o estado de s paulo

Pedro Doria: O dia em que o Google quase parou a Terra

Para alguns, o Google estar fora do ar é pior do que mero inconveniente

Durou por volta de uma hora a queda completa de serviços do Google — Gmail, Calendário, Drive, Docs, Meet, Cloud, Photos, YouTube. O Google estar down, fora do ar, é daquelas coisas que todo mundo percebe na hora. Os e-mails cessam de chegar, o vídeo não carrega, o compromisso na agenda se torna inacessível. Para alguns, é pior do que mero inconveniente.

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Aqui no Brasil estamos ainda engatinhando nas casas inteligentes, mas, nos EUA, elas são mais e mais comuns. Termostatos da Nest, a marca para estes acessórios do Google, também se tornaram inacessíveis. O mesmo vale para fechaduras e câmeras de segurança. Assim como para as caixas de som inteligentes.

Sempre tivemos situações do tipo — ficar sem água, sem luz, sem gás. Mas quando as utilidades públicas são oferta de uma empresa global o impacto é, igualmente, global. Conforme entramos numa década que será marcada pelo domínio do 5G e da internet das coisas, na qual cada instância de nossas vidas será automatizada, esta concentração dos serviços em poucas empresas deve ser motivo de preocupação.

Se a concentração se mantém, uma interrupção de serviço destas, em dez anos, não afetará só YouTube, as aulas das crianças no Meet e a agenda. Vai fazer o automóvel parar pois não saberá para onde ir — depende dos mapas. Poderá trancar pessoas fora de casa. Não reconhecerá o rosto doutros tantos para atividades essenciais.

Não se trata de criticar o Google — poucas empresas de tecnologia oferecem soluções tão complexas e incrivelmente estáveis como essa turma de Mountain View. São ousados. Quando outros no Vale do Silício perderam a criatividade e se burocratizaram, eles continuam forçando os limites da tecnologia. Da inteligência artificial. Constroem mesmo o futuro.

Assim como constituem um monopólio e quando acontece de seu serviço cair, bilhões de pessoas são atingidas. Quando os criadores da internet a desenharam inicialmente como uma rede descentralizada, não o fizeram à toa. Queriam algo confiável. Se um pedaço da rede cai, o resto continua de pé. Um dos responsáveis pelo protocolo que deu este design elegante à rede é, hoje, alto funcionário do Google. Vint Cerf.

Cerf e os outros pioneiros estavam certos em sua visão. Os serviços digitais precisam ser descentralizados como a internet foi imaginada originalmente. Os monopólios forçam sua centralização. Aí, quando cai — e qualquer serviço cai, por melhor que seja — quase todo mundo é afetado. Da próxima vez poderá ser muito mais grave.


O Estado de S. Paulo: Alcolumbre sofre resistência para emplacar sucessor no Senado

Apoiado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco não encontra respaldo nas maiores bancadas; MDB vai lançar candidato único

Daniel Weterman e Anne Warth, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente do SenadoDavi Alcolumbre (DEM-AP), enfrenta resistências internas para emplacar seu sucessor no comando do Legislativo. O parlamentar tenta atrair apoio para a candidatura do líder do DEM, Rodrigo Pacheco (MG), mas o nome é questionado dentro das maiores bancadas. A disputa está marcada para fevereiro. O projeto original de Alcolumbre era ser candidato à reeleição, possibilidade barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em um movimento para fazer frente ao candidato de Alcolumbre, o MDB, maior bancada do Senado, decidiu lançar um candidato único à sucessão. Dentro do partido, os senadores Eduardo Braga (AM), Eduardo Gomes (TO), Fernando Bezerra Coelho (PE) e Simone Tebet (MS) estão no páreo. Com quatro pré-candidatos, a legenda divulgou uma nota após reunião em Brasília afirmando que caminhará em “unidade” para voltar ao comando do Senado em 2021. O MDB tem 13 integrantes e buscará aliança com outros partidos. Um dos focos é o Podemos, que tem 10 senadores e faz oposição interna ao atual ocupante da cadeira.

Aos 44 anos, formado em Direito, Rodrigo Pacheco está na primeira legislatura no Senado – antes, foi deputado federal. Para alguns senadores, Pacheco é considerado imaturo para o cargo e há desconfiança de que ele usaria o posto para se alçar à disputa pelo governo de Minas Gerais em 2022. Por outro lado, aliados o apontam como alguém que consegue manter a ponte construída por Alcolumbre com o Palácio do Planalto e facilitar a demanda de colegas com o governo.

Senadores mais antigos na Casa querem o resgate de algumas tradições – entre elas a proporcionalidade na distribuição das comissões e da Mesa Diretora do Senado. Por essa regra, que vigorou por anos, os partidos com bancadas maiores têm direito a mais cargos. Alcolumbre, por sua vez, tem oferecido cargos em troca de apoio a Pacheco, sem observar essa prática.

A insatisfação foi expressa em nota divulgada pelo MDB após a reunião da bancada. “O momento exige bom senso e maturidade política. O respeito ao diálogo e à dimensão das bancadas é particularmente importante para garantir condução equilibrada de uma pauta de reconstrução do País, após esse período tão difícil que o Brasil enfrenta”, diz o texto.

Na semana passada, Alcolumbre esteve com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto e sinalizou que caminharia para definir um candidato fora do MDB. O parlamentar conseguiu aceno de Bolsonaro para apoiar o “ungido” e fazer seu próprio sucessor. A escolha alinhada com o governo antes de consultar líderes partidários causou incômodo. Para alguns senadores, Alcolumbre praticamente tirou Pacheco do “bolso” após ser impedido de tentar a reeleição. “O Senado não pode ser um apêndice do Executivo. Não ter proporcionalidade significa transformar o Senado em um balcão de negócios”, afirmou Simone Tebet (MDB-MS), que disputa a indicação do MDB à sucessão.

Nos últimos dias, Alcolumbre buscou apoio do PP e do PSD, partidos com senadores mais próximos a ele. As legendas, porém, evitaram declarar voto em Rodrigo Pacheco neste momento. Com as alianças indefinidas, o presidente do Senado vem buscando apoios individuais para a candidatura de Pacheco. Nas sessões do Senado durante esta semana, conforme o Estadão/Broadcast apurou, o parlamentar pediu votos para o candidato do DEM a colegas em meio à reunião de votações.

PSD

A bancada do PSD, com 12 senadores, se reuniu na segunda-feira para discutir a sucessão. Vice-presidente do Senado e aliado de Alcolumbre, Antonio Anastasia (PSD-MG) afirmou na conversa que não é candidato. Colegas do partido, porém, defendem que ele se lance na disputa. Além de Anastasia, Otto Alencar (BA) e Nelsinho Trad (MS) são citados como possíveis concorrentes. A legenda voltará a se reunir na próxima semana para decidir que rumo tomará na eleição. Um consenso entre os integrantes é tomar uma decisão única em comum acordo. Líderes do Senado apontam que duas forças despontam com maior influência para vencer a eleição: Alcolumbre e o MDB.


