o estado de s paulo

Eros Roberto Grau: O tempora, o mores

O tempo nos livrará da angústia da pandemia e da insegurança política que suportamos

Repito a mim mesmo um verso de um poema do Augusto Meyer, gaúcho como eu que conheci pelas mãos de Manuel Bandeira em 1958, no Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro. Tornamo-nos amigos então, ele encantado pelo fato de eu declamar alguns de seus poemas. Em especial aquele verso que, em glosa, agora repito assim: masco e remasco a minha ansiedade, minha angústia chewing gum.

Começo a escrever estas linhas também a partir do Cântico Negro, do José Régio: “não sei por onde vou, não sei para onde vou, sei que não vou por aí!”. O ímpeto de escrever a respeito de mim mesmo e da superposição do passado, do presente e do futuro toma conta de mim. Múltiplo enquanto ser humano, fui membro do Poder Judiciário, voltando a atuar como advogado desde 2010. Hoje produzo livros jurídicos e literatura de verdade, retornando à fotografia. Muitos eu mesmo no passado e no presente – hoje, aqui, agora – convictos de que o tempo é convenção.

Escrevi a respeito disso no meu A(s) Mulher(es) que Eu Amo, afirmando que os acontecimentos não são encadeados, não se seguem uns aos outros. Menos ainda consequentes. Nada impede que o antes ocorra depois e um estalar de dedos seja mais longo do que a eternidade. No quadro da literatura que tento praticar, um sujeito inventou um descompressor do tempo, mexeu no lugar errado e pum! Entramos na Antiguidade e passamos a ser uma civilização sem pré-história. Começamos pela metade. Dei-me conta de que se aumentarmos cem vezes, exatamente na mesma proporção, o tamanho de todas as coisas que enxergamos, nada será diferente do que é. Tudo exatamente na mesma proporção. Objetos, pessoas, horizontes, nós mesmos. Multipliquem por mil ou os dividam por um milhão e tudo será exatamente igual ao que temos aqui, agora.

Realmente estou confuso. Não sei a respeito do que escrever, pois o tempo é uma convenção e – aprendi ouvindo o Lulu Santos – nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Pois tudo passa, tudo sempre passará. O velho Heráclito me ensinou ser impossível pisarmos duas vezes no mesmo rio. Depois Hegel, ao ensinar que a História não se repete e outro autor, ao escrever sobre o 18 Brumário.

Ainda que seja assim, manifestações do nosso Poder Executivo hoje me perturbam, de sorte que – sorte ou azar? – não sei o quê, do que falar, escrever…

Aqui mesmo, na edição de 2 de abril passado, afirmei que a pandemia que hoje suportamos impacta sobre o todo do qual somos meras partículas. Política é a atuação dos que se ocupam dos assuntos públicos, no quadro em que estão inseridas relações institucionais e sociais. A suposição de que se possa instalar acirramento entre essas relações é expressiva de ignorância ou de más intenções. Atuação que, na primeira hipótese, conduz a conflitos entre instituições políticas e o todo social. Conflitos que nos levam àquelas palavras de Jesus: “Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem”. Na segunda hipótese, expressiva de más intenções. Os graves momentos que hoje vivemos trazem de volta um poema de Álvaro Moreyra, no qual ele afirma que palavras não dizem nada, melhor é mesmo calar. Nada mesmo a dizer a respeito da atuação de quem se dispõe a agredir o todo a fim de obter vantagens pessoais.

São terríveis os momentos que hoje vivemos. Além da pandemia que assola o mundo em seu todo, habitamos um país onde os juízes dos nossos tribunais são agredidos aos gritos pelas ruas. Conheci Alexandre de Moraes na Faculdade de Direito da USP. Ele e o Toffoli eram da mesma turma. Eu – mais velho que eles – professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Anos depois, início do ano 2000, Alexandre tornou-se meu colega, docente lá nas Arcadas. Quando chegou ao STF eu já me aposentara por conta da idade, mas esses três vínculos nos unem para sempre. Um homem correto, praticante de prudência – a phronesis aristotélica – ao decidir corretamente, no quadro da Constituição e das leis. A conduta de Alexandre como magistrado traz a mim esperança e certeza de que o Tempo nos livrará não apenas da angústia decorrente da pandemia, mas também da insegurança política que nos dias que correm suportamos.

Felizmente, no entanto, a angústia dos dias de hoje é superada por momentos de alegria, quais os que me trouxeram dois professores das velhas Arcadas do Largo de São Francisco que haviam rompido a amizade comigo e há dois ou três dias me convocaram para a ela voltarmos.

A música e a poesia me acompanham, por conta do que vou andar por aí, pra ver se encontro a paz que perdi! De repente soa em meus ouvidos o último verso de um poema do meu amigo Manuel Bandeira, Pneumotorax: a única coisa a fazer é tocar um tango argentino!

Os que por aí estão deveriam ouvir Sócrates: só sei que nada sei! Embora no fundo de mim mesmo eu suponha que Sócrates hoje se referiria a outros, assim: só sei que eles nada sabem!

*Advogado, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, foi ministro do Supremo Tribunal Federal


Eliane Cantanhêde: A fila anda

Bolsonaro tem crise de abstinência quando não persegue alguém. Vítima da vez é Nelson Teich

“Tratar isso como não essenci…, como… como não essen… como essencial é um passo inicial. Foi decisão do presidente… que decidiu isso aí. Saiu hoje isso? Manicure, academia… barbearia? Não… Isso aí… não é atribuição nossa.”

Foi assim, pego de surpresa, balbuciando, que Nelson Teich, ministro da Saúde, médico oncologista respeitado, com especialização em gestão em saúde, descobriu numa entrevista coletiva que não apenas não manda nada como passou a ser o novo saco de pancadas do presidente Jair Bolsonaro no governo.

Mal acabou de demitir Luiz Henrique Mandetta e de empurrar porta afora o “superministro” Sérgio Moro, o presidente já passou a desautorizar ninguém menos que o novo ministro da Saúde, justamente em meio à pandemia e com o número de mortos chegando a mil por dia. Por dia!

O enredo é bem conhecido. Primeiro, o presidente dá bronca no ministro ou auxiliar em entrevistas. Depois vai minando a autonomia e a autoestima da vítima. Por fim, demite ou pressiona para a demissão. No script, falas recheadas de autoafirmação: “Eu sou o presidente, pô!”, “eu que fui eleito”, “Eu nomeio, todos têm de ser afinados comigo”, “Quem manda sou eu. Ou vou ser um presidente banana?”.

A fila das vítimas é longa. Além de Mandetta e Moro, o delegado Maurício Valeixo, da PF, o general Santos Cruz, secretário de governo, o amigão Gustavo Bebianno, secretário geral da Presidência, o economista Joaquim Levy, do BNDES, e o cientista Ricardo Galvão, do Inpe. Sem falar na secretária da Cultura, Regina Duarte, que está em banho maria, nem nos superintendentes da PF no Rio, um atrás do outro. Em compensação, Ernesto Araújo (anti-China), Weintraub (anti-STF e antiportuguês) e Ricardo Salles (desmatamento) continuam muito prestigiados.

