o estado de s paulo
Congresso amplia ‘tratoraço’ após STF liberar orçamento secreto
André Shalders e Breno Pires / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA — Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou novamente a execução do orçamento secreto, no começo deste mês, o governo empenhou até esta terça-feira, 14, R$ 1,38 bilhão. Ao contrário do que alegou o comando do Congresso ao STF, porém, a saúde e a educação estão longe de ser prioridade. Os ministérios responsáveis por essas áreas receberam apenas 4,6% dos recursos que foram reservados pelo Executivo. A maior parte das verbas (77%) foi para ações orçamentárias ligadas à pavimentação de ruas e à compra de maquinário pesado, como tratores.
Ao longo de 2020 e 2021, o governo reservou para despesas mais de R$ 30 bilhões das emendas de relator, identificadas pelo código RP9. A modalidade está na base do esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão, e tem sido usada pelo Palácio do Planalto para distribuir indicações entre políticos aliados, em troca de apoio em votações importantes no Congresso.
LEIA TAMBÉM
CCJ aprova PEC que autoriza prefeitos a descumprir gasto mínimo em educação
Ao defender no STF a liberação das emendas de relator, o comando do Congresso apontou que nessa rubrica havia R$ 7,6 bilhões autorizados no Orçamento, mas não empenhados. Se não for utilizado até o fim do ano, o dinheiro “se perde”, ou seja, volta para o Tesouro Nacional. Do montante pendente, R$ 2,4 bilhões são da área da saúde, segundo o Congresso.
O argumento convenceu a relatora do caso, ministra do STF Rosa Weber. “Por ora, entendo acolhível o requerimento (...), considerado o potencial risco à continuidade dos serviços públicos essenciais à população, especialmente nas áreas voltadas à saúde e educação”, escreveu Rosa na decisão que liberou os pagamentos.
Até agora, no entanto, o Executivo não priorizou a saúde e a educação na liberação dos recursos da rubrica RP9. Desde terça-feira foram empenhados R$ 1,38 bilhão. Deste total, 78% (ou R$ 1,08 bilhão) foram transferidos para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Comandada por Rogério Marinho, a pasta tem sob seu guarda-chuva orçamentário a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e é responsável pela distribuição de maquinário pesado a municípios. Em seguida vêm os ministérios da Cidadania (R$ 100 milhões empenhados), e da Ciência, Tecnologia e Inovações (R$ 75 milhões).
A reserva de dinheiro para as pastas da Educação e da Saúde foi pequena até agora: R$ 62,8 milhões e R$ 788 mil, respectivamente. Juntos, os dois ministérios perfazem menos de 5% do total. Os dados foram extraídos na terça-feira do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) pela ONG Contas Abertas.
As obras de pavimentação e a compra de maquinário pesado para apoiar prefeituras têm sido prioridade para o Executivo desde que o STF autorizou novamente a execução das emendas de relator. As duas ações orçamentárias com mais recursos liberados foram as de Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado (código 7K66) e Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano Voltado à Implantação e Qualificação Viária (1D73). A primeira inclui, além da pavimentação de vias, a “aquisição de máquinas e equipamentos de apoio à produção”. A segunda diz respeito à “implantação e qualificação de infraestrutura viária urbana”. Juntas, as duas ações tiveram pouco mais de R$ 1 bilhão empenhado até agora, ou 77% do total.
O relator-geral do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), começou a publicar, na terça-feira, nomes e ofícios de congressistas e prefeitos que solicitaram a destinação de recursos das emendas. As informações estão sendo divulgadas pouco a pouco no site da Comissão Mista de Orçamento (CMO), de forma parcial, e não sistemática. Há uma tabela que sistematiza as indicações, mas ela traz algumas anotações incompreensíveis.
“O detalhamento mostra que a ação orçamentária com maiores valores empenhados é a de ‘Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado’, do Ministério do Desenvolvimento Regional. Nesta ação é que se dá a compra de escavadeiras e tratores”, afirmou o economista e presidente da Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Para o cientista político Marcelo Issa, do Movimento Transparência Partidária, o modelo do RP9 continua tendo problemas, mesmo com a divulgação de alguns responsáveis pelas indicações. “Os dois principais problemas continuam: primeiro, a inconstitucionalidade do uso que está sendo feito (das emendas de relator). Não se prestam a isso, mas simplesmente a corrigir erros e omissões (no texto da Lei Orçamentária). Segundo ponto: a falta de critérios objetivos para a distribuição dos recursos (...). Se o relator começar a receber uma enxurrada de pedidos, vindos de todas as prefeituras do País, qual será o critério para atender ou não? A LDO determina que sejam seguidos critérios socioeconômicos objetivos”, afirmou Issa.
NOTÍCIAS RELACIONADAS
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,congresso-amplia-tratoraco-apos-stf-liberar-orcamento-secreto,70003926501
BC será mais importante para os planos de reeleição de Bolsonaro do que a Economia
Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo
Depois de o governo virar a página para a aprovação da PEC dos Precatórios, grande parte do mundo político de Brasília avalia que não terá nenhum grande projeto da agenda econômica para passar no Congresso, além da votação do Orçamento de 2022, que ficará para o ano que vem.
Qual a grande batalha que sobrará para o governo defender a sua agenda? Fazer pequenas coisas na tentativa de gerar o máximo de credibilidade em curto tempo depois do desgaste das negociações da PEC, que abriu uma crise fiscal com custos para o Brasil.
Qualquer que seja o desfecho final na votação Câmara, a proposta provocou uma quebra na credibilidade fiscal, que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem chamado de “um preço muito caro para um desvio pequeno” das contas públicas.
Sem dúvida, o maior combate será o controle da inflação para que não afunde ainda mais o crescimento do PIB. Uma batalha para impor a credibilidade da política monetária, que ficou em xeque com o IPCA em dois dígitos e a piora das expectativas futuras.
Se pensarmos daqui para frente até o final de 2022, passado o dia da marmota, que a economia vive há mais de meses girando em torno do Auxílio Brasil e a PEC eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, o trabalho de Campos Neto será mais importante para os planos de reeleição de Bolsonaro do que o da Economia.