Zeina Latif: O alvo é outro

O atraso na agenda de reformas também é reflexo da pobreza do debate econômico

De tempos em tempos, a discussão sobre o comportamento da taxa de câmbio volta à tona. Alguns economistas recomendam maior intervenção do Banco Central no mercado para depreciar o câmbio e, assim, supostamente, estimular a indústria e o crescimento. As intervenções não deveriam se limitar a conter a volatilidade da cotação do dólar, como faz o BC usualmente. Seria muito bom se essa recomendação funcionasse. A realidade é bem mais dura.

O conceito relevante a ser utilizado nessa análise é o de taxa de câmbio real, que desconta o nível de preços. Isso porque a alta do dólar tem impacto inflacionário que acaba “corroendo” a depreciação ocorrida. Quando salários e preços sobem muito, reduz-se o efeito final do dólar mais alto na competitividade externa dos produtos domésticos.

Indo além, se um banco central insistir na estratégia, haverá conflito com o objetivo de cumprir a meta de inflação. Os juros terão de subir e, como consequência, a moeda poderá valorizar ainda mais, desta vez pela entrada de dólares no país. Por aqui, já dá para perceber que o câmbio real é uma variável de difícil controle.

Vale ressaltar que, no Brasil, as intervenções do BC têm efeito de muito curto prazo, o que exigiria grande e preocupante ativismo. Assim, enfraquecer a moeda sequer seria uma boa estratégia de estímulo de curto-médio prazo da economia para suavizar crises.

A formação da taxa real de câmbio é muito mais reflexo do funcionamento do sistema econômico de cada país (no jargão dos economistas, é uma variável “endógena”) do que fruto de atuação dos bancos centrais.

Claro que o ciclo mundial também impacta as moedas dos países, mas é algo fora do controle dos governos. Períodos de maior dinamismo dos EUA vis-à-vis o resto do mundo, principalmente a China, estão associados ao dólar mais forte. Mas a magnitude do seu impacto sobre as moedas dos países, que nesse caso se enfraquecem, depende de fatores internos.

Economias emergentes com gastos públicos controlados e menos entraves estruturais ao crescimento – fatores que limitam o risco inflacionário – tendem a ter uma taxa de câmbio real, em média, menos valorizada ao longo do tempo. Nessa linha, países com taxa de poupança mais elevada (produzem mais do que consomem, somados o governo e o setor privado) tendem a exibir moeda mais fraca em termos reais.

Analisando as taxas de câmbio real efetivo (considera a cotação contra uma cesta de moedas e não apenas o dólar) de um conjunto de países emergentes, desde 2000, nota-se que o Brasil está no grupo daqueles com moedas mais valorizadas. A razão é a inflação mais elevada, e não o dólar ter subido pouco. Pelo contrário. Entre 2000-2019, a alta acumulada do dólar no Brasil foi de 123%, ante uma média de 10% em um amplo conjunto de países e em torno de 20% em emergentes. Em outras palavras, o câmbio subiu bastante aqui, mas a inflação também.

E o impacto do câmbio real sobre o crescimento? Não há evidências robustas de que a moeda mais fraca de um país gera mais crescimento econômico, quando se leva em consideração outras variáveis que impactam o crescimento de longo prazo. É o que apontam Carlos Eduardo Gonçalves e Mauro Rodrigues em artigo de 2017.

Ainda que, porventura, possa haver algum impacto – como sugere a elevada correlação entre o câmbio real (ou a razão câmbio/salário) e a participação da indústria de transformação no PIB dois anos depois – , a solução não seria intervir no mercado cambial, mas sim eliminar as amarras estruturais que comprimem a produtividade da indústria, reduzem o potencial de crescimento e elevam o risco inflacionário.

A taxa de câmbio não deveria ser um objetivo de política econômica. Convém enfrentar o que realmente importa para sairmos da armadilha do baixo crescimento econômico.

O Brasil é um país hostil ao investimento e à eficiência produtiva, mas ainda não discutimos o suficiente as soluções. O atraso na agenda de reformas estruturais também é reflexo da pobreza do debate econômico.


Eugênio Bucci: Seu desaforista!

O novo Odorico leva o povo para o altar do sacrifício. Que morram muitos mais. E daí?

Em 1973 não havia liberdade de expressão no Brasil. A ditadura militar torturava dissidentes, exterminava guerrilheiros no Araguaia e tolhia a imprensa. Nas redações dos jornais, censores cortavam reportagens inteiras poucas horas antes de os cadernos começarem a ser impressos nas rotativas. Preencher os vazios abertos pela tesoura da repressão política era um tormento. Este jornal, O Estado de S. Paulo, encontrou uma solução heterodoxa: no lugar do material censurado, passou a publicar trechos de Os Lusíadas, de Luís de Camões. Entre 2 de agosto de 1973 e 3 de janeiro de 1975, foram 655 inserções do épico lusitano nas páginas do Estado, conforme levantamento feito pelo jornalista José Maria Mayrink.

Pois no mesmo ano 1973, em meio a tantas trevas, entrou no ar uma criação primorosa do dramaturgo brasileiro Dias Gomes: O Bem-Amado. Sob a vigência da mordaça absoluta, O Bem-Amado estreou com a força de uma apoteose libertária e satírica. Era um contrassenso: como podia haver espaço na televisão para tamanha exuberância criativa, e tão crítica, sob uma tirania tão estupidamente violenta?

Dias Gomes era um autor de esquerda, com ligações históricas com o Partido Comunista, e dono de um talento assombroso. O protagonista que ele inventou para O Bem-Amado, Odorico Paraguaçu (interpretado pelo ator Paulo Gracindo), comandava com mão de ferro, sem nenhum constrangimento de ordem moral, a prefeitura da fictícia Sucupira. Odorico era um canalha corrupto e truculento que, sob o gênio de Dias Gomes, ganhava ares despudoradamente cômicos. Nisso residia seu carisma. Falastrão semianalfabeto, posava de orador erudito à custa de expressões incultas, mas empoladas, que proclamava em tons triunfais. Gostava de xingar os adversários de “desaforistas” e quando queria humilhar os subordinados dizia que eram “desapetrechados de inteligência”.

Se diante dos noticiários de TV a sociedade prestava silêncio obsequioso aos ditadores que se sucediam, diante da novela podia rir deles sem medo da cana. Graças a Odorico Paraguaçu, o país vilipendiado caçoava do arbítrio, da demagogia e da estultice. Foi um sucesso instantâneo e impune. Os homens da ditadura, que se viam como agentes “modernizantes” e “urbanos”, não percebiam que o prefeito de Sucupira, de feitio rural, regionalista, antiquado e ridículo, era o retrato escarrado deles mesmos. A ditadura era burra, tão burra que batia palmas para a televisão que a fazia de palhaça. Contrassenso total.

Odorico se impôs de tal maneira que nunca mais saiu de cartaz. A Rádio CBN andou usando diálogos da antiga novela para ilustrar a desconversa de políticos da vida real acusados de corrupção. Agora, nos dias que correm – embora corram sem sair do lugar –, recortes de cenas impagáveis viajam nas redes sociais para delícia dos públicos mais diversos,

As semelhanças com o presente são efetivamente cômicas, mas também estarrecem. Numa das cenas que hoje circulam nas redes, Odorico aparece conversando com seu assessor direto, o igualmente antológico Dirceu Borboleta, interpretado por Emiliano Queiroz. O assunto é uma epidemia que ameaça Sucupira. O prefeito armou uma tramoia para impedir que o dr. Leão (Jardel Filho), seu desafeto político, distribua a vacina. Dirceu não se conforma. Sabendo que Odorico vai interceptar o carregamento das vacinas do dr. Leão, interpela o chefe para expressar sua discordância exasperante.