Assim como Regina Duarte, Nelson Teich assumiu sem nunca ter assumido e é uma ilha na própria casa, provavelmente nem sabe os nomes da sua equipe. Não indicou ninguém para o Ministério, engoliu uma penca de militares que não conhecia e nunca conseguiu apresentar um programa, um modelo de combate ao coronavírus. Da última vez que tentou, acabou cancelando a entrevista minutos antes do início.

Há um muro entre Jair Bolsonaro e Nelson Teich: a ciência. Apesar de bolsonarista desde a campanha de 2018, Teich tem uma biografia a zelar. Não vai jogar isso fora para agradar ao presidente, contrariando estudos científicos do mundo inteiro e pregando o fim do isolamento social e o uso indiscriminado de cloroquina.

Enquanto Teich admite até o lockdown em algumas circunstâncias e regiões, Bolsonaro mantém sua cruzada insana contra o isolamento e, portanto, para jogar mais e mais pessoas nas ruas, nas UTIs e nos túmulos. Enquanto o ministro avisa que a cloroquina não salva vidas e tem graves efeitos colaterais, o Dr. Jair “está exigindo” seu uso.

É assim, na base do achismo e centrado nele mesmo, que Bolsonaro solta uma polêmica MP livrando agentes públicos de responsabilidade por decisões durante a pandemia, define uma “guerra” contra o governador João Doria, confraterniza com o grande capital, tenta capturar eleitores pobres do PT e mantém sua relação esquizofrênica com deputado Rodrigo Maia. Ataca, depois chama em palácio e abraça.

Enquanto isso, convém ler e entender o artigo de ontem do vice Hamilton Mourão no Estadão, com múltiplos recados e puxões de orelhas no Judiciário, governadores e mídia, sem um pingo de crítica (ou autocrítica) aos graves erros do governo. “Nenhum país do mundo vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil”, decreta o vice. Impossível discordar. Mas faltou nomear quem efetivamente causa tanto mal assim.


Zeina Latif: Tiro no pé

É necessário evitar ações que gerem mais distorções e efeitos colaterais na economia

Somos uma sociedade mais propensa a apontar vilões do que a enfrentar os problemas com base em diagnósticos corretos. A crise atual explicita essa fraqueza.

Há preocupações de todos os lados, mas é necessário evitar ações que poderão gerar mais distorções na economia e efeitos colaterais perversos, sem produzir o benefício desejado.

Os bancos – desde sempre no topo da lista de arqui-inimigos - são acusados de “empoçar” recursos e não liberar crédito a empresas e famílias, e são pressionados a bancar parte da fatura da crise. Enquanto isso, pouco esforço é feito para compreender o funcionamento de um setor essencial ao funcionamento da economia.

Os dados do mercado de crédito em março mostram que as críticas são precipitadas, ainda que haja um descompasso entre o aumento brutal da demanda de crédito e a capacidade de atendimento dos bancos.

A concessão (fluxo) de crédito livre para PJ subiu 60% em março em relação a fevereiro, sendo que quase metade está associada à demanda por capital de giro e antecipação de receitas das empresas.

Na PF, o resultado não foi melhor por conta da natural retração de demanda, como na aquisição de veículos e no cartão de crédito (à vista). Como o endividamento dos indivíduos está nas máximas históricas, acima de 45% da renda anual, o espaço para elevações adicionais é limitado, por conta do risco de inadimplência adiante.

O crédito está fluindo, com liderança dos bancos privados – alta de 3,5% no estoque, ante 2,1% dos bancos públicos –, o que ocorre com folga desde 2019. Tem também aumentado a capilaridade do crédito em favor das micro, pequenas e médias empresas, o que poderá ser afetado com a crise.

É a saúde do setor bancário – índices de liquidez e de capitalização adequados e elevada cobertura dos (elevados) ativos problemáticos – que permite a reação favorável do setor às medidas de estímulo do Banco Central. Além de essencial para o bom funcionamento da economia, é um importante ingrediente de sustentação da nota de crédito do Brasil pelas agências de risco.

Não podemos perder isso. Ameaças não faltam, no entanto. Como se não bastasse o inevitável aumento de inadimplência este ano, há o risco de reações inadequadas à crise.

Há no Congresso iniciativas preocupantes, como a suspensão do pagamento do crédito consignado e a elevação da CSLL de 20% para 50% para bancos, um setor com carga tributária superior ao restante da economia. São medidas que elevam a insegurança jurídica e ameaçam a estabilidade financeira, a oferta de crédito e a agenda de desconcentração bancária.

Há também uma proposta de emenda constitucional de iniciativa de vários senadores que estabelece um fundo de combate à pobreza, de forma que, caso limites definidos de pobreza infantil sejam desrespeitados, serão acionados gatilhos para elevar a transferência de renda aos pobres. Além de dotações orçamentárias, o recurso do fundo viria da taxação dos bancos, com alíquotas progressivas da CSLL, que poderiam atingir 70% a depender do lucro da instituição. O resultado seria crédito mais escasso, pois os bancos precisam adicionar capital para poder emprestar, o que ficaria prejudicado. Com isso, menos crescimento e empregos.

Há problemas de diagnóstico e desenho dessa medida, muito diferente do que ocorre no Bolsa Família, que poderia ser aprimorado e tem a vantagem de exigir que a criança frequente a escola, para não se perpetuar a pobreza.

Transferir renda pode ajudar no curto prazo, mas não permite o combate à pobreza de forma sustentada. Para isso, é necessário garantir o acesso dos mais vulneráveis a serviços públicos de qualidade. O Brasil precisa de igualdade de oportunidades para reduzir a pobreza.

De quebra, a medida é constitucional, o que agravaria a já elevada rigidez orçamentária.

Certamente, há espaço para elevar a progressividade dos impostos, mas é necessário trabalho sério para evitar mais distorções no sistema tributário.

Apontar vilões e buscar saídas fáceis é atitude infantil. Precisamos discutir mais seriamente nossos problemas.

*Consultora e doutora em economia pela USP


William Waack: Equilíbrio precário e perigoso

Uma combinação de fatos não deixa prosperar, por enquanto, ações para derrubar Bolsonaro

A rigor, o que já se sabe do que está no vídeo da reunião ministerial trazido à tona por Sérgio Moro não surge ainda como prova, mas comprova. Criminalistas experientes lembram que até provas materiais do tipo “conclusivo” são, nos procedimentos judiciais, passíveis de “interpretações”. E são poucas aquelas “provas técnicas” que, neste momento, poderiam produzir a “interpretação” necessária para sustentar uma denuncia pelo procurador-geral da República contra o presidente da República.

Do ponto de vista político, porém, o vídeo é uma comprovação didática de que o governo é comandado sem foco e preso ao que o chefe do Executivo acha que lhe é vantajoso dos pontos de vista político de curto prazo e pessoal. Além daquilo que ele vocifera como se comandasse um bando, as vozes mais eloquentes nesse vídeo são de ministros incompetentes, apegados a teorias malucas, dispostos a pronunciar frases de lacração na internet do tipo “prendam ministros do STF”, “prendam governadores”, como se decidissem na mesa de um bar quem brada estupidezes de forma mais contundente.