Já tem tempo que lideranças governistas não escondem o desejo da saída de Paulo Guedes com a substituição por Campos Neto. Com mandato à frente do BC até 2024, ele já disse abertamente, porém, que não vai deixar o comando do banco e cumprirá o prazo que ganhou a mais com aprovação da autonomia da instituição. Ele brigou muito por ela, e sair agora passaria a percepção de desonestidade intelectual, o que não quer.
Mais do que a posição dele (que os políticos insistem em não acreditar), fazer trocas que envolvam o BC seria neste momento muito inoportuno e perigoso para o próprio Bolsonaro, dado o desafio da inflação e o desgaste da área econômica no Congresso, de difícil recuperação em 2022. Isso não impedirá que Campos Neto seja peça-chave no programa (ou ideias) que Bolsonaro terá de apresentar na campanha.
É claro que, para pensar em chegar a 2023, Bolsonaro precisa atravessar 2022 sem piorar a economia. Vai precisar que a economia reaja. O BC vai revisar a previsão de PIB para 2022, mas não ficará abaixo de 1% como apontam analistas do mercado (projeta-se até mesmo recessão).
* REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,adriana-fernandes-banco-central-roberto-campos-neto-jair-bolsonaro-eleicoes-2022,70003913802
Marco Aurélio Nogueira: A educação na urgência da reconstrução
Não foram necessárias as demissões ocorridas no Inep e a “guerra ideológica” que cercou o Enem 2021 para que se vislumbrassem os dilemas do sistema educacional brasileiro. Sua situação atual assemelha-se ao topo de uma montanha que se entrevê em meio a nuvens ameaçadoras.
Os três últimos anos levaram ao extremo a crise desse sistema, hoje bastante arruinado. Em parte isso ocorreu como efeito da covid-19, mas a parte maior se deveu à conduta governamental, que cavalgou a pandemia e se apoiou tanto no menosprezo pela educação quanto no apreço pela ideologização dos temas pedagógicos e na incompetência dos ministros encarregados de formular e gerir a política educacional. Deu-se uma perversa combinação de fatores, que põe em risco o futuro do País.
Aulas remotas precárias, despreparo para o ensino à distância, falta de equipamentos adequados e impossibilidade do convívio presencial ajudaram a rebaixar a qualidade do ensino e a afastar muitos estudantes do estudo e da própria ideia de “escola”. A ausência de uma política educacional criteriosa completou o quadro.
A escola deixou de ser vista como estrada civilizatória que prepara para a vida, o trabalho, a convivência social. A situação vinha de antes, mas foi turbinada pelos estragos da pandemia e por tudo o que houve de esdrúxulo na gestão da área. O governo simplesmente fugiu da obrigação moral de transmitir aos jovens o que a sociedade tem de melhor, a cultura universal, o conhecimento acumulado, os instrumentos básicos para se mover na vida moderna, a leitura, a escrita, o cálculo, a História e a ética cívica. A ação governamental dirigiu-se deliberadamente para desorganizar o sistema escolar.
O Ministério da Educação (MEC) está agora com o quarto ministro de uma série em que cada um conseguiu ser pior do que o outro. Copiando seus antecessores, o atual ocupante do cargo nada faz de relevante, não demonstra conhecimento da área, esforça-se para dizimar as instituições técnicas da área, não leva alento algum às escolas distribuídas pelo País, deixando ao relento milhões de estudantes e suas famílias. Atuando como um Weintraub sem a estupidez cênica, o ministro Ribeiro é um bajulador que não se envergonha de propor uma universidade “para poucos”, de sugerir A educação sangra no Brasil. Mas seu coração não parou de pulsar, seja pelas exigências da vida moderna, seja pelo desejo de evoluir da maioria dos jovens que currículos e livros didáticos sejam expurgados de “questões ideológicas”. Flutua por sobre os nossos gravíssimos problemas educacionais.
A educação sangra no Brasil. Mas seu coração não parou de pulsar, seja pelas exigências da vida moderna, seja pelo desejo de evoluir da grande maioria dos jovens. Estão ativos os gestores escolares e os professores, que continuam resistindo e buscando saídas, aparando os muros que ameaçam ruir, muitas vezes sem recursos para atuar com maior eficiência. São mal remunerados, tratados com desdém pelo governo, pouco valorizados em termos profissionais, mas são a base para a reconstrução de que se necessita.
A volta às aulas presenciais trará consigo problemas complexos. Como será quando tudo for retomado de fato? Não está claro quanto houve de aprendizado nos últimos anos, nem como atuarão os estudantes com o retorno às salas de aula, nem como será feita a recuperação dos conteúdos perdidos. Não sabemos como estarão os professores, por mais que saibamos que não haverá falta de empenho e disposição.
Com a pandemia, os mestres afastaram-se de seu território específico, a sala de aula. Viram sua missão e sua função social serem submetidas a pressões e ataques. Foram estigmatizados como corporativistas. E tiveram atropelados seus planos de estudo e aperfeiçoamento, que são teóricos mas, acima de tudo, práticos, na lida diária com os estudantes. Escolas não se movem por leis e portarias, mas por atividades humanas, dentre as quais o relacionamento professor/aluno é a mais decisiva.
Um livro recentemente lançado nos ajuda a refletir sobre este quadro, cuja dimensão ética (o diálogo, a cooperação, a responsabilidade cívica, o uso crítico do saber) quase nunca é devidamente considerada. Em Educação e Ética na Modernidade (São Paulo: Edições 70), a professora Carlota Boto, da Faculdade de Educação da USP, acompanha o percurso teórico de grandes mestres da filosofia da educação para nos convidar a um mergulho no universo educacional de nossa época, tão carregada de dilemas existenciais, de fragmentação do saber, de ausência de certezas compartilhadas, de redes hiperativas que produzem muitas trocas, mas pouca reflexão.