Com a voz medrosa, em titubeios que vão e vêm, Borboleta empreende enorme esforço para externar seu protesto. Ele, sempre submisso, está quase fora de controle. Aquilo não pode ser. Dirceu se exalta. Como deixar sem proteção o povo de Sucupira?

O prefeito reage, impaciente: “E daí, seu Dirceu?”. Esse “e daí?” soa chocante. O espectador descobre que a pergunta retórica vem de entranhas imemoriais da política nacional. O “e daí?”, como expressão de desprezo pela vida, não é de hoje.

Dirceu não se cala. Tomado de furor cívico, aumenta a voz: haverá um “assassinato em massa, um genocídio”. Passa a mão direita sobre a manga da camisa no antebraço esquerdo, como se acometido de comichões, dizendo que isso lhe dá “até arrepio”.

Então Odorico se põe em brios patrióticos, ralha com o assessor e começa a explicar seu plano. Diz que não vai impedir a vacinação, mas apenas desviar o carregamento para o posto de saúde que planeja inaugurar na cidade. Aí, sim, entregará a salvação sanitária a todos e todas. O herói será ele, Odorico, e não o dr. Leão, esse tal “que está do outro lado, do lado da oposição”. Dirceu vai se resignando, vai se rendendo, compreende o plano e fica aliviado. De um jeito ou de outro, a vacina virá e, para ele, está bom assim.

É fato que hoje, na Sucupira Central, há um Odorico pior, assumidamente genocida, que quer exterminar a vacina da oposição sem ter nada para oferecer no lugar. O novo Odorico seguirá levando o próprio povo para o altar do sacrifício ritual. Que morram mais, muitos mais. “E daí?”.

Dias Gomes talvez tenha sido um humorista profético. Ou um charadista. Em que chave cômica se explica a tragédia brasileira?

*Jornalista, é professor da ECA-USP


William Waack: Quem se cala...

Profissionais não podem reclamar quando permitem que amadores mandem na política externa

O Brasil não é participante relevante de nenhum agudo conflito internacional, seja ele de fronteiras, geopolítico, étnico, religioso ou comercial (estamos ensaiando um na questão ambiental). Por um lado, não deixa de ser uma bênção: nenhuma família brasileira vai dormir preocupada se um integrante seu estará na linha de fogo de algum confronto internacional – a não ser que se considerem como “internacional” as balas perdidas em comunidades controladas pelo narcotráfico e milícias.

Por outro, é uma espécie de “maldição”. A nossa distância dos grandes conflitos ajuda a entender o estado de “anestesia” pelo qual a sociedade brasileira contempla confrontos internacionais. É uma espécie de mentalidade de “isolamento esplêndido”, dado nosso tamanho e posição geográfica, que nos tira o senso de urgência ou de “ameaça” de problemas vindos de fora. Política externa é um assunto para especialistas, e de escasso apelo ao grande público e só em circunstâncias excepcionais – não é parte relevante de campanhas eleitorais.

Foi preciso que no caso da vitória de Joe Biden a política externa brasileira, entregue por Jair Bolsonaro a uma desastrosa mescla de diletantes amadores e profissionais ideologizados, produzisse uma incomparável vergonha internacional para que o Senado humilhasse o Itamaraty e declarasse que o rei está nu. E que assim pelado fosse “para o inferno”, conforme as palavras do senador Major Olímpio dirigidas ao chanceler Ernesto Araujo.

A mistura de soberba com ignorância dos que formularam as posturas externas no governo Bolsonaro não permitiria mesmo prever nada diferente dos atuais resultados, mas o problema é mais grave. Integram os círculos palacianos militares com passagens por excelentes instituições de ensino (como as academias e escolas de Estado Maior), com formação profissional em relações internacionais, segurança e estratégia, e com experiência pessoal direta em confrontos lá fora, inclusive militares (como as missões de paz em vários países).

Sabe-se por relatos e conversas pessoais que esses profissionais desprezam o amadorismo e a estupidez dos conselhos dados ao presidente pelas figuras nas quais confia em matéria de assuntos internacionais, à testa delas um de seus filhos. Lamentam abertamente os disparates do ministro das Relações Exteriores, tido nesses círculos como figura patética, e o fato de que energias políticas preciosas são gastas apenas para minimizar danos (como no caso da política comercial com a China).

Nesse caso os militares são vítimas da própria formação e do respeito à hierarquia. Não há nada mais difícil para um fardado do que rebelar-se contra um chefe, mesmo achando que está produzindo besteiras (como é o caso atual). Ocorre que é tênue e, para quem está envolvido nas decisões, difícil de ser identificada a linha que separa “lealdade” e “cumprimento da missão” da cumplicidade com a irresponsabilidade com que são tratados os interesses da Nação.

Os danos causados ao País pela política externa de Bolsonaro são graves em várias áreas e as consequências de isolamento, de ser “pária” internacional (do qual, espantosamente, se orgulha o chefe do Itamaraty) estão apenas no início – e isto não se refere apenas à derrota de Trump. Se é que admitem que a reputação das instituições às quais pertencem também estão sendo arranhadas, esses oficiais ou ex-oficiais nos círculos de decisões relevantes preferem permanecer quietos.

Mais um caso na longa galeria de militares profissionais que, ao se calarem, consentem.


Vera Magalhães: Boçalidade contagiosa

Mais que o vírus, é o comportamento indigno do presidente que se alastra

As pesquisas divulgadas no fim de semana pelo Datafolha pintam um cenário tão desanimador quanto a nossa absoluta ausência de estratégia para uma campanha de vacinação eficaz contra o novo coronavírus: elas mostram que boa parte da sociedade brasileira foi inoculada pela boçalidade de Jair Bolsonaro, e que ela se alastra por terrenos perigosos e dá a esse presidente, o pior da República, uma resiliência inacreditável num cenário de mortes e crise econômica.

O presidente, com seu comportamento indigno da cadeira que ocupa, voltou a dizer nesta terça-feira que não se vacinará contra o novo coronavírus.

Como tantas vezes tem feito nos últimos dois anos, novamente se comportou como um inconsequente, ao promover aglomerações na Ceagesp e instar uma criança a tirar a máscara para ser compreendida, e mostrou o ridículo de que é feito ao se enfurnar no meio da bandinha da Polícia Militar do Estado de São Paulo, numa pose ridícula de prefeito de Sucupira.

Esse tipo de postura se impregnou em setores da sociedade de forma mais deletéria do que poderíamos imaginar antes da pandemia. No Brasil, movimentos antivacina nunca tiveram grande aderência, mas com Bolsonaro até isso vai sendo corroído.

