida” será maior do que a inflação medida por todos os possíveis núcleos computados pelos economistas. Não adianta tentar convencê-los de que houve apenas uma mudança de preços relativos porque as expectativas ainda estão ancoradas às metas.
O Banco Central sabe que a desancoragem ocorrerá, e os indivíduos sabem que sofreram uma dupla perda: da renda nominal, devido ao fim do auxílio emergencial, e da renda real, devido ao aumento da inflação percebida.
Nestas circunstâncias, a reação de um governo populista é transferir mais renda à população, aumentando o desequilíbrio fiscal e piorando o risco de inflação e da repressão financeira.
Se o País não reafirmar com ações concretas, e não com palavras, a sua determinação de atender ao teto de gastos, não há como impedir uma curva de juros mais inclinada e um câmbio mais depreciado.
O Banco Central seria colocado na incômoda posição de ter de elevar a taxa de juros quando a economia ainda se encontra fortemente deprimida, e para fugir desta armadilha pode ser forçado pelo governo a taxar as saídas de capitais ou mesmo impedi-las para evitar uma sangria nas reservas.
Todas estas formas de repressão financeira são extremamente prejudiciais à economia, e a única forma de evitá-las é o retorno rápido e sem subterfúgios à austeridade fiscal.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados.
Rolf Kuntz: Depois da pandemia ainda restará a velha crise
O País nunca saiu do buraco onde caiu em 2015. O PIB de 2014 continua longe
Brasil, Estados Unidos e muitas outras economias ainda levarão mais de um ano para sair da profundeza de 2020. Dezenas de países só voltarão em 2022 ao patamar de 2019, se as projeções estiverem razoavelmente corretas. Sem um segundo surto de covid-19, a maior parte da América Latina estará recuperada em 2023, segundo estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas o caso brasileiro, mais uma vez, é especial, tão especial quanto o de um senador – vice-líder de governo – flagrado com dinheiro na cueca. O País ainda levará uns dois anos, talvez três, para exibir um produto interno bruto (PIB) parecido com o de 2014, anterior ao do grande tombo. Mas a economia terá de funcionar num cenário global diferente daquele conhecido até há pouco tempo.
O Brasil tem sido um país diferente, no mau sentido, há uns dez anos, e o esforço de “normalização” iniciado em 2016-2017 foi em grande parte abandonado em 2019. Para começar, crescimento foi o padrão mundial depois da crise financeira de 2008-2009. Com maior ou menor vigor, a maior parte das economias voltou a avançar, até o desastre da pandemia. Na maior economia da América do Sul, no entanto, erros políticos, agravados com a pilhagem do Estado, minaram a prosperidade.
Mas isso foi pouco visível inicialmente. A primeira fase depois da crise financeira foi promissora. Depois da queda de 0,5% em 2009, o País logo se recuperou. Mas tropeçou em 2012 e três anos depois afundou numa recessão inteiramente made in Brazil, enquanto a vizinhança continuava em crescimento. A economia brasileira encolheu 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016 – uma perda acumulada de 6,58% em dois anos.
O PIB cresceu lentamente nos três anos seguintes, 1,3% em 2017, 1,3% em 2018 e 1,1% em 2019, acumulando um avanço de 3,74%. O País chegou a 2020, portanto, sem ter retomado o nível de atividade de 2014, ano anterior à recessão brasileira. Então chegou o novo coronavírus e, com ele, um dos maiores tombos econômicos, talvez o maior da História republicana. Em um trimestre a produção de bens e serviços diminuiu 9,70%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A reação começou logo em seguida, como em muitos países, puxada pelo consumo e favorecida por medidas emergenciais. O Tesouro assumiu custos de centenas de bilhões de reais e o Banco Central (BC) afrouxou a política monetária, criando condições para aumento do crédito. A atividade voltou a crescer, embora sem retornar ao nível pré-pandemia, e há cerca de um mês as projeções para o ano começaram a melhorar.
A maior parte das estimativas aponta contração econômica na faixa de 4% a 5%, neste ano. O FMI ainda projeta para 2020 um PIB 5,8% menor que o do ano passado e expansão de 2,8% em 2021. As projeções do governo, do mercado e de entidades multilaterais indicam ritmos diferentes de recuperação, nos próximos dois anos, mas, de modo geral, insuficientes para o retorno ao patamar de 2014. Na melhor hipótese, a economia tocará esse nível em 2022 e talvez o supere ligeiramente.
Mas a dúvida mais inquietante é outra. Não se sabe quando o Brasil crescerá como um grande emergente. A expansão, pelas projeções de médio e de longo prazos, ficará entre 2% e 2,50% ao ano. Nenhuma das fontes indica um desempenho melhor. É esse o crescimento potencial – sustentável sem desajustes – avaliado por muitos especialistas. Há quem sugira um potencial abaixo de 2%.
São cálculos inseguros, mas certamente a economia brasileira tem perdido vigor há muitos anos. Desde 2000 o investimento em máquinas, equipamentos e obras ficou em média na altura de 18% do PIB. A partir de 2015 permaneceu entre 15% e 16%. A taxa supera 24% ou 25% em emergentes mais dinâmicos.