Carlota Boto nos faz pensar no fundamental: o que significa educar hoje, “qual o papel da escola e da família perante o império de uma sociedade da informação”, de uma mídia onipresente e da disseminação acelerada das ferramentas da tecnologia digital? Uma questão intensa, instigante, estratégica.
O livro não fornece respostas pontuais. Seu objetivo é organizar o que já se pensou sobre o tema, para que possamos ir além e agarrar os problemas urgentes que nos angustiam hoje. Precisamente o que mais falta faz hoje na educação brasileira.
*Professor titular de teoria política da Unesp
Fonte: O Estado de S. Paulo
Fernando Gabeira: O declínio da democracia brasileira
Melhor funcionamento do sistema político pode bloquear o caminho para aventuras redentoras
Fernando Gabeira / O Estado de S. Paulo
Relatório divulgado em Estocolmo esta semana indica a democracia brasileira como uma das que mais decaíram nos últimos cinco anos.
O relatório é assinado pelo Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (Idea) e considera que a democracia foi afetada negativamente pela gestão da pandemia, por escândalos de corrupção, protestos antidemocráticos e ameaças ao Estado de Direito.
Para quem acompanha o cotidiano nacional, isso não é uma grande surpresa. A democracia está em acentuado declínio desde a eleição de Bolsonaro, em 2018, e o presidente eleito é o ator mais importante no retrocesso.
Os Estados Unidos, pela primeira vez, apesar do vigor de sua democracia, aparecem em ligeiro declínio, graças, sobretudo, à passagem de Donald Trump pelo poder.
Um dos fatores que atingiu a democracia americana acabou se expandindo para o Brasil: o questionamento do sistema eleitoral. Trump recusouse a aceitar a derrota, alegando fraudes, enquanto Bolsonaro, no Brasil, atacava o voto eletrônico.
Não sei se o relatório chegou até lá, mas a escalada autoritária no Brasil sofreu um abalo depois do Sete de Setembro. Naquele dia, Bolsonaro reuniu multidões para atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e havia dezenas de cartazes pedindo intervenção militar.
Não há dúvida de que a maior ameaça à democracia no Brasil nasce com Bolsonaro e seus aliados. O relatório aponta o processo de declínio como iniciando em 2016, com o impeachment de Dilma. No entanto, a crise que corroeu o sistema político antes de 2018 e que permitiu a ascensão de Bolsonaro já expressava um declínio no processo de redemocratização. Esse declínio pode ser traduzido no desencanto dos eleitores com o sistema político e sua abertura para aventuras que varressem todos os seus vestígios.
Nesse sentido, Bolsonaro é o principal ator do declínio democrático, mas não o inventou, apenas tirou partido da crise, para aprofundá-la ainda mais.
A compreensão de que a crise democrática não se resume apenas no seu ator principal é algo que talvez possa afinar um pouco nossos instrumentos de análise.
Esta semana foi marcada pelo fiasco tecnológico nas eleições prévias do PSDB. O partido teve a boa ideia de importar o sistema de eleições primárias americanas, mas, ao adaptá-lo às suas circunstâncias, acabou revelando seu próprio fracasso.
O PSDB, um dos grandes partidos brasileiros do processo de redemocratização, já estava em decadência. A crise de confiança causada pelas denúncias de corrupção o atingiu em cheio.
Nas eleições de 2018, alguns principais nomes não só abandonaram o candidato do partido, como embarcaram na campanha de Bolsonaro.
Na falta de uma visão nacional e na incapacidade de perder de cabeça erguida, o PSDB acabou precipitando sua perda de identidade. Isso repercutiu na própria bancada no Parlamento, seduzida por votar com o governo em troca das vantagens que isso proporciona. De certa maneira, é possível dizer que o partido foi colhido por um processo de decadência anterior a Bolsonaro e agravado por ele.
Um dos argumentos da escalada autoritária era a luta contra um sistema corrompido. Sem voltar atrás nas suas pretensões antidemocráticas, Bolsonaro recuperou algumas das práticas que alimentaram sua aventura. O jogo de toma lá dá cá no Parlamento, do qual o chamado orçamento secreto é a principal expressão, mostra que Bolsonaro usa de duas armas simultâneas para atacar o processo democrático. Usa a decadência para defender suas pretensões autoritárias e, ao mesmo tempo, aprofunda o fisiologismo para se manter no governo.
As pesquisas indicam que a decadência da democracia é um fator mais amplo do que se pensa e acredita-se que apenas a minoria da população mundial viva sob um Estado Democrático de Direito.
Os processos que minaram nossa democracia em grande parte foram inspirados no governo Trump (questionamento das eleições, máquinas de fake news), mas uma compreensão maior, certamente, virá do fato de que quando Bolsonaro surgiu em cena já estávamos em condição de grande vulnerabilidade.
No ano que vem faremos eleições presidenciais e para o Congresso. Foram as eleições do período democrático que acabaram enfraquecendo o prestígio do sistema político. Eram fabulosamente caras e acabaram distanciando os partidos dos eleitores comuns.
Um roteiro para reagir ao ritmo declinante pode estar nas próprias eleições, pelo menos em dois aspectos: na apresentação de programas que possam superar a crise econômica e social, mas também em ideias que possam vislumbrar uma nova relação entre governo e Parlamento, sem idealismos, mas tentando corrigir os grandes erros, os que resultam em processos como o mensalão ou o orçamento secreto.
Com o melhor funcionamento do sistema político no conjunto, será possível atenuar o descontentamento e, consequentemente, bloquear o caminho para aventuras redentoras. A democracia nunca esteve tão perto de sucumbir desde o movimento das Diretas Já. O susto vale um esforço de análise e uma vontade de mudança.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-declinio-da-democracia-brasileira,70003908692
Terceira via para as eleições 2022 tende a ser dominada por ex-bolsonaristas
A vaga aberta no segundo turno estará no campo da direita, não da esquerda
João Villaverde* / O Estado de S.Paulo
Há apenas uma vaga disponível no segundo turno das eleições presidenciais. E ela não está aberta para a esquerda. É importante ter isso claro quando o assunto é “terceira via em 2022”. O ex-presidente Lula estará lá: o PT terminou todas as eleições desde 1989 em primeiro ou segundo lugar.