A pesquisa Datafolha mostra que são 22% os que dizem que não pretendem se vacinar. Eram 9% em agosto! Entre os que dizem confiar em Bolsonaro, esse índice vai a 33%. E os que dizem que não aceitariam se vacinar com imunizante chinês são 47%.

É impressionante a adesão de uma parcela imensa dos brasileiros à desinformação absoluta em relação às vacinas, praticada de forma deliberada e estudada pelo presidente e por seus asseclas.

Isso no momento em que o País já vive uma segunda onda de contágio pelo SarsCov2e não tem perspectiva de receber vacinas que não sejam a Coronavac, produzida pelo Butantã, pelo fato de Bolsonaro e seu ministro da Saúde, o inepto general Eduardo Pazuello, não terem feito seu trabalho.

Combinado com os outros dados da pesquisa, que mostram aprovação de 37% dos brasileiros a Bolsonaro e que 44% livram o presidente de culpa pela má condução do combate à pandemia, temos um cenário desolador em que vamos ficar no fim da fila da vacina sem que a população exija de forma altiva o seu direito a ser vacinada para que o País comece a superar a maior epidemia que o atingiu desde 1918!

Trata-se de uma corrosão muito rápida e profunda dos valores que guiam a vida em sociedade — entre os quais a constatação, que deveria ser óbvia, de que a vacinação é um direito, sim, mas também um dever de um indivíduo em relação à coletividade e à saúde pública.

A completa falta de preocupação de Bolsonaro com as mais de 181 mil mortes de brasileirose sua incapacidade de recomendar àqueles que governa qualquer conduta que não seja individualista, egoísta e baseada numa visão estreita e mesquinha de mundo vão moldando o pensamento de uma parcela do povo brasileiro à imagem e semelhança do capitão. E sua imagem é a de alguém que banaliza a vida.

Diante de tal estado de apatia combinada com cinismo cabe como último recurso contar com o funcionamento ainda que precário das instituições. Hoje o Supremo Tribunal Federal terá a chance de colocar nos trilhos o Plano Nacional de Imunizaçãoindigente divulgado pelo general Pazuello, e estabelecer regras para que sim, a vacinação (quando houver vacina) seja obrigatória para matrícula e frequência em escolas, viagens de avião, inscrição em concursos, frequência em academias de ginástica etc.

Porque só esperar o bom senso dos brasileiros, como mostram as pesquisas e as cenas de aglomeração em várias cidades e as promovidas pelo presidente, não será suficiente.


Rosângela Bittar: Depois da meia-noite

Rumo à reeleição, afloram os piores instintos políticos. A busca por adesões excita os currais

Para quem não está entendendo o sucesso da plataforma eleitoral antipovo do candidato Arthur Lira à presidência da Câmara, inclusive com o embarque da esquerda na caravana bolsonarista, aqui vai uma explicação. O deputado alagoano e suas costas quentes exploram muito bem, pois a conhecem profundamente, a oportunidade que o calendário oferece.

O tempo do Congresso se divide em dois. No primeiro, os dois anos iniciais do mandato, procuram-se realizar os avanços e as reformas. No segundo biênio, o bom senso dá lugar ao vale-tudo da renovação dos mandatos. Quando coincide com a campanha da reeleição também do presidente da República, a confluência de interesses chega ao paroxismo. É o que está se vendo neste momento.

Deputados e senadores só pensam em poder, emendas e cargos que os ajudem eleitoralmente. No Senado, os prazos são outros, pois o mandato é de oito anos, mas a essência é a mesma.

O ex-deputado e ex-ministro Roberto Brant, com sabedoria mineira, costumava comparar o que ali se passava com as diferentes etapas de uma festa: até a metade, os convidados mantêm a compostura e a elegância, conservam o glamour das novas ideias que trouxeram de casa. Mas, ao bater a meia-noite, tendem ao desespero. Jogam para o ar o que tinham de melhor e partem para o uso e o abuso.

Rumo à reeleição, afloram os piores instintos políticos. A busca por adesões excita os currais. Principalmente se quem vai exercer o poder o faz em nome do presidente da República.

Avanços políticos, alguns verdadeiramente civilizatórios, como foi a extinção do imposto sindical, voltam à mesa de negociação com cínica naturalidade. Celebrado no passado como novo sindicalismo, tal como Jair Bolsonaro foi celebrado como nova política, o malfadado imposto foi reprovado com amplo apoio popular. Para os que dele viviam, os chamados pelegos, a extinção teria sido a razão do enfraquecimento dos sindicatos. Raciocínio que é uma impostura. Sem ele, os sindicatos ganharam autenticidade. Ao associar-se ao projeto, a esquerda atinge o trabalhador em uma de suas mais difíceis conquistas.

Na cabala de votos, sobretudo do PT, o candidato bolsonarista se solidariza também com o período do uso da Petrobrás na montagem de um extenso esquema de corrupção. Acena com a facilitação da volta da candidatura Lula por intermédio da desmoralização da Operação Lava Jato, já abalada por certos equívocos dos principais condutores das investigações. Momento em que os extremos se encontram. Todos deliram na mesma farra eleitoral embora saibam que, Lula, candidato, nunca mais.

Incluiu-se na barganha temática um tranco na Lei da Ficha Limpa, outro avanço com apoio popular prestes a ser perdido. O candidato bolsonarista promete atenuar a lei, quem sabe, abrindo uma janela de fuga. As lacunas são conhecidas, entre elas uma das piores é o poder de juízes locais de fustigar os inimigos políticos com um peteleco jurídico, mas não é nesta circunstância que a discussão será justa e eficiente.

De posse da chave do cofre do governo nesta campanha, o candidato bolsonarista à presidência da Câmara promete reabastecê-lo de recursos, com a aprovação da também defenestrada CPMF. Uma regressão em proporções nunca vistas, camuflada pela infamante versão de que o único obstáculo ao absurdo imposto sobre transações era um capricho do atual presidente da Câmara. O fantasma da meia-noite da virada do mandato vestiu, com isso, sua máscara. A Câmara inteira era aliada da sociedade, contra o imposto. Não se sabe como será agora.

Se ficar a serviço deste projeto de poder, o Congresso deixa de ser proteção para ser ameaça. Pode-se prever o quadro de desequilíbrio que vem por aí. A economia, mal; a recuperação, incerta; o desemprego, subindo; o isolamento internacional, absoluto; o Congresso, servil. Para a sociedade, perplexa, nega-se até a vacina contra a morte.


O Estado de S. Paulo: 'Eles têm verdades absolutas, acho perigoso’, diz FHC

Um dos problemas do País, diz ex-presidente, é que o governo ‘não sabe ouvir’; para ele, a volta ao normal ‘não será tão rápida’

Sonia Racy, O Estado de S. Paulo

Nas suas sete décadas de vida pública, somadas a uma intensa vida acadêmica, Fernando Henrique Cardoso* viu um pouco de tudo na história do País. Ao passar adiante o poder em 2003 – depois de oito anos como presidente –, a inflação havia sido domada, as contas estavam em ordem e a economia pronta para crescer. Neste final de 2020, perto de completar 90 anos, ele vê a soma de desafios que enfrentam os brasileiros – na saúde, na educação, na economia – e se mostra cauteloso quando perguntado se o Brasil podia estar melhor. “É difícil prever. Mas poderia haver uma compreensão maior do sofrimento dos outros. À medida que você não se solidariza, paga o preço.” E põe o dedo na ferida: “A sensação que (os governantes) transmitem é que eles não são capazes de ouvir. O presidente principalmente, né? Tem verdades absolutas, vai para a ideologia. Acho isso perigoso”.

