novo governo
Revista online | Yanomami: Crise humanitária deve ser resolvida de forma definitiva
Luciano Rezende*, ex-prefeito de Vitória (ES), especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro de 2023)
A mais recente crise humanitária envolve os Yanomami, que vivem no norte da Amazônia, na fronteira Brasil-Venezuela. Esse povo constitui um conjunto cultural e linguístico composto de, pelo menos, quatro subgrupos adjacentes que falam línguas da mesma família (Yanomae, Yanõmami, Sanima e Ninam). A população total dos Yanomami, no Brasil e na Venezuela, era estimada em cerca de 35.000 pessoas em 2011.
As atividades do garimpo provocam conflitos violentos entre garimpeiros e os povos indígenas locais, levando a agressões e mortes.
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Além disso, as atividades do garimpo são extremamente perigosas para o meio ambiente devido ao uso de metais pesados que contaminam o solo e os rios, levando riscos graves à saúde dos povos expostos ao envenenamento do solo, da água e dos animais não só no local do garimpo, mas também longe do local da extração. É o que parece ser o motivo principal da agudização da grave crise humanitária atual com os Yanomamis.
A atividade garimpeira utiliza o mercúrio para possibilitar a amálgama com o ouro, de forma a recuperá-lo nas calhas de lavação do minério. Tanto o mercúrio metálico perdido durante o processo de amalgamação como o mercúrio vaporizado durante a queima da amálgama para a separação do ouro são altamente prejudiciais à vida.
Alguns insetos metabolizam o mercúrio metálico em dimetilmercúrio, o qual é altamente tóxico para os seres vivos. Como esses insetos fazem parte da cadeia alimentar, o mercúrio orgânico acaba por ser ingerido pelo ser humano.
O mercúrio vaporizado ao ser inalado também é altamente tóxico. O mercúrio atinge todo o sistema nervoso, podendo levar à perda da coordenação motora, e, se ingerido ou inalado por grávidas, haverá a possibilidade de geração de fetos deformados, sem cérebro, etc.[1]
Confira, a seguir, galeria:
É necessária uma ação imediata e permanente para restabelecer o equilíbrio nessas regiões. Legislação adequada, fiscalização, punição de criminosos e gestão cuidadosa dessa gravíssima crise é urgente.
Resolver a crise causada pelo garimpo ilegal é, na verdade, ir muito além da preservação do solo, dos rios, dos animais e do ser humano. É, também, cuidar da nossa rica diversidade étnica, além de respeitar e ser justo com os nossos povos originários, uma extraordinária riqueza que forjou a nossa própria identidade como povo e nação.
Sobre o autor
* Luciano Rezende é professor, médico, ex-prefeito de Vitória (ES) por dois mandatos (2013-2020) e presidente Conselho Curador FAP/Cidadania.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Morte de yanomami: garimpo é principal causa da crise e governo Bolsonaro foi omisso, diz ministra da Saúde
BBC News Brasil*
"Houve omissão em relação aos yanomami e outros povos", disse a ministra durante breve entrevista à BBC News Brasil, em Buenos Aires, capital da Argentina. Trindade acompanha a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está no país para uma visita ao presidente argentino, Alberto Fernández, e para participar de VII Cúpula dos Chefes de Estado da Comunidade Estados Latinoamericanos e Caribenhos (Celac).
Na entrevista, Trindade disse que os yanomamis estão em situação de desassistência e que o garimpo ilegal de ouro na região é a principal causa da crise de saúde que afeta a etnia que, no Brasil, vive entre os estados do Amazonas e de Roraima.
No sábado (21/1), Lula e sua equipe foram a Roraima após fotos de indígenas visivelmente subnutridos viralizarem na internet.
Assim como Lula, Nísia Trindade também classificou a situação dos yanomami como um tipo de genocídio. O termo foi usado por Lula ao se referir ao caso no final de semana.
"Eu vejo o abandono como uma forma de genocídio e essa população estava desassistida. O genocídio também pode ocorrer por omissão", afirmou.
Na entrevista, Nísia Trindade também afirmou que o debate para flexibilizar as regras para o aborto legalizado não será política do atual governo.
"Esse debate só pode acontecer no âmbito da sociedade. Não será uma política do Ministério da Saúde", disse a ministra.
Atualmente, o aborto só é permitido no Brasil em três circunstâncias: em caso de estupro; quando a gestação oferece risco à saúde da mulher; e nos casos de fetos anencefálicos.
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - O governo decretou situação de emergência em saúde por conta da situação dos indígenas yanomami. Que medidas concretas serão tomadas a partir de agora?
Nísia Trindade - Essas medidas de emergência sanitária são adotadas em situação de calamidade por questões de saúde, seja uma epidemia ou por uma situação de um desastre natural . Neste caso, nós caracterizamos esse episódio como uma situação de desassistência. Isso significa que essa população está sem o devido cuidado por parte do Sistema Único de Saúde (SUS) e isso acontece por várias questões. Grande parte da razão por tudo isso está na desorganização social provocada pela atividade do garimpo ilegal. Essa atividade gera contaminação dos rios e cria escavações que geram depósitos de água em que há proliferação de mosquitos. Com isso, há um aumento muito grande nos casos de malária.
BBC News Brasil - A situação dos yanomami já vinha crítica. Como ela virou uma crise para o governo?
Trindade - Pelo menos desde a transição de governo, eu já vinha acompanhando esses sinais. Nós tivemos uma reunião com lideranças yanomami e com lideranças políticas. Nos foi colocada, também, uma questão sobre a possibilidade de desvio de medicamentos. Mas o grande detonador foi verificar a morte das crianças. Tive vários apelos, antes mesmo de assumir o ministério, para tentar ver a situação do transporte aéreo [para remover pacientes a áreas com melhor infraestrutura de saúde]. Havia crianças que estavam em condições de muita fragilidade e que não conseguiam atendimento apropriado.
BBC News Brasil - Para o governo é claro que a causa dessa crise é o garimpo?
Trindade - Eu posso afirmar que sim, como em todo processo de causalidade, este é um fenômeno multicausal. Então nós precisamos dar mais assistência. Assumi há 21 dias e encontrei o funcionamento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) muito pouco voltada para essas ações. Um exemplo é a casa que dá acolhimento aos indígenas em Boa Vista. Ficou evidente que ela está em más condições. O garimpo causa essa desorganização social e gerou problemas de segurança, dificultando o acesso das nossas equipes de saúde às regiões em que há doentes.
BBC News Brasil - O ex-presidente Jair Bolsonaro rebateu as críticas que vinha recebendo sobre a saúde dos yanomami e classificou o caso como uma "farsa da esquerda". Como a senhora responde a essa alegação?
Trindade - A crise é evidente. É uma crise sobre a qual estamos fazendo um diagnóstico profundo, mas ela se revela em números, 500 crianças mortas. Por isso falamos de desassistência. Isso não é farsa. Isso são fatos.
BBC News Brasil - Na sua avaliação, houve omissão do governo passado em relação aos yanomami?
Trindade - Houve omissão em relação aos yanomami e a outros povos indígenas. Tanto é assim que, ainda como presidente da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), eu pude acompanhar uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que apontou muitas falhas na proteção dos indígenas. Isso aconteceu não só com os yanomami, mas em outros povos e em relação à covid-19.
BBC News Brasil - O presidente Lula descreveu a situação de saúde dos yanomami como um "genocídio". A senhora acha que é caso de um genocídio?
Trindade - Eu vejo o abandono como uma forma de genocídio e essa população estava desassistida. O genocídio também pode ocorrer por omissão.
BBC News Brasil - Mudando de assunto, a senhora revogou uma portaria que alterou regra sobre os procedimentos para obtenção da interrupção de gravidez. Esse é um ponto muito sensível para a bancada evangélica. O governo teme retaliação por conta desse tipo de medida?
Trindade - Não há motivo para termos retaliação. Acho que uma retaliação em relação ao que eu fiz no Ministério da Saúde e ao que o governo do presidente Lula fez só ocorreria por uma falta de compreensão ou por uma visão distorcida dos fatos. O que nós fizemos foi respeitar o que a lei brasileira já define. Não há nenhuma flexibilização da legislação sobre o aborto. O que nós fizemos? Nós só alteramos a portaria que estava em vigor e que determinava que o médico teria que comunicar à autoridade policial a existência de uma busca pelo aborto por parte de uma mulher vítima de violência no Brasil.
BBC News Brasil - Parte do segmento evangélico afirma que, de alguma forma, a retirada dessa obrigação facilitaria o acesso ao aborto.
Trindade - Esse argumento é uma forma de não ver uma questão que é essencial: muitas vezes, as mulheres não fazem a denúncia porque é uma questão muito complexa para todas as pessoas, independentemente da religião. Muitas vezes, essa violência (sexual) é cometida no núcleo familiar. Isso cria uma dificuldade maior para essa mulher ou para essa menina e seus familiares. O que nós estamos fazendo é proteger a mulher, a menina e o próprio profissional de saúde.
BBC News Brasil - O atual governo foi e é apoiado por diversos movimentos que defendem uma ampliação das regras para o aborto. Nesta gestão, o Brasil vai caminhar para a flexibilização das condições em que o aborto é permitido?
Trindade - Esse debate só pode acontecer no âmbito da sociedade. Ele não será uma política do Ministério da Saúde. É um debate da sociedade, o Poder Legislativo. Não está definido no programa de governo do presidente Lula e os ministérios seguem esse programa.
BBC News Brasil - A senhora acha que a sociedade tem que debater este assunto?
Trindade - Eu acho que é um assunto que já está em debate. O que precisamos: dar espaço para as vozes em relação a esse tema; esclarecer; olhar pelo ângulo da saúde pública e; a sociedade tem que tomar suas definições. Sempre temos dito que a questão dos direitos reprodutivos e sexuais vai muito além da questão do aborto. Significa olhar para a saúde integral da mulher, protegê-la contra as violências, favorecê-la com projetos educacionais, etc.
Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.
Revista online | No ataque à democracia, cultura também é alvo da fúria bolsonarista
Henrique Brandão*, jornalista, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)
O dia 8 de janeiro se prenunciava um domingo tranquilo, o primeiro depois da emocionante, e carregada de simbolismo, posse de Lula. No entanto, pouco antes das 15 horas, uma horda de militantes de extrema direita, que havia saído do acampamento em frente ao Quartel General (QG) do Exército em Brasília, invadiu a Praça do Três Poderes e promoveu a mais perigosa e explícita tentativa de tomada do poder fora do marco constitucional estabelecido pela Constituição de 1988.
As palavras de ordens proferidas, a não aceitação do resultado da eleição, o pedido de estabelecimento de um governo militar-fascista, deixavam claras as intenções dos mais de 4.000 golpistas que se dirigiam ao coração da República, dispostos a vandalizar e quebrar tudo ao seu alcance.
Estava óbvio, conforme as imagens de TV eram transmitidas para o mundo inteiro, que o objetivo era criar o caos e gerar o terror. Não era, nunca foi, uma manifestação com intenções políticas pacíficas, como algumas lideranças da direita tentaram caracterizar o quebra-quebra instaurado nos prédios – e em seu entorno – que foram alvos dos ataques que os vandalizaram.
As invasões e depredações tinham alvos muito bem definidos. Não à toa, os prédios visados abrigam as sedes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa separação entre os poderes, cada qual com suas atribuições, é a base da doutrina constitucional liberal na qual se assentam, hoje em dia, as nações do mundo Ocidental, inspirada na obra o Espírito das Leis (1748), de Montesquieu (1689-1755) e adotada pela primeira vez na Revolução Francesa (1789-99), que marcou o fim do Absolutismo na França.
As cenas registradas pelas emissoras de TV, pelas câmeras dos profissionais de imprensa (muitos foram agredidos e tiveram os equipamentos roubados), nos circuitos internos de segurança dos prédios invadidos e até pelos próprios manifestantes são lamentáveis.
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Chamou a atenção, no rescaldo dos escombros, a depredação de obras de arte expostas nesses palácios. Quase nenhuma passou incólume pela cólera dos invasores. A cena de um bárbaro jogando ao chão um relógio de Balthazar Martino, do Século XVII, trazido ao Brasil em 1808 por Dom João VI, é estarrecedora.
Outro invasor, em fúria, fez sete rasgos na tela As Mulatas (1962), de Di Cavalcanti (1897-1976), principal peça do Salão Nobre do Palácio do Planalto. A tela retrata bem a produção de Di Cavalcanti e traz em sua composição tema recorrente do grande pintor e desenhista, que tem a obra marcada por retratar personagens e figuras icônicas do povo brasileiro.
A escultura de Frans Krajcberg (1921-2017) Galhos e sombras também foi quebrada em diversos pontos. A obra se utiliza de galhos de madeira oriundos de queimadas, colhidos na Mata Atlântica, no Sul da Bahia. Outra escultura, O Flautista, de Bruno Giorgi (1905-1993), foi destruída.
Na Câmara dos Deputados, o alvo foi a linda estátua de Victor Brecheret (1894-1955), A Bailarina, produzida nos anos de 1920, que foi arrancada de seu pedestal.
No STF, vandalizaram o famoso monumento de Alfredo Ceschiatti (1918-1989), localizado em frente ao prédio do Poder Judiciário e que, ao longo do tempo, se transformou em um dos emblemas mais conhecidos de Brasília, por representar a imparcialidade da Justiça.
Não chega a ser surpresa a destruição de símbolos da cultura brasileira pela manada bolsonarista. Durante os quatro anos de seu nefasto reinado, o que imperou na área da cultura foi a tentativa de aniquilamento total do setor. A começar pelo chefe supremo da tropa, que acabou com o Ministério da Cultura (MinC), transformando-o em um apêndice inútil do Ministério do Turismo.
O secretário de Cultura de Bolsonaro no início de 2020, Roberto Alvim, personificou o modo de agir da extrema direita. Em vídeo nas redes sociais, imitou Goebbles, o ministro da Propaganda de Hitler, a quem é atribuída a célebre frase: “Quando ouço falar em cultura, saco o meu revólver”. Acabou demitido, por pressão da opinião pública.
Confira, a seguir, galeria:
Modernismo e nazismo jamais se bicaram. Basta se lembrar da exposição Arte Degenerada (Entartete Kunst), promovida pelo regime nazista, em 1937. A exposição reuniu obras modernistas dos acervos de museus alemães e marcou o ápice da campanha do regime nazista contra a arte moderna, considerada artisticamente indesejável e moralmente prejudicial.
Não é mera coincidência, portanto, que a maioria das obras avariadas no putsch da extrema direita seja de artistas que participaram do modernismo brasileiro, em todas as suas formas de expressão, presentes nos prédios dos Três Poderes, a começar pela arquitetura, imortalizada no traço de Oscar Niemeyer, que sempre chamou artistas contemporâneos para compartilhar os espaços públicos com obras de suas lavras. Athos Bulcão, parceiro constante de Niemeyer, foi outro que teve obras vandalizadas. Esse atentado é também uma agressão à cultura brasileira. Tudo presente naqueles prédios públicos pertence ao povo brasileiro.
Que todos os envolvidos, no rigor da lei, sejam punidos, sem exceções. Os bagrinhos, os financiadores, os incentivadores e ideólogos da invasão. Civis, ricos ou pobres. Militares, de alta ou baixa patente.
A democracia sairá fortalecida. É o que espera o povo brasileiro.
Sobre o autor
*Henrique Brandão é jornalista.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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WikiFavelas: um caminho para reconstruir o Brasil
Outras Palavras*
Encerramos a coluna do Dicionário de Favelas Marielle Franco no Outras Palavras em 2022 com esperança. O nosso texto falava sobre as dificuldades de aquilombar a política no Brasil, num cenário de sub-representação de pessoas negras, pobres e faveladas nos espaços da política institucional. Mas, apesar de enormes dificuldades, o primeiro domingo do ano nos abriu oportunidades: o povo brasileiro subiu a rampa do Palácio do Planalto em toda a sua diversidade. Teremos indígenas, mulheres negras, faveladas, pessoas com deficiência, trabalhadores e trabalhadoras, sem-teto, sem-terra e tantos outros setores estratégicos na refundação do Brasil.
Os ares que sopram nos abrem caminhos para uma discussão profunda, aliada aos importantes movimentos sociais insurgentes, sobre democracia e direitos humanos no Brasil. Silvio Almeida, nomeado ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, ao tomar posse reforça o reconhecimento e a dignidade que deverá ser a principal ação do atual governo para a garantia de direitos de tantos corpos marcados pela discriminação e pela exclusão na sociedade brasileira. Por mais que muitos e muitas tentem vilipendiar o sentido dos direitos humanos e limitar o acesso à dignidade, a cada dia fica comprovado que sem um sistema de garantia de direitos fundamentais para todas as pessoas, não conseguiremos avançar como sociedade. Num período histórico de intensa polarização, que, como vimos, não se esgotou com o fim das eleições presidenciais de 2022, tem-se disputado também o sentido dos direitos humanos. E precisamos utilizar desse espaço para posicionar os setores progressistas e de esquerda na consolidação dos direitos. Sem anistia! – é o clamor da sociedade!
O segundo domingo do ano nos deu muitos recados. Diante de ameaças (falidas) de golpe de Estado, uma malta fascista tomou a Praça dos Três Poderes, em Brasília, para destruí-la. Flávio Dino, Ministro de Justiça e Segurança Pública, buscou nas forças de segurança formas de conter os terroristas, porém as polícias, sob o comando do governador do Distrito Federal, cooperaram na invasão e se mantiveram dispostas a servir de base para o que há de pior no Brasil: o racismo e as violações de direitos humanos. Em seu histórico de violências em todo território nacional, percebemos que o Estado é forte quando impõe seu braço armado contra populações pobres e negras, por exemplo, na promoção constante e institucionalizada de chacinas policiais em favelas e periferias do Rio de Janeiro. A identificação de “bandido”, portanto, não reconhece homens brancos de meia idade vestidos com o uniforme da CBF quebrando vidraças e destruindo obras de arte. Caso o comando seja identificar criminosos que atentem contra a democracia, os policiais não sabem para quem olhar, já que terão que olhar também para si mesmos.
Como discute Luiz Eduardo Soares em artigo recente neste mesmo site, a infiltração contagiosa do fascismo nas polícias não é novidade, tem história e sua erradicação passará por mudanças institucionais e culturais, eliminando focos e estruturas que permitem a reprodução das práticas que perpetuam a repressão seletiva como forma de dominação. Por outro lado, é urgente que se aprimore em toda a sociedade a crítica como uma oportunidade de inflexão política. Pesquisadores(as), lideranças e moradores(as) de favelas e periferias já vêm denunciando as estratégias do militarismo e os riscos para a democracia brasileira. A discussão sobre a desmilitarização das polícias, no entanto, encontra o crescimento exponencial das milícias, como no caso do Rio de Janeiro, e aprofunda problemas estruturais. Desde a redemocratização, o papel constitucional das polícias não problematiza as forças de segurança como forças que reproduzem contra suas próprias populações uma “guerra” de inimigos internos. A “guerra” como metáfora se ancora, justamente, na excepcionalidade de uma situação de risco que exige medidas também excepcionais e estranhas à normalidade institucional e democrática para atender aos anseios da ordem e da sociabilidade, daqueles que são tidos como cidadãos de direito. Tentativas de repressão e controle a título de “pacificação” já demonstraram que a democracia no asfalto não pode coexistir com o estado de exceção nas periferias e favelas. Um dia o aparato repressivo fora do controle da sociedade, em promiscuidade com as milícias e a militarização das políticas públicas se tornaram o modo dominante de exercício do poder.
Após a prisão de centenas de pessoas em Brasília em função dos atos terroristas na sede dos três poderes, o general Hamilton Mourão, ex-vice-presidente da República, foi às redes pedir que os direitos humanos das pessoas custodiadas fossem respeitados. O peso simbólico deste ato, onde um dos expoentes da ultradireita no país – que esteve à frente de um dos governos que mais atacou as políticas de direitos humanos (especialmente de pessoas pobres, negras, LGBTIA+, mulheres, povos originários…) – pede clemência para que seus eleitores, acusados de uma série de crimes envolvendo depredação de patrimônio público, terrorismo, golpe de Estado e afins, usufruam do conjunto de direitos contra os quais ele mesmo se encarregou de lutar, é também parte do que precisamos colocar sobre a mesa.
O mesmo pedido de clemência se estende aos pobres e desassistidos que sofrem com a ausência de políticas públicas na saúde, na educação, no trabalho e na moradia? Ou apenas aos empresários que estão destruindo a Amazônia com desmatamento ilegal? Ou isenta o governador do Rio de Janeiro, atual recordista em operações policiais letais em favelas e periferias? Ou inclui os milhares de jovens negros encarcerados por uma (também falida) guerra às drogas?
Silvio Almeida convoca a ação em seu discurso de posse quando pede que “nós não nos rendemos. Pois nós somos o povo que, mais de um século antes do pastor Martin Luther King, dizíamos, com Luiz Gama, ter um sonho: ver ‘o Brasil americano e as terras do Cruzeiro, sem reis e sem escravos!’”.
Logo após os atos terroristas reprimidos por meio de uma intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, em um palácio destroçado, esperançamos mais uma vez ao acompanhar a posse de Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, e Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, potências que inscrevem em seus corpos e, agora, oficialmente, no governo federal: a luta das mulheres indígenas, negras, quilombolas e tantas outras Marias, Mahins, Marielles e malês. É tempo, portanto, de reparação, verdade e justiça! E de tomar a pauta dos direitos humanos por seus próprios defensores e defensoras.
Deve ser o primeiro ponto de pauta a discussão sobre direitos humanos em favelas e periferias, pois é um movimento essencial se quisermos retomar os rumos democráticos do Brasil. Não há como discutir democracia sem pensar nas milhares de execuções de negros e negras que acontecem diariamente em favelas, periferias e na manutenção de presos sem julgamento, humilhados e mortos nas prisões, assim como não há como pensar em democracia sem acesso a saneamento, habitação, saúde, educação e alimentação. Democracia não é uma abstração ou algo utópico, tampouco uma ação isolada. Democracia é um processo, é uma caminhada, é um conjunto de posicionamentos e práticas fundamentais para a vida digna da população. No verbete “Segurança Pública e Direitos Humanos: algumas considerações para seguirmos em luta”, os psicólogos e pesquisadores Caíque Azael, Rosa Pedro e Pedro Paulo Bicalho discutem sobre a necessidade de seguir em luta “para a construção de futuros possíveis, onde práticas que perpetuam violências, desigualdades e aniquilamentos não sejam mais uma realidade, muito menos operadas pelo Estado brasileiro”. Confira o texto na íntegra no Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.
Ataque a Brasília: o silêncio da banca
Outras Palavras*
O intervalo foi de apenas uma semana. Entre a maravilhosa e emocionante jornada da posse de Lula na Esplanada dos Ministérios, no 1º de janeiro, e a crueldade criminosa dos atos terroristas perpetrados pela horda fascista do bolsonarismo, neste domingo, fica o retrato contraditório de um país que saiu dividido do processo eleitoral. Não restam muitas dúvidas a respeito da responsabilidade direta do governador reeleito do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, bem como de seu secretário de Segurança Pública, Anderson Torres. Ambos sabiam exatamente o que estava sendo preparado para aquele fim de semana, a partir das articulações dos golpistas acampados em frente ao Quartel General do Exército em Brasília.
Além disso, o sistema de informações do governo federal também tinha informações a respeito das caravanas que estavam sendo organizadas nos estados, em especial das regiões Sul e Centro Oeste. Ibaneis sempre foi um aliado de todas as horas do presidente fujão, tendo oferecido a área de segurança do DF para a famiglia Bolsonaro. Anderson Torres é um servidor da Polícia Federal, oferecendo uma fidelidade canina ao esquema de poder derrotado nas urnas. Tanto que foi nomeado Ministro da Justiça e Segurança Pública logo depois da saída de Moro em 2021. Em mais um gesto de reconhecimento do governador do DF, agora foi agraciado com a pasta distrital da segurança. Fez todo o corpo mole possível, sonegou informações, deixou o comando da Polícia Militar (PM) local colaborar como quis com os terroristas e fugiu para os Estados Unidos, com a intenção explícita de se juntar ao clã na Florida.
O Ministro da Defesa nomeado por Lula foi outro fator que ajudou indiretamente na empreitada golpista. José Múcio chegou passando pano nas manifestações em frente às instalações militares pelo Brasil afora, classificando-as como democráticas, tanto que teria amigos e familiares participando das mesmas. Uma loucura! Ora, em uma situação como esta, o recado foi entendido pelos terroristas como um claro sinal verde para seus atos criminosos. Daí para frente, tratou-se de uma sucessão de erros e equívocos na administração da segurança e na estratégia mesmo militar de proteção dos edifícios e da própria Praça dos Três Poderes. O Ministro Flávio Dino se diz enganado pelo governo distrital com a ausência de comando da segurança militar do Palácio do Planalto, o número reduzido de efetivos de segurança para impedir o aceso às áreas estratégicas da Esplanada e até mesmo a cumplicidade da PM/DF com os golpistas, oferecendo apoio às movimentações na região.
Financismo de rabo preso com o golpismo
Depois de todo o estrago consumado, no final da tarde Lula promove a intervenção na área de segurança do DF até o final de janeiro e o ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, afasta o governador do DF de suas funções até 31 de março. No início da semana, a realização da reunião com todos os 27 governadores foi um marco importante no processo de construção política de uma união nacional contra o terrorismo bolsonarista. Neste momento, é mais do que fundamental aprofundar o isolamento político do fugitivo e de seus seguidores, marcados pelo fanatismo, que antes pregavam e agora praticam o terror. A manifestação de solidariedade dos governos do resto do mundo com Lula e a condenação do terrorismo também contribuem para afastar qualquer ameaça de golpe militar. Pouco a pouco, o presidente da República retoma o controle político da situação, mas ainda precisa resolver a complexa e sensível “questão militar”. A presença de Múcio na pasta da Defesa deveria ser uma questão de tempo, o necessário para que Lula encontre uma solução que seja de sua absoluta confiança e também conte com algum respaldo nas Três Armas.
O fato interessante é que não saiu nenhuma nota, entrevista ou declaração do povo do financismo a respeito da grave crise que o país viveu e da qual ainda sente os efeitos. Aliás, é sempre assim. Os escribas e especialistas a mando do sistema financeiro adoram deitar falação e cobrar publicamente os governos quando entendem que a sua pauta de austeridade fiscal, privatização e liberalização está correndo algum tipo de perigo. E dá-lhe matérias alertando para catástrofe de aumentos de despesas governamentais na área social, os riscos de um “retrocesso” no processo de venda das empresas estatais ou de alguma flexibilização no arcabouço da política fiscal.
E os efeitos econômicos do terror?
O financismo não parece considerar o famoso “risco”, tal como costumam quantificar, representado pelas ações terroristas financiadas e patrocinadas por setores importantes de nossas classes dominantes. Apesar de toda a habilidade demonstrada por Lula em “fazer desse limão uma limonada”, o fato concreto é que a imagem internacional do Brasil sofreu arranhões com as cenas, ocupando espaços dos grandes meios de comunicação nos cinco continentes. Nada que não seja recuperável, mesmo no curto prazo. Mas esse tipo de ação não merece atenção, nem nota, nem repúdio da parte desse povo da banca.
Eles adoram calcular o impacto de tal e qual medida voltada a atender necessidades da população mais carente, como o reajuste do Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo e outras. Mas não mandaram seus estagiários prepararem a planilha para estimar os custos diretos e indiretos provocados pela depredação do patrimônio físico, cultural e histórico daquele dia triste em que o terrorismo tomou conta do centro do poder em Brasília. Ou ainda não se preocupam em botar suas equipes para realizarem as contas de quais são os custos dos acampamentos, dos transportes e toda a logística que foram bancados pelos empresários que há muito tempo vêm financiando as manifestações golpistas e, agora, o próprio dia do terror.
Silêncio demonstra cumplicidade
Por outro lado, começam a surgir as informações relativas aos movimentos próximos às refinarias e aos ataques contra as linhas e transmissão de energia elétrica em vários cantos do país. Trata-se de claras ações de sabotagem e terrorismo. São custos sociais e econômicos que deveriam ser cobrados na Justiça, juntamente com a condenação pelos crimes tipificados pela legislação antiterrorista. Esse pessoal adora condenar as ações legais e legítimas movidas pelos sindicatos e pressionam a Justiça do trabalho a cobrar das entidades pelo suposto prejuízo causado pelas paralisações. E, agora, como é que fica? Apenas um silêncio que denuncia a cumplicidade e o rabo preso com os golpistas.
Na verdade, outra consequência bastante negativa desse movimento antidemocrático é o retardamento do início do processo de reconstrução nacional. O novo governo já deveria estar se debruçando sobre as pautas de restabelecimento das políticas públicas que foram sistematicamente desmontadas ao longo dos últimos seis anos. Lula poderia estar coordenando as tarefas de recuperação do protagonismo do Estado, uma vez que seu objetivo declarado é fazer 40 anos em 4. Se tal sabotagem era um dos intuitos dos mandantes e financiadores da tentativa de putsch, o fato é que o tiro talvez saia pela culatra. O terceiro mandato pode ter seu início ainda com a ampliação de sua base de apoio político, social e também parlamentar.
O silêncio do financismo sobre os fatos dos últimos dias é carregado de significado. Apesar da oposição de seus principais representantes a algumas das medidas anunciadas por Lula e necessárias para a retomada das atividades econômicas com foco na redução de desigualdades e no desenho de um projeto de desenvolvimento, a cumplicidade com o golpismo pode arranhar sua credibilidade e pode lhes custar mais caro do que imaginam. O governo deve sair fortalecido quando essa poeira toda baixar. E Lula poderá usar esse reforço de autoridade para impulsionar a agenda — que ele sabe ser necessária para que seu terceiro governo — faça mais do que ele conseguiu realizar nos outros dois mandatos. É possível que, no quadro atual, a oposição da banca não encontre tanta ressonância no restante da sociedade. Aguardemos, pois.
Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.
Nas entrelinhas: Simone Tebet no governo Lula esvazia a “terceira via”
Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*
Qual o significado principal da presença da ex-senadora Simone Tebet no governo Lula? Numa visão economicista, diríamos que servirá de contraponto liberal à política do ministro da Fazenda, Fenando Haddad, supostamente estatizante e sem compromisso com a responsabilidade fiscal, como apontam a maioria dos oposicionistas que criticam o governo Lula por sua política econômica, desde antes mesmo de sua posse. Errado: a presença de Simone Tebet exerce um papel simbólico e político que transcende suas responsabilidades no Ministério do Planejamento e Orçamento: reforça o caráter de centro-esquerda da coalizão democrática de governo. Não é pouca coisa.
É óbvio que a política econômica do novo governo, que está em disputa, terá um papel decisivo para o posicionamento da elite econômica e da classe média que não apoiou Bolsonaro nem Lula no primeiro turno, preferindo Simone Tebet ou Ciro Gomes (PDT). É óbvio que as propostas que rompem a linha de convergência da coalizão e as declarações desastradas sobre pautas específicas dos novos ministros de Lula são um fator de acirramento de desconfianças em relação ao novo governo, que acaba associado ao fracasso da “nova matriz econômica” que levou à derrocada econômica o governo Dilma Rousseff. Mas a questão de fundo, mesmo para esses setores, é política: Simone no governo significa o esvaziamento da chamada “terceira via”, ou seja, da possibilidade de romper a polarização Lula versus Bolsonaro por meio de uma terceira alternativa de poder desde já.
Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), com 4,76% e 1% dos votos, respectivamente, no primeiro turno das eleições de 2018, por experiência própria, se aperceberam do esvaziamento da “terceira via” a partir daquela eleição. O fracasso levou-os a apoiar Lula sem vacilar. O ex-governador paulista até trocou o PSDB pelo PSB para ter uma legenda que lhe permitisse aceitar o convite de Lula para ser seu vice. Da mesma forma, o então governador de São Paulo Rodrigo Garcia, que concorria à reeleição, diante do mesmo fenômeno, trabalhou fortemente para inviabilizar a candidatura do ex-governador João Doria pelo PSDB. Eduardo Leite (PSDB), mesmo com a desistência de Doria, optou para disputar um segundo mandato no governo do Rio Grande Sul, do qual havia até se desincompatibilizado. Ambos não acreditavam na terceira via. Garcia apoiou Bolsonaro no segundo turno.
Coube a Ciro Gomes (PDT), um sobrevivente de 2018, quando obteve 12,47% dos votos, e a Simone Tebet (MDB) representar o projeto de” terceira via”, que novamente fracassou. Ciro Gomes teve a sua menor votação em quatro disputas: 3,04%. Simone surpreendeu na terceira colocação, mas com 4,6%, ou seja, menos de 1 voto para cada 20 eleitores. Como Lula havia batido na trave no primeiro turno e teve que fazer uma disputa dramática com o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, no segundo turno, o apoio da candidata do MDB ao petista teve um papel decisivo, ainda mais porque Ciro Gomes se recusou a fazer campanha para Lula.
Divergências
Simone nunca foi uma real alternativa de poder, mas seu engajamento na campanha de Lula não somente contribuiu para que o petista aumentasse a votação e ganhasse a eleição, como lhe deu projeção política maior do que tivera no primeiro turno, principalmente por causa das mobilizações de rua, sozinha ou ao lado de Lula. Tanto do ponto de vista eleitoral, em razão da votação que obtivera, quando em razão do alinhamento político com Lula, que a convidou para o Ministério do Planejamento, as possibilidades de projeção política futura de Simone são maiores ao participar do governo. Sem mandato nem apoio do MDB, na oposição, como desejavam alguns aliados que insistem na possibilidade de uma terceira via em 2026, perderia todo o protagonismo político. Além disso, colocaria ambição pessoal acima dos riscos que a democracia corre se contribuísse para desestabilizar o governo Lula.
“Nosso papel, sem descuidar da responsabilidade fiscal, da qualidade dos gastos públicos, é colocar o brasileiro no orçamento”, disse Simone, ontem, ao tomar posse no Ministério do Planejamento, consciente de seu papel no “governo do PT e da frente ampla democrática”. Ao fazê-lo, deixou claro que não renunciaria a convicções políticas: “Ministro Haddad, ministro Alckmin e ministra Esther, temos divergências econômicas”, disse.
Mas de onde vêm essas discordâncias? Dos economistas, que têm sérias divergências e visões de mundo, cada um com um modelo de economia na cabeça. A divergência fundamental está na avaliação do papel do mercado na superação dos problemas econômicos. Economistas neoliberais acreditam que se deixarmos o mercado funcionar livremente tudo se resolverá. Economistas conhecidos como keynesianos e estruturalistas apontam a incapacidade de os agentes resolverem grandes depressões, recessões prolongadas e promover a transformação estrutural ´para o desenvolvimento econômico. Economistas liberais ou “neoclássicos” acreditam no poder dos mercados para levar as sociedades a estados ótimos de bem-estar para as pessoas. Os “novo-keynesianos” acreditam no mercado no longo prazo, mas não no curto prazo.
Entretanto, é por causa dessas divergências que os políticos têm o poder de decisão sobre a política econômica. Suas escolhas são mais importantes do que as teorias econômicas. Quando Lula admite divergências entre seus ministros da área econômica, estabelece o contraditório e, a partir dele, aumenta sua capacidade de acertar nas decisões.
Nas entrelinhas: Adeus reformas. Agenda possível é mais modesta
Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*
O mais ambicioso programa de reformas de estrutura da história do Brasil foi o do presidente João Goulart (1961-1964), que havia assumido governo no lugar de Jânio Quadros, em meio a uma tentativa de golpe e graças a uma solução de compromisso: a adoção do parlamentarismo. Em razão das nossas desigualdades, no seu governo havia um cenário de radicalização político-ideológica e intensificação dos conflitos sociais.
Jango, como era chamado, sofria fortes pressões do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), principalmente de seu cunhado, Leonel Brizola, e de outras lideranças de esquerda, como o líder comunista Luís Carlos Prestes e Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, para realizar reformas estruturais na sociedade, entre as quais a agrária. Com a volta do presidencialismo, decidida por um plebiscito em 1963, Jango se sentiu fortalecido para levar adiante o projeto nacional-desenvolvimentista da esquerda brasileira.
As chamadas Reformas de Base abarcavam um conjunto amplo de problemas: a questão agrária, o sistema financeiro, a crise fiscal, a urbanização acelerada, o atraso burocrático e o acesso às universidades. O principal objetivo delas era combater a concentração de propriedade e de renda, além de ampliar a participação política da sociedade. Para isso, era preciso mudar a Constituição de 1946, o que exigia maioria ampla no Congresso. Pela legislação, o governo indenizaria os proprietários de terra, em caso de desapropriação, com dinheiro em espécie, mas Jango queria fazê-lo com títulos públicos e a longo prazo.
Jango também pretendia criar condições para os inquilinos comprar as residências que alugavam com títulos públicos. Também pretendia limitar a remessa de lucros ao exterior, estatizar alguns setores econômicos e expandir a Petrobras. Além disso, estava aceitando a pressão de militares de baixa patente para aumentar a sua representação política concorrendo a cargos eletivos, como os de vereadores e deputados.
Nada disso significava uma mudança de regime político, uma opção pelo socialismo. Mas assim passou a ser visto pela maioria da sociedade, após intensa campanha da oposição, liderada pelo governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda, o principal líder da UDN à época, que era candidato a presidente da República. No início de 1964, Jango perdeu o apoio do PSD (Partido Social Democrático), de Juscelino Kubitschek, que sonhava com a volta à Presidência nas eleições previstas para 1965. Brizola pretendia ser candidato, mesmo estando inelegível por ser cunhado do presidente da República, e Prestes articulava a reeleição de Jango nos bastidores.
O Congresso, de maioria conservadora, rejeitou as reformas de base. Jango resolveu mobilizar os trabalhadores urbanos e rurais para respaldar a adoção das reformas por decreto presidencial. No dia 13 de março de 1964, o chamado comício da Central do Brasil, reuniu cerca de 150 mil pessoas. Nele, Jango anunciou que decretaria as Reformas de Base, à revelia do Congresso.
Moral da história
A reação conservadora foi imediata: convocada por forças políticas e religiosas de direita, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, na cidade de São Paulo, em 19 de março de 1964, reuniu quase 500 mil pessoas. Outras manifestações se realizaram no interior paulista e em outros estados. Em 31 de março de 1964, um golpe militar foi deflagrado, depôs Jango e deu início a 20 anos de ditadura.
No dia 2 de abril, no Rio de Janeiro, realizou-se a Marcha da Vitória. Não foram apenas o ambiente de guerra fria e a quebra de hierarquia nas Forças Armadas que viabilizaram golpe. As marchas conservadoras demonstraram que o golpe também era vitorioso na sociedade.
Qual é a moral da história? Darcy Ribeiro dizia que foi melhor ser derrotado do lado certo, pois as reformas eram necessárias. E eram mesmo, tanto que a maioria foi feita pelos militares, durante a ditadura, como o Estatuto da Terra, a estatização de empresas de infraestrutura e expansão da Petrobras, a reforma bancária e fiscal, a expansão das universidades. Alguns chamam esse processo de modernização pelo alto de “revolução passiva”, outros de “autoritarismo funcional”. Os militares que apoiaram o governo Bolsonaro sonhavam — e ainda sonham — com a ressignificação do regime militar.
O governo Jango pôs o carro à frente dos bois, ao tentar fazer as reformas de base na marra, sem aprovação do Congresso. Além disso, a esquerda considerava um retrocesso a volta de JK ao poder, o favorito nas eleições marcadas para 1965. Para se manter no poder, defendia a candidatura de Brizola, inelegível por ser cunhado do presidente da República, ou até mesmo a reeleição de Jango.
1964 serve de exemplo para o governo Lula, que precisa adotar um programa democrático, porém, mais modesto do ponto de vista das reformas. É mais exequível focar o programa de governo na gestão ambiental e nos direitos básicos e universais da população (saúde, educação, trabalho, moradia, transporte e segurança pública). É o caminho para construir uma ampla maioria no Congresso e, ao mesmo tempo, corresponder à expectativa de seus eleitores, que hoje se resume a trabalho e renda, além do respeito aos direitos humanos e o combate ao racismo estrutural.
Nas entrelinhas: O Brasil de Pelé e o novo governo
Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*
A posse dos ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ofuscada pelo velório de Edson Arantes do Nascimento. Repetiu-se o mesmo fenômeno do dia da morte do maior atleta do século passado, que será enterrado hoje. Grande massa de torcedores santistas e de outros comparece ao estádio da Vila Belmiro, em Santos, para reverenciá-lo. Personalidades do mundo esportivo nacional e internacional também. Corintiano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em meio à montagem de seu governo e às primeiras medidas administrativas, viajará de Brasília para Santos para participar das últimas homenagens fúnebres.
Talvez o maior atleta profissional de todos os tempos, em 14 de junho de 1970, Pelé, camisa 10 do Brasil às costas, agachou-se no círculo central do gramado do estádio Jalisco, em Guadalajara, no México, sob olhar de Tostão, e amarrou pacientemente sua chuteira. Ao fazê-lo, inventou o marketing esportivo, mais ou menos como João Gilberto inventara a bossa nova em 21 de janeiro de 1962, ao cantar Chega de Saudade no Carnegie Hall, em Nova York, até então um lindo samba canção. Uma chuteira Puma continuaria igual a uma Adidas, mas o futebol mundial nunca mais seria o mesmo, com as transmissões dos jogos pela tevê.
Além de bola, camisas, meias, chuteiras, shorts e outros materiais esportivos, uma infinidade de outros produtos, como refrigerante, cervejas e complementos alimentares passaram a associar sua marca ao futebol. Os mais velhos devem se lembrar do terno de tergal da Ducal, com um paletó e duas calças, vendidos pelo crediário.
Hoje, os craques do futebol são manequins das grandes grifes mundiais. O advento da tevê a cabo e das redes de internet completou o ciclo, com o esporte ocupando o espaço nobre para suprir os novos meios de comunicação de conteúdos que aliavam audácia, beleza, criatividade, emoção, energia e resiliência, entre outros atributos positivos, de produções de grande audiência e relativamente baratas.
Pelé também simbolizou a ascensão social e econômica por uma via que até então era objeto de grande atração popular, graças à rivalidade das torcidas, mas reproduzia a exclusão social e a enorme distância entre a grande massa popular e as elites brasileiras. De 1924, quando Vasco da Gama rompeu com isso, recusando-se a dispensar 12 jogadores negros, mulatos e pardos para participar do Campeonato Carioca, aos dias atuais, foi um longo processo.
Gradativamente, o futebol se tornou uma via de ascensão social e econômica pelo talento, chegando aos dias de hoje como um dos maiores e mais bem remunerados espetáculos de massa. Os grandes atletas ganham fortunas inimagináveis (*), inclusive os brasileiros que jogam no exterior, exibindo roupas de grife e carros de luxo, além de ostentar padrões de consumo extravagantes, como comer carne folheada a ouro em restaurantes de alto luxo.
Desigualdades
Entretanto, o Brasil que Pelé projetou internacionalmente, muito mais do que qualquer outra personalidade, precisa virar a página das desigualdades e injustiças sociais, entre as quais o racismo estrutural. Pelé fecha o ciclo de profissionalização e globalização do futebol, foi protagonista dessa mudança. Entretanto, sua trajetória, em comparação com a de outros atletas de sua geração, como Mané Garrincha, desnuda essa realidade. É aí que entra em cena o novo governo Lula, ao propor um pacto na sociedade para superar a abissal distância entre os ricos e a maioria da população, com renda até 2 salários-mínimos.
Desde a eleição de Getúlio Vargas, em 1950, não tínhamos uma disputa eleitoral em que as diferenças de classe social estivessem tão demarcadas. Esse fenômeno foi agravado por uma polarização ideológica que colocou em risco a democracia e fraturou a coesão social em torno de alguns valores que estavam acima das divergências políticas, como a identidade com as cores da bandeira e o pertencimento à nação.
A posse dos ministros de Lula, em diversas áreas, especial de Camilo Santana na Educação e Nísia Trindade na Saúde, sinalizou na direção da superação dessas diferenças, com o resgate de políticas públicas universalistas, porém nossas prioridades regrediram décadas, como a alfabetização e a vacinação das crianças, por exemplo. São enormes os desafios no plano econômico e administrativo para que as condições de mobilidade e progresso social sejam oferecidas a todas as camadas sociais.
Vivemos um momento muito desafiador. Com uma coalizão de centro-esquerda, Lula pretende conduzir a frente política que o levou à Presidência pela terceira vez na direção do combate às desigualdades. Não é uma tarefa fácil. A agenda social do governo precisa ser calibrada de modo a ter amplo apoio das forças democráticas, que têm interesses econômicos diferenciados.
O principal desafio é obter o apoio do Congresso Nacional, no qual predominam forças conservadoras e velhas oligarquias políticas. Sem uma base parlamentar, não haverá combate às desigualdades; sem combate às desigualdades, não haverá mobilização popular em apoio ao novo governo.
(*) Pelé deixou uma herança de R$ 80 milhões, o que equivale ao rendimento mensal do novo contrato de Cristiano Ronaldo com o Al Nassr, da Arábia Saudita, até 2025.
Revista online | Evitaremos outra década perdida?
Benito Salomão, economista*, especial para a revista Política Democrática online (50ª edição: dezembro/2022)
No próximo dia 1º de janeiro de 2023, um novo governo tomará posse permeado por inúmeros problemas de curto prazo, o mais evidente deles é o fiscal. Este artigo, no entanto, se propõe a sair um pouco da análise de conjuntura e pensar a economia sob uma perspectiva de mais longo prazo. Este ano sela a nova década perdida brasileira, quando o crescimento do PIB per capita variou negativamente de US$8965, em 2011, para US$8551, em 2021. O governo que irá assumir tem como missão, portanto, reverter esse contexto desolador de estagnação do crescimento.
Os primeiros sinais vindos da transição não são animadores. A preocupação social cristalizada na retórica petista pode se converter em captura político-eleitoral dos programas sociais pelo governo, com consequências não desprezíveis para o equilíbrio macroeconômico do país. Se isso acontecer, novamente a agenda de estabilização de curto prazo da economia brasileira irá se sobrepor às questões de longo prazo, e, dificilmente, o país conseguirá escapar de uma nova década perdida.
Os modelos que se debruçam a compreender o crescimento de longo prazo das economias sugerem uma combinação de fatores que podem desencadear um longo horizonte de prosperidade para as nações. Robert Solow, em clássico artigo de 1956, atestou que a dinâmica de longo prazo das economias está relacionada com a sua capacidade de acumular capital, que, por sua vez, depende da evolução da taxa de poupança doméstica. Olhando para o modelo de Solow, cujos avanços tecnológicos ou da produtividade são considerados exógenos e estimados via resíduos, as perspectivas não são boas, de forma que o Brasil não será capaz de crescer a taxas elevadas mantendo uma taxa de poupança em torno de 15% do PIB.
Veja, a seguir, galeria:
Há, no entanto, outras abordagens. A família dos chamados modelos de crescimento endógeno se difere do modelo de Solow pela forma como é tratada a dinâmica da tecnologia e, consequentemente, da produtividade. Neste caso, a evolução tecnológica e do capital humano necessário para elevarem o crescimento de longo prazo das economias se dá diante da dinâmica do próprio modelo. Neste caso, políticas de desenvolvimento tecnológico e de ampliação do capital humano têm papel central na definição da trajetória de longo prazo das economias. São expoentes dessa literatura autores como Robert Lucas Jr (1988); Paul Romer (1990) e Adam Posem (1992).
Uma terceira corrente de pensadores não pode ser negligenciada. Os institucionalistas vão argumentar que a dinâmica de longo prazo das economias é resultado da qualidade das instituições desenvolvidas pelos mais variados pactos políticos. Em livro bastante intuitivo e acessível a não economistas, chamado “Why The Nations Fail” (Por que as Nações Fracassam), Daron Acemoglu e James Robinson discorrem a partir de exemplos históricos e ilustrativos, como instituições importam para o desempenho dos países.
Os autores apelam ao velho conceito de destruição criativa cunhado por Joseph Schumpeter para argumentar que o tipo de instituições determina a dinâmica de inovações em uma economia e, consequentemente, o seu desempenho em termos de crescimento do PIB. Para eles, instituições inclusivas são aquelas que permitem e garantem à sociedade usufruir dos bônus de novas descobertas. Esse incentivo criaria uma dinâmica de busca pelo conhecimento e pelas inovações que são a base do crescimento sustentável. Analogamente a isso tem-se as instituições extrativas, oriundas de pactos políticos que permitem às elites asfixiar ou capturar os bônus destas inovações. Neste caso, não há incentivos para acúmulo de capital humano e novas descobertas.
Ao se projetar no governo as preocupações da equipe de transição, toda essa discussão é negligenciada. O vício do modelo keynesiano simples dá a falsa sensação de que os problemas podem ser solucionados por expansões do gasto público, desconsiderando os efeitos disso sobre a produtividade total dos fatores (PTF); sobre a taxa de poupança e sobre os incentivos que tais políticas produzem. Há um risco real que estejamos entrando noutra década perdida.
Sobre o autor
*Benito Salomão é doutor em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia (PPGE/UFU).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (50ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Novo governo terá como desafio recompor orçamento da educação
Agência Brasil*
A recomposição orçamentária da educação e a garantia da execução de estratégias consideradas fundamentais como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que distribui a escolas públicas livros didáticos e literários, estão entre os principais desafios do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva que toma posse no dia 1º de janeiro.
A educação é considerada uma das principais pastas do novo governo e será comandada pelo ex-governador do Ceará e senador eleito Camilo Santana (PT).
De acordo com o relatório elaborado pela equipe de transição, o setor sofreu diversos cortes no orçamento e congelamento de verbas ao longo dos últimos anos. Além disso, diversas medidas institucionais prejudicaram o andamento de políticas públicas que vão desde a educação infantil até o ensino superior.
A intenção é restabelecer espaços de diálogo recriando comitês e comissões e garantir a execução de programas federais considerados fundamentais para a oferta de uma educação de qualidade.
Desafios
Segundo o relatório da equipe de transição, o MEC e as autarquias sofreram, entre 2019 e 2022, retrocessos institucionais, orçamentários e normativos, observando-se falta de planejamento; descontinuidade de políticas relevantes; desarticulação com os sistemas de ensino estaduais e municipais e da rede federal de ensino; incapacidade de execução orçamentária; e omissões perante os desafios educacionais.
A recomposição dos investimentos e dos recursos para custeio das universidades e institutos federais, assim como a garantia das bolsas de estudo para estudantes e pesquisadores, é fundamental para a garantia de uma educação de qualidade, segundo a equipe de transição.
“O descaso com a educação atingiu diversos programas, como os de alimentação escolar, construção de creches e escolas, organização curricular, ampliação do tempo integral, iniciação à docência, entre outros. As poucas iniciativas adotadas foram tardias, beneficiaram um limitado número de estudantes e estiveram desconectadas das necessidades reais, como no caso da estratégia de formação de professores por meio de plataformas de educação a distância, sem coordenação nacional, incentivo e valorização dos educadores”, diz o texto.
Merenda será prioridade
Uma das prioridades, seguindo a bandeira de combater a fome no país, é a garantia de merenda escolar de qualidade. No Brasil, a educação básica deve ser ofertada em regime de colaboração com os estados e municípios. A gestão das escolas públicas cabe aos governos estaduais e municipais, mas o governo federal deve oferecer apoio. Para a merenda, o governo federal repassa o equivalente a R$ 0,36 por aluno, chegando a R$ 1,07 para alunos do ensino integral, valores que não são reajustados desde 2017.
Para a equipe de transição, o reajuste do valor da merenda é uma das questões emergenciais na educação. Além disso, deve ser priorizada a garantia de que cerca de um terço dos alimentos seja proveniente da agricultura familiar, como está previsto na Lei 11.947/2009.
Outra prioridade elencada pela equipe de transição é o apoio à educação infantil. Pelo Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13.005/2014, até 2024, 50% das crianças com até 3 anos devem estar matriculadas em creches. Atualmente, conforme dados de 2019, essa porcentagem é de cerca de 38%.
A educação integral também deverá ser fortalecida. Segundo o PNE, pelo menos 50% das escolas públicas devem oferecer jornadas de sete horas diárias ou mais até 2024. Atualmente, de acordo com dados de 2020, essa oferta chega a 29,5% das escolas. Além disso, 25% dos alunos devem ser atendidos pela jornada integral. Esse índice é 12,9%.
Mais diálogo
O governo Lula pretende fortalecer os espaços de diálogo, em especial, com gestores estaduais e municipais, para garantir o regime de colaboração. O relatório aponta a importância da recriação de uma série de comitês e comissões que foram extintos desde 2019, como o Comitê Permanente de Planejamento e Gestão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.
Segundo a publicação, também constituem desafios a retomada de comissões paralisadas, a exemplo do Comitê Gestor do Programa Universidade Para Todos (CGProuni); o aperfeiçoamento de conselhos em funcionamento, como o Conselho de Acompanhamento e de Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb); e a criação de novos conselhos, como o Conselho Consultivo de Regulação, Avaliação e Supervisão da Educação Superior, com ampla participação de organizações que militam na área educacional.
Educação especial e escolas cívico-militares
O relatório aponta a necessidade de revogação de normas consideradas atrasadas e divergentes em relação um projeto de educação pública, gratuita, laica e democrática.
“As normas educacionais mais recentes refletem esse movimento de ideologização, precarização e constrangimento da educação pública”, diz o texto.
Entre as medidas citadas está acabar com a política pública de educação especial que, de acordo com a equipe de transição, promove o isolamento social das crianças com deficiência. Para isso, a proposta é a revogação do Decreto nº 10.502/2020, que exclui as crianças com deficiência do convívio com as demais crianças nos ambientes escolares.
Outra proposta é avaliar o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares. A sugestão é que o presidente da República edite despacho orientando o ministro da Educação a avaliar os resultados da política pública prevista no Decreto 10004/2019, que instituiu o programa, sob critérios técnicos relativos ao custo-benefício, para definição sobre a dotação orçamentária e continuidade.
Texto publicado orginalmente na Agência Brasil.
Força Nacional é autorizada a atuar na posse de Lula e reforça segurança da celebração
Brasil de Fato*
A Força Nacional atuará na segurança da posse presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no próximo domingo (1º), em Brasília. A portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública com a autorização da medida está publicada no Diário Oficial da União desta quarta-feira (28).
De acordo com o documento, assinado por representantes do governo de Jair Bolsonaro (PL), os militares participarão das atividades de escoltas, em apoio à Polícia Rodoviária Federal (PRF), no período de 27 de dezembro a 2 de janeiro de 2023.
A portaria diz que o contingente de militares a ser disponibilizado obedecerá ao planejamento definido pela diretoria da Força Nacional, da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
A segurança da posse é uma das preocupações dos integrantes da equipe de transição do governo, especialmente após o caso do bolsonarista George Washington de Oliveira Sousa, autuado por terrorismo no sábado (24) depois de confessar ser o responsável por um artefato explosivo localizado em Brasília.
A posse contará com um grande esquema de segurança na Esplanada dos Ministérios. Ao todo, 700 agentes da Polícia Federal irão atuar no local, que também terá esquadrão antibombas e barreira aérea para evitar a presença de drones pelas proximidades.
:: Ritos institucionais, shows, segurança: conheça os detalhes da preparação para a posse de Lula ::
As cerca de 300 mil pessoas esperadas na Esplanada precisarão passar por uma revista pessoal para entrar no local. Também haverá atuação massiva de contingente da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF).
O governo do Distrito Federal ainda não divulgou os detalhes da operação, que devem vir à tona nos próximos dias. Já se sabe, no entanto, que foram convocados inclusive agentes da área administrativa da polícia para trabalhar no patrulhamento ostensivo.
O futuro ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), reuniu-se com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), nesta terça (27), e disse depois do encontro que a posse "ocorrerá como programada em todas as suas dimensões".
"Haverá mobilização integral, 100% das forças policiais do DF, tanto da Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, para garantir a segurança não só do presidente da República, mas das delegações estrangeiras e das pessoas que participarão do evento", disse o pessebista.
Últimos preparativos
A posse presidencial do de Lula vive seus últimos preparativos nesta semana. A organização, liderada pela equipe do próximo governo, espera um contingente de cerca de 300 mil pessoas no próximo domingo (1º) na Esplanada dos Ministérios, onde começa o rito do evento.
Nesta terça-feira (27), o Congresso Nacional realizou uma simulação do cerimonial de posse, de forma a ensaiar os passos das equipes que irão atuar no dia. A programação de domingo é intensa e precisa ser cronometrada em diferentes atos.
O roteiro se inicia com a chegada das autoridades e demais convidados, prevista para ocorrer entre 13h30 e 14h30. A partir das 13h45, começam a chegar os chefes de governo e de Estado que virão prestigiar o evento.
Ao todo, Lula irá receber representações de cerca de 120 países, sendo 53 delas compostas por chefes de Estado, de governo e ministros.
Pelo menos 17 chefes de Estado confirmaram presença. Eles são dos seguintes países: Alemanha, Angola, Argentina, Bolívia, Cabo Verde, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Guiné-Bissau, Paraguai, Portugal, Suriname, Timor Leste, Uruguai, Zimbábue e Espanha, cujo representante será o rei Felipe VI. Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu 10 chefes de Estado e 18 delegações, ao todo, durante a posse.
Texto originalmente publicado no Brasil de Fato.
Nas entrelinhas: Com Simone, Lula montou uma coalizão de centro-esquerda
Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense
A senadora Simone Tebet, que disputou a Presidência pelo MDB e, no segundo turno, se engajou na campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, cumprindo um papel fundamental para sua eleição, aceitou participar do governo de coalizão, como ministra do Planejamento. O MDB estará contemplado ainda com mais dois ministérios, o das Cidades e o do Turismo, muito provavelmente. Com isso Lula, montou um governo de centro-esquerda, que contará, também, com a participação formal do PSD, do União Brasil, do Solidariedade e do Podemos. A incógnita é a participação do Cidadania, já que o PSDB, com quem está federado, anunciou que fará oposição ao novo governo.
A pressão para que Simone não aceitasse participar do governo foi enorme, somando-se à própria frustração da senadora por não ter assumido o Ministério do Desenvolvimento Social, como desejava. A pasta foi destinada ao senador Wellington Dias (PT), que governou o Piauí por quatro mandatos, estado no qual Lula teve a sua maior votação, proporcionalmente. Setores da oposição que votaram em Simone e muitos que apoiaram Bolsonaro no segundo turno passaram a fazer a leitura de que Lula montou um governo de esquerda, puro-sangue, sob o hegemonismo do PT. A hegemonia petista no governo é uma coisa mais ou menos óbvia, até porque foi Lula que venceu as eleições. O hegemonismo é outra coisa: a canibalização dos aliados, na medida em que a correlação de forças é favorável para isso, como aconteceu nos países do Leste Europeu após a Segunda Guerra Mundial.
De certa forma, Lula contribuiu para essa leitura. Empoderou a área meio com ministros de sua confiança — Rui Costa na Casa Civil, Flávio Dino na Justiça, Fernando Haddad na Fazenda, José Múcio Monteiro na Defesa e o chanceler Mauro Vieira —, e entregou para a esquerda as políticas sociais e as pastas ligadas aos direitos humanos para os movimentos identitários. Somente nesta semana começou, de fato, a ampliação da equipe em direção ao centro, para dar à coalizão de governo o caráter da verdadeira frente ampla que o elegeu no segundo turno.
Pelo andar da carruagem, ao contemplar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que indicarão aliados para os ministérios de Minas e Energia e Integração Nacional, Lula terá sua governabilidade garantida. A capacidade de governança já estava assegurada pela qualidade técnica e experiência política da maioria dos ministros dessas áreas.
Qual é o pomo da discórdia dos setores não bolsonaristas que insistem em permanecer na oposição? A política econômica de Lula, que não prevê um choque fiscal e tem viés desenvolvimentista. Esses setores também se beneficiaram com a política de Paulo Guedes, o ministro da Economia de Bolsonaro, e não veem com bons olhos a narrativa de Lula de que os pobres vão ter renda e os ricos pagarão mais impostos. Em parte, com razão, porque a mudança de perfil da distribuição de renda no Brasil somente é possível com a retomada do crescimento. Sem isso, o conflito distributivo continuará dividindo o país: a grande massa da população de baixa renda que elegeu Lula, de um lado, e a maioria da classe média e da elite economica, que apoiou a reeleição de Bolsonaro, de outro.
Contaminação
Essa visão, de certa forma, contaminou setores da oposição que fazem uma leitura economicista do governo e insistem na construção de uma terceira via supostamente progressista, indiferentes à centralidade da questão democrática, que continua na ordem do dia. A propósito, a semana está sendo muita tensa por causa das manifestações de extrema direita que pedem uma intervenção militar e uma tentativa de atentado terrorista em Brasília.
O atual comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, antecipou a saída do comando da Força Terrestre para sexta-feira. Segundo o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, o general Júlio Cesar de Arruda assumirá o cargo no dia 30, às 10h30. Em última instância, será o responsável pela segurança na posse de Lula, caso as forças policiais do Distrito Federal, a Polícia Federal e a Guarda Presidencial não consigam conter os manifestantes bolsonaristas.
A troca de comando na Aeronáutica será na próxima segunda-feira. O tenente-brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno vai assumir o posto do brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, aliado de Bolsonaro. A troca de comando da Marinha ainda não foi marcada. O almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen deverá assumir o cargo, no lugar do almirante Almir Garnier Santos, outro insatisfeito com a vitória de Lula. Já o comandante do Estado-Maior das Forças Armadas será o almirante de Esquadra Renato Rodrigues de Aguiar Freire.
Nos bastidores da troca de comandos das Forças Armadas, que seguiu o critério de antiguidade, Lula se reuniu com os ex-comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica de seu governo anterior. Eles estão atuando na transição para neutralizar a influência de Bolsonaro junto aos oficiais generais da ativa. Embora deixe o posto antecipadamente, o atual comandante do Exército, general Freire Gomes, fez uma saudação de Natal aos subordinados na qual reiterou o compromisso da Força com a hierarquia e a disciplina.