Dado que o contingente de 35-38% do eleitorado simpático a Lula dificilmente mudará de opinião até outubro, a disputa se dará principalmente sobre os eleitores que já se desgarraram de Bolsonaro e aqueles que ainda podem abandoná-lo. Esse universo não costuma votar na esquerda, mas na direita.
LEIA TAMBÉM
Indefinição nas prévias do PSDB é secundária em legenda desunida; leia análise
Em lento derretimento popular, Bolsonaro se aproxima dos 20%. Quando a campanha adensar e diversos candidatos lembrarem o eleitorado da flagrante sabotagem da vacinação, as diversas crises institucionais por Bolsonaro provocadas e a inflação descontrolada, é razoável esperar perda adicional de votos.
Ex-ministros de Bolsonaro, como Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta, trazem apelo a esse eleitorado (a “direita ex-bolsonarista”). Aceitaram trabalhar para Bolsonaro e romperam por razões distintas, mas seguem no mesmo campo.
Moro, que larga à frente nesse grupo, acredita que 2022 será uma repetição dos “símbolos” de 2018. Se ele estiver certo, bastará dobrar a aposta em sua canção de uma nota só (“corrupção, corrupção, corrupção”) e agregar os indefectíveis clichês eleitorais (“queremos educação de qualidade” etc).
No PSDB, a disputa inevitavelmente se dará contra Moro e Bolsonaro pela vaga final no segundo turno. O governador João Doria (SP), fez uma campanha abertamente bolsonarista em 2018. Desde então se distanciou, e seu esforço pela vacina é um trunfo eleitoral.
Já o governador Eduardo Leite (RS) foi menos bolsonarista, mas também correu nesta raia em 2018. Ao contrário das promessas não cumpridas de Paulo Guedes, Leite aprovou reformas previdenciária e administrativa, além de privatizações.
Ciro Gomes foi o primeiro a perceber que a vaga aberta no 2.º turno estará no campo da direita, não da esquerda. Por isso, calibrou sua campanha para a centro direita, mas é difícil imaginar que isso baste para convencer o eleitorado mais conservador. Resta ainda Simone Tebet, correndo por fora no MDB.
*PROFESSOR E DOUTORANDO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO NA FGV-SP
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,terceira-via-para-2022-tende-a-ser-de-ex-bolsonaristas-leia-analise,70003909003
Pedro Doria: Os grupos de WhatsApp construíram Bolsonaro e agora podem destruí-lo
Há neste momento uma sirene vermelha gritando alto no terceiro andar do Planalto
Pedro Doria / O Estado de S. Paulo
As pesquisas eleitorais mostram que pela primeira vez em muitos meses algo mudou. Há um novo terceiro lugar na corrida, o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro. Ele ainda está distante dos bem mais de 20% do segundo colocado, o presidente Jair Bolsonaro, mas o jogo já é outro. Foi colocar seu nome na disputa que Moro deu um salto. Não foi assim com os outros postulantes à terceira via. Ciro mantém o tamanho que tinha em 2018.
Os outros candidatos dão entrevistas, fazem discursos, participam de debates, e mal encostam nos 5%. Não sabemos se Moro se manterá nesta rota. Mas se a turma do gabinete do ódio entende mesmo de internet, há neste momento uma sirene vermelha gritando alto no terceiro andar do Planalto. É que grupo de Zap não tem dono. O que o bolsonarismo construiu pode vir a destruí-lo.
Ainda não são muitos que compreendem a maneira como Bolsonaro usou o WhatsApp para se eleger. Lentamente, mas com propósito, desde 2016 quem trabalha para o presidente foi montando grupos de Zap aqui, entrando em grupos já montados ali, e os transformando em veículos de comunicação direta.
O bolsonarismo tem equipes que criam vídeos, memes, áudios, tudo sempre reagindo aos acontecimentos do dia. Os profissionais irrigam com o conteúdo do dia inúmeros grupos com a certeza de que vai ser redistribuído. O reflexo que tantos têm de encaminhar o que recebem é seu trunfo. É uma rede pronta para atingir eleitores que de alguma forma simpatizam com ou se posicionam na direita brasileira.
Mas uma rede é, por natureza, descentralizada. Pode-se entrar nela por qualquer porta. Cada nó desta rede é um grupo, alguns maiores, outros menores, e os agentes que fazem a distribuição do conteúdo são as próprias pessoas que estão lá. A maioria não é profissional. A maioria nem compreende que faz parte de uma poderosa estrutura.
Moro é a encarnação do espírito de higienismo político que um dia Carlos Lacerda representou, com muitas pitadas do tenentismo conservador do brigadeiro Eduardo Gomes. Ele representa um jeito de pensar política muito antigo na República brasileira. Moro é o que o eleitor queria quando votou Bolsonaro.
A dúvida é quanto do eleitorado ainda quer isso. Mas o bolsonarismo já fez o trabalho de organizar este eleitorado. Esta mesma rede pode ser levada a apoiar Moro. De forma espontânea. Ou de forma trabalhada. Basta entrar nos grupos e começar a irrigar. Se a mensagem der liga, chega a dezenas de milhões. Afinal, grupo de Zap não tem dono.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://link.estadao.com.br/noticias/geral,os-grupos-de-whatsapp-construiram-bolsonaro-e-agora-podem-destrui-lo,70003908646
Lira prioriza aumento do limite de idade para indicação ao STF
Proposta é considera manobra para futura indicação à Suprema Corte de nomes com boa interlocução entre parlamentares
Vinícius Valfré / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Um dia após a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz de 75 para 70 anos a idade para aposentadoria compulsória de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), decidiu dar prioridade a outra medida relacionada à Corte. Ele criou nesta quarta-feira, 24, uma comissão especial para analisar a PEC que amplia de 65 para 70 anos a idade máxima para nomeação nos tribunais.
Com a decisão, tomada no dia seguinte ao aval da CCJ à proposta, Lira agiliza a tramitação da matéria que, nos bastidores, é vista como manobra para possibilitar que magistrados com boa interlocução com o Centrão possam ser escolhidos para futuras vagas no Supremo.
O texto, de autoria do deputado Cacá Leão (Progressistas-BA), teve a admissibilidade aprovada pela CCJ, nesta terça. No mesmo dia, o colegiado deu sinal verde à proposta chamada de PEC da Bengala, diminuindo a idade máxima dos ministros da Corte. Caso venha a ser promulgada essa alteração, a proposta forçaria a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski e da ministra Rosa Weber, do STF. Ambos têm 73 anos.
Segundo integrantes da comissão, no entanto, Lira não pretende levar a PEC da Bengala ao plenário. Após a CCJ, o texto também precisará ser submetido a uma comissão especial. Até o momento, porém, o presidente da Câmara só determinou a criação do colegiado que tratará da idade limite para a nomeação. A comissão especial é umas das etapas previstas na tramitação antes de uma proposta ser votada por todos os deputados.
Informalmente, deputados dizem que a PEC pretende abrir uma janela que permita a futura indicação de ministros com trânsito entre parlamentares e aliados do presidente Jair Bolsonaro. Entre os possíveis beneficiados, estariam os ministros João Otávio Noronha e Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça. Ambos têm 65 anos.
Neste seu primeiro mandato, Jair Bolsonaro pôde indicar dois nomes para o STF. Kassio Nunes Marques, nomeado em outubro de 2020, e André Mendonça, ex-advogado-geral da União. A sabatina de Mendonça vinha sendo travada na CCJ do Senado pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Ao justificar a apresentação da PEC, Cacá Leão afirmou que a ampliação da idade estimula magistrados a não se aposentarem precocemente. “Juízes e desembargadores que completam 65 anos deixam de ter acesso às cortes superiores (com a PEC da Bengala, em vigor) e, por não terem perspectiva de ascensão na carreira, muitos acabam pedindo aposentadoria precoce. Como desfecho deste cenário, elevam-se os gastos do erário e se perde em experiência e moderação, ambas necessárias ao bom magistrado e conquistadas às custas de muitos anos de trabalho”, disse.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lira-deixa-pec-da-bengala-de-lado-e-prioriza-aumento-do-limite-de-idade-para-indicacao-ao-stf,70003907790
Moro defende aumento de auxílio e faz aceno ao PSDB
Ex-ministro participou de reunião com a bancada do Podemos e falou sobre a PEC dos precatórios
Lauriberto Pompeu / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro (Podemos) subiu o tom do discurso de campanha ao Palácio do Planalto e criticou os governos de Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seus principais adversários. Moro esteve nesta terça-feira, 23, no Senado e, ao lado da bancada do Podemos, partido ao qual se filiou recentemente, defendeu a proposta alternativa à PEC dos precatórios.
“É perfeitamente possível realizar o incremento do Auxílio Brasil sem derrubar o teto de gastos”, afirmou Moro, numa referência PEC que abre caminho para a criação do novo programa social. “É possível conciliar responsabilidade social com responsabilidade fiscal.”
LEIA TAMBÉM
Bolsonaro diz que filiação ao PL é assunto 'praticamente resolvido', mas não cita data
Ao mesmo tempo em que atacava o governo, o ex-juiz da Lava Jato fazia acenos a outros partidos. De olho em uma aliança com o PSDB, Moro minimizou, por exemplo, os conflitos nas prévias presidenciais dos tucanos.
"O PSDB é um grande partido", elogiou. "Tem que respeitar. Eles vão tomar a decisão no tempo deles", disse. Os governadores João Doria (São Paulo), Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio concorrem na eleição interna que vai escolher o candidato do PSDB ao Planalto.
O resultado das prévias estava previsto para ser divulgado no domingo, 21. Problemas no aplicativo de votação, porém, obrigaram o partido a suspender a consulta. A intenção é que as eleições sejam concluídas até o próximo domingo, 28.
Após se reunir com integrantes do Podemos, Moro destacou que a proposta alternativa da PEC dos precatórios, de autoria dos senadores Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), José Aníbal (PSDB-SP) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) permite a criação do Auxílio Brasil "sem rombo" nas contas públicas.
"O Podemos não pode compactuar com o desemprego dos trabalhadores brasileiros e gerar situações ainda mais difíceis, sob o argumento de que isso seria necessário para combater a pobreza", observou o ex-ministro.
Não faltaram críticas ao PT. “O teto de gastos, quando foi criado, em 2016, resultou em uma imediata queda dos juros. Isso impulsionou a recuperação da economia que vinha da recessão criada pelo governo do Partido dos Trabalhadores", afirmou Moro.
A entrada do ex-ministro na pauta econômica marca a estratégia de sua pré-campanha para evitar sua associação somente com o combate à corrupção. Recentemente, Moro anunciou que o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, é seu conselheiro econômico.
Quando era juiz da Lava Jato, Moro personificou o discurso antipolítica. Agora, ele tenta equilibrar sua atuação no julgamento de casos de corrupção com a recente entrada na vida partidária. O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou Moro parcial na condenação do ex-presidente Lula.
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Bolsonaro diz que filiação ao PL é assunto 'praticamente resolvido', mas não cita data
- Conheça as ideias dos conselheiros econômicos dos presidenciáveis
No Chile, caldo de polarização vai ferver ainda mais em 2022
Se Kast vencer, terá de lidar com a esquerda na Constituinte; se Boric ganhar, vai ter de fazer alianças no novo Congresso chileno
Fernanda Simas / O Estado de S.Paulo
Pela primeira vez desde o retorno da democracia no Chile, os dois principais partidos do país, que ocuparam a presidência ao longo do período, não chegaram ao segundo turno desta eleição. Segundo analistas, é a comprovação de que a disputa de extremos chegou ao cenário chileno.
LEIA TAMBÉM
Em eleição polarizada, ultradireita e esquerda farão o 2.º turno no Chile
Com isso, a composição para 2022 deve ferver ainda mais o caldo polarizado chileno. Esta eleição presidencial é a primeira após os protestos de 2019, que deixaram uma marca na história política de Sebastián Piñera e resultaram na decisão de se elaborar uma nova Constituição, o que vai ocorrer em 2022. A cor política da nova presidência e do novo Congresso pode ter papel importante na rapidez ou lentidão desse processo.
“Tempos difíceis estão chegando para o Chile. 2022 será um ano muito tenso: um novo presidente e novo Congresso a partir de março, e eventualmente uma nova Constituição, se for aprovada no referendo do 2º semestre de 2022”, diz Daniel Zovatto, diretor para América Latina e Caribe do Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral Internacional (Idea).
No segundo turno vão estar um candidato de extrema direita, que admira o general Augusto Pinochet, e um esquerdista que remonta a Salvador Allende, que o ditador derrubou em 1973. Com moderados caindo no esquecimento, esse resultado oferece aos eleitores duas visões radicalmente diferentes do futuro, em um país ainda se curando das feridas dos atos de 2019 e de uma pandemia.
Neste pleito, surgirá também um Congresso renovado, com eleitores escolhendo parlamentares, o que será decisivo decidindo quanta margem de manobra dar ao novo líder.
Seja quem for o próximo presidente do Chile, terá de negociar com vários partidos para conseguir maioria na Câmara e no Senado. Tanto Jose Antonio Kast quanto Gabriel Boric são apoiados por coligações que não serão as maiores, seja na Câmara, seja no Senado.
Na Câmara, quem vencer terá de costurar muitas alianças para atingir os 93 votos necessários para aprovar as normas constitucionais, o que equivale a 3/5 dos parlamentares.
No Senado, o número de assentos para a direita e esquerda está igual, empatados. A centro-esquerda soma 25 parlamentares, mesmo número da soma do Chile Vamos, da centro -direita, com o pacto do Partido Republicano, de Kast.
Após a eleição, na Câmara dos Deputados, a soma dos partidos de esquerda e centro-esquerda chega a 73 parlamentares, perdendo a maioria (78 dos 155 votos). A direita soma agora um total de 69 deputados. O restante é de partidos e candidatos independentes.
Caso o ultraconservador Jose Antonio Kast vença, sua promessa de cortar impostos corporativos e gastos fiscais – dobrando as credenciais neoliberais do país – podem levar a um conflito com um parlamento dominado por uma esquerda fragmentada. Planos vagos de trazer capital privado já enfureceram os sindicatos.
Enquanto isso, o ex-líder estudantil Gabriel Boric, apoiado por uma coalizão que inclui aliados comunistas, quer aumentar o salário mínimo e os impostos corporativos e substituir o atual sistema de previdência privada, um dos maiores pilares dos mercados de capitais do Chile.
Insatisfação ainda é grande entre os chilenos
Em qualquer dos casos, o eleito terá de lidar com uma insatisfação crescente. O Chile costumava ser uma das histórias de sucesso da América Latina. A renda per capita quase triplicou entre 1990 e 2015; passando a ser atualmente a mais alta da região. O número de estudantes universitários quintuplicou no mesmo período. A desigualdade de renda caiu e agora está abaixo da média da região (apesar de muito maior do que a dos membros da OCDE, o clube dos países mais ricos).
Ainda assim, desde que enormes manifestações ocorreram há dois anos, nos quais pelo menos 30 pessoas morreram e estações de metrô e igrejas foram depredadas e incendiadas, a violência ficou muito mais comum. Nas semanas recentes, três pessoas morreram durante protestos, e centenas de manifestantes foram presos.
Depois dos atos de 2019, uma Assembleia Constituinte foi eleita para escrever uma Constituição que substituísse a Carta redigida na ditadura de Pinochet. Com participação de apenas 43% do eleitorado, a constituinte eleita é composta pela esquerda e progressistas. Um presidente de esquerda terá mais abertura, mas precisará articular com o novo Congresso, enquanto um presidente ultraconservador pode entrar em conflito com os constituintes.
Vencedor no Chile vai ter de costurar acordos com o Congresso
Para Pamela Figueroa, professora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Santiago do Chile, o esquerdista Gabriel Boric “teria que buscar uma aliança política com a centro-esquerda no Congresso para avançar no programa de transformação de maneira gradual pela via legislativa”, enquanto o candidato da extrema direita Jose Antonio Kast teria uma relação mais tensa com setores da sociedade. “A plataforma do candidato tem sido muito clara em retroceder em alguns direitos da sociedade, como os das mulheres.”
A disputa presidencial mais dividida da história recente chilena coloca o ex-líder estudantil Boric, de 35 anos, e o defensor do legado econômico da ditadura de Augusto Pinochet numa disputa pelo voto daqueles que um dia apoiaram a centro-direita e a velha Concertación, coalizão cristã-socialista que governou o Chile nos anos em que Piñera não estava no cargo.
“É uma eleição bastante aberta, então é muito difícil dizer como ficará a polarização. Nas primárias de julho de 2021, por exemplo, não vimos uma polarização tão grande. Os partidos de centro-direita e da ex-Concertación tiveram votação expressiva”, avalia Pamela. No segundo turno, ambos terão de buscar alianças com esses campos políticos para conseguir uma vitória.
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Em eleição polarizada, ultradireita e esquerda farão o 2.º turno no Chile
- Quem é Jose Antonio Kast, o 'Bolsonaro chileno', favorito na eleição do Chile
- Senado do Chile rejeita impeachment de Piñera
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,no-chile-caldo-de-polarizacao-vai-ferver-ainda-mais-em-2022,70003905016
Em intervenção inédita, gestão Bolsonaro faz seleção de questões do Enem
Desde a eleição, presidente busca controlar conteúdo, por meio de impressão prévia da prova, análises e até comissões externas ao Inep
Renata Cafardo e Júlia Marques / O Estado de S.Paulo
O governo Jair Bolsonaro tem usado diversas estratégias, como a impressão prévia de provas e a análise do banco de questões por comitês externos ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), para tentar controlar o conteúdo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Servidores que pediram exoneração do órgão federal falam em pressão para trocar questões e o Estadão apurou que já houve supressão de itens "sensíveis" na prova que será aplicada nos dias 21 e 28 de novembro.
Segundo relatos à reportagem, 24 questões foram retiradas após uma “leitura crítica”, sob o argumento de serem “sensíveis”. Depois, 13 delas voltaram a ser incluídas e 11 foram definitivamente vetadas.
Leia Também
Bolsonaro garante Enem e diz que prova 'começa a ter a cara do
Para essa análise das questões, servidores do Inep tiveram de imprimir a prova previamente dentro da sala segura do órgão, em um procedimento não adotado em anos anteriores. A sala segura é um ambiente criado para manter o sigilo absoluto da montagem das provas, com detector de metais e senhas nas portas. Quem examinou uma primeira versão do Enem deste ano foi o diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep, Anderson Oliveira – que está no cargo desde maio.
As comissões de montagem da prova sugeriram outras perguntas para substituir as 24 retiradas, mas o Enem acabou descalibrado – o exame tem uma quantidade de questões consideradas fáceis, médias e difíceis. Por isso, algumas tiveram de ser reinseridas no teste. Procurado, Oliveira não quis dar entrevista.
Em 2020, segundo apurou o Estadão, um dos que entraram na sala segura para ver as questões foi o general da reserva Carlos Roberto Pinto de Souza, ex-comandante do Centro de Comunicação do Exército, que ocupava o mesmo cargo de Oliveira. Ele morreu de covid e foi substituído pelo tenente-coronel-aviador Alexandre Gomes da Silva.
Neste mês, houve 37 pedidos de exoneração de servidores do Inep, que denunciaram a pressão interna e a “fragilidade técnica” da cúpula da autarquia responsável pelas avaliações do governo. O presidente Jair Bolsonaro afirmou na segunda-feira, 15, que o Enem começa agora a “ter a cara” do governo. Acrescentou que “ninguém precisa estar preocupado com aquelas questões absurdas do passado”.
O vice-presidente Hamilton Mourão, porém, negou interferência, com a alegação de que esse era o jeito de o presidente falar. Já o ministro da Educação, Milton Ribeiro, inicialmente, afirmou que teria acesso prévio às perguntas. Depois, recuou: disse na terça-feira que “não houve interferência”.
As questões do Enem são feitas por professores contratados pelo Inep há anos. Depois, comissões técnicas do órgão montam a prova de cada uma das quatro áreas, seguindo a metodologia de Teoria de Resposta ao Item (TRI), que calibra a dificuldade do exame.
Segundo servidores, porém, o atual presidente do órgão, Danilo Dupas, deixou claro que a prova não poderia ter perguntas consideradas inadequadas pelo governo. Essa pressão era entendida por servidores como um assédio moral e fez parte das denúncias. De acordo com eles, Oliveira também era pressionado e chegou a divulgar um documento dizendo que apoiava o pedido de exoneração dos seus subordinados. Eles afirmaram ainda que o clima de pressão atual já levou a uma autocensura dos grupos que escolhem as questões. Temas como sexualidade e ditadura militar, por exemplo, deixaram de ser sugeridos.
A intenção do governo de mexer no Enem paira no Inep desde a eleição de Bolsonaro, em 2018, quando ele criticou uma questão que mencionava um dialeto de gays e travestis. A então presidente do Inep era Maria Inês Fini, que criou o exame no governo Fernando Henrique Cardoso e voltara ao órgão na gestão Michel Temer. Ela conta que sempre leu o Enem antes porque esse era o seu papel, mas no computador e em “um trabalho técnico e não fiscalizador”.
“Essa coisa de considerar questões sensíveis nunca existiu”, diz. “Hoje, quem está lendo não entende nada de avaliação.” A reportagem consultou outros ex-presidentes e todos afirmaram nunca analisar a prova previamente. Procurado sobre o assunto na terça-feira, o Inep não se manifestou.
Comissão para avaliar Banco Nacional de Itens do Enem
No primeiro ano do governo Bolsonaro, uma comissão foi criada para avaliar a pertinência do Banco Nacional de Itens do Enem com a “realidade social” do Brasil. O ministro da Educação à época, Abraham Weintraub, afirmou que as questões não viriam carregadas “com tintas ideológicas”. Essa comissão chegou a desaconselhar, em 2019, o uso de 66 questões por promover “polêmica desnecessária” e “leitura direcionada da história” ou ferir “sentimento religioso”.
Neste ano, houve nova tentativa de criar comissão para avaliar as questões. O Inep preparava uma portaria para formar um grupo permanente que deveria barrar “questões subjetivas”. A ideia era que se abstivesse de “itens com vieses político-partidários e ideológicos”. O caso foi levado ao Ministério Público Federal, que recomendou, em setembro, que o Inep desistisse dessa comissão. Em resposta, o órgão afirmou que a recomendação foi atendida.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,gestao-bolsonaro-ja-cortou-questoes-do-proximo-enem,70003900649
Comissão de Juristas Negros quer observatório contra racismo
Grupo criado pela Câmara com 20 especialistas, incluindo ministro do STJ, deve sugerir mudanças na legislação
Tayguara Ribeiro / Folha de S. Paulo
A criação de um observatório permanente contra o racismo deve ser uma das propostas do relatório final de uma comissão de juristas negros criada pela Câmara dos Deputados.
O grupo foi formado para avaliar mudanças na legislação de combate ao racismo no Brasil. O texto final, que tem como relator Silvio Almeida, professor da Fundação Getulio Vargas e colunista da Folha, deverá ser entregue ainda neste mês.
A ideia do observatório é contar com a participação dos juristas, mas também da sociedade civil por meio de movimentos ou entidades organizadas, para que os integrantes do grupo acompanhem a tramitação e eventuais ajustes nas propostas da comissão.
Outro ponto que deve constar do relatório final é a sugestão de mudança das leis de cotas, com a fixação de metas objetivas, sistema de monitoramento e critério temporal passando a ser atrelado à comprovação de atingimento de metas.
"Dividimos nossa abordagem em eixos de enfrentamento ao racismo estrutural e institucional, com proposições que consideramos prioritárias e estratégicas", afirma Rita Cristina de Oliveira, defensora pública federal e uma das integrantes da comissão de juristas.
Segundo ela, que também é coordenadora do grupo de trabalho de políticas etnorraciais da Defensoria Pública da União, esses eixos são de enfrentamento ao racismo nos setores econômico, público e privado, além do sistema de justiça criminal e do campo dos direitos sociais.
O sistema de Justiça brasileiro também será objeto de propostas no texto final do relatório elaborado pela Comissão de Juristas Negros da Câmara.
"De uma maneira muito especial no que concerne às dimensões criminais desse sistema, incluindo a abordagem. Isso não significa que haverá mudança no código, mas sim uma reflexão que faça com que o que é tido como ilícito penal no tema de racismo seja respeitado e de fato efetivado", explica Ana Claudia Farranha, professora de Direito Constitucional da UnB (Universidade de Brasília) e também integrante do grupo.
Com a ajuda de consultores da Câmara dos Deputados, os integrantes da comissão realizaram um levantamento dos principais projetos de lei que existem na Casa e analisaram como essas propostas poderiam ser melhoradas levando em conta os problemas relacionados ao racismo.
O relatório final também deverá apresentar sugestões a respeito da saúde das mulheres negras e propostas para o fortalecimento da lei que obriga o ensino da história africana nas escolas e que vem sofrendo dificuldades para ser implementada.
"A comissão é uma resposta ao assassinato do João Alberto Silveira Freitas, no Carrefour, no ano passado. É uma comissão para revisão da legislação, e por isso foi um trabalho muito extenso", conta Ana Claudia Farranha.
Além dos integrantes que atuaram de forma continua na comissão, o grupo convidou diversos especialistas para debater alguns temas específicos, como é o caso de Paulo Soares, procurador federal da AGU (Advocacia-geral da União).
Ele apresentou ao colegiado análises sobre a questão dos quilombolas no país avaliando a legislação que trata do tema, segurança jurídica em relação aos territórios e ausência de recursos orçamentários para titulações.
"É importante pensar em instrumentos jurídicos que deem garatias. Não basta apresentar propostas, é preciso teorizar sobre como implementar as proposições juridicamente."
Durante o debate sobre o relatório premiliminar produzido pela comissão, no dia 25 de outubro, Silvio Almeida falou sobre a necessidade de iniciativas para a prevenção, a detecção e a responsabilização de práticas racistas no setor privado.
Apesar dos temas debatidos no grupo, Almeida destacou durante a análise do relatório preliminar que o racismo faz parte da estrutura da sociedade brasileira e que, por isso, o trabalho desenvolvido pela comissão enfrentará uma limitação de alcance.
"Embora essa comissão tenha no nome que vai tratar do racismo estrutural, ela vai tratar apenas do racismo institucional, que é possível, porque o racismo estrutural envolve questões que estão muito além da possibilidade de qualquer jurista, de qualquer norma jurídica, qualquer movimento institucional nos limites da sociabilidade que nos apresenta hoje é capaz de resolver", disse.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/11/comissao-de-juristas-negros-quer-observatorio-contra-racismo-e-meta-para-cotas.shtml?origin=uol
Eliane Catanhede: Depois da ONU e das lives, Bolsonaro agora mente em Dubai
Presidente brasileiro disse que a Amazônia é uma floresta úmida que não pega fogo e está igualzinha desde 1500
Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo
Não bastassem os vexames na Europa, com ausência na COP 26, inutilidade no G-20 e agressão a manifestantes na Itália, o presidente Jair Bolsonaro mente, com um sorriso sem graça, em Dubai, numa viagem de uma semana aos Emirados Árabes.
Para espanto geral, o presidente brasileiro disse que a Amazônia é uma floresta úmida que não pega fogo e está igualzinha desde 1500. Para piorar, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse na maior cara dura que o Brasil “cresce acima da média”.
Peguem os dados do Inpe, um instituto público, e do Observatório do Clima, que é independente, e a verdade está toda lá: as queimadas e o desmatamento da Amazônia (e não só) são os piores em muitos anos.
Se tiverem paciência e estômago, também vão ver que as multas ambientais despencaram com Bolsonaro, para alegria de grileiros e criminosos e profunda tristeza de quem se preocupa com Amazônia, florestas, ambiente e planeta.
E a fala de Guedes, num horizonte de recessão, inflação e juros disparando, desemprego renitente, sem planos e estratégia de recuperação econômica e social?
É tudo tão inacreditável que a gente não sabe se é piada de mau gosto ou só cara de pau, até dissipar a dúvida revendo as manifestações do presidente em variados momentos e ambientes. Aí, tudo faz sentido.
Bolsonaro já usou a ONU, sem tomar a vacina, para defender medicamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19, combinando dois erros fatais que cometeu durante toda a pandemia: ataque às vacinas e propaganda de remédio inútil, até perigoso.
E as lives do presidente? 1) atribuindo ao TCU um estudo falso negando metade das mortes por covid; 2) inventando uma “pesquisa” alemã dizendo que máscaras fazem mal às crianças; 3) atribuindo casos de aids à segunda dose de vacina contra covid na Inglaterra.
Sem contar que ele questionou os dados do desmatamento, mandou demitir o presidente do Inpe e refazer a metodologia. Pois ela foi refeita e os dados continuaram os mesmos. A retórica negacionista de Bolsonaro também.
E temos a longa live em que ele usou relatório vazado ilegalmente da Polícia Federal para “comprovar” uma outra fake news: as urnas eletrônicas são fraudadas, logo, é preciso cédula de papel.
É ótimo buscar investimentos estrangeiros, apesar dos regimes ditatoriais, mas mentindo, violentando os fatos e batendo bumbo para uma realidade paralela? Bolsonaro é sem noção e sem limite.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,depois-da-onu-das-lives-e-do-cercadinho-bolsonaro-agora-mente-em-dubai,70003899638