O ex-presidente, no entanto, não leva a sério as suspeitas de que o presidente Jair Bolsonaro esteja sonhando com um governo autoritário. “Temos os tribunais, o Congresso, a mídia, o clima é de liberdade. O que eu acho é que ele não tem muita noção, não sabe lidar com aquilo lá. Mas não há projeto autoritário.” 

A entrevista para o programa Cenários aconteceu na mesma semana em que morreu Joseph Safra, presidente do grupo e velho conhecido de FHC (na quinta-feira, dia 10, aos 82 anos). “Além de meu amigo, perde o sistema financeiro um líder e a sociedade alguém que fez muito. Generoso no apoio a iniciativas, será sempre lembrado. Em nome da fundação que dirijo expresso à família nossos sentimentos”, escreveu o ex-presidente no seu Twitter. Veja a entrevista abaixo.

Como o sr. vê o mundo pós-pandemia, se é que a pandemia vai passar?

Primeiro, preciso acreditar que ela vai terminar, porque ela vai terminar. Meus pais falavam da gripe espanhola, na qual morreu muita gente. E o bichinho prefere matar gente velha. Eu fico em casa com medo, mas acho que dá para sobreviver. Agora, a economia será bastante afetada, o tal novo normal vai ser a recuperação do que perdemos, não só no Brasil. E acho que não vai ser tão rápido assim. 

Tem muita gente criticando a conduta do presidente Bolsonaro. Acha que eles poderiam ter feito coisa diferente do que fizeram?

Veja, essa pandemia não depende de governos, eu passei por crises que não dependiam de mim, embora o povo acabe achando que o governo é o culpado. Agora, não tem cabimento trocar tanto de ministro da Saúde no meio de uma pandemia. E não tem cabimento esse descrédito, Não é uma gripezinha, é uma coisa grave. 

Se ele tivesse agido de outro modo, seríamos menos afetados?

É difícil prever. Mas poderia haver uma compreensão maior do sofrimento dos outros. As pessoas precisam que os poderosos sejam solidários com suas tragédias. À medida que você não se solidariza, paga o preço. Se continuar como está, já está marcado praticamente que o presidente e sua família não ligam muito para a epidemia. E tá todo mundo vendo, todo mundo com medo. 

As pesquisas têm mostrado que, somando ótimo, bom e regular, Bolsonaro tem 70%. É uma coisa que impressiona. Como me disse um cientista político, “com regular você passa de ano...”

Pode passar, mas depende do outro. E é muito cedo para isso. O presidente tem sempre o poder, ele não perde a maioria de repente, isso é um processo e esse processo depende sempre de quem com quem, A contra B ou C. Quando tivermos isso concretamente, saberemos quais os efeitos dessa... não digo inação, mas confusão, como transpareceu ao País. A desatenção foi grande. 

Temos um presidente que, pelo que se vê, não se inteira das situações, não olha para o outro? 

Olha, nunca vi o presidente Bolsonaro na minha vida. Não dava atenção a ele no Congresso porque ele gritava muito, era muito corporativista, queria aumento de salário para os militares, essa coisa toda. Então, não sei como ele é como pessoa. Mas nos atos, ele é um ator e sua ação foi captada pelos que formulam a opinião pública como se fosse desatenção. Terá sido? Não sei dizer. Não quero cometer injustiça. Quando eu era presidente vi muitos julgamentos precipitados. Não quero fazer o mesmo com o presidente Bolsonaro.

Quando o sr. assumiu como ministro da Fazenda, eu fui a primeira a entrevistá-lo para o ‘Estadão’. E lhe perguntei como se sentia assumindo um cargo daquele tamanho com a economia super ruim... Como vê hoje aquele momento?

A confusão era grande. Eu estava no Itamaraty, um lugar confortável... Mas eu tinha uma formação de História Econômica, trabalhei na Cepal, não era completamente jejuno na matéria. Se pudesse escolher, eu não escolheria ser ministro da Fazenda. Porque teria de matar o dragão da inflação e se você não sabe como fazer isso, tem de aprender. Precisa ter capacidade de decisão e uma certa humildade para ouvir o outro. O presidente Bolsonaro passa a impressão de que não presta atenção. Não sabe, mas não liga. Hoje, por exemplo, eu não falo nada sobre pandemia, a não ser o medo que eu tenho. 

Quando decidiu fazer o Plano Real, o que o levou a bancar essa decisão?

Primeiro, as pessoas que trabalhavam comigo eram muito competentes. Discutiam muito, e eu ouvia as discussões. E eu tinha influência com o presidente Itamar (Franco), ele me deu esse poder e eu o usei falando com o povo. Minha função no Plano Real foi muito mais a de um comunicador. E a população confiava. Você não sai de uma entalada como a que temos hoje, como tínhamos naquela época, sem que transmita confiança. Se você erra o caminho, apanha. Se acerta, fica glorioso. Eu fui eleito presidente por causa disso. 

O sr. escolheu ser sociólogo, sinal de que presta atenção no outro, né? 

Eu fui sociólogo sobre o negro no Brasil, andei muito em favelas. Aprendi muito com o professor Roger Bastide, que era francês. Ele vivia num favelão que tinha aqui em frente ao meu trabalho, chamava-se Buraco Quente. Nós íamos lá, ele mascando charuto, parecia que não entendia nada, mas entendia tudo. Quando eu era presidente, para não ficar perdido, o que eu fazia? Falava com o cara que limpava a piscina, com o garçom do palácio (do Alvorada), com uma empregada chamada Dalina. E um dos motoristas também. Porque se você não sente a população... A gente que vai falar com o presidente vai por um interesse, e não fala necessariamente a verdade. Ou fala de modo que o outro lado não fique melindrado...

O sr. conseguia detectar quando alguém mentia?

Eu percebia. Veja, eu tive um amigo na Escola Politécnica, oCamargão, ele dizia uma coisa que me marcou: “Olha, o problema não são os burros, o problema são os malandros. Porque eles não são malandros o tempo todo”. Isso ficou na minha cabeça. Às vezes, o malandro diz uma coisa verdadeira e é importante você dar atenção. Não sei como são os poderosos de hoje, mas a sensação que transmitem é que eles não são capazes de ouvir. O presidente principalmente, né? Tem verdades absolutas, vai para ideologia. Acho isso perigoso.

Acredita que a gente sofre o perigo de partir para um outro tipo de regime?

Perigo de reversão sempre existe, mas não creio que estejamos na iminência de uma coisa desse tipo. Temos os tribunais, o Congresso, a mídia, o clima é de liberdade. O que eu acho é que ele não tem muita noção, não sabe lidar com aquilo lá. Mas não há projeto autoritário.

Muita gente diz que o povo brasileiro é amável, criativo, e também que é preguiçoso, que não tem senso de coletividade. O que o sociólogo FHC diz disso?