Sozinho, o vídeo não é uma bala de prata e, para compor a “interpretação” que levaria a uma denúncia da PGR que levaria a Câmara a aprová-la e afastar o presidente, é preciso avaliar se e como se daria um rompimento do precário equilíbrio com o qual hoje Bolsonaro se mantém no poder. Esse equilíbrio é dado, por um lado, pelo Congresso, obviamente desinteressado no momento em um processo de impeachment – mas disposto a lucrar no sentido literal da palavra com a fragilização política de um presidente cujas opções de ação e popularidade vão diminuindo, mas que mantém um núcleo duro de cerca de 20% do eleitorado.

De outro, está ação motivada institucional e politicamente por integrantes do STF, hoje o principal perigo para Bolsonaro. O presidente conseguiu unir integrantes da cúpula do Judiciário, notoriamente divididos entre si, na convicção de que ele, Bolsonaro, é o maior perigo institucional por se recusar a aceitar que não é detentor do “poder imperial” para fazer o que bem entender. Alguns desses ministros viram no inquérito solicitado pelo PGR para investigar interferência ilícita do chefe do Executivo na Polícia Federal – um evento que não estava no radar de ninguém apenas um mês atrás – a oportunidade de desencadear um processo político a partir de um procedimento judicial.

Do jeito que as coisas estão, esse impulso não vai prosperar, por conta da combinação dos fatos de que o Congresso, por enquanto, não quer, os ministros militares continuam dando suporte ao presidente e a PGR não vê, ainda, motivos para oferecer uma denúncia. De onde eventualmente viria, então, o empurrão que alteraria o precário equilíbrio atual? Um grande risco para Bolsonaro é Bolsonaro mesmo, como demonstra a situação que criou ao demitir Moro ou, por exemplo, ao levar governadores e desafiá-lo e desobedecê-lo abertamente, tornando ainda mais difícil falar de “pacto federativo” na já gravíssima crise econômica e de saúde pública.

Esses dois últimos fatores (crise econômica e de saúde pública), que estão fora do controle de qualquer agente político, têm condições de alterar o equilíbrio e criar ambiente propício para “interpretações” de provas que levem rapidamente a juízos políticos. A evolução da crise de saúde pública indica que o País viverá em prazo breve o triste placar de mil mortos por dia pelo coronavírus, conta que será associada a um governo que passou os momentos iniciais da tragédia afirmando que ela não aconteceria. Os efeitos negativos da recessão virão em “time delay”, isto é, a devastação trazida pela inédita retração da atividade econômica deve se fazer sentir com mais força a partir do segundo semestre.

É difícil imaginar que Bolsonaro e seu governo saiam intactos do outro lado dessa dupla catástrofe.


José Serra: Sobre filas e descompasso na urgência social

Não é razoável deixar de pagar um benefício emergencial por causa de pendência eleitoral

As filas, enormes e anárquicas, que a população brasileira tem enfrentado para receber um benefício social emergencial contrariam as normas sanitárias e o bom senso. De forma precipitada, mas previsível, o dedo acusador é endereçado ao ente pagador, a Caixa Econômica. O descompasso entre a urgência social (a emergência sanitária) e o martírio dos longos períodos na espera de atendimento – muitas vezes infrutíferos – pode ser manifestação da ineficiência e ineficácia da corporação. Mas também, e mais provavelmente, é a expressão de um desenho legal e institucional inadequado para responder a uma situação que o mundo está vivendo e nos pegou a todos de surpresa. A atual pandemia pode não ser um cisne negro, mas seu tamanho, tal como se mostrou, com extensão e virulência inéditas na História recente da humanidade, era improvável.

No Brasil, o caso específico do pagamento do auxílio emergencial se reproduz, com outras singularidades, nas mais diversas dimensões sociais, políticas, econômicas e mesmo científicas. Os protocolos usuais para criar, testar e aprovar medicamentos parecem estar em conflito com as demandas por respostas sanitárias quase imediatas ao flagelo. Toda a formatação institucional, legal e organizacional, que parecia ser funcional em tempos “normais”, está sendo submetida a um estresse que induz, pela ineficiência que revela neste momento de crise, a desrespeitar o seu cumprimento. Metas fiscais como as contempladas no Tratado de Maastricht, no caso europeu, são abertamente ignoradas. Se alguma vez puderam ser consideradas um arcabouço para disciplinar potenciais irresponsabilidades na gestão da política econômica, hoje parecem completamente disfuncionais.

Que lições podemos colher do atual choque? Parece óbvio: a resposta dependerá do futuro pós-pandemia. Se assumimos uma perspectiva otimista e presumimos um rápido retorno ao “antigo normal”, as tarefas para o futuro serão desafiadoras; essencialmente, consistirão em administrar a “ressaca” no tempo – como as dívidas públicas que serão deixadas de herança. Alguns ajustes serão feitos nas diversas áreas, principalmente na sanitária, mas, basicamente, instituições, marcos legais e formatações organizacionais permanecerão.

Nessa perspectiva, a atual crise seria entendida como um evento transitório, talvez produto da “má sorte”, um episódio que dificilmente se reproduziria no futuro e que, com os ajustes pertinentes, na eventualidade de uma réplica, as sociedades – especialmente as modernas democracias liberais – seriam capazes de administrar. Transformar o período pré-coronavírus em nova utopia a ser perseguida apequena os corolários da atual crise.

Afora aspectos muito específicos, a recomendação que podemos extrair da análise da atual conjuntura diz respeito à necessidade de assumirmos o futuro em que o normal é formular respostas flexíveis para a incerteza e a dubiedade, com o desenho de marcos de regulação institucional, legal e organizacional propensos a rápidas adaptações. Estruturas rígidas, centralizadas, muito hierarquizadas, nas quais prevalecem lentos processos burocráticos de decisão, aprofundarão custos dos imprevisíveis choques negativos no futuro. A única certeza que podemos ter é a imprevisibilidade e a ela temos de nos adaptar.

A estrutura da Caixa não parece ser a mais adequada para oferecer uma resposta urgente à situação atual de emergência social. Não apenas não oferece solução eficiente, como aprofunda os desdobramentos negativos, com as filas e aglomerações.

Outras formas organizacionais, como as atuais fintechs, devem ser avaliadas e experimentadas. Em termos de marcos legais, não é razoável imaginar que um benefício emergencial possa deixar de ser pago porque o CPF do potencial beneficiário foi bloqueado por pendência com a Justiça Eleitoral. Isso deveria ter sido considerado antes do anúncio dos pagamentos, e não após as aglomerações e confusões amplamente noticiadas.

Em matéria sanitária temos situações similares. Uma resposta inadequada ou insuficiente seria a formação futura de amplos recursos humanos na área de médicos “urgentistas”. Todavia não sabemos onde e como se manifestará a próxima crise sanitária. A prioridade deve ser formar recursos humanos nas diferentes áreas da saúde com flexibilidade para serem alocados com rapidez onde a carências se manifestarem.

O mundo moderno é assemelhado a uma enorme rede. A sua complexidade e a interconectividade têm inúmeras vantagens, mas apresentam enormes riscos, sendo um deles a possibilidade de choques que provoquem processos centrífugos de desintegração. Em outros termos, as sociedades contemporâneas podem ser comparadas a sistemas dinâmicos em que as possibilidades de uma trajetória caótica são sempre factíveis. Não podemos retroceder na complexidade atual das interações dos países e tampouco prever a integralidade dos choques. A alternativa será desenvolver marcos institucionais, legais e organizacionais que tenham flexibilidade suficiente para evitarmos cenários de caos e desintegração.

  • José serra é senador (PSDB-SP)

O Estado de S. Paulo: FHC teme que Forças Armadas possam tomar ‘gosto pelo poder’

Ex-presidente também disse que Sérgio Moro não deveria ter deixado a magistratura e assumido a pasta da Justiça no governo Bolsonaro

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mostra preocupação com a possibilidade de que as Forças Armadas possam se apegar ao poder em um governo com cada vez mais militares e enxerga no país um cenário político com o Legislativo e Judiciário tentando preencher vazios deixados por um Executivo que, de acordo com ele, está “cambaleante” e “sem rumo definido”.

“Há muitos (militares no poder) e cada vez mais. E isso é uma fragilidade política do governo”, afirmou FHC, de 88 anos, em entrevista à Agência Efe por videoconferência em sua residência, em São Paulo. “Não podemos permitir agressões contra a Suprema Corte, contra o Congresso, que vão contra a democracia”, acrescentou.

Na entrevista à Efe, o ex-presidente também opinou que Sergio Moro não deveria ter deixado a magistratura e assumido a pasta da Justiça no governo de Jair Bolsonaro. “Creio que ele se equivocou ao aceitar ser ministro. Não por ser ministro do Bolsonaro, mas porque trocou o âmbito da Justiça, no qual atuou a vida toda, pelo Executivo, e ficou em uma situação delicada, porque não era um homem predisposto a estas funções (políticas)”, comentou.

Leia abaixo a entrevista.

O senhor chegou a pedir nas redes sociais a renúncia de Bolsonaro. Mantém essa posição?

Na política interna, sou duro com ele. Não porque não gosto dele ou porque não é do meu estilo, mas porque ele exagera. Não podemos permitir agressões contra a Suprema Corte, contra o Congresso, que vão contra a democracia. E ter casos em que o presidente participe dessas agressões é grave. Os que têm força política têm que se expressar em defesa da democracia. Neste momento, quando se nota que o Executivo está cambaleante e não tem um rumo definido, o que acontece? Os demais órgãos constitucionais, a Suprema Corte, os Parlamentos, começam a ocupar o vazio de poder, e isso é perigoso.

Bolsonaro está mal assesorado, recebe influência negativa dos filhos? Qual é o problema com o governo?

Não estou lá, nem o conheço. Bolsonaro era deputado, eu era senador, ministro, presidente. Nunca o vi. Ele queria me matar uma vez, (disse que) queria atirar em mim (em referência a uma declaração de Bolsonaro no final dos anos 90), porque me acusou de ser neoliberal. Eu não o conheço, nem conheço seus familiares. Para os presidentes, há sempre o risco de que a família comece a opinar demais. O povo escolheu o presidente, não sua família. Que a família fique em silêncio.
No caso dele (Bolsonaro), é mais complicado, porque os três filhos mais velhos têm mandato político próprio (Flávio é senador, Carlos é vereador no Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal).

É importante observar o que está acontecendo nos Estados Unidos. Trump incentiva a posição “America First” (“EUA primeiro”), e isso leva a uma atitude isolacionista. Se o Brasil tem uma grande vantagem neste mundo confuso, é por estar longe da China e dos EUA. Podemos exportar para ambos. A China é o cliente número 1, e os EUA são o número 2, e não há por que o Brasil se alinhar a um dos dois polos, se é que são polos.

Sobre a ideologia que é propagada por (o ex-estrategista de campanha de Trump, Steve) Bannon nos EUA, aqui (no Brasil) há um senhor de quem nunca ouvi falar (o filósofo Olavo de Carvalho) e que está sendo muito propagado, e não é importante culturalmente falando, mas politicamente sim, porque inspira ações da família presidencial. Então há um movimento nessa direção, o que eu acho perigoso.

Alguém mencionou que o Brasil se pareceria com a Itália entre guerras de Mussolini. Mas Mussolini era uma pessoa muito culta se comparada ao atual aqui (Bolsonaro). Não tem nada a ver com Mussolini, o que acontece aqui é que não há uma visão ideológica organizada, aqui há um impulso instintivo que considera algumas coisas como mundo ‘globalista’, que há um ‘marxismo globalista’. Não tenho idéia do que seja, e as pessoas entendem como verdade. A situação é verdadeiramente preocupante, mas ele tem legitimidade, porque foi eleito pelo voto popular.

Qual leitura o senhor faz da ala militar do governo?

Os militares aprenderam com o que aconteceu no passado. Eles sabem que devem respeitar a Constituição e, pelo que sei, essa é a posição oficial das Forças Armadas. Agora, todo governo que começa a ser fraco, a não ter força, nomeia militares. Lembro-me de (Salvador) Allende, no Chile, quando começou a nomear militares. Aqui também, quando os governos não são fortes, eles dependem das Forças Armadas, e acho que isso é um risco para as Forças Armadas, porque elas passam a ter gosto pelo poder.

Entretanto, isso ainda não aconteceu aqui, mas pode, porque há muitos (militares no poder) e cada vez mais. E isso é uma fragilidade política do governo, não uma força. Sob a condição de que a força regular permaneça em uma posição pró-Constituição, nada acontece. Mas se as Forças Armadas, independentemente do que possa acontecer, se colocarem na posição de apoiar incondicionalmente o presidente, isso é grave, e a unidade democrática morre. Não acho que estejamos nesse processo e não acho que essa seja a opinião das pessoas ativas nas Forças Armadas.

Meu pai era general, e meu avô, marechal. Tenho um certo conhecimento quase empático dos militares. No passado, eles eram mais políticos, depois se profissionalizaram. Há uma questão que qualquer militar, depois de um certo ponto, não aceita: a desordem. Então eles tentam trazer ordem, e isso é perigoso. Pode acontecer? A pandemia está servindo como uma vacina para demonstrações de rua. Acredito que políticos, profissionais e jornalistas têm a responsabilidade de alertar o país para que não cheguemos a um ponto de desordem, porque depois chegam os militares, e eu não quero isso. É ruim para o país e para eles, que serão responsabilizados pelo que acontecer.

Como o senhor analisa as saídas de Sergio Moro (ex-ministro da Justiça) e Luiz Henrique Mandetta (ex-ministro da Saúde) do governo?

Vi Sergio Moro duas vezes na minha vida. Creio que ele se equivocou ao aceitar ser ministro. Não por ser ministro do Bolsonaro, mas porque trocou o âmbito da Justiça, no qual atuou a vida toda, pelo Executivo, e ficou em uma situação delicada, porque não era um homem predisposto a estas funções (políticas).

E qual foi a consequência imediata de uma saída como a do ministro da Saúde (Mandetta)? Na minha opinião, uma saída doida, irracional. O prestígio do presidente está diminuindo. Muitos o apóiam, mas não são a maioria. (A saída de) Mandetta não teve tanto efeito, mas Moro era um pilar.

E o outro pilar, que é o ministro da Economia (Paulo Guedes), muito bem visto pelos empresários, tem um projeto que não pode mais ser aplicado. Ele tem uma visão que certamente estava certa no passado (ajuste dos gastos públicos), necessária, mas com a pandemia a visão é de gastar mais e aumentar a dívida pública.

Como o senhor avalia o combate à Covid-19 no Brasil, onde o presidente não segue à risca as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS)?

O pior é que atingiu as áreas mais populares. Para mim, nada muda, mas quando uma pessoa vive na periferia de São Paulo, na miséria, em uma favela, com muitas pessoas em casa, sem conforto… as pessoas têm que ir às ruas (…) Mesmo que haja recomendações da OMS para que fiquem em casa, para as pessoas mais pobres é um castigo, porque é impossível. Além disso, há uma falta de liderança. Às vezes, o presidente (Bolsonaro) está com outras pessoas na rua sem usar máscara, como se nada tivesse acontecido (…) É perceptível que a falta de coordenação é prejudicial, ainda que o Brasil tenha a vantagem de um sistema de saúde gratuito e universal.

Alguns políticos, inclusive juristas, consideram que Bolsonaro pode ser processado na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por não seguir as recomendações da OMS. O senhor considera plausível?

Não vejo que tenha muito o que fazer (a CIDH), outras oportunidades foram perdidas quando houve violência, tortura… O atual presidente tem essa visão de amigos e inimigos, o que não ajuda para o que é necessário agora, que há mais coesão para combater um inimigo comum (coronavírus). É um sério fracasso político, mas não acho que será resolvido com impeachment, por enquanto. Dependerá de como o presidente agir. Estou muito preocupado com o que virá depois da pandemia (…) Haverá muita gente desempregada.

Por outro lado, meu sentimento é de que não há pressão militar para a queda do presidente. Os militares, felizmente, há muito tempo respeitam a Constituição. Não podemos nos distanciar do quadro constitucional, pois isso seria muito perigoso para as instituições e para a liberdade. Não há inimigos da liberdade, a imprensa é livre, a Justiça funciona e não existe tal sentimento como vivi em outros tempos (alusão à ditadura).


Vera Magalhães: Luz do sol

Só transparência total vai resolver impasse duplo que inquieta o País

Não é só a vitamina D, tão necessária nesses tempos em que vivemos confinados, que precisa da luz do sol para ser ativada. Só a claridade vai tirar o Brasil do impasse cada vez mais grave em que Jair Bolsonaro joga o País.

O agente capaz de escancarar as janelas e cortinas e iluminar dois cômodos que o presidente gostaria de manter nas trevas é o mesmo: o Supremo Tribunal Federal.

O presidente da Corte, José Antonio Dias Toffoli, bem que demonstrou, em sua densa, porém cautelosa, entrevista ao Roda Viva, minimizar os riscos para a democracia que Bolsonaro representa com seus atos e palavras. Apostou em diálogo e união de todos os Poderes para enfrentar a crise.

Menos de 24 horas depois, a sessão de cinema determinada pelo decano Celso de Mello parece ter entornado a pipoca da concertação nacional: segundo relatos em off de alguns dos espectadores, a reunião ministerial de 22 de abril se assemelhou mais a um filme de gângsteres.

Dada a gravidade dos spoilers de quem viu o filme, Celso de Mello precisa torná-lo público. Se há exortações à prisão de membros da mais alta Corte da Justiça e de governadores por parte de ministros e a explicitação verbal pelo próprio chefe de governo de que quer proteção da Polícia Federal para familiares e aliados, além da admissão de que a revelação de seu exame para covid-19 poderia alimentar um impeachment, as razões de segurança nacional obrigam à publicidade total da reunião, e não à manutenção de seu sigilo, como insiste o Executivo.

A outra persiana de informação pública que precisa ser erguida é justamente a do exame, ou dos exames, de Bolsonaro para o novo coronavírus. Quando o surto ainda não começara no Brasil, o presidente foi com uma grande comitiva à Flórida para confraternizar com Donald Trump. Boa parte da trupe testou positivo para covid-19. Outros que tiveram contato com os descuidados viajantes foram acometidos depois.

Bolsonaro disse ter testado negativo, mas tripudiou: mesmo que pegasse, para ele seria só uma “gripezinha” ou “resfriadinho”, dado seu “histórico de atleta”.

Uma coisa é dizer que foi acometido pelo vírus e ficou assintomático, algo comum. Outra completamente diferente, e de extrema gravidade em se tratando de um chefe de Estado em meio a uma crise de calamidade pública decretada a seu próprio pedido, é mentir sobre o resultado de um teste enquanto fura a necessária quarentena e prega contra as medidas de isolamento social recomendadas pelas autoridades de saúde.

Não se sabe se Bolsonaro fez isso. Mas a insistência em esconder resultados de um simples exame (negativo!) por parte de alguém que, há alguns anos, exibia orgulhoso uma bolsa de colostomia, aliada à frase dita por ele na reunião ministerial, segundo os relatos, deveria fazer o STF obrigar a Presidência a divulgar o resultado dos testes, sem essa história de nome falso ou de sigilo.

Na mesma linha da mentira de Estado, Bolsonaro se jacta de ter entregado a fita da reunião, sendo que poderia tê-la “destruído”, se quisesse. Balela! A partir do momento em que um depoente em um inquérito afirma, após jurar dizer a verdade, que um documento oficial existe e pode provar infrações, sua destruição é crime.

Episódios anteriores como o áudio de Joesley Batista com Michel Temer mostram a importância de se ver e ouvir esse tipo de documento antes de cravar conclusões. Naquela ocasião, fui dos que acharam que a fala de Temer não permitia chancelar a conclusão de que ele avalizou o suborno a Eduardo Cunha.

Agora, só a luz do sol sem filtro permitirá que se saiba se o que ocorreu em 22 de abril foi uma reunião de trabalho de um governo democraticamente eleito ou uma conspiração contra os preceitos do estado democrático.


Rubens Barbosa: Desafios do acordo Mercosul-União Europeia

Além das incertezas vindas da Argentina, competitividade e meio ambiente estão em foco

Um fato novo complica o entendimento entre os países do Mercosul. Em abril a Argentina informou que não mais acompanharia Brasil, Paraguai e Uruguai nas negociações em curso do Mercosul com outros países, como Canadá, Cingapura, Coreia do Sul, Líbano e Índia. Mas manteria sua participação nos acordos, já concluídos e não assinados, com a União Europeia (UE) e com a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta). Na semana passada o governo argentino voltou atrás, num confuso comunicado em que ressalta ter decidido manter-se nas negociações conjuntamente, mas sempre levando em conta as sensibilidades dos setores menos competitivos (industriais).

Embora querendo participar de todos os trabalhos e demandando a inclusão de cláusulas que resguardem os interesses argentinos futuros, Buenos Aires não se compromete com a conclusão das negociações em curso. O chanceler Felipe Solá diz favorecer um regime de dupla velocidade, em que a Argentina não fica fora dos acordos, mas quer ter a palavra final sobre como e quando passaria a fazer parte deles.

Até meados do ano, o acordo Mercosul-UE deve ser assinado. Como o governo argentino reagirá durante o processo de ratificação, se forem solicitadas modificações no texto do acordo, como foi no caso do tratado UE-Canadá? Nuestros hermanos querem um Mercosul à la carte, o que aumenta a incerteza para todos, pela insegurança jurídica na aplicação dos compromissos assumidos. Flexibilização, se houver, tem de ser para todos.

Além dessa incerteza, menciono duas questões do lado brasileiro para o acesso ao mercado europeu: competitividade e meio ambiente.

Para aproveitar as preferências tarifárias, os produtos industriais deverão melhorar significativamente sua competitividade e passar a receber tratamento isonômico em relação ao produzido em outros países. Sem isso, apesar de a UE abrir seu mercado com tarifa zero de imediato para 75% de suas importações, será difícil competir no mercado europeu com produtos importados de outras áreas, como EUA, China e Coreia. A aprovação da reforma trabalhista e a da Previdência Social foram avanços importantes no caminho da modernização do Estado brasileiro. De modo a que o custo Brasil seja reduzido, é imperativo serem aprovadas a reforma tributária, a reforma do Estado e um amplo programa de desburocratização, simplificação e facilitação de negócios e de melhoria na logística (portos, estradas, ferrovias). Em paralelo, um eficiente programa de inovação das empresas e de políticas públicas ajudaria a modernizar a operação das companhias que produzem para o mercado doméstico e também exportam. Estudo recente da Fiesp, mostra que a indústria nacional, antes da pandemia, estava lenta na busca para alcançar o nível de 4.0 – 1,3% tinha investimento em 4.0 (em faturamento).

O segundo desafio são os compromissos na área de meio ambiente que o Brasil deverá cumprir. O capítulo de desenvolvimento sustentável, incluído no acordo, talvez seja o mais desafiador, em vista da atual política de meio ambiente e mudança de clima do governo brasileiro. A crescente força política dos partidos verdes nos Parlamentos dos países europeus poderá representar um obstáculo para a ratificação do acordo caso a atual política ambiental brasileira não se modifique, como exemplificado pela crise em relação ao Fundo Amazônico, que resultou na suspensão de recursos financeiros recebidos da Alemanha e da Noruega. Os compromissos assumidos pelos países-membros no tocante ao desenvolvimento sustentável estão incluídos em 18 artigos, que cobrem acordos relacionados a comércio e meio ambiente, comércio e biodiversidade, comércio e preservação de florestas, da ONU, além de regras da Organização Internacional do Trabalho, incluída a Resolução 169, que trata da exploração de terras indígenas.

O descumprimento dos dispositivos dos acordos poderá acarretar boicotes e mesmo restrição de importação de produtos agrícola do Mercosul. São mencionados explicitamente os principais acordos internacionais, como os derivados da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da Conferência Quadro da ONU sobre mudança do clima, da Convenção sobre Diversidade Biológica, da Convenção da ONU de Combate à Desertificação, do Acordo de Paris de 2015, de regras da OMC e resoluções de outros organismos internacionais. Além disso, por insistência da UE, foi aprovado o princípio da precaução, pelo qual o não cumprimento de acordos de meio ambiente, energia ou trabalho forçado ou infantil pode acarretar restrição à importação de determinado produto.

O mundo mudou e as preocupações com o meio ambiente, a mudança do clima, a preservação das florestas entraram definitivamente na agenda global. A falta de informação interna objetiva dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos nas últimas décadas e a crescente percepção externa negativa sobre as políticas ambientais criam uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial o do agronegócio.

Com o fim da covid-19, as questões ambientais vão ressurgir com toda a força e os governos do Mercosul não poderão ignorar essa agenda incluída no acordo com a União Europeia.

*Presidente do instituto de relações internacionais e comércio exterior (IRICE)


Joe Biden: A falsa escolha que a Casa Branca quer impor

Os americanos exigem uma liderança constante, empática e unificadora, diz candidato democrata à presidência dos EUA

Até o momento, o coronavírus matou mais de 79 mil americanos. Um em cada cinco trabalhadores entrou com pedido de seguro-desemprego – a taxa de desocupação agora é a mais alta desde a Grande Depressão. É um momento extraordinário – do tipo que exige uma liderança constante, empática e unificadora.

Mas, em vez de unificar o país para acelerar nossa resposta à crise de saúde pública e obter alívio econômico para quem precisa, o presidente Donald Trump recorre a uma estratégia familiar de desviar a culpa e dividir os americanos. Seu objetivo é tão óbvio quanto covarde: ele espera apartar o país em um duelo, classificando os democratas como mercadores do pessimismo, que querem manter os EUA na lona, e os republicanos como combatentes da liberdade, tentando alavancar a economia.

É uma tática infantil – e uma falsa escolha na qual nenhum de nós deve cair. Todo mundo quer que os EUA retomem suas atividades o mais rápido possível – alegar o contrário é completamente absurdo. Governadores de ambos os partidos estão fazendo o possível para que isso aconteça, mas seus esforços foram reduzidos e dificultados porque não receberam do governo federal as ferramentas, os recursos e as orientações que precisam para reabrir com segurança e sustentabilidade. Essa responsabilidade recai sobre os ombros de Trump, mas ele não está preparado para a tarefa.

Faz mais de dois meses desde que Trump afirmou que “qualquer pessoa que queira fazer um teste poderá fazê-lo”. Foi uma mentira e ainda não é nem remotamente uma verdade. Se quisermos ter locais de trabalho, restaurantes, lojas e parques seguros, precisamos de testes em massa. Parece que Trump não pode fornecê-los – para não falar de protocolos de segurança do trabalhador, diretrizes de saúde consistentes ou liderança clara para coordenar uma reabertura responsável.

Além de abandonar os testes, ele parece ter esquecido que a nossa economia é orientada pela demanda – você pode gritar bem alto que estamos abertos para negócios, mas a atividade não voltará à força total se o número de novos os casos ainda estiver subindo ou atingindo o platô e as pessoas não acreditarem que seja seguro voltar a trabalhar. Sem medidas para impedir a propagação do vírus, muitos americanos não vão querer fazer compras, comer em restaurantes ou viajar.

O governador da Geórgia, Brian Kemp, começou a “reabrir” os restaurantes de seu Estado. Segundo dados do serviço de reservas OpenTable, mesmo assim, havia 92% menos clientes do que no mesmo dia um ano atrás. Estados e cidades que tentaram retomar as atividades estão descobrindo que a economia não é um interruptor de luz que você pode simplesmente ligar – as pessoas precisam de confiança para fazê-la funcionar.

Mais uma vez, a solução não é um mistério. O governo Trump poderia se concentrar na produção e distribuição de testes e protocolos adequados, em conformidade com a orientação de especialistas em saúde pública. Isso acelera consideravelmente o processo de reabertura e o torna muito mais eficaz.

O governo está plenamente consciente de que este é o caminho certo também – afinal, o presidente e sua equipe estão agora recebendo testes diários. Eles sabiam exatamente como tornar o Salão Oval da Casa Branca um local seguro e operacional, e empenharam-se em fazê-lo. Mas, com relação ao restante do país, eles simplesmente não tiveram o mesmo trabalho.

