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Luiz Sérgio Henriques: Esquerda positiva, a hora e a vez?

É necessária uma aguda reflexão sobre a ‘questão democrática’ e o centro político

Luiz Sérgio Henriques / O Estado de S. Paulo

Num momento em que nosso passado de golpes e atropelos parece obstinar-se em não querer passar, oprimindo como um pesadelo, segundo a frase famosa, o cérebro dos vivos, podemos também, paradoxalmente, nele buscar sinais que nos orientem ou permitam discernir rotas menos tortuosas. É que tivemos tempo suficiente de aprendizado na luta contra o autoritarismo e nos educamos coletivamente por meio de experiências que não se deixam apagar e, seja como for, estão disponíveis para quem veio depois e não as viveu em primeira pessoa.

Exercícios contrafactuais são sempre arbitrários, mas não de todo inúteis. Não era inevitável, por exemplo, que a modernização brasileira se revestisse do caráter autocrático assumido a partir de 1964. Tal caráter não estava escrito nas estrelas ou latente na “natureza do processo”, mas decorreu também de más escolhas políticas. No seu conjunto, os atores do campo “progressista” tinham da democracia uma concepção limitada, como se ela fosse uma variável subordinada às “reformas de base”. Defender a Constituição de 1946 e apostar nas eleições de 1965 teria sido um caminho menos aventuroso, cuja viabilidade dependia da existência mais vigorosa de uma “esquerda positiva”, à moda de San Tiago Dantas, que desgraçadamente não tínhamos.

A seguir, a luta contra o regime autoritário conheceria uma esquerda dividida e muitas vezes impotente, a travar o seu “combate nas trevas”. Parte dela negava as transformações em curso e se apegava aos fortes mitos revolucionários da época, como o da China ou o de Cuba. Outra parte, no entanto, que por sinal abrigava a maioria dos egressos do putsch de 1935, seguia rumo diametralmente oposto ao do passado, avalizando – mesmo na clandestinidade – o partido dito de “oposição consentida”, o MDB de Ulysses e Tancredo. Sem dúvida, um sinal de esquerda positiva, preocupada com os humores e as posições do centro político, sem o qual não seria possível derrotar o arbítrio.

O País que surgiu dos anos de chumbo carregava promessas radiosas. Antes de mais nada, uma sociedade civil plural, pujante e diversificada. Entre tal sociedade e o seu Estado se consolidava uma relação mais equilibrada, de tal forma que parecia banida a hipótese que sempre estimula as aventuras autoritárias, a saber, a tentação de impor mudanças “pelo alto”, depois de controladas as alavancas do poder estatal. O que os atores políticos prometiam generalizadamente, desde os dissidentes da velha Arena até os representantes da esquerda velha e nova, era o rompimento definitivo com toda e qualquer ideia de golpe. O golpismo, em suma, passaria a ser palavra censurada naquele Brasil reinaugurado em 1988.

É possível, antes, é certo que havia alguma ingenuidade sobre a fase que se abria. Reformas sociais, mesmo de grande alcance, seriam possíveis, e de fato algumas o foram, como atestado pelo magnífico exemplo da construção (ainda em progresso) do SUS. A crença, afinal, era de que a democracia política não discrimina interesses nem valores e, por conseguinte, promove e requer a recomposição de todos os conflitos com base no consenso. Reformas assim obtidas, rigorosamente legais e nunca “na marra”, pavimentariam a via mestra de uma contínua democratização social. Para coroar, eleições competitivas, travadas com a regularidade “monótona” típica das sociedades ocidentais a que agora nos juntávamos, garantiriam a obtenção de patamares cada vez mais altos de igualdade e liberdade.

Dispensamo-nos aqui de descrever o impacto que os processos de mundialização tiveram sobre a estrutura de classes, a ordem social e os variados sistemas políticos nacionais. Em boa parte os benefícios da “globalização chinesa” possibilitaram avanços sociais generalizados na primeira década do novo século, e não só no Brasil, mas é duvidoso que entre nós se tenha afirmado com intensidade a “alma democrática” que dá vida interior às instituições, para lançar mão de uma imagem de Fernando Henrique Cardoso. Nas brechas e fissuras aí surgidas se insinuaria paulatinamente, com uma audácia que poucos poderiam supor, uma nova direita autocrática, fortemente crítica dos mecanismos da democracia clássica, a começar pelo que preside a alternância regular de poder.

A esquerda certamente é um fator indispensável para a saída do abismo em que nos metemos. Indispensável, mas muito longe de ser o único. O aprendizado coletivo a que nos referimos sugere que, uma vez mais, é necessária uma aguda reflexão sobre a “questão democrática” e, em consequência, o centro político. Recorrendo à conhecida metáfora, esse é o único elo a partir do qual se consegue dominar toda a corrente. Por isso mesmo, não se trata de prometer, com as mãos contritas, eventual “aliança com a burguesia” para “acalmar os mercados” e, menos ainda, de reincidir em esquemas de cooptação e loteamento. Trata-se, bem ao contrário, de redefinir a própria posição diante dos mais delicados temas da democracia e da República, sem o que não será possível a obra de reconstrução nacional que nos desafiará.

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil


Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,esquerda-positiva-a-hora-e-a-vez,70003811050


Entenda como funciona o impeachment de ministros do Supremo no Senado

Processo pode demorar mais de três meses; presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem que pedirá o afastamento de Alexandre de Moraes e de Luís Roberto Barroso

Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O impeachment de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) é um processo que pode demorar mais de três meses no Senado. Em tese, o pedido pode ser iniciado a partir da denúncia de qualquer cidadão comum à Mesa Diretora da Casa – inclusive o presidente Jair Bolsonaro, que anunciou ontem, em sua conta no Twitter, que pedirá o afastamento de Alexandre de Moraes e de Luis Roberto Barroso. São três fases diferentes de processamento, mas, para isso, é preciso vencer a primeira e mais importante das etapas, que é a leitura do pedido em plenário pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Há 17 pedidos protocolados na Mesa Diretora e, até o momento, nenhum deles foi lido por Pacheco, e nada indica que será diferente agora.

De acordo com a lei, um ministro do STF pode sofrer um processo de afastamento por cinco tipos diferentes de crimes de responsabilidade. Para isso, porém, é preciso que eles estejam juridicamente bem fundamentados. Caso contrário, o destino deles constuma ser a gaveta, algo semelhante ao que ocorre com os mais de 100 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, que repousam na mesa do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Um dos crimes de responsabilidade que podem ensejar um impeachment de um ministro do STF ocorre quando ele altera a decisão ou voto já proferido em sessão da corte – exceto se isso ocorrer por meio de recurso. Outra possiblidade é se o ministro participa de um julgamento mesmo que esteja envolvido, de alguma forma, na causa – a chamada suspeição.

O ministro também pode ser afastado se exercer atividade político-partidária, proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções ou ser “patentemente desidioso” no cumprimento dos deveres do cargo – em outras palavras, preguiçoso.

Na improvável hipótese de que Pacheco leia a denuncia, é então criada uma comissão especial, formada por 21 senadores, para avaliar o caso de forma preliminar. Esse colegiado tem dez dias para decidir se o processo deve ou não ir a plenário. Se seguir adiante, o processo de instauração formal é votado em plenário por todos os senadores. É preciso obter maioria simples – ou seja, ao menos, 41 votos favoráveis. Do contrário, o pedido é arquivado.

A próxima fase é a instauração formal do processo pela comissão especial. O ministro acusado é notificado e tem dez dias para responder, enquanto o colegiado tem 15 dias para fazer investigações e deliberações até que haja uma nova votação. 

Nesse período, o ministro pode até ficar afastado de suas funções e perder um terço dos vencimentos – em caso de absolvição, os valores retidos são pagos. São no mínimo dez dias para intimações, lista de testemunhas e outros encaminhamentos. 