Não compartilho dessas ideias. Aqui o povo é trabalhador, sofre muito, trabalha muito. Não pense que é só em São Paulo, no Brasil todo é assim. Morei na França, nos Estados Unidos, vejo que o Brasil é muito mais americano que europeu. Não temos o sentimento de hierarquia que têm os franceses, por exemplo.

Acha que a desigualdade social aqui é maior que em outros países? Ela foi produzida por um sistema que não conseguiu diminuí-la?

Comparativamente, aqui tivemos a escravidão, né? A minha babá era filha do escravo do meu bisavô. E isso, enfim, é tido como natural. Você vê a desigualdade, a pobreza, você naturaliza. Esse é o problema mais grave que temos, é você não perceber. O brasileiro não percebe a existência de tanta diferenciação, tanta desigualdade.

Na pandemia ele percebeu, não?

Se a pandemia deixar uma lição positiva, é essa. Ela pega todo mundo.

Por toda sua vivência pessoal, acha que capitalismo com democracia é uma receita que deu certo?

Veja, onde foi que deu mais certo do que capitalismo com democracia? É difícil. Então tem de dizer que sim, que deu certo. Até por causa dessa nossa desigualdade, que vai ser prejudicial não só para um ou outro, mas para todas as pessoas. Nos Estados Unidos, ao contrário, existe um sentimento de igualdade. Eles conseguiram avançar mais, generalizaram o capitalismo mais do que nós. Aqui existe ainda a mentalidade de que cada um faz por si e Deus por todos. Aqui o sujeito sempre pensa em um pedido, um favor, uma proteção, coisa que não contribui para um sentimento igualitário. E o capitalismo precisa de igualdade, tem de ter programas que visem aos mais pobres. O capitalismo sozinho não resolve isso. 

Estamos indo para um final de ano atípico, que mensagem o sr. deixaria nessa virada?

O que acho importante é preservar a liberdade e a democracia. E emprego também, pois ninguém vive só do ideal. Tem de fazer andar a economia, produzindo integração social. Fácil de falar, sabemos, e difícil de fazer. 

E desejar que todos consigam ser mais humanos e menos tecnológicos, né? Olhar para o outro...

Eu sou pouco tecnológico, então quanto menos, para mim, melhor – mas acho que o mundo vai ser mais tecnológico e tem de ser humano a despeito disso. É outro tipo de humanidade, mas precisamos manter essa humanidade. 

*Sociólogo e professor pela USP, exilado (1964 a 1968), Senador, ministro do Exterior e da Fazenda, presidente da República (1994-2002). Autor de 29 livros, é presidente honorário do PSDB e imortal pela Academia Brasileira de Letras. 


Eliane Cantanhêde: O sonho e o pesadelo

Com graves dúvidas sobre vacinas, o santo remédio para Bolsonaro é… reforma ministerial

As vacinas mexem com os nervos e o medo da população, tornam-se o maior desafio do governo e serão um divisor de águas para o presidente Jair Bolsonaro, que, se você prestar atenção, vai repetindo os antecessores Dilma Rousseff e Fernando Collor. É o remake de uma série que a gente já viu, capítulo por capítulo, só que com personagens ainda mais absurdos, fantásticos.

Todos os três presidentes nunca tiveram alguma intimidade ou cumplicidade com seus vices, a quem qualificam de traidores. Assim como Dilma e Michel Temer, Collor e Itamar Franco, Bolsonaro nem consegue mais ouvir falar de Hamilton Mourão, que dá entrevistas sobre qualquer coisa, fazendo uma clara contraposição a Bolsonaro e alternando concordância e discordância com decisões do governo.

A história se repete com os ministros e com a forma de governar – ou de não governar. Todo presidente acuado, que erra muito e fica sob forte pressão da opinião pública e com medo de impeachment saca três fórmulas mágicas: cria um bunker com seu grupinho “leal”, abre os braços (e os cofres) para o Centrão de ocasião e lança uma reforma ministerial.

Dilma se trancou no palácio com meia dúzia de gatos pingados que pensavam exatamente como ela e deixou de fora até mesmo os lulistas do PT. Orelhas ardiam, principalmente as do vice Temer e do ministro da Economia, a culpa era sempre da mídia, o Centrão fazia a festa.

Collor, que se elegeu com a bandeira de “caçador de marajás”, descartou tudo isso junto com o seu PRN, jogou para segundo plano os coloridos de primeira hora e, num último e desesperado esforço para salvar o pescoço, tentou atrair Fernando Henrique Cardoso e o PSDB (que balançaram, mas não foram) e conseguiu Jorge Bornhausen e o então PFL. Era tarde demais.

Bolsonaro vem fazendo o mesmo: desvencilhou-se das bandeiras de campanha, dos bolsonaristas-raiz, do PSL e atracou-se ao Centrão. É hora de… reforma ministerial. O primeiro time reuniu velhos amigos do capitão Bolsonaro na caserna e do deputado Bolsonaro na Câmara, líderes de bancadas temáticas (como a do agro) e pitadas de estrelismo: astronauta, um economista conhecido, o ícone de Lava Jato. A segunda será mais pragmática.

Lêem-se os nomes de Temer daqui, Davi Alcolumbre (Senado) dali, José Mucio (ex-TCU) acolá. Não são nomes ao vento, isolados. Fazem parte do mesmo pacote dos sonhos – ou da necessidade – de um Bolsonaro que pode ser tudo, mas não tem nada de bobo na hora de pensar em si e nos filhos. Os candidatos são do DEM, MDB e até PSDB.

Assim como trocou neófitos por experientes nas lideranças e vice-lideranças do Congresso, Bolsonaro agora articula trocar ministros que só dão problema por gente conhecida, testada, capaz. Mais ou menos como ocorreu na eleição municipal. Depois do fiasco do “novo” de 2018, volta o “experiente”. Inclusive no governo.

Bolsonaro apostou tudo na vitória de Arthur Lira e do Centrão para a presidência da Câmara, contra Rodrigo Maia e o centro ampliado. Se vencer com Lira, terá o que entregar às suas bases eleitoral e parlamentar originais: armas, conservadorismo e recuos em costumes. E reunirá força para atrair os tais nomes conhecidos, torcendo para não ser tarde demais, como foi com Collor. Se Maia vencer, porém, o núcleo DEM, PSDB e MDB ganha impulso para 2022 e um hábil articulador: o próprio Maia.

Em meio a tudo isso, há algo maior: a vida. Se falhar com a vacina, como falhou deploravelmente até agora em tudo o que diz respeito à covid (e não só), como Bolsonaro pretende atrair para ministérios quem respeita a vida, a ciência e a própria biografia? O sonho de Bolsonaro de fazer uma boa reforma ministerial e se reeleger em 2022 esbarra no pesadelo Bolsonaro. Assim como a própria reeleição.


Marco Aurélio Nogueira: Flertando com o inimigo

Quando partidos como o PT e o PSB se omitem na eleição da Câmara, deixam claro que há algo de podre no reino das esquerdas

O sempre competente cientista político Paulo Fábio Dantas Neto, da Bahia, concluiu seu mais recente artigo (“Em busca de um centro: uma eleição e dois scripts”)  com uma homenagem ao realismo político. Depois de analisar os resultados das eleições de novembro  e observar que, a partir delas, é preciso “levar o DEM a sério”, arrematou: “Convém as oposições terem pés no chão, para lidar com o que há, e olhos abertos para o que pode vir”.