Além de baixo, o investimento tem sido pouco produtivo. Muitos bilhões foram aplicados pelo setor público em obras interrompidas ou concluídas com muito atraso. Também se falhou na formação de capital humano. Houve redução do analfabetismo e aumento da inclusão escolar, mas outros objetivos essenciais foram negligenciados. Nos anos 2000 pouco se cuidou da qualidade da escola fundamental. Tratou-se muito mais de facilitar o acesso a faculdades e o governo central demorou a valorizar a formação técnica.
A reversão será complicada. Com as contas oficiais estouradas, obras públicas, principalmente federais, dependerão de capitais privados. Mais do que em outros momentos, será essencial formular bem os objetivos, identificar os gargalos e cuidar da eficiência de cada passo. Mas nem o Orçamento de 2021 está pacificado. Além disso, o ministro da Economia insiste em poucos temas, como os custos da folha salarial e a recriação da CPMF, uma aberração. O ministro da Educação fala da sexualidade dos estudantes, o do Meio Ambiente dificulta a proteção das florestas e o de Relações Exteriores segue a Casa Branca, mesmo contra grandes importadores de produtos brasileiros. Enquanto isso, o presidente se concentra na reeleição e na proteção de filhos suspeitos de travessuras, como rachadinhas.
Com esse desgoverno, quem precisa de coronavírus para ir mal?
*Jornalista
Eliane Cantanhêde: Bolsonaro em seu habitat
Depois de abandonar o PSL e a 'nova política', Bolsonaro testa os generais
Com o fiasco da “nova política” nos governos estaduais e o escanteio do PSL em favor do Centrão no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro volta ao seu habitat político e apoia o “velho” também nas eleições municipais. Mas, assim como o “novo” não funcionou nos governos e no Congresso, o “velho” não está dando para o gasto na disputa pelas prefeituras. Entre o “velho” e o “novo”, tem prevalecido a experiência e a confiança.
Os “novos” e meteóricos Wilson Witzel, juiz de carreira eleito no Rio pelo PSC, e Carlos Moisés, bombeiro militar eleito em Santa Catarina pelo PSL, estão deixando a política pela porta dos fundos, afastados dos governos dos seus estados pelas vias política e jurídica. Não têm experiência e cancha para a complexidade da política e, aparentemente, não entraram nela apenas “por ideologia” e “pelo bem comum”…
Talvez por isso, talvez não, Bolsonaro desistiu de um exército (atenção, em minúscula…) que só tem dado dor de cabeça e mergulhou de volta na sua velha turma de 28 anos de Congresso. Apoia o prefeito Marcelo Crivella no Rio e o sempre candidato Celso Russomanno em São Paulo, ambos do Republicanos. Mas suas candidaturas derretem ao ritmo de Amazônia e Pantanal.
Inelegível, Crivella recorre à Justiça Eleitoral e tem um recorde: 58% de rejeição, o que sugere chance zero de vitória. Quem lidera é o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), efetivamente o que tem mais experiência. E quem emerge para disputar com ele o segundo turno é Martha Rocha (PDT), mulher, delegada e de um partido brizolista – referência política que ainda resiste no Rio. Empatada com Crivella, ela é seguida de perto por Benedita da Silva (PT).
Em São Paulo, repete-se o script das duas eleições anteriores: Russomanno dispara na frente e vai se desmilinguindo, desta vez pendurado em Bolsonaro. Revela-se um mau negócio. Depois de fotos com o presidente, ele disparou na rejeição, despencou nas intenções de votos e foi superado pelo prefeito Bruno Covas, do PSDB.
Pelo retrato de hoje, que sempre pode mudar, o segundo turno vai ser mais uma vez, como há décadas, entre PSDB e a esquerda. Mas tem novidade: Jilmar Tatto (PT) cresce a passos de tartaruga e a nova cara da esquerda é Guilherme Boulos (PSOL). Um segundo turno entre PSDB e PSOL tende a favorecer o tucano.
Sem surpresa, o PSL, que há apenas dois anos elegeu Bolsonaro, conquistou governos estaduais e formou uma das duas maiores bancadas da Câmara, vai de mal a pior na campanha. Com R$ 199 milhões do Fundo Partidário, mas sem Bolsonaro, sem protagonismo e sem lideranças no Congresso, disputa em 13 das 26 capitais com candidaturas próprias, mas só tem alguma chance em uma, Palmas, com uma mulher, Vânia Monteiro.
Eleições municipais não projetam o resultado de eleições presidenciais, mas são um bom momento de consolidar ou destruir personagens, mobilizar estruturas partidárias e militantes e jogar no ar questões fundamentais para o País. Ainda mais em tempos de pandemia, recessão, desemprego e um presidente capaz de desdenhar da pandemia, atacar o isolamento social, propagandear a cloroquina e agora desacreditar e guerrear contra a… vacina.
O PSL se esvai e o “novo” envelhece, mas o bolsonarismo fica. Além de saúde, educação, habitação, a eleição deve servir também para discutir realidade, princípios e, afinal, o que é, o que significa e o que projeta esse bolsonarismo. A semana, aliás, é excelente para isso. Depois de ficar com o tal guru da Virginia contra o general Santos Cruz e de humilhar o general Pazuello, Bolsonaro tem de optar entre Ricardo Salles e o general (Maria Fofoca) Ramos. Eleição municipal não tem nada a ver com isso? Qualquer eleição tem sim, e muito!
- Comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal e do Telejornal Globonews em Pauta