Caso seja aprovado, o processo passa para a fase final de julgamento no plenário do Senado. A exemplo do impeachment de presidentes da República, a sessão ocorre sob comando do presidente do STF, a quem cabe relatar o processo e expor, resumidamente, os fundamentos da acusação e da defesa, assim como as provas.

Nessa fase, o processo de impeachment precisa ser aprovado por maioria qualificada – ou seja, dois terços dos senadores (54 votos). Se for aceito, o ministro é destituído do cargo e fica inabilitado para exercer qualquer função pública por oito anos.

Pedidos

Ao menos seis pedidos de impeachment apresentados contra ministros do Supremo ao Senado neste ano miram o ministro Alexandre de Moraes. Relator de inquéritos como o das fake news e o dos atos antidemocráticos, o magistrado é alvo de uma petição individual oferecida pelo senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) e de outra apresentada pelo próprio parlamentar em conjunto com os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE), Lasier Martins (Podemos-RS), Styvenson Valentim (Podemos-RN) e Luis Carlos Heinze (Progressistas-RS).

Atualmente, há 17 pedidos de impeachment protocolados contra ministros do Supremo no Senado. Até hoje, o Senado nunca afastou nenhum ministro do STF: todos os pedidos acabaram arquivados pela presidência do Senado.

Na Câmara, bolsonaristas tentaram ampliar o escopo de possibilidades para um magistrado ser afastado do cargo. Por apenas um voto, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara rejeitou, em maio, projeto que incluía, entre os crimes de responsabilidade, a usurpação de competência do Legislativo e do Executivo pelo STF. A relatora era a deputada Chris Tonietto (PSL-RJ), uma aliada do presidente.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,entenda-como-funciona-o-impeachment-de-ministros-do-supremo-no-senado,70003811548


Eliane Cantanhêde: Bolsonaro e as fake news - mortes, urnas, cloroquina, vacina...

O pior não é o presidente Jair Messias Bolsonaro insistir nas suas fake news; é milhões de pessoas continuarem engolindo, degustando e gostando delas

Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo

O presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, anunciou para o povo brasileiro um “documento do tal do Tribunal de Contas da União”, o TCU, concluindo que os números de mortes pela covid-19 não chegavam à metade e teriam sido fraudados pelos governadores para abocanhar mais verbas na pandemia. A verdadeira e chocante fraude, porém, foi a fala do presidente, o rei das fake news.

Em depoimento à Polícia Federal, o funcionário do tribunal Alexandre Marques, autor do “documento”, contou a verdade nua e crua: o texto não era “do tal do TCU”, era só uma espécie de rascunho pessoal e foi adulterado na Presidência da República, porque o original não tinha o logotipo do TCU, nem nome, nem cabeçalho, como o que foi espalhado pelos bolsonaristas via internet. Gravíssimo.

“Fiquei totalmente indignado e achei uma total irresponsabilidade do mandatário da Nação”, disse Marques à PF sobre o pronunciamento do presidente. Conforme o depoimento, divulgado pela TV Globo, foi o seu pai, militar da reserva e contratado da Petrobrás, quem repassou o rascunho para o presidente. Que, como se viu, não pensou duas vezes antes de fazer uso político dele.

O mesmo Bolsonaro usou a TV e recursos públicos durante duas horas para anunciar uma “prova bomba” contra as urnas eletrônicas. Não apresentou prova nenhuma, só um apanhado velho e irrelevante da internet, e passou a ser a comprovação viva de que o sistema eleitoral é sólido e confiável. Ele não só foi eleito por esse sistema como nunca encontrou uma única prova, apesar de GSI, Abin, PF, inteligência militar...

Aliás, Bolsonaro divulgou um inquérito da PF pelas redes sociais, como se confirmasse a existência de fraude em 2018. Segundo a PF, oficialmente, a história é velha, já foi divulgada pela mídia e “não houve qualquer risco à integridade das eleições”. O ataque foi ao sistema do TSE, não ao das urnas eletrônicas. Elas não são conectadas à internet nem passíveis de invasão remota, o que todo brasileiro minimamente informado e “de boa fé”, como diz o ministro Luís Roberto Barroso (TSE), está careca de saber.

Bem, Bolsonaro é o único presidente na história a fazer propaganda de remédio – propaganda enganosa, diga-se – e nega até hoje isolamento social, máscaras e vacinas contra a pandemia de covid. Isso, segundo especialistas e a CPI do Senado, pode ter custado milhares de vidas de brasileiros.

E não podemos esquecer de Bolsonaro falando aos brasileiros de “uma pesquisa de uma universidade alemã” confirmando que “máscara faz mal às crianças”. Oh, céus! Tudo doentiamente fake. E ele nega também o desmatamento da Amazônia, o tamanho do desemprego, as estatísticas e a realidade.

Foi assim que entrou em choque com OMS, ONU, Inpe, PF, IBGE, entidades sanitárias, governos e entidades estrangeiras... E é alvo de quatro inquéritos no Supremo e mais um inquérito administrativo no TSE, enquanto não é incluído no das fake news mais uma vez, agora pelo “documento” sobre as mortes e pelo uso do TCU em vão.

Só falta o presidente Jair Messias Bolsonaro endossar a fala do general Luiz Eduardo Ramos sobre o líder trabalhista-integralista Roberto Jefferson, dois dias antes de a PF pedir sua prisão. Para Ramos, Jefferson, que aparece armado em vídeos pedindo o fechamento do STF, é “mais um soldado pela liberdade do nosso povo e da nossa democracia”. Uau!

Mas o pior não é o presidente Jair Messias Bolsonaro insistir nas suas fake news e ameaçar pedir o impeachment dos ministros Barroso e Alexandre de Moraes. É milhões de pessoas continuarem engolindo, degustando e gostando de suas fake news. Bolsonaro a gente já sabe quem é, o incompreensível é como tantos caem nessa esparrela.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-e-as-fake-news-mortes-urnas-cloroquina-vacina-mascara-isolamento,70003811512


Dom Odilo P. Scherer: Comemorando dom Paulo

É preciso recordar o cardeal Arns porque ele ainda tem muito a dizer ao nosso tempo

Dom Odilo P. Scherer, O Estado de S.Paulo

Comemorar significa, literalmente, trazer à memória juntos, lembrar juntos. Em 14 de setembro de 2021 estaremos comemorando o centenário do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, quinto arcebispo metropolitano de São Paulo.

Nascido em 1921, em Forquilhinha (SC), dom Paulo fez seus estudos preparatórios para a vida religiosa nos seminários da Ordem Franciscana dos Frades Menores, sobretudo em Petrópolis (RJ), e foi ordenado sacerdote em 30 de novembro de 1945. Em seguida, fez o doutorado em Letras na Universidade de Sorbonne, em Paris, com uma tese sobre “a arte do livro em São Jerônimo”, tornando-se especialista em literatura cristã antiga, ou patrística.

De volta ao Brasil, foi professor de Filosofia e Teologia em Petrópolis, até ser eleito bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, em 2 de maio de 1966, pelo papa Paulo VI. Trabalhou ao lado do cardeal Agnelo Rossi, arcebispo da época, até que, em 1970, Rossi foi chamado a Roma para assumir a condução da Congregação para a Evangelização dos Povos e acompanhar as frentes missionárias da Igreja Católica, sobretudo na África e na Ásia. Dom Paulo tornou-se, então, arcebispo de São Paulo, em 22 de outubro de 1970. Pouco tempo depois, em 5 de março de 1973, foi nomeado membro do Colégio Cardinalício pelo mesmo papa Paulo VI, com quem o cardeal Arns teve sempre grande proximidade e estreita sintonia.

Como arcebispo, dom Paulo procurou renovar a vida da Igreja e dinamizar o trabalho pastoral na arquidiocese, atendendo às circunstâncias e necessidades da cidade de São Paulo, que crescia vertiginosamente e carecia de atenção especial às imensas periferias. Arns procurou traduzir em novas práticas organizativas e pastorais as orientações do Concílio Vaticano II no que se refere à participação do povo na vida e na missão da Igreja. Dedicou atenção especial aos pobres e desvalidos, estimulando o surgimento de numerosas obras voltadas para a promoção da caridade e da dignidade humana.

Sua atuação pastoral em São Paulo se deu em pleno regime militar, quando as liberdades democráticas, o respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais da pessoa foram desrespeitados de forma preocupante. Dom Paulo foi voz firme e respeitada na denúncia desses males e na defesa da dignidade da pessoa e de seus direitos fundamentais. Sua atuação se somou à de muitos que clamavam pelo retorno à normalidade democrática no Brasil.

Não deve ficar em segundo plano a figura de dom Paulo como bispo e pastor dedicado à Igreja. Ele amava seu rebanho e tinha alegria em estar com o povo. Promoveu a evangelização e a organização pastoral, a formação do clero e dos religiosos, incentivou o protagonismo dos leigos para ocuparem com coragem seu lugar na Igreja e na sociedade. Dom Paulo queria a liturgia celebrada com esmero e dignidade, a palavra de Deus anunciada com dedicação e fervor e que o Evangelho de Cristo fosse força e transformação para uma sociedade melhor.

Além da sua palavra fácil e calorosa, dom Paulo escreveu numerosos livros e publicou frequentes artigos e entrevistas. Sua atuação em favor dos direitos humanos e das liberdades democráticas rendeu-lhe prêmios e reconhecimento nacionais e internacionais.

Tendo permanecido por quase 28 anos à frente da Arquidiocese de São Paulo, o cardeal Arns marcou-a profundamente com seu carisma pessoal e suas diretrizes pastorais. Foi um profeta da esperança, conforme o seu lema episcopal, EX spe in spem – de esperança em esperança. Ele nunca renunciou ao sonho de ver um Brasil melhor e um mundo melhor.

Em 15 de abril de 1998, tendo já superando a idade canônica da renúncia ao seu encargo, tornou-se arcebispo emérito, retirando-se da cena pública. Viveu ainda longamente, vindo a falecer serenamente em 2016. Seu corpo repousa na cripta da catedral metropolitana.

Dom Paulo Evaristo Arns é um ilustre personagem que honra a Igreja Católica. Mas também é uma personalidade pública que teve protagonismo singular no seu tempo. Ele agora pertence à História. Na iminência da celebração de seu centenário, estes brevíssimos traços de sua biografia e da trajetória de sua vida têm o propósito de convidar para fazermos juntos a sua memória, daquilo que fez e significou para São Paulo e o Brasil. Muitas iniciativas poderão ser promovidas para lembrar dom Paulo e valorizar o seu legado.

A Igreja de São Paulo recordará o cardeal Arns no ano do seu centenário dando graças a Deus por sua vida e ação e para destacar novamente a herança espiritual que ele aqui deixou. Uma comissão da Arquidiocese de São Paulo está organizando a agenda de eventos e iniciativas para comemorar a efeméride ao longo de todo o ano. A abertura oficial será feita com uma solene celebração eucarística na Catedral da Sé no próximo dia 14 de setembro, às 10 horas, com a presença de representantes da Igreja, autoridades públicas, de outras instituições religiosas, sociais e culturais.

É preciso recordar dom Paulo porque ele ainda tem muito a dizer ao nosso tempo.

CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,comemorando-dom-paulo,70003810473


CPI da Covid: Senadores decidem convocar Barros como testemunha

O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), decidiu encerrar o depoimento do deputado Ricardo Barros (PP-PR) para que ele compareça em outra data na condição de testemunha, situação em que ficará obrigado a dizer a verdade

Líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, Barros depôs nesta quinta-feira (12/08) na condição de convidado. Sua participação foi encerrada após o parlamentar acusar a CPI de estar afastando empresas interessadas em vender vacinas ao Brasil, o que gerou revolta e bate-boca entre os senadores.

Segundo integrantes da CPI, o laboratório chinês CanSino Biologics desmentiu o líder do governo e disse que mantém seu interesse em vender vacinas ao Brasil. A comissão decidiu, então, que fará uma consulta ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre que medidas podem ser tomadas no caso de um parlamentar mentir em depoimento. A previsão é que o novo depoimento de Barros será marcado apenas após uma resposta da Corte.

"O mundo inteiro quer comprar vacinas. E eu espero que essa CPI produza um efeito positivo para o Brasil, porque o negativo já produziu muito. Afastou muitas empresas interessadas em vender vacina ao Brasil", disse o deputado, na fala que precipitou a discussão e o encerramento da sessão.

"Isso não é verdade", reagiu a senadora Simone Tebet (MDB-MS), lembrando que já havia mais de 400 mil mortes por covid-19 no Brasil e faltavam vacinas no país quando a CPI foi instalada.

Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse a jornalistas após a sessão que "não demorou 30 minutos para CanSino desmentir (Barros)". Segundo ele, a comissão não atrapalhou a compra de vacinas, mas impediu negócios com suspeitas de ilegalidade.

"A CPI atrapalhou um golpe de US$ 45 milhões que iria ser dado por uma empresa que tem sede no paraíso fiscal. A CPI atrapalhou negócios que nós temos elementos parta indicar que o senhor Ricardo Barros estava também envolvido. Foi isso que a CPI atrapalhou", disse ainda.

A fala de Rodrigues faz referência ao contrato para compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, do laboratório Bharat Biotech, ao preço total de R$ 1,6 bilhão. Esse contrato foi suspenso pelo Ministério da Saúde após a CPI passar a investigar possíveis ilegalidades envolvendo a ação da empresa Precisa, intermediária no contrato, que solicitou pagamento antecipado a ser pago por meio de uma terceira empresa, em Singapura.

O contrato também gerou suspeitas porque o governo brasileiro aceitou em fevereiro deste ano pagar US$ 15 (R$ 80,70 na cotação da época) por dose da Covaxin, antes mesmo de firmar contrato para compra de vacinas da Pfizer por US$ 10, que vinham sendo oferecidas desde 2020.

Ricardo Barros foi envolvido no escândalo após ser citado na CPI em junho pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF), que em março levou ao presidente Jair Bolsonaro indícios de ilegalidade na negociação para compra da vacina Covaxin, acompanhado de seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda.

Segundo o parlamentar do DEM, o presidente afirmou que sabia que um deputado da base do governo estava envolvido no caso e que levaria a denúncia ao delegado-geral da Polícia Federal, o que não foi feito naquele momento. Questionado na CPI sobre quem seria esse deputado, Miranda disse: "Foi o Ricardo Barros que o presidente falou".

Bolsonaro nunca desmentiu a fala de Miranda e não removeu Barros da posição de líder do governo na Câmara.

Questionado sobre isso no início do depoimento, Barros afirmou à CPI que seu suposto envolvimento no escândalo de compra superfaturada da Covaxin foi um "mal-entendido".

Segundo ele, o presidente não afirmou que ele estava envolvido no escândalo, apenas perguntou ao deputado Luis Miranda (DEM-DF) se ele estava envolvido

Barros argumentou que Bolsonaro fez essa pergunta porque Miranda teria mostrado uma reportagem ao presidente sobre o suposto envolvimento de Ricardo Barros em irregularidades da empresa Global, que é sócia da Precisa, empresa que intermediou a compra da Covaxin.

A Global e Ricardo Barros são investigados por um contrato para venda de medicamentos ao Ministério da Saúde, da época em que o deputado comandava a pasta, no governo de Michel Temer (2016-2018).

A empresa não entregou os remédios, embora tenha recebido valores adiantados, e o Ministério da Saúde ainda tenta recuperar os valores na Justiça. Barros nega que tenha cometido alguma ilegalidade. na operação.

"Espero que esse mal-entendido de que eu teria participado dessa intermediação da Covaxin fique esclarecido de uma vez por todas", disse o deputado. "Presidente não pode desmentir o que nunca disse."

No entanto, Barros disse que nunca perguntou sobre o encontro a Bolsonaro.

A interpretação de Barros sobre a fala de Miranda gerou revolta do presidente CPI, Omar Aziz (PSD-AM).

"Nós não criamos versões aqui, são fatos!", disse Aziz. "E aqui o deputado Luis Miranda disse claramente para todos nós que a pessoa a que Bolsonaro se referia é vossa excelência. E digo mais, se eu fosse o líder do governo da Câmara, eu exigiria que o presidente falasse em rede nacional que não foi assim que aconteceu, o que ele nunca fez."

Os senadores então exibiram diversas vezes vídeo do depoimento de Luis Miranda em que ele afirmava que Bolsonaro citou Barros.

Na gravação, a deputada Simone Tabet (MDB-MS) pergunta a Miranda se ele confirma a informação que havia dado e Miranda afirma: "Foi o Ricardo Barros que o presidente falou."

Isso levou a uma discussão enorme entre os senadores, interrompendo o depoimento por breve período ainda cedo.

Ricardo Barros na CPI da Covid
Barros foi citado na Comissão Parlamentar de Inquérito em junho, quando Luis Miranda (DEM-DF) disse que Bolsonaro citou o nome do líder do governo ao tomar conhecimento de suspeitas de corrupção no contrato de compra da vacina contra covid. Foto: Agência Senado

Barros: 'não provarão nada contra mim'

Após o encerramento do depoimento, Barros disse que sua participação foi interrompida porque ele conseguiu responder a todas as acusações.

"Eu entendi tudo: o jogo não estava bom, ele (Aziz) é o dono da bola, ele põe a bola embaixo do braço e vai embora. Não quer jogar mais porque eles (os senadores) não estavam conseguindo sustentar a sua narrativa", afirmou.

"Eu estou documentado, para cada assunto (que lhe era questionado) eu pedia autorização e mostrava os documentos que embasavam o fato de que eu não tenho nada a ver com a Covaxin, que o presidente já declarou que não tem nada contra mim e me mantém líder do governo", acrescentou.

Ele disse que segue à disposição da CPI e que não provarão nada contra ele. "Eu não menti nada, eles não provarão que eu menti. Eles vão ter a minha quebra de sigilo, vão procurar tudo e continuarão não achando nada", desafiou.

Ricardo Barros na CPI da Covid
'Eles vão ter a minha quebra de sigilo, vão procurar tudo e continuarão não achando nada', desafiou Barros. Foto: Agência Senado

Segundo o líder do governo, o que comprovaria que as empresas deixaram de ter interesse no Brasil foi o fato de terem descredenciado as representantes que haviam nomeado no Brasil e não terem rapidamente escolhido outras para dar andamento ao pedido de autorização para suas vacinas na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Os descredenciamentos das representantes de CanSino e da Bharat Biotech, porém, decorreram das investigações.

No caso da CanSino, o vice-presidente de Negócios Internacionais da farmacêutica chinesa, Pierre Morgon, disse ao jornal Valor Econômico que decidiu trocar a empresa representante do laboratório no Brasil por questões de compliance e que segue interessado em vender sua vacina ao Ministério da Saúde.

Já a Bharat Biotech rompeu com a Precisa após ser revelado que a empresa apresentou documento falso ao Ministério da Saúde.

Quem é Ricardo Barros?

Ricardo Barros (PP-PR) soma mais de 20 anos como deputado federal e já integrou a base aliada de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer, antes de apoiar o presidente Jair Bolsonaro.

Figura importante do chamado Centrão, como é chamado o bloco informal na Câmara que reúne partidos sem linha ideológica clara, mas com valores conservadores, ele foi líder ou vice-líder no Congresso Nacional de quase todos os presidentes eleitos após a ditadura militar.

De 1999 a 2002, Ricardo Barros foi vice-líder na Câmara do governo Fernando Henrique Cardoso e líder do governo no Congresso Nacional ao longo do ano de 2002. O PP, partido de Barros, apoiou José Serra (PSDB-SP), candidato de FHC na eleição presidencial.

Mas, quando Lula ganhou nas urnas, a legenda logo aderiu à base do governo petista, em 2003.Durante praticamente todo o período em que Lula esteve na Presidência contando com o apoio do PP, Ricardo Barros ocupou cargos de direção no partido - foi vice-líder do PP na Câmara e vice-presidente nacional do partido. Foi ainda vice-líder do governo no Congresso, em 2007.

Como integrante do PP, Barros também fez parte da base do governo Dilma Rousseff, mas depois foi um dos articuladores da revitalização do Centrão e apoiou o impeachment da presidente.

Com a chegada de Michel Temer ao poder, Ricardo Barros foi alavancado para o posto de Ministro da Saúde, comandando a pasta de 2016 a 2018.

Em 2018, o paranaense deixou o cargo para concorrer ao cargo de deputado federal. Em 2020, foi anunciado seu nome como líder do governo Bolsonaro na Câmara.

Como ministro da Saúde, Ricardo Barros tentou promover cortes na pasta e a redução do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em diferentes momentos, ele defendeu o enxugamento de gastos do SUS, argumentando que em breve o país não teria mais como bancar direitos que a Constituição garante, como acesso universal à saúde.

Em 2018, o paranaense deixou o cargo para concorrer ao cargo de deputado federal. Em 2020, foi anunciado seu nome como líder do governo Bolsonaro na Câmara.

Ex-governadora do Paraná, a esposa de Ricardo Barros, Cida Borguetti, reforçou esta aproximação do Planalto, sendo nomeada por Bolsonaro ao Conselho de Administração da Itaipu Binacional em maio deste ano.


Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58192549


CPI da Covid ouve líder do governo na Câmara, Ricardo Barros

De acordo com depoimento prestado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) à comissão, ao relatar ao presidente da República as suspeitas na negociação da Covaxin, ele teria ouvido do mandatário que se tratava de 'rolo' do aliado

Cássia Miranda / O Estado de S.Paulo

Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid recebe nesta quinta-feira, 12, o líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressitas-PR), suspeito de envolvimento na compra da vacina indiana Covaxin. Marcado por "pressões atípicas" e outras supostas irregularidades, o contrato firmado pelo Ministério da Saúde para aquisição de 20 milhões de doses do imunizante acabou cancelado.

De acordo com depoimento prestado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) à CPI em 25 de junho, ao relatar ao presidente Jair Bolsonaro as tais pressões e suspeitas no processo aquisição da vacina, ele teria ouvido do mandatário que se tratava de “rolo” de Ricardo Barros. Miranda levou a denúncia ao presidente após ser alertado por seu irmão, Luis Ricardo Miranda, diretor de importação do ministério da saúde De acordo com o deputado, o presidente se comprometeu a acionar a Polícia Federal para apurar o caso. O líder do governo nega ter participado da negociação.





Tanto Miranda quanto o líder do governo são alvo de representações no Conselho de Ética da Câmara. O primeiro, por aliados de Bolsonaro, que defendem a perda de seu mandato; o segundo, por parlamentares da oposição. A PF apura se o presidente cometeu crime de prevaricação por, supostamente, não ter pedido a apuração do caso.

Ex-ministro da Saúde no governo TemerBarros foi o autor, em fevereiro, da emenda na Câmara que viabilizou a importação da Covaxin por meio da inclusão da Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO), da Índia, na lista de agências reconhecidas pela Anvisa para permitir a “autorização para a importação e distribuição de quaisquer vacinas” e medicamentos não registrados na agência, desde que aprovadas por autoridades sanitárias de outros países. A CDSCO deu aval à Covaxin; no Brasil, a Anvisa chegou a ceder uma autorização prévia para importar o imunizante, mas cancelou a licença em meio às suspeitas. Barros negou que sua emenda tivesse relação com o caso. 

Entender a relação de Barros com dois personagens envolvidos nas investigações também é o objetivo dos senadores hoje; a CPI busca esclarecer o envolvimento do líder do governo com o dono da Precisa MedicamentosFrancisco Maximiano, e com o ex-diretor do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, que teria feito o pedido de propina para a compra de outro imunizante, 200 milhões de doses da AstraZeneca por intermédio da Davati Medical Supply.

Maximiano, que ainda não depôs à comissão, também é sócio de outra empresa, a Global Gestão em Saúde, que intermediou contrato suspeito com o Ministério da Saúde, quando Barros chefiava a pasta, entre 2016 e 2018. Na ocasião, a pasta pagou R$ 20 milhões para comprar remédios de alto custo a pacientes com doenças raras, mas os produtos nunca foram entregues

O requerimento de convocação de Barros é de autoria do senador Alessandro Vieira(Cidadania-SE). A oitiva estava prevista para ocorrer antes do recesso parlamentar, mas foi adiada, o que levou o deputado a ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido para determinar que a CPI tomasse seu depoimento ainda em julho. A defesa de Barros alegou que adiar o seu depoimento constitui abuso de poder. 

O ministro do STF Ricardo Lewandowski indeferiu o pedido, mas garantiu que o líder do governo tivesse acesso aos documentos reunidos pela CPI da Covid referentes à sua atuação. Parte desse material foi obtida por meio da transferência dos sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático do deputado, aprovada pela CPI.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cpi-da-covid-ouve-lider-do-governo-bolsonaro-na-camara-ricardo-barros-nesta-quinta,70003808595


Luiz Carlos Azedo: O sapo barbudo

Bolsonaro explora o descontentamento dos militares com o Supremo, cuja verdadeira causa é a anulação das condenações de Lula e seu favoritismo nas pesquisas

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Derrotado, o presidente Jair Bolsonaro não se deu por vencido. Continua a cantilena contra a urna eletrônica, dessa vez anunciando que pretende provar que Aécio Neves (PSDB-MG) venceu as eleições contra Dilma Rousseff, em 2014. O tucano deu a deixa para isso, ao se abster na votação que sepultou a proposta de emenda constitucional da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que restabelecia o voto impresso. Como se sabe, Aécio tentou anular a eleição da petista e alegou abuso de poder econômico, além de pedir recontagem de votos, inconformado com a derrota.

As declarações de Bolsonaro, ao reiterar as acusações sem provas de que as urnas eletrônicas não são confiáveis, provocaram reação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para quem o assunto está encerrado e o “esticar de cordas” já ultrapassou “todos os limites”. Será? Bolsonaro havia prometido aceitar o resultado da votação. Lira virou muitos votos contra a proposta, para evitar uma derrota acachapante do presidente da República, que cairia no seu colo e no do Centrão. Resultado: o placar de 229 votos a favor da emenda (44,83%) contra 218 (42,49%), com 64 ausências, derrotou a emenda constitucional, que precisava de 308 votos, mas não liquidou a narrativa de Bolsonaro, porque a maioria dos deputados que votaram endossou a proposta.

A votação expôs as contradições do Centrão e da própria oposição. A maioria da bancada do PSDB foi a favor do voto impresso — isto é, 14 dos 26 deputados, sendo que cinco se ausentaram e Aécio se absteve. O inverso aconteceu com o PL, partido da ministra Flávia Arru- da, secretária de Governo, que contou com o apoio de apenas 11 dos 41 deputados da legenda (sete se abstiveram). Os únicos partidos que votaram monoliticamente foram do PCdoB, com oito votos contra a proposta, e o PSC, com 11 votos a favor. Em todas as demais bancadas houve dissidências e muita tensão, em razão das emendas ao Or- çamento e da pressão dos seus eleitores bolsonaristas.

Bolsonaro também tentou mobilizar seus aliados no Senado para reabrir a discussão sobre o voto impresso, mas o movimento foi prontamente esvaziado pelo presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para quem o assunto foi encerrado com a votação na Câmara. “Eu quero reiterar a minha confiança na Justiça Eleitoral brasileira, para que possa se desincumbir dos caminhos da eleição de 2022 com o máximo de lisura, sem qualquer tipo de fato que possa ser apontado em relação à fraude ou qualquer coisa que o valha”, disse. Com essa decisão, agora o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) estão alinhados em relação à segurança da urna eletrônica, mas a dúvida sobre a aceitação do resultado das eleições por Bolsonaro, caso seja derrotado, mais do que nunca, permanece no ar. Por quê?

Favoritismo
Ora, porque existe uma grande insatisfação na cúpula das Forças Armadas com o STF, que Bolsonaro explora com obstinação. Ontem, o novo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, fez gestões junto ao tribunal para tentar restabelecer o diálogo entre o ministro Luiz Fux, presidente da Corte, e o presidente da República. É um gesto importante, mas de pouca credibilidade, porque Bolsonaro trabalha em outra direção. Aproveita-se do descontentamento dos militares com o Supremo, cuja verdadeira causa é a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu favoritismo nas pesquisas de opinião para a Presidência, em 2022.

O petista fez mais pelo reaparelhamento das Forças Armadas do que qualquer outro presidente da República. Financiou projetos e reorganizou programas da indústria de Defesa: submarino nuclear, novos aviões de caça, satélites de comunicações e observação, caminhões e caros blindados, monitoramento da Amazônia. Entretanto, Bolsonaro trouxe-as de volta ao centro do poder e promete restabelecer a tutela militar sobre a nação, além de ter melhorado os soldos e preservado privilégios na reforma da Previdência. Num regime democrático, as Forças Armadas devem se manter apartadas da política. Caso Lula seja eleito, portanto, terão que engolir o sapo barbudo outra vez, como diria o falecido governador Leonel Brizola. Bolsonaro trabalha dia e noite para impedir que isso ocorra, com um golpe de Estado, caso perca eleições para o petista. Esse é o busílis do estresse da República.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-sapo-barbudo

William Waack: O limite da obediência

Militares acham que uma ordem tresloucada de Bolsonaro passou a ser uma probabilidade

William Waack / O Estado de S. Paulo

Depois do espetáculo deprimente do “desfile” militar de terça-feira ganhou corpo nos altos escalões das Forças Armadas a discussão sobre os limites de obediência ao Napoleão que transformou o Planalto num hospício. Alguns oficiais participantes desse debate (em reuniões formais e, principalmente, por grupos fechados em redes sociais) lembram o princípio consolidado na “Führungsakademie” do Exército alemão, que equivale à Escola de Comando e Estado Maior do Exército brasileiro.

É o da “Innere Führung” – traduzido livremente como “conduta moral” – desenvolvido como premissa do rearmamento da então Alemanha Ocidental nos anos 50 e da educação de todos seus líderes militares. Esse princípio estabelece que o militar é tão somente um “cidadão em uniforme”, e que deve se orientar por valores éticos e morais pertinentes a um estado democrático e de direito, e não pela obediência cega a ordens superiores (que não deixa de ser elemento essencial no funcionamento operacional de forças armadas).

Admite-se nesses círculos que o “desfile” foi uma desmoralização para as Forças Armadas e que Bolsonaro é “inassessorável” – eufemismo para “incontrolável”. Na cabeça desses oficiais superiores uma ordem tresloucada dele deixou de ser uma possibilidade e passou a ser uma probabilidade.

Com tendência crescente à medida que o isolamento político e as consequentes derrotas do presidente se acumulam e a crença mística que Bolsonaro possui de si mesmo o faz pensar que está ganhando força quando o que ocorre no mundo real da política é o contrário.

No melhor dos cenários sobre os quais se conversa amplamente nos círculos de militares superiores da ativa Bolsonaro desiste das eleições e, consequentemente, a candidatura Lula se desidrata, mas essa possibilidade é tida como utópica. Na pior simulação, segundo um participante desse debate, ele vai desrespeitar alguma ordem do STF, convocará seus seguidores para algum tipo de “resistência” nas ruas, haverá conflitos, correrá sangue e então as Forças Armadas serão chamadas para algum tipo da detestada (pelos militares) operação de Garantia da Lei e da Ordem.

Nessas mesmas conversas é reiterado que qualquer tipo de afastamento de Bolsonaro da Presidência teria de ser exclusivamente pelas vias legais – ou seja, assim como se refuta a possibilidade de golpe, recusa-se a ideia de um “ultimato” de oficiais superiores descontentes (e o número é crescente) ao presidente e seu comportamento desequilibrado. Ocorre que as vias legais parecem hoje pouco factíveis, como a do impeachment. Ou de longa duração e legitimidade contestável do ponto de vista político, que é o caminho da inelegibilidade via TSE.

Resta enfrentar a desmoralização das instituições incessantemente perseguida por Bolsonaro num ambiente político polarizado, deteriorado e próximo do que os militares chamam de “bomba social”, que é o desemprego, a miséria e a inflação intoleráveis para os mais pobres. Sem que se identifique neste governo qualquer projeto ou plano de ação para realmente fazer o País crescer além de dar dinheiro para ganhar eleições, fuzila um importante oficial superior.

Os raciocínios de militares de altas patentes espelham milimetricamente o que passaram a manifestar figuras expressivas de segmentos do mundo empresarial e financeiro, para os quais Bolsonaro não é apenas ruim para os negócios. Tornou-se a expressão de olhos revirados e vociferante do Brasil tosco, bruto, retrógrado – um motivo de constrangimento e vergonha internacional, e um acinte aos princípios e valores de uma sociedade aberta e próspera. E que se empenha em bloquear, em vez de facilitar, qualquer caminho de conciliação política, debate racional e empenho em tratar dos temas realmente relevantes.

Porém, da mesma maneira que as divididas elites econômicas e políticas, também as elites militares estão divididas e sem um claro curso de ação. Sofrem, como as outras, de falta de lideranças.


Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-limite-da-obediencia,70003808230


Congresso manobra para liberar R$ 7 bilhões de verba pública a partidos

Após aumento do fundo eleitoral para R$ 5,7 bi, parlamentares tentam ampliar para R$ 1,3 bi valor destinado ao custeio de partidos; recursos podem abastecer campanhas

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Além de aumentar o fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões em 2022, o Congresso se movimenta para adotar duas medidas que têm influência nas eleições do ano que vem: turbinar o Fundo Partidário, aquele pago todos os anos às legendas, e retomar a propaganda das legendas no rádio e na TV fora do período eleitoral. As mudanças devem ampliar o montante de recursos públicos para as campanhas e pressionar o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior.

Em 2021, o Orçamento prevê R$ 979,4 milhões para o Fundo Partidário. Para 2022, a estimativa é de que o fundo tenha R$ 1,061 bilhão, caso não haja mudança na lei. Um projeto aprovado no Senado em julho, porém, traz a volta da propaganda das siglas e aumenta os recursos do Fundo Partidário para financiar as inserções no rádio e na TV.


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Se a proposta receber o aval da Câmara e for sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, o valor vai aumentar para R$ 1,3 bilhão no ano que vem, conforme análise da Consultoria de Orçamento do Senado repassada ao Estadão/Broadcast. Somados os dois fundos (eleitoral e partidário), o gasto público com as eleições de 2022 pode chegar a R$ 7 bilhões, um patamar inédito.

Diferentemente do fundo eleitoral, pago apenas no período das disputas, o Fundo Partidário é transferido todos os anos para as legendas com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É um recurso para bancar o funcionamento dos diretórios e as atividades diárias das siglas. Em ano eleitoral, porém, o dinheiro pode ser usado para irrigar as campanhas. A única exigência é gastar 5% do total com a promoção da participação de mulheres na política, regra que o Congresso tenta flexibilizar.

A articulação para ampliar os valores ganhou força após o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir o financiamento empresarial de campanhas. A retomada dessa proposta chegou a ser ensaiada no Legislativo neste ano, mas não andou. O presidente Jair Bolsonaro já prometeu vetar o aumento do fundo eleitoral, mas admitiu negociar uma reserva de R$ 4 bilhões, patamar exigido pelo Centrão.

Propaganda. No dia 14 de julho, o Senado aprovou um projeto para recriar a propaganda partidária, extinta em 2017. A proposta foi apresentada pelos senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Wellington Fagundes (PL-MT) e é relatada por Carlos Portinho (PL-RJ), todos aliados de Bolsonaro. O PL é um dos principais partidos do Centrão. A proposta estabelece que o Fundo Partidário seja reforçado em ano eleitoral com os valores da compensação fiscal que as emissoras de rádio e TV receberam em 2016, por causa da propaganda. Em ano não eleitoral, a referência será 2017.

Se os valores forem aplicados, o Fundo Partidário terá R$ 1,291 bilhões em 2022 e R$ 1,658 bilhão em 2023, sempre aumentando nos anos seguintes, de acordo com a análise da consultoria. Os senadores aprovaram o aumento sob a justificativa de bancar o retorno da propaganda, que gera renúncia fiscal para a União. A Consultoria do Senado afirma, porém, que a compensação não é suficiente, em razão do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas independentemente da arrecadação.

Nos últimos anos, o Fundo Partidário tem sido reajustado pela inflação por causa do teto. É o que estabelece o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovado no Congresso. O texto precisa ser sancionado ou vetado pelo presidente Jair Bolsonaro até o próximo dia 20.

A intenção de retomar a propaganda partidária é tão efetiva no Congresso que os parlamentares aprovaram um dispositivo na LDO de 2022 para obrigar o governo a prever despesas com o ressarcimento das emissoras de rádio e TV pelas inserções. No parecer do projeto do Senado, o relator Carlos Portinho argumentou “que há necessidade do fortalecimento do Fundo Partidário” para arcar com o novo gasto previsto”.

“A propaganda nunca foi gratuita. (O eleitor) não tinha ideia dos volumes de compensação. E a gente está falando de dinheiro público e de tributo”, disse o senador ao defender no plenário do Senado o aumento do Fundo Partidário para financiar o retorno da propaganda das legendas no rádio e na TV. 

Impacto. Da forma como foi aprovado pelo Congresso, o fundo eleitoral vai tirar R$ 4,93 bilhões de obras e serviços de interesse dos próprios parlamentares no ano que vem, como mostrou o Estadão. O valor corresponde aos recursos que sairão das emendas de bancada estadual, calculadas em R$ 7,06 bilhões no próximo ano.

O aumento do Fundo Partidário, por outro lado, vai acabar pressionando outras ações da Justiça Eleitoral, como a manutenção dos tribunais e os investimentos em tecnologia. Motivo: os recursos saem justamente do orçamento da Justiça Eleitoral e do total arrecadado com multas no Judiciário.

Os dois fundos são despesas obrigatórias e garantidas em lei. Precisam estar na previsão de gastos da União e são blindadas de cortes. Na prática, de acordo com técnicos ouvidos pela reportagem, o aumento retira dinheiro de outras áreas, como saúde e educação. No ano que vem, por exemplo, se o Executivo verificar a necessidade de bloquear gastos federais para cumprir a meta de resultado primário – a conta que precisa fechar no fim do ano entre receitas e despesas –, o corte em outras áreas pode se tornar obrigatório, já que os fundos partidário e eleitoral estão protegidos.

No mês passado, um grupo de parlamentares entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a votação da LDO e proibir o aumento do fundo eleitoral. A Corte ainda não se pronunciou sobre a ação, mas pediu esclarecimentos à Câmara e ao Senado. A cúpula do Congresso defende a votação do projeto e nega descumprimento de normas do Legislativo, como alegam os críticos da proposta.

Para entender: fontes de financiamento

O Fundo Partidário é destinado aos partidos políticos para o custeamento de despesas diárias, como contas de luz, água, aluguel, etc. Ele é constituído por uma mistura de verba pública e doações privadas, em que entram dotações orçamentárias da União, multas, penalidades e outros recursos atribuídos pela Lei 9.096/1995. O Congresso aprovou que esse dinheiro também fosse destinado ao impulsionamento de conteúdo na internet, compra de passagens aéreas para não filiados e contratação de advogados e contadores.

Já o fundo eleitoral é um valor retirado inteiramente da verba pública (Tesouro Nacional) e destinado aos partidos em anos eleitorais para bancar as campanhas de seus candidatos, como viagens, cabos eleitorais e material de divulgação. Para ter acesso aos recursos, diretórios nacionais dos partidos precisam aprovar em votação os critérios para distribuição do dinheiro. Em seguida, as siglas enviam um ofício ao TSE com as informações sobre os critérios fixados.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,congresso-manobra-para-liberar-r-7-bilhoes-de-verba-publica-a-partidos-em-2022,70003808271

* Título original do texto foi alterado para publicação no portal da FAP


O Estado de S. Paulo: Entenda a Operação Formosa

Inédito, evento desta vez vai incluir militares das três Forças no dia em que Câmara vota PEC do voto impresso

Felipe Frazão, Marcelo Godoy e Roberto Godoy, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro acompanha da rampa do Palácio do Planalto, na manhã desta terça-feira, 10, o desfile de um comboio de veículos militares blindados que vai passar pelos arredores do Congresso Nacionalno dia em que a Câmara dos Deputados incluiu na pauta de votação a PEC do voto impresso. O evento inédito faz parte da Operação Formosa, da Marinha, que acontece todos os anos, desde 1988, mas que desta vez vai incluir homens do Exército e da Aeronáutica. Será a primeira vez que os blindados vindos do Rio passarão por Brasília e serão recebido por um presidente da República.

O principal objetivo da operação Formosa é treinar militares da Força de Fuzileiros da Esquadra, sediada no Rio. Apesar da pandemia, a operação será maior do que nos anos anteriores. Em 2019, foram 1,9 mil militares, em 2018, 1,6 mil. Em 2020, porém, apenas 500 militares participaram.

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O custo total da operação não foi informado pela Defesa, tampouco pela Marinha. Há despesas diversas, como pagamento de diárias, alimentação, deslocamento de equipamentos e construção de estruturas de apoio ao treinamento. O adestramento ocorre no Campo de Instrução de Formosa, em Goiás. A área de cerrado pertence ao Exército e é cedida à Marinha por ser a única do País em que é possível realizar esse treinamento com uso de munição real.

O treinamento reunirá pela primeira vez militares das três forças. Serão 100 do Exército, que já participou antes da operação, e 30 da Aeronáutica. Os fuzileiros fazem simulações de guerra, com aviões, paraquedistas, helicópteros, blindados, anfíbios, bateria antiaérea, detonação de explosivos, descontaminação por agentes químicos, nucleares, biológicos e bacteriológicos. Também treinam salvamentos.

No passado, militares de Forças Armadas estrangeiras já participaram como dos Estados Unidos, Portugal, Paraguai, Equador, Chile, Namíbia e Uruguai.

Por causa do tamanho do efetivo empregado e da quantidade e variedade de equipamentos testados – serão cerca de 150 – os preparativos levam cerca de dois meses, com deslocamento do Rio, a 1,4 mil quilômetros.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,entenda-a-operacao-formosa,70003805886


Vale trocar o certo pelo duvidoso?

Os potenciais ganhos do semipresidencialismo apresentam custos não triviais

Carlos Pereira / O Estado de S. Paulo

Qualquer sistema político possui um arcabouço institucional multifacetado e complexo de várias dimensões tais como regras eleitorais, sistema de governo, estrutura federativa ou unitária, número de câmaras legislativas, poderes constitucionais do Executivo, nível de independência das organizações de controle etc., que devem estar em relativo equilíbrio para dar funcionalidade ao sistema.

Muitos têm argumentado que o sistema político brasileiro, por ser “hiperpresidencialista”, isto é, com concentração excessiva de poderes no Executivo, tem sido fonte incessante de crises. Reformas de toda sorte têm sido propostas de tempos em tempos como “soluções milagrosas” para gerar a tão sonhada eficiência que o presidencialismo multipartidário supostamente não teria condições de ofertar.

A “bola da vez” parece ser o semipresidencialismo, regime no qual um presidente, eleito pelo voto popular, exerceria funções de chefe Estado, e um primeiro-ministro, escolhido pela maioria do Parlamento, exerceria funções de chefe de governo. 

A grande promessa do semipresidencialismo seria uma maior flexibilidade de substituir governos que perdem maioria parlamentar, sem abalar o mandato presidencial. Essas mudanças ocorreriam, supostamente, sem grandes traumas ou conflitos tão característicos da rigidez de presidencialismos puros, que requerem processos de impeachment muitas vezes traumáticos e polarizados para se livrar de presidentes durante seus mandatos. 

Mas o semipresidencialismo também apresentaria desvantagens, especialmente quando implementado em um sistema político com características marcadamente consensualistas, como o brasileiro, pois a entrada de um primeiro-ministro representaria um ponto de veto adicional num sistema que já possui inúmeros, tais como representação proporcional, federalismo, bicameralismo, fragmentação partidária, Judiciário independente etc.

Portanto, a suposta eficiência de uma maior flexibilidade de mudanças de governos teria que ser confrontada com a potencial perda de eficiência governativa gerada pela entrada de mais um ponto de veto no jogo. Além do mais, regimes semipresidencialistas, que conferem substanciais poderes legislativos ao presidente, tendem a aumentar conflitos com o primeiro-ministro, o que pode acarretar maiores instabilidades ao governo, especialmente se esses atores pertencerem a partidos políticos ideologicamente opostos. 

Em estudo que analisa 72 democracias no mundo, que acaba de ser aceito para publicação na revista Government & Opposition, os colegas André Borges e Pedro Ribeiro mostram que enquanto os poderes legislativos do presidente em regimes presidencialistas puros, como o brasileiro, estimulam a coordenação por meio do aumento da coesão e da disciplina partidária, em regimes semipresidencialistas teriam o efeito inverso. Ou seja, diminuiriam a coesão e disciplina enfraquecendo assim os partidos. 

A almejada eficiência do semipresidencialismo é, portanto, condicionada à existência de presidentes fracos, sem poderes legislativos formais e sem condições de desafiar políticas consideradas indesejáveis que o primeiro-ministro queira implementar. Só nestas condições é que presidentes teriam incentivos para cooperar com o primeiro-ministro e, como consequência, níveis mais elevados de unidade e disciplina partidária poderiam ser observados. 

Ainda que de forma não linear, tem sido por via do presidencialismo multipartidário que o Brasil tem vivido em relativa estabilidade macroeconômica, responsabilidade fiscal, inclusão social e racial, diminuição de pobreza e desigualdade, combate à corrupção etc.

Considerando que todo sistema político tem ganhos e perdas e que o modelo atual tem gerado estabilidade democrática de forma sustentável e a custos relativamente baixos quando bem gerido, a pergunta que fica é se vale a pena correr os riscos das incertezas do regime semipresidencialista.

*Cientista político e professor titular da escola brasileira de administração pública e de empresas (FGV EBAPE)

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,vale-trocar-o-certo-pelo-duvidoso,70003804621


Planeta vai esquentar 1,5ºC uma década antes do previsto

Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC) mostra que janela de oportunidade para limitar efeitos dessas mudanças está se fechando; secas e queda da produção agrícola são problemas esperados para o Brasil. Planeta também vai enfrentar efeitos climáticos extremos.

Emilio Sant’Anna , O Estado de S. Paulo

A Terra está esquentando mais rápido do que era previsto e se prepara para atingir 1,5ºC acima do nível pré-industrial já na década de 2030, dez anos antes do que era esperado. Com isso, haverá eventos climáticos extremos em maior frequência, como enchentes e ondas de calor. A mensagem clara foi dada nesta segunda-feira, 9, pelo Painel Intergovernamental sobre o Clima da ONU (IPCC).