Paulo Fábio tem sido um insistente defensor da tese de que o fim do trágico ciclo bolsonarista passa por uma articulação ampla dos democratas, aí incluídos liberais, conservadores democráticos e as variadas famílias de esquerda. O desgaste de Bolsonaro está dado, ainda que não se deva concluir que ele não possa vir a atuar como presidente e recuperar o terreno perdido. Seu caminho parece, a essa altura, espinhoso, seja porque não tem se mostrado à altura da gravidade da crise sanitária, à qual assiste praticamente parado e sem compaixão, seja porque há uma crise fiscal que não sabe equacionar e uma crise econômica que se prolonga no tempo. Essa combinação de crises põe em risco o próprio governo e, por extensão, qualquer projeto de reeleição.

Para além dos erros governamentais, há também seus movimentos, que não têm sido benfazejos. O atrito com São Paulo pode levar a uma crise federativa. A falta de um plano de imunização não lhe transfere popularidade, por mais que haja quem se manifeste contrário à “vacina chinesa”. E seu esforço para emplacar um presidente da Câmara que lhe seja favorável (o deputado Arthur Lira, líder do Centrão) pode não dar certo, dada a correlação de forças, o que expressa incapacidade de articulação e ausência de uma base coesa e confiável no Legislativo.

Arthur Lira pode ser derrotado. Para o bem da democracia e do futuro imediato, precisa ser derrotado. Seus seguidores fiéis não são em número suficiente e ele tem o rabo preso na prática da “rachadinha”. É uma figura complicada, para dizer o mínimo. Por mais que a articulação promovida por Rodrigo Maia esteja indefinida, e não contar com os votos necessários, tem a seu favor a disposição de fixar a bandeira da independência da Câmara.

A situação abre extraordinária oportunidade para as oposições mostrarem que sabem agir em nome de interesses maiores.

O passo mais decisivo no momento atual é derrotar Lira. Não há terceira via possível para impedir que Bolsonaro “ponha a pata” na Câmara, como disse Rodrigo Maia. A hora é de mostrar se há mesmo intenção sincera de fazer com que os democratas venham a formar uma coalizão que imponha outra dinâmica ao País.

Precisamente por isso, chama atenção a vacilação de certas áreas da esquerda (PT, PSB, PDT, PSol) que ainda não definiram o que fazer. Há os que acham que o melhor é “marcar posição”, já que os candidatos com chances de vitória pertencem ao “campo conservador”. Outros admitem conversar com Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro, porque acham que podem lucrar algumas migalhas e porque querem se vingar do grupo de Rodrigo Maia. E há os que querem endurecer para ver se conseguem algum espaço adicional nas negociações, benefícios na composição da mesa diretora da Câmara ou mesmo algum dinheiro extra para emendas parlamentares.

No final de semana, o deputado Rui Falcão (PT-SP) foi ao Twitter lavar um pouco da roupa suja que se acumula no partido. O PT, dias atrás, havia barrado uma proposta de Falcão para incluir em uma resolução o veto ao candidato de Bolsonaro. O deputado e ex-presidente da legenda foi na jugular: “Por uma candidatura de oposição para derrotar Bolsonaro na eleição da Mesa da Câmara! O PT não pode votar no candidato do Governo. Vacina para todos e todas. Impeachment já”, escreveu.

No PSB, por sua vez, houve ensaios de aproximação com Lira, o que levou o deputado Alexandre Molon a disparar, na reunião do Diretório Nacional: “Podemos não saber ainda o que fazer, mas já sabemos o que não fazer: apoiar um candidato de Bolsonaro”.

Parlamentares que se dizem de esquerda e flertam com o governo, trocando piscadelas com Arthur Lira, desonram a ideia de esquerda e de democracia, não conseguem absorver os riscos que o País corre. Alguns fazem joguinhos para exibir poder e autonomia, outros são simplesmente tontos.

Quando falam em nome próprio, são parlamentares com pouca representatividade. Mas quando as direções de partidos como o PT e o PSB se omitem, ou se posicionam mal, lançam um sinal claro de que há algo de podre no reino das esquerdas.

Os partidos de esquerda sabem que seus votos serão decisivos para a definição da disputa. Se lançarem um nome próprio, lavarão as mãos e deixarão a Câmara sob controle do governo. Os que pensam assim irão dourar a pílula, dizendo que a disputa entre os dois blocos é briga entre “iguais” e que a esquerda deve lutar contra retrocessos na área econômica e de direitos humanos.

Ainda há chão pela frente. Mas a postura dos partidos, até o momento, é a prova cabal da doença infantil das esquerdas, da dificuldade brutal que têm de andar com “pés no chão e olhos abertos”.

Uma vergonha, com todas as letras.


Carlos Pereira: Bolsonaro se curvou e a democracia não quebrou

O engajamento do governo na eleição dos presidentes da Câmara e do Senado é sinal de aprendizado

Jair Bolsonaro, eleito presidente com uma plataforma antipolítica e antiestablishment, resolveu se engajar diretamente no processo político de escolha dos novos presidentes da Câmara e do Senado. O que explica essa mudança aparentemente contraditória no comportamento do presidente? 

Muito está em jogo com a eleição dos novos presidentes das duas Casas Legislativas. Tanto o presidente da Câmara dos Deputados como o do Senado são verdadeiros gatekeepers. Ou seja, têm o poder de vetar ex ante iniciativas que julguem indesejáveis ou de promover ações estratégicas que mudem o status quo de acordo com seus interesses. 

Esses poderes procedimentais e de agenda não são triviais. As regras internas da Câmara garantem a seu presidente um papel central na condução do processo legislativo e na definição e funcionamento do sistema de comissões permanentes e especiais. Em legislativos muito centralizados e fortemente hierarquizados, como o brasileiro, o papel do gatekeeper se torna ainda mais relevante, pois pode, inclusive, decidir unilateralmente a sorte do próprio governo de plantão ao, por exemplo, dar prosseguimento a pedidos de impeachment de presidentes. 

O desenho institucional hierarquizado do Congresso brasileiro se parece muito com o do Congresso americano do início do século 20. O speaker, equivalente ao presidente da Câmara, costumava ser tão poderoso que muitos o chamavam de “Czar”, pois não hesitava em usar seus poderes para nomear membros e presidentes de comissões e remover aqueles que não seguiam a sua liderança. Em 1910, um grupo dissidente de republicanos progressistas decidiu se aliar aos deputados de oposição do Partido Democrata em uma revolta contra os superpoderes do presidente da House of Representatives, Joseph Cannon. A revolta resultou na aprovação de uma resolução que diminuiu drasticamente os poderes do speaker. Essa reforma abriu caminho para um processo vigoroso de descentralização e profissionalização do Congresso americano.

Embora a concentração de poderes na mão do speaker não fosse tão decisiva para o funcionamento do sistema político dos Estados Unidos, caracterizado pelo bipartidarismo majoritário, ela gera ganhos de coordenação necessários ao presidencialismo multipartidário adotado no Brasil. 

