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‘Não creio que Bolsonaro produzirá conflito que leve à ruptura’, diz Nelson Jobim
Ex-ministro da Defesa concedeu entrevista à revista Política Democrática Online e diz que horizonte de solução da crise política passa pelas eleições de 2022
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Em entrevista exclusiva concedida à revista Política Democrática Online, o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim é enfático ao afirmar que o artigo 142 da Constituição de 1988 não dá o direito de as Forças Armadas intervirem contra um dos poderes da República. “É equivocada a tese, verbalizada por Ives Gandra, que teima em trazer o passado por cima da legislação nova, ou seja, ajustar a legislação nova com pressupostos anteriores”, afirma. “Sempre haverá discursos políticos, mas não creio que o presidente Bolsonaro terá condições de produzir algum conflito que possa levar a uma ruptura do processo”, diz, em outro trecho.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Até 1988, os militares tinham a faculdade, pela Constituição, de intervir para preservar a lei e a ordem, sem limitação alguma. “Trata-se de uma prática tão comum como nociva no sistema legal, essa de tentar, por via de exegese, fazer sobreviver o modelo anterior por dentro do modelo novo”, afirma.
Jobim foi ministro da Defesa durante o segundo mandato de Lula e no primeiro ano do governo Dilma. Ele também foi deputado federal por dois mandatos, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1997) e presidente do STF (2004-2006), Nelson Jobim é defensor da teoria de que, na história do Brasil, os conflitos mais emblemáticos tiveram suas soluções encaminhadas pela conciliação e não pelo confronto.
O horizonte de solução da crise política que o país vive atualmente, segundo Jobim, passa pelo processo eleitoral de 2022. Em sua avaliação, nenhum processo como os decorrentes das declarações do ex-ministro Sérgio Moro, envolvendo a reunião ministerial de 22 de abril; a ação em curso no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que analisa o processo eleitoral que deu a vitória a Bolsonaro ou o afastamento do presidente da República por conta do acolhimento de alguma denúncia de crime impetrada pelo Ministério Público Federal tem possibilidades concretas de andamento.
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RPD || Entrevista especial: Constituição não permite Forças Armadas intervirem contra um dos poderes, diz Nelson Jobim
Ex-ministro da Defesa durante o segundo mandato de Lula e no primeiro ano do Governo Dilma, Nelson Jobim é enfático em afirmar que o artigo 142 da Constituição de 1988 não dá o direito de as Forças Armadas intervirem contra um dos poderes da República
Por Caetano Araujo, Alberto Aggio e Arlindo Fernandes de Oliveira
"O texto constitucional de 1988, em seu artigo 142, diz que as Forças Armadas deverão garantir os poderes condicionais contra pressões de terceiros, mas não eventuais conflitos entre eles, dentro da lógica de que os militares não podem tomar partido em questão interna. Não são um poder, são uma instituição", avalia o entrevistado especial desta 20ª edição da Revista Política Democrática Online, Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa durante o segundo mandato do ex-presidente Lula (2007-2011) e no primeiro ano do governo da ex-presidente Dilma Roussef (2011). O artigo 142 da Constituição Federal é, hoje, o centro da mais nova polêmica envolvendo o Governo Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Dessa forma, avalia Jobim, "é equivocada a tese, verbalizada por Ives Gandra, que teima em trazer o passado por cima da legislação nova, ou seja, ajustar a legislação nova com pressupostos anteriores". Até 1988, os militares tinham a faculdade, pela Constituição, de intervir para preservar a lei e a ordem, sem limitação alguma. "Trata-se de uma prática tão comum como nociva no sistema legal, essa de tentar, por via de exegese, fazer sobreviver o modelo anterior por dentro do modelo novo", completa.
Deputado federal por dois mandatos, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1997) e presidente do STF (2004-2006), Nelson Jobim é defensor da teoria de que, na história do Brasil, os conflitos mais emblemáticos tiveram suas soluções encaminhadas pela conciliação e não pelo confronto. Jobim avalia que o horizonte de solução da crise política que o país vive atualmente passa pelo processo eleitoral de 2022. Em sua avaliação, nenhum processo como os decorrentes das declarações do ex-ministro Sérgio Moro, envolvendo a reunião ministerial de 22 de abril; a ação em curso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que analisa o processo eleitoral que deu a vitória a Bolsonaro ou o afastamento do presidente da República por conta do acolhimento de alguma denúncia de crime impetrada pelo Ministério Público Federal tem possibilidades concretas de andamento.
Na entrevista especial que concedeu à Revista Política Democrática Online, Nelson Jobim também trata de temas como a influência do bolsonarismo nas polícias militares dos estados e questões judiciais envolvendo o combate à pandemia de coronavírus no país. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
"Os militares da ativa enfrentam dois problemas. O primeiro surgiu com aquela manifestação do Presidente Bolsonaro na frente do QG do Exército, em Brasília. O segundo, com a retirada do controle e do monitoramento das armas"
Revista Política Democrática Online (RPD). Em sua opinião, nossa democracia está em risco? E, em caso afirmativo, quais seriam as tarefas dos democratas?