Se Trump e sua equipe entendem o quão crítico são os testes para sua segurança – e parecem que sabem disso, dado o comportamento da Casa Branca –, por que insistem que eles são desnecessários para o povo americano? E por que o presidente tenta transformar isso em outra forma de divisão, colocando americanos em uma falsa batalha entre “saúde” e “economia”?

Todo mundo sabe que não podemos reviver a economia a menos que salvaguardemos a saúde. Em vez de mais uma vez tentar nos dividir, Trump deveria trabalhar para darr aos americanos as mesmas proteções necessárias que ele obteve para si mesmo. É a coisa certa a fazer e o único caminho para realmente colocar a economia de volta nos trilhos.

  • Foi vice-presidente dos EUA e é candidato democrata à presidência

Pedro Fernando Nery: Por um teto de pobreza

A lógica é intuitiva: se houver criança na pobreza, outras despesas podem esperar

Três de cada 5 mães solo vivem abaixo da linha da pobreza. Esta trágica estatística se manteve estável nos últimos anos, como informa anualmente o IBGE na pesquisa Síntese de Indicadores Sociais. Embora o Dia da Mães possa ter sido de menos escassez este ano por conta do auxílio emergencial – que alcança mais mães e paga valores maiores que o Bolsa Família –, o benefício tem prazo para acabar. Mães e seus filhos cairão de novo na pobreza, e até na extrema pobreza. Uma PEC pretende erradicar essa situação intolerável: imitando o teto de gastos, cria um teto de pobreza infantil.

Metas de pobreza foram instituídas na década passada no Canadá, na Nova Zelândia e no Reino Unido (nestes dois últimos, especificamente, para a pobreza entre crianças). Se o teto de gastos estabelece limites para a despesa, o teto da PEC 11 estabelece anualmente limites para a pobreza infantil. Se o descumprimento do teto de gastos aciona gatilhos para controlar a despesa (como proibição de aumentos salariais), o descumprimento do teto de pobreza igualmente acionaria gatilhos para que metas fossem cumpridas.

No Brasil, cerca de 40% das crianças de até 14 anos vive abaixo da linha de pobreza do Banco Mundial. É a faixa etária mais afetada pela pobreza no País, de forma desproporcional. A situação é pior para as crianças negras na primeira infância: cerca 60% vive na pobreza, e 20% na pobreza extrema. As estimativas são do pesquisador Daniel Duque (Ibre-FGV), usando os dados recém-divulgados de 2019 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.

Na PEC 11, há dois tetos para a taxa de pobreza infantil. Enquanto ela estiver acima de 10%, aciona-se o gatilho para que mais crianças sejam acolhidas no Bolsa Família. Hoje, somente podem receber benefícios aquelas de famílias que vivem com menos de R$ 6 por dia para cada pessoa. E enquanto a taxa de pobreza entre as crianças estiver acima de 30%, aciona-se o gatilho para que o valor do Bolsa seja maior: hoje ele é inferior a R$ 1,50 por dia. Como ocorre com as regras orçamentárias, a desobediência levaria a crime de responsabilidade.

Não haveria elevação de déficit ou dívida. Na PEC, de iniciativa de 27 senadores – Alessandro Vieira o primeiro autor –, um fundo anticíclico custearia a elevação de gasto, e sua principal receita seria uma tributação progressiva sobre os ganhos de grandes instituições financeiras. Os lucros passariam a ser reinvestidos na infância. A PEC faculta ainda que qualquer despesa da União seja revertida para o combate à pobreza infantil, concretizando uma previsão que já consta da própria Constituição de 88: a de que o direito à vida, à alimentação e à saúde das crianças é prioridade absoluta. A lógica é intuitiva: enquanto houver criança na pobreza, outras despesas podem esperar. O ajuste fiscal ganha sentido.

A ênfase de variados governos em anos recentes na infância, e em particular na primeira infância, vem de uma florescente literatura científica evidenciando o retorno para sociedade do investimento nesta fase da vida. Evitar que crianças vivam em um ambiente de estresse e privações em uma época-chave para o seu desenvolvimento levaria a cidadãos mais prósperos e aptos a contribuir para a sociedade no futuro – combatendo a pobreza e a desigualdade de forma mais estrutural.

É evidente, porém, que transferências de renda não bastam. É essencial facilitar a inclusão no mercado de trabalho dos pais, especialmente das mães – frequentemente muito jovens (uma agenda que, infelizmente, ainda é encarada no Brasil como “perda de direitos”). São igualmente fundamentais o investimento na educação infantil e em práticas de desenvolvimento infantil – uma bela referência é o Mais Infância Ceará. O próprio fundo a ser criado pela PEC 11 (Fundo Anticíclico de Combate à Pobreza) se destina à premiação de Estados e municípios com avanços na área social.

Mesmo o teto inferior de pobreza infantil, de 10%, é conservador: ainda implicaria 4 milhões de crianças vivendo abaixo da linha da pobreza. O número talvez impressione porque naturalizamos por tempo demais nossa situação. Ter 40% de crianças na pobreza significa 17 milhões de pessoas. Negligenciamos uma Holanda inteira. O que vamos fazer até o próximo Dia das Mães?

*Doutor em economia


Eliane Cantanhêde: E daí?

Moro mirou no que viu e acertou no que não viu, ou sabia do potencial explosivo do vídeo?

O ex-ministro e ex-juiz Sérgio Moro mirou no que viu e acertou no que não viu, ao jogar luz, e curiosidade pública, na fatídica reunião ministerial com o presidente Jair Bolsonaro no dia 22 de abril, no Planalto. Ou será que não? Será que ele citou a reunião apenas para efeito jurídico e para confirmar suas acusações? Ou será que, intencionalmente, para expor o que foi dito, e como foi dito, ali?

O fato é que, com os temores dos efeitos jurídico, político e midiático da reunião, os três poderes giram em torno de um vídeo, que foi central no depoimento de Moro e causou boas trapalhadas no Planalto, até ser “achado”, reconhecido e colocado sobre a mesa do relator do processo no Supremo, Celso de Mello. E, hoje, será visto pelo próprio Moro, a PF e a PGR. Sem direito a pipoca, choro, risada e muito menos tédio.

O potencial jurídico do vídeo, pelo menos o esperado por Moro e temido por Bolsonaro, é dar materialidade à acusação do ex-ministro de que o presidente não apresentava nenhuma razão para demitir o superintendente do Rio e o diretor-geral da Polícia Federal, senão ter a liberdade para interferir politicamente no órgão (ou seja, nas suas investigações e operações). É isso, segundo Moro, que Bolsonaro admite na reunião com ministros.

Já o efeito político e midiático do vídeo vai além, porque as versões divulgadas até agora variam entre constrangedoras e aterrorizantes e a reunião, eternizada num pequenino pendrive, expõe as entranhas de um governo em que faltam comando e compostura. Pelos relatos, há ali um presidente irritado e ministros trocando desaforos, com palavrões voando pela sala. O ministro da Educação ataca o Supremo e seus onze integrantes, o chanceler e o presidente ironizam a China, onde Bolsonaro diz ter um bom amigo, o presidente Xi Jinping. O que diria Xi Jinping se visse o vídeo do amigão? Ou o que dirá, quando o vir?

Depende de Celso de Mello quebrar ou não o sigilo da reunião, que já foi tratada, em ofício do governo ao STF, como reveladora de “assuntos sensíveis” de segurança nacional e de política externa. Aparentemente, não eram propriamente assuntos sensíveis, mas uma grande demonstração de insensibilidade e falta de liturgia institucional e diplomática. Um retrato do governo e mais um vexame, entre tantos outros que derretem a imagem do Brasil no mundo.

Se o vídeo está no centro da crise política e do risco de uma denúncia formal contra Bolsonaro, ele é apenas uma das peças da investigação. Ontem, os depoimentos dos delegados Maurício Valeixo, demitido da direção-geral da PF, Ricardo Saadi, afastado da Superintendência do Rio, e Alexandre Ramagem, impedido pelo STF de tomar posse na vaga de Valeixo. Hoje, os generais Braga Netto, Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos.

Todos eles, estejam de um lado, de outro ou em cima do muro, decidiram abrir os microfones com uma intenção: ater-se aos fatos, tentando escapulir de dar opiniões e de cair em perguntas capciosas de interrogadores experientes. Isso vale sobretudo para Valeixo, pivô da crise que atingiu o coração do governo, rachou o bolsonarismo, uniu Moro, Supremo e Congresso como alvos de atos golpistas e joga mais e mais Bolsonaro no colo do Centrão. Em última instância, a crise pode chegar até a ameaçar o mandato de mais um presidente.

Essa barafunda, em meio a mais de 150 mil contaminados e de 11 mil mortos pelo coronavírus no Brasil, não tem desfecho predefinido, mas ainda vai revelar muito das entranhas do governo e do presidente. Longe de reuniões e churrascos, Moro aguarda, aliviado. Resta saber as reações de Bolsonaro às acusações e revelações: tudo não passa de “histeria”, “neurose”, “gripezinha”, “resfriadinho”, “loucura”, como a pandemia? E daí? Nesse caso, é uma boa pergunta.


Marina Silva: ‘Bolsonaro obstrui a Justiça para evitar combate a crimes’

Para a ex-senadora, é preciso 'sabedoria' da classe política para conduzir qualquer processo de impeachment sem prejudicar atendimento à saúde e sem transformá-lo em luta pelo poder

Vinícius Valfré, O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O “e daí?” que o presidente Jair Bolsonaro deu como resposta, no início do mês, a uma pergunta sobre as mais de 5 mil mortes causadas pelo novo coronavírus até então, teve um significado especialmente amargo para a ex-ministra e ex-senadora Marina Silva (Rede) – ontem, foram confirmadads 11.123 vítimas fatais da doença. Na adolescência, no Acre, ela viu familiares e vizinhos perderem as vidas nas epidemias de sarampo e malária. Ela descreve “um sentimento triplo de tristeza, vergonha a indignação por ter um presidente que, em um momento como esse, é capaz de, em atitude de desrespeito e de falta de humanidade, dizer que não tem a ver com isso porque não faz milagre”, afirmou. Em entrevista concedida ao Estadão na semana passada, Marina Silva afirma ver crime de responsabilidade nas atitudes do presidente. Segundo ela, é preciso “sabedoria” para conduzir um eventual processo de afastamento do presidente sem fragilizar a saúde pública nem o socorro a quem mais precisa.

Que lições a pandemia tem deixado para a atividade política?

A primeira coisa que é óbvia é a proteção da vida das pessoas. É o que temos de mais precioso, acima de projeto de poder, econômico, de protagonismos individuais. Tudo o que possa comprometer essa frágil estrutura de proteger as pessoas, de prevenir, atender, curar, amenizar sofrimentos… Nada disso deve fazer parte da política. Infelizmente, a gente não está vendo isso desse jeito. E o pior exemplo vem do próprio governo. Demite o ministro no meio da crise, dá comando dizendo que a economia é mais importante do que a vida, estimula o contágio, com ele próprio (Bolsonaro) saindo às ruas, e criando crises com governadores e prefeitos. O pior exemplo vem daquele que deveria estar agregando.

Como recebeu o "e daí?" do presidente ao ser questionado sobre o recorde de mortes?

Um sentimento triplo de tristeza, vergonha e indignação por ter um presidente que, em um momento como esse, é capaz de, em atitude de desrespeito e de falta de humanidade, dizer que não tem a ver com isso porque não faz milagre, ao som de risadas de seus apoiadores, achando aquilo uma grande “lacração”.

Como avalia a saída de Sérgio Moro do governo?

Primeiro, acho que nem deveria ter entrado. Quando foi cogitado o nome dele para Ministério da Justiça do governo Bolsonaro, olhando para trajetória política, para campanha do Bolsonaro, já achei coisa muita estranha. Mas a decisão foi dele. A saída foi só a confirmação do que eu achava, que nunca deveria ter entrado.

Com base nas declarações de Moro, a senhora acha que estamos diante de um caso que exige a saída do presidente?

Temos duas possibilidades diante dos crimes de responsabilidade: seja o impeachment, pelo Congresso, seja o afastamento, pelo Supremo Tribunal Federal. Existe crime de responsabilidade que não pode ficar impune. Isso é claro. Temos que ter sabedoria de como conduzir o processo sem arriscar vidas das pessoas, sem prejudicar o atendimento de saúde, sem fragilizar o socorro para aqueles que já estão passando fome e necessidade.

A sra. vê ambiente para que um pedido de impeachment prospere?

O que está sendo feito é uma ação em várias frentes. Tem ação do STF, do Ministério Público, do Congresso. Para lhe botar noções de limites: qual dessas frentes pode prosperar para interditar as ações que ele vem tomando na contramão da defesa da vida, da defesa do patrimônio público e da democracia? Não sabemos. Mas temos que reconhecer que tem várias frentes, inclusive com CPI em andamento. Somos o único País do mundo que tem o governo que em vez de agregar está esfacelando toda e qualquer forma de ação conjunta. E faz isso de propósito, porque aposta no caos, porque sonha com o estado de sítio, sonha com situação de descontrole social para justificar seus arroubos autoritários.

Mas correr para apresentar um pedido de impeachment neste momento não é exatamente incentivar uma disputa por poder?

Não. Como eu disse, são várias frentes. O Ministério Público está disputando poder? Não. Está querendo proteger a Constituição, dizer que existem limites institucionais para esse tipo de atitude. Tem que atuar num tripé: defesa da vida, dos direitos à dignidade das pessoas e da democracia. Os mecanismos da AGU foram acionados. Os do Parlamento também. E não só pela Rede, inclusive por partidos que não são tradicionais do campo da oposição, como o PSDB, a ex-líder do PSL (Joice Hasselmann).

A senhora está entre as pessoas que avaliam que o Brasil vai sair melhor da crise sanitária ou no grupo dos que acham que estaremos piores?

A pandemia mostra uma coisa importante, que é a radicalidade do fosso da desigualdade no mundo e no Brasil. Se queremos fazer uma transição para uma economia sustentável, justa, com geração de renda para as pessoas, é um investimento que precisamos fazer a partir de agora.