O que faremos imediatamente com essa informação irá definir o tamanho do impacto na vida de 7,6 bilhões de pessoas no planeta. Certo é que os efeitos do aquecimento virão. A redução sustentada nas emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases de efeito estufa, no entanto, ainda pode limitar as ameaças dessas mudanças climáticas.  Caso contrário, alguns dos efeitos diretos para países como o Brasil serão secas mais frequentes e a queda na capacidade de produção de alimentos.

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Especial: Quanto mais quente, pior

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Desde 1850, já avançamos ao menos 1,1ºC na média da temperatura global. Foto: REUTERS

Desde 1850, já avançamos ao menos 1,1ºC na média da temperatura global. Mais de 0,4ºC de aumento irá produzir número maior de secas severas, ondas de calor, chuvas torrenciais, enchentes, tornados, incêndios florestais e reforçar a tendência de aumento do nível do mar. Todos esses efeitos já ocorrem em nível superiores aos do passado.

A lista, no entanto, vai além e a frequência desses eventos extremos está diretamente ligada ao quanto nós veremos a Terra esquentar neste século. Ou seja, ainda resta uma “janela de oportunidade”, cada vez menor, para tentar limitar o aquecimento abaixo de 2ºC até 2100, como definido no Acordo de Paris em 2015 (pacto assinado por quase todos os países para conter o aquecimento do planeta). A postura negacionista de autoridades - como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o ex-líder americano Donald Trump - tem sido apontada por especialistas como um dos principais obstáculos. 

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Diversos efeitos já são sentidos em todo o mundo, como o aumento da ocorrência de eventos extremos Foto: Infografia/Estadão

O caminho seguro é um só: limitar o gás carbônico (CO2) na atmosfera, atingindo pelo menos zero líquido de emissões (saldo das emissões descontada a absorção do carbono), juntamente com grandes reduções em outras emissões de gases do efeito estufa. O Acordo de Paris prevê zerar as emissões líquidas até 2050. “Damos conta de apontar a situação de acordo com a ciência. Se isso pode ou vai ser feito cabe aos tomadores de decisões”, diz Paulo Artaxo, autor-líder de um dos capítulos do relatório do IPCC e professor da Universidade de São Paulo (USP).

O motor do aquecimento está na queima de combustíveis fósseis, como petróleo, gás e carvão mineral, por veículos a combustão e usinas termoelétricas, e a consequente produção de CO2. Mas não só: o metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), resultantes de atividades agropecuárias, compõem a trinca do efeito estufa. Some-se a isso a produção de aerossóis.

Os 234 cientistas de 66 países reunidos pelo IPCC produziram um relatório com mais de 14 mil referências citadas, com um total de 517 contribuições de outros autores. No documento, o Painel é taxativo: “É um fato estabelecido que a influência humana aqueceu o sistema climático e que mudanças climáticas generalizadas e rápidas ocorreram”.

Lytton Canada onda de calor
Lytton, cidade do interior da Colúmbia Britânica, foi a mais duramente atingida pela onda de calor que atingiu o Canadá. Foto: JR Adams/Handout via REUTERS

“É importante observar que nas últimas duas semanas foram publicados artigos científicos muito contundentes, e que não foram considerados neste relatório, mostrando que estamos muito próximos desse ponto. O relatório aponta que é fato”, diz Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil. “O relatório subiu muito o tom da mensagem.”

A essas evidências científicas somam-se catástrofes causadas por eventos extremos atuais, como a onda de calor no Hemisfério Norte com temperaturas recordes em países como o Canadá. Na Turquia, isso chegou a um nível de 8°C superiores à média e um forte incêndio atingiu as florestas do país. Na Alemanha, enchentes devastaram cidades. Tudo isso em meio à pior crise sanitária dos últimos cem anos causada pela pandemia de covid-19

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Deslizamento de terra em Colônia, na Alemanha, após temporal. Foto: (Rhein-Erft-Kreis via AP)

Embora não seja objeto do relatório, diversas pesquisas também vêm apontando a relação entre desmatamento e alterações do equilíbrio ecológico com o surgimento de novas doenças. Danos ambientais, portanto, podem nos impor novas pandemias à humanidade. 

Cenários futuros

A forma como as pessoas já percebem e como experimentarão tamanhas alterações no clima dependem de fatores regionais. Atualmente, o aquecimento em terra é maior do que a média global e é mais do que o dobro no Ártico, por exemplo. O IPCC apresenta de forma detalhada os cenários futuros para cada uma das grandes regiões do planeta. Com 1,5ºC ou até 3ºC acima dos níveis pré-industriais regiões como o Hemisfério Norte o Ártico sofreriam impactos maiores do que outras áreas.

Incêndios na Califórnia
Incêndios registrados na Califórnia põem autoridades americanas em alerta. Foto: REUTERS/Stephen Lam

O relatório também projeta cenários futuros possíveis decorrentes do aumento da temperatura global em curto, médio e longo prazos. Entre as menos impactantes estão, por exemplo: “A temperatura da superfície global continuará a aumentar até pelo menos meados do século em todos os cenários de emissões considerados. O aquecimento global de 1,5° C e 2° C será ultrapassado durante o século 21, a menos que profundas reduções de CO2 e outras emissões de efeito estufa emissões de gases ocorrerão nas próximas décadas”.

As projeções mais impactantes incluem aumentos na frequência e intensidade de extremos de calor, mudanças nas correntes marinhas, fortes precipitações, secas com efeitos na produção agrícola, aumento na proporção de ciclones tropicais intensos, e reduções na cobertura de neve e na permafrost.

Após quatro anos sob a gestão do republicano Trump, apenas neste ano os Estados Unidos se realinharam aos compromissos assumidos no Acordo de Paris, assinado, em 2015, por 175 países.  À época, os EUA se comprometeram a reduzir suas emissões entre 26% e 28% até 2025 em relação a 2005. Trump retirou o país do acordo e, neste ano, o recém-eleito presidente Joe Biden fixou a meta de neutralidade de carbono (o mesmo que zerar as emissões líquidas) até 2050. Os EUA são o 2º no ranking dos maiores emissores do mundo.

China, no topo dessa lista, responsável por mais de 25% das emissões mundiais, comprometeu-se a reduzir as emissões de CO2 em relação ao PIB entre 60% e 65% até 2030. Em setembro de 2020, o país anunciou que pretende atingir a neutralidade de carbono até 2060. Como isso será feito, no entanto, não está claro.

No ano passado, após o anúncio de que ficaria de fora da conferência do clima (COP) da ONU, na qual alguns países repactuaram e apresentaram novas metas, o Brasil se comprometeu a atingir zero de emissões líquidas de gases de efeito até 2060. Na ocasião, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que a meta poderia ser antecipada, mas condicionou o avanço ao financiamento de outras nações. "Se tivermos o recebimento de recursos para o Brasil na ordem de US$ 10 bilhões por ano a partir de 2021", disse o ex-ministro.

Sexto maior emissor do planeta, o Brasil vai na contramão do que se espera do país e é cada vez mais pressionado por países como os EUA a assumirem metas mais ambiciosas. Sob a gestão Bolsonaro os índices de desmatamento da Amazônia e do Cerrado dispararam e bateram recordes negativos. Atividades ilegais como grilagem, garimpo sem licença e invasões de terras públicas também são cada vez mais comuns.

O novo relatório do IPCC aponta que muitas das mudanças observadas no clima não têm precedentes em milhares e centenas de milhares de anos. Algumas dessas alterações, como o aumento contínuo do nível do mar, já são irreversíveis em períodos também de centenas a milhares de anos.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,onu-aponta-planeta-1-5c-mais-quente-uma-decada-antes-do-previsto-e-eventos-climaticos-extremos,70003804771

*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)