Nelson Jobim (NJ): Não creio que esteja em risco, porque isso teria de envolver as Forças Armadas (FFAA), o que não é o caso. Refiro-me aos militares que comandam tropa, não os que comandam escrivaninha. E os militares da ativa tiveram duas preocupações. A primeira foi a manifestação do presidente Bolsonaro na frente do QG do Exército, em Brasília. A segunda, com a retirada do controle e do monitoramento das armas. Mas os militares estão tranquilos em relação a isso.
Há uma retórica do conflito, porque Bolsonaro resolveu substituir o presidencialismo de coalizão pelo de colisão, ou seja, de conflito. Talvez isso se tenha consolidado, pois era uma característica anterior do presidente, com a mão que o então juiz Moro deu, ao divulgar diálogo entre a Presidente Dilma e o ex-Presidente Lula. É assim que o Presidente Bolsonaro prefere operar e isso leva a certa instabilidade. Só que tem havido ampla mobilização pública no sentido de preservar o processo democrático, incluindo todos os setores de oposição, à exceção do Presidente Lula, que já se declarou contrário à iniciativa de uma frente comum.
Sempre haverá discursos políticos, mas não creio que o Presidente Bolsonaro terá condições de produzir algum conflito que possa levar a uma ruptura do processo.
RPD: Qual é a sua interpretação do artigo 142 da Constituição? Os militares podem desempenhar papel de poder moderador?
NJ: Em 1987, quando discutimos esse tema na Constituinte, houve uma tentativa de entendimento do relator, o deputado Bernardo Cabral, com os militares, concretamente, com o General Leônidas, então ministro do Exército. À época, não existia o Ministério da Defesa. Cogitou-se de manter o modelo que vinha desde 1991. Até 1988, os militares tinham a faculdade constitucional de intervir para preservar a lei e a ordem, sem limitação. Eles eram, digamos, os árbitros de quando deveriam intervir, embora nominalmente o Presidente da República fosse o comandante supremo das FFAA. Alguns militares queriam reproduzir essa normativa, em sintonia com a teoria desenvolvida pela Escola Superior de Guerra, ainda durante o regime militar, segundo a qual as FFAA poderiam intervir no interior do país, se julgassem necessário. Chamava-se a teoria de guerra revolucionária interna. Discutimos isso na Constituição de 88, que decidiu restringir a intervenção das FFAA, subordinando-as à convocação por um dos poderes da República, para a manutenção da lei e da ordem. Não só não existe mais, portanto, a possibilidade dessa intervenção, ao não ser a pedido de um dos três poderes, mas também dispõe o texto constitucional que as FFAA deverão garantir os poderes condicionais contra pressões de terceiros, mas não eventuais conflitos entre eles, dentro da lógica de que os militares não podem tomar partido em questão interna. Não são um poder, são uma instituição.
É, assim, equivocada a tese, verbalizada pelo Doutor Ives Gandra, que teima em trazer o passado por cima da legislação nova, ou seja, ajustar a legislação nova com pressupostos anteriores. Trata-se de uma prática tão comum como nociva, essa de tentar, por via de exegese, fazer sobreviver o modelo anterior por dentro do modelo novo. À época, lembro-me que alguns militares protestaram quanto à redação. Fernando Henrique e José Richa, entre outros, intervieram para superar o impasse e, finalmente, logrou-se apaziguar o conflito, de maneira que hoje temos uma redação solidamente inequívoca do artigo 142.
"Sempre haverá discursos políticos, mas não creio que o próprio Bolsonaro terá condições de produzir algum conflito que possa levar uma ruptura do processo"
RPD: No contexto da discussão sobre a separação dos poderes, alega-se possível judicialização da política, certa extrapolação de competências do Judiciário, em geral, e do Supremo, em particular. Qual é sua visão?
NJ: Esse fenômeno é recorrente em todo o mundo, mas me concentro no caso brasileiro. Registro, de início, uma disfuncionalidade no processo político. As regras de solução de conflitos pela política acabaram sendo substituídas pela tentativa de introdução do Poder Judiciário. O Poder Judiciário – o Supremo, no caso específico –, não tem iniciativa de ofício, depende de provocação de parte dos partidos políticos ou de outras entidades. Pelos idos de 1990, um senador, líder de um partido político, dizia em alto e bom som que tinha mais visibilidade quando interpunha perante o Supremo uma ação direta de inconstitucionalidade do que quando votava no Senado.
A composição do Supremo, às vezes, também é um problema. Todos os ministros, sem exceção alguma, são, desde 1891, indicados pelo presidente da República e, depois, submetidos a sabatina no Senado. Muitos tinham relações diretas ou indiretas com o presidente da época, como o meu caso, por exemplo, com o Fernando Henrique; o do José Paulo Sepúlveda Pertence, com o Sarney; o do Moreira Alves, com o Geisel. Muitos já detêm biografia, lato sensu, antes mesmo de entrar no Supremo. Outros precisam do Supremo para completar suas biografias e, entre esses, há os que escolhem temáticas mais agudas para se sobressair, exibindo independência em relação ao governo, ou votando sistematicamente contra as propostas do Planalto.