Presidentes que conseguem ter aliados políticos como chefes das Casas Legislativas definitivamente dormem mais tranquilos. Conseguem ter mais sucesso na arena congressual aprovando mais reformas e enfrentam menores custos de governabilidade. Além do mais, quando existe alinhamento entre os chefes do Executivo e do Legislativo, é esperada a criação de um menor número de Comissões Parlamentares de Inquérito investigando as ações do Executivo. 

Existe, entretanto, um risco de o engajamento excessivo do governo criar animosidades com o Legislativo se seu candidato não for o vencedor, colocando-o em uma situação pior do que a que estaria se continuasse a se negar a fazer política com o Parlamento. 

Nos dois processos de impeachment bem-sucedidos no Brasil, o presidente da República não tinha como aliados os presidentes da Câmara dos Deputados. Fernando Collor (PRN) não se engajou na escolha de Ibsen Pinheiro (PMDB) e Dilma Rousseff apoiou explicitamente Arlindo Chinaglia (PT), derrotado por Eduardo Cunha (PMDB). 

Demorou quase dois anos de seu mandato para que Bolsonaro percebesse que uma atitude de negação da política gera custos proibitivos de governabilidade. Parece que finalmente o presidente acordou e percebeu que é muito mais difícil governar sem aliados em postos-chave no Congresso. Se houve aprendizado, este se deu a partir de perdas sucessivas impostas pelas instituições políticas. Quanto mais Bolsonaro se verga e joga o jogo institucional do presidencialismo multipartidário, mais a democracia brasileira mostra a sua força. 

*CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR TITULAR DA ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS DA FGV


Pedro S. Malan: Quadriênios: Trump e Bolsonaro

É duro imaginar que possa continuar a disfuncionalidade que o Brasil exibe ao mundo

Na campanha eleitoral de 2014, em discurso feito para a militância do PT, Lula afirmou que já se via “com Dilma, em 2022, nas comemorações dos 200 anos da nossa independência, defendendo tudo o que haviam conseguido conquistar nos últimos 20 anos”. Referi-me a essa fala de Lula na abertura do artigo publicado neste espaço há exatos seis anos, Quadriênios: velhos e novos. Apontei então que é perfeitamente legítimo qualquer pessoa expressar de público suas “memórias do futuro”, a bela expressão de Borges para caracterizar desejos, expectativas, sonhos e planos.

Antes de chegar às eleições de 2022 haveria, no entanto, que vencer em 2018. Era óbvio que já não seria fácil explicar, então, as conquistas dos “últimos 16 anos” (2002-2018) como se fossem um período singular, um todo coerente, como havia feito a marquetagem política em 2014 a propósito dos “últimos 12 anos”. Porque Lula 1 foi diferente de Lula 2; Dilma 1, diferente de Lula 2; e (afirmei) Dilma 2 seria muito diferente de Dilma 1, “e o mais difícil dos quatro quadriênios”. Como escrevi à época, “quem viver verá, ou já está vendo”.

Quem viveu viu até mesmo as consequências – notadamente a vitória de Bolsonaro em 2018 e o início de outro problemático quadriênio. Volto ao tema de “quadriênios”, agora a propósito de Trump e Bolsonaro. Este último estará agora privado de sua fonte inspiradora e modelo de comportamento. O quadriênio de Trump terminou de facto na primeira semana de novembro, com as claras evidências da vitória de Biden.

Contudo parte expressiva dos 74 milhões de americanos que votaram em Trump acredita ter havido fraude eleitoral; que Trump fez bem em se recusar a reconhecer o resultado das urnas. “Frankly, we won” foi o tuíte com que se declarou vencedor na madrugada de 4 de novembro, quando ainda faltavam milhões de votos a contar, em vários Estados-chave. Advogados a seu serviço ajuizaram dezenas de ações nesses Estados, enquanto o candidato anunciava sua ida à Corte Suprema, com a qual disse “estar contando” para lhe dar um segundo quadriênio.

Foi e perdeu. No dia seguinte (9/12) chegava à Corte Suprema outra ação, ajuizada pelo procurador-geral do Texas contra vários Estados-chave que haviam certificado a vitória de Biden. Sua tese é de que a alteração, feita por esses Estados neste ano de 2020 de forma supostamente ilegal, teria diluído os votos do Texas no colégio eleitoral. É, talvez, a última tentativa judicial. Até o momento em que este texto está sendo escrito, Trump recusa-se a admitir a vitória de Biden. E os presidentes de Rússia, México e Brasil não cumprimentaram o presidente eleito dos EUA.

O fato é que em 20 de janeiro de 2021 termina o inacreditável quadriênio de Donald Trump. Quatro anos de “fatos alternativos”, de relação conflituosa com a verdade. Mas foram 74 milhões de votos, 10 milhões a mais que em 2016. “74 milhões” é o título do imperdível artigo de Moisés Naim publicado neste jornal (23/11). São 74 milhões, escreve Naim, que “não se importaram em votar em um presidente que mente de forma compulsiva, constante e facilmente verificável. Que (…) não acreditam que Trump seja um mentiroso, ou não se importam com isto, ou têm necessidades e esperanças mais importantes”.

Sobre o quadriênio Bolsonaro. Meu mais recente artigo neste espaço (Faltam dois anos, 8/11) perguntava: dois anos é muito? É pouco? Bolsonaro está a aprender a diferença entre disputar uma eleição e governar um país da complexidade do Brasil. Como notaram vários analistas, nosso presidente atuou sem partido e sem base no Congresso até abril/maio de 2020. Deu-se conta, então, de que a sobrevivência política e sua reeleição dependiam de aceitar o que sempre negara, como pedra de toque de sua campanha eleitoral: a necessidade de abrir espaços para indicações de partidos de sua futura “base” na máquina pública.

Marcus André Mello (O futuro de Bolsonaro, FSP, 7/12) chamou a atenção para o paradoxo: “Um chefe do Estado populista irá se deparar com um sistema institucional que imporá limites à sua discricionariedade. E o apoio do bloco só existirá se Bolsonaro for popular”. Política, afinal, é expectativa de poder, de preservação de espaços ocupados e de expectativas de espaços por ocupar. Como veremos nos próximos meses.

Naquele mesmo artigo chamei a atenção para as importantes lições das transições de 2002/2003 (FHC/Lula) e de 2016 (Dilma/Temer). Em excelente artigo publicado desde então (Um Acordo de Transição, Globo/Estado, 29/11), Gustavo Franco nota que “o Brasil possui vasta experiência em transições turbulentas (…) mas não dentro de um mesmo governo”. Gustavo lista razões a explicar a dificuldade para fazê-lo “no atual estado de polarização, quando o governo (…) não consegue fazer acordo nem com ele mesmo”.

E dizer que metade de seu quadriênio já se foi… Em áreas cruciais como saúde, educação, meio ambiente e relações exteriores, é duro imaginar que na segunda metade possa continuar a disfuncionalidade que o Brasil hoje exibe ao mundo. E não é por falta de gente competente nessas áreas em nosso país.

*Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC