neoliberalismo
Nas entrelinhas: Fracasso do Novo reflete o colapso do neoliberalismo
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Candidato do Novo, Felipe d’Avila até agora não emplacou. Na última pesquisa do Ipespe, registrou 1% de intenções de votos. Com 58 anos, nascido em São Paulo, é cientista político, mestre em administração pública pela Universidade de Harvard. Fundou, em 2008, o Centro de Liderança Pública, uma organização sem fins lucrativos dedicada à formação de líderes políticos. Com 10 livros publicados, é o candidato da chamada “nova política”, mas não consegue sensibilizar os eleitores.
O Novo é um projeto político que antecedeu as manifestações de junho de 2013, uma explosão de insatisfeitos de todos os matizes, contra o governo Dilma Rousseff. Com a reeleição da petista, a movimentação espontânea foi sendo direcionada para a campanha do impeachment dela. Nesse processo, surgiram vários movimentos cívicos; a turma do Novo, porém, desde o primeiro momento, apostou na formação de um partido ideológico, sem concessões ao pragmatismo político. A política do Novo é o neoliberalismo.
A grande façanha do Novo em 2018, quando elegeu oito deputados federais e 12 deputados estaduais, foi a eleição do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que lidera as pesquisas sobre o pleito para o governo do estado como candidato à reeleição. Entretanto, não existe transferência de votos para Fernando d´Avila em Minas. Com palanque aberto, Zema enfrenta o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, aliado do ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas para a Presidência em Minas. O governador mineiro trafega nas bases de Bolsonaro, mas mantém um posicionamento independente.
O Novo foi o único partido que votou contra a chamada PEC das eleições, que aprovou o Auxílio Brasil e os subsídios para caminhoneiros e taxistas. Mantém sua coerência em relação aos princípios e valores que levaram à fundação da legenda, a ponto de devolver os recursos dos fundos partidário e eleitoral. Essas bandeiras vão ao encontro do cidadão comum que tem ojeriza à política e aos políticos, mas não têm apelo eleitoral até agora.
A abertura econômica está entre as principais propostas de d’Ávila, que chove no molhado: “O Brasil precisa de um presidente capaz de vencer esse populismo que nos deixou com estagnação econômica há 20 anos, recorde de desemprego, aumento da miséria. A abertura econômica do Brasil é fundamental. Nenhum país do mundo ficou rico mantendo a sua economia fechada”. O candidato do Novo defende a “conciliação” do agronegócio com o meio ambiente, a descentralização do poder e o empoderamento do cidadão por meio da digitalização do governo. E empunha a bandeira da “pacificação”, ao criticar a polarização entre o ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro.
Quatro décadas
O discurso envelheceu. O neoliberalismo está sendo responsabilizado pelo aumento das desigualdades no mundo e das baixas taxas de crescimento. Segundo o economista Joseph Stiglitz, Nobel de Economia, a diminuição simultânea da confiança no neoliberalismo e na democracia não é coincidência, nem mera correlação. “O neoliberalismo minou a democracia durante 40 anos. A forma de globalização prescrita pelo neoliberalismo deixou indivíduos e sociedades inteiras incapazes de controlar uma parte importante de seu próprio destino”, argumenta.
Segundo Stiglitz, o sistema capitalista precisa ser reformado, porque fomenta um crescimento de desigualdades, destruição do meio ambiente, polarização de nossas sociedades e um permanente descontentamento, que não podem ser negados. “Precisamos de um novo contrato social, que espalhe solidariedade em nossas sociedades e pelas gerações. Isso significa um papel diferente para os governos, menos ajuda para as empresas e mais ajuda aos cidadãos que necessitam, impostos progressivos e, acima de tudo, reescrever as regras da economia”, argumenta o economista.
Esse cenário é corroborado até pela diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, segundo a qual o “o capitalismo está fazendo mais mal do que bem”. O FMI fala em “cultura da solidariedade” e “globalização da esperança”. Também fala em melhorar os sistemas globais do comércio, de controlar os fluxos de capitais pelos danos que podem causar e sobre a sustentabilidade da dívida. Trocando em miúdos, o projeto de d’Ávila está descolado da realidade do Brasil e do mundo.
Fernando Limongi: Coronavírus evidencia que cartilha de Bolsonaro é delírio de loucos
Neoliberalismo primitivo do presidente e de Guedes vê na redução do Estado o remédio para todos os males do país
Diante da urgência do cenário que se desenha com a eclosão do coronavírus, cientista político considera que a cartilha neoliberal primitiva de Bolsonaro e Guedes, que vê na redução do Estado o remédio para todos os males do país, deve ser ignorada como delírio de loucos e dos que acreditam em mitos.
“Victor Hugo era um louco que se julgava Victor Hugo”, disse Jean Cocteau. Com pequenas adaptações, o chiste se presta para definir o atual ocupante do Palácio do Alvorada: Jair Bolsonaro é o mito inventado por um bando de malucos.
Analistas, por dever de ofício, devem decifrar o comportamento dos políticos, conferindo racionalidade a seus atos. A tentação de atribuir cálculo ao presidente tresloucado é enorme. Diz-se que há método na loucura, que tudo não passa de encenação meticulosamente arquitetada.
Dizer que está mirando 2022 não é senão reafirmar o óbvio. Que político não tem olho voltado para os eleitores e para as próximas eleições? E Bolsonaro nunca escondeu que só pensa em sua reeleição, que esta é sua única preocupação e que, para tanto, precisa abater toda e qualquer liderança, no seu governo ou fora dele, que possa lhe fazer sombra.
Comprou briga com João Doria e Wilson Witzel porque os dois podem enfrentá-lo no futuro. Disto não se duvida. A questão é se fez as escolhas certas e se o seu comportamento destemperado lhe renderá votos.
Para dizer o mesmo de outro modo: para ser reeleito, o presidente tem que cumprir o que prometeu. Mesmos os mais fiéis, mesmo os que acreditam em mitos, precisam ser satisfeitos. E é aí que entra o coronavírus.
O destempero e a insensatez não são novidades. Bolsonaro sempre foi e será assim. O cavalão, como era conhecido no Exército, é indomável. A novidade é o desespero.
A reeleição que dava por assegurada está indo para o ralo com a desorganização da economia. As perspectivas já não eram as melhores antes da epidemia; as promessas da retomada do crescimento não passavam disso, de promessas.
Mas Paulo Guedes (ministro da Economia), tanto quanto Bolsonaro, acredita no mito que criou para si mesmo, o de que seria simples resolver os problemas econômicos do país. Rebento do neoliberalismo original, aluno de Milton Friedman, o ministro acredita que basta diminuir o Estado para que o Brasil experimente um novo surto de crescimento.
O nó da questão estaria na regulação excessiva a tolher a iniciativa empresarial virtuosa. Para a Escola de Chicago, tudo quanto o Estado faz é atender interesses especiais de grupos organizados.
Pode parecer estranho, mas o fato é que o neoliberalismo primitivo tem grande afinidade com o discurso populista. Não por acaso, ao tomar posse, Paulo Guedes encheu os pulmões para dizer que o Brasil era o “paraíso dos rentistas”, que o reino destes verdadeiros parasitas chegaria ao fim.
De forma mais elaborada, em seu discurso de posse, declarou: “Os bancos públicos se perderam em grandes problemas com piratas privados e burocratas políticos. Burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro”.
A harmonia do casal Bolsonaro-Guedes foi consumada no altar do populismo, com apelos simplistas em defesa do povo contra elites sanguessugas. Contudo, antes da eclosão da pandemia, Guedes vinha colhendo derrota atrás de derrota. O anúncio do pibinho e das revisões para baixo do crescimento deste ano foram as mais claras delas.
E todos os economistas de prol batiam na mesma tecla: sem reformas não haveria retomada do crescimento. O consenso, contudo, repousava na indefinição da lista de reformas prioritárias e de seu conteúdo. Em um ponto, contudo, quase todos concordavam: a disciplina fiscal não poderia ser abandonada.
E aí veio a pandemia, e qual foi a reposta de Guedes? No mínimo, tão atabalhoada quanto a de seu chefe. Inicialmente, defendeu que não havia motivos para mudar de rumos, que avançar as reformas teria se tornado ainda mais premente. Ou seja, o ministro não viu razões para abandonar a sua cartilha.
Com ou sem pandemia, o remédio seria o mesmo, diminuir o papel do Estado. Quando se convenceu de que alguma medida emergencial seria necessária, só se lembrou de aliviar o lado dos empresários, assinando medida provisória permitindo a suspensão temporária do pagamento de salários.
Enquanto isto, reconhecendo o inusitado da situação, a maior parte dos economistas ouvidos pela imprensa passou a defender programas de transferência de renda para os mais afetados, independente dos seus efeitos fiscais. Momentos extraordinários pediriam medidas excepcionais, e cada um dos entrevistados contribuiu com seu elenco de medidas emergenciais a serem adotadas.
Neste debate, a equipe econômica pouco contribuiu. Foi a voz discordante no novo consenso formado. Guedes saiu de cena, refugiando-se em seu apartamento, ao mesmo tempo em que Bolsonaro armava a sua guerra particular contra o isolamento social e suas repercussões sobre a renda dos trabalhadores impedidos de correr atrás de seu sustento.
Em nenhum momento, tudo indica, sua equipe econômica o instruiu de que havia alternativas, de que os autônomos e desempregados poderiam ser assistidos por programas de transferência de renda.
E se Bolsonaro quer se reeleger, se tem uma estratégia eleitoral, não seria mais apropriado assumir a paternidade dos programas defendidos pelos economistas? A solução da charada é simples: Bolsonaro não o faz porque não é isso o que ouve de seu guru.
Em meio a seu sumiço, o ministro encontrou tempo para se reunir com investidores. Pressionado a se posicionar, afirmou que, como cidadão, apoiava as medidas de isolamento social preconizadas pelo Ministério da Saúde. Por que precisou do adendo “como cidadão”? Qual sua posição como autoridade máxima da política econômica do governo? Evitou entrar em conflito com o chefe ou o apoia?
O fato é que o ministro resistiu o quanto pôde, recorrendo a inúmeros subterfúgios, postergando a entrada em vigor do plano aprovado pelo Congresso. Provavelmente, para parafrasear um de seus ídolos, vê no programa o início do caminho que leva à servidão. Carlos Bolsonaro, com sua sutileza e tato habitual, foi direto ao ponto: quem defende programas deste tipo são os esquerdistas.
A urgência do cenário que se desenha, contudo, recomenda que Bolsonaro e a ideologia que fundamenta seu governo sejam ignorados, como são ignorados os delírios dos loucos e dos que acreditam em mitos. Aplicando a regra usada pelo presidente para identificar seus filhos, não seria inadequado tratá-lo como o zero-zero, isto é, como um zero à esquerda.
*Fernando Limongi é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e do departamento de ciência política da USP.