Há ainda aqueles ministros que se dispõem a romper a jurisprudência do Supremo, na expectativa de criar um leading case e se celebrizarem como os pais da pretensa “inovação”.
E, no caso específico da questão política, tínhamos uma contenção muito grande quando se falava em intervenção na atividade interna de outros poderes. Por exemplo: o Ministro Fux deu uma decisão em que sustentou ser equivocada a tese antiga do Supremo, de autocontenção quanto às matérias do Congresso. Para ele, essa distinção não fazia sentido. Sua origem fora um embate entre a Câmara e o Senado, e o ministro entrou na análise do regimento interno de ambas as Casas, quando nunca foi de nossa prática, no Supremo, decidir questões relativas a matérias interna corporis, ou seja, matérias regimentais. Esse é um dos problemas.
Outro problema é, digamos, a pulverização do processo decisório, mais na Câmara que no Senado. Diante da existência de número elevado de partidos – que deve ser reduzido em breve, depois da reforma recém-concluída –, a composição de maiorias resulta mais difícil, em prejuízo da nitidez de posições e da autoridade dos líderes partidários. O momento de inflexão ocorreu com a eleição do Severino Cavalcanti. Antes, os deputados dependiam dos líderes para ter acesso à Mesa da Câmara e ao governo. Com a chegada do Severino, que não era um candidato das lideranças partidárias da época, a intermediação passou a ser feita pelo presidente da Câmara, e os líderes perderam importância. Hoje, não é fácil nomear os líderes partidários; logo, a formação da vontade majoritária não tem passado pela capacidade eventual dos líderes, de comandar suas bancadas. O preço a pagar por isso é a ambiguidade. Para se votar uma matéria, fazer a redação de um texto legal, quanto mais ambíguo, melhor, para poder abrigar quatro ou cinco interpretações. Daí a transferência, para o Poder Judiciário, da interpretação das leis, como se fosse uma espécie de Poder Legislativo supletivo, o que gera tantos conflitos.
Existe, pois, uma série de elementos para a chamada judicialização da política, que se está agravando. Eu acho péssimo, porque sentença judicial não compõe o futuro: sentença judicial examina uma situação passada e verifica se as condutas de ontem se podem ajustar à legislação vigente. Decide-se, assim, sobre o passado e aplica-se uma solução para os personagens envolvidos no passado.
Nas ações abstratas, a mesma coisa: examina-se se uma legislação está conforme à Constituição, mas tem um problema nas ações diretas. Vivemos, hoje, uma diarreia de princípios. Todo mundo inventa um, tem princípio para tudo. Atualmente, na discussão entre a norma jurídica, a proposição jurídica e o princípio privilegia-se a sobreposição do princípio sobre a norma jurídica, ao disposto legal, e gera-se uma interpretação principiológica, interpretação que é uma espécie de traveller-check, um salvo conduto para o que se concebeu. E aí é a hora de inventar um princípio. Essa é outra disfuncionalidade dentro do Poder Judiciário.
Essas decisões, agora, sobre a abertura ou fechamento das atividades na pandemia: que capacidade tem um juiz de direito para entender de abertura ou não do comércio? Acho isso muito ruim, vamos ter problemas, mas temos que passar por isso, estamos hoje, eu diria, na travessia do deserto, mas vamos chegar lá.
RPD. Há, em relação à pandemia, claramente, senão uma cizânia, no mínimo um dissenso, entre a Presidência, o Poder Executivo Federal e os governadores. Do ponto de vista constitucional, as FFAA são subordinadas ao Poder Executivo. Ao mesmo tempo, as Polícias Militares, que parecem hoje mais ligadas não à Presidência, mas ao bolsonarismo, são subordinadas aos governadores. Isso pode constituir-se em uma ameaça de conflito entre a União e os Estados?
NJ: Este é um ponto importante, relevante para a análise da situação atual e definidora para as condutas que se devam tomar. Consideremos, primeiro, o problema, digamos, evolutivo das Polícias Militares. Antes da Revolução de 30, antes de Getúlio Vargas, as Polícias Militares eram o braço armado dos presidentes dos Estados. Exemplo mais claro disso ocorreu na presidência de Flores da Cunha, no Governo do Rio Grande do Sul. Quando Getúlio assumiu, ele cortou esse braço armado dos governadores, além de ter reduzido, digamos, a qualificação dos presidentes de Estado para governadores, uma espécie de descenso semântico nominal. Ele submeteu, naquele momento, o efetivo e o armamento das forças públicas ao escrutínio do Exército, que controlava o efetivo e o armamento.
"É equivocada a tese, verbalizada pelo Doutor Ives Gandra, que teima em trazer o passado por cima da legislação nova, ou seja, ajustando a legislação nova aos pressupostos anteriores"
Na Constituição de 34, passou-se a considerar as Polícias Militares como reservas do Exército, para eventual conflito. Isso foi mantido até o golpe de 64. Em 64, houve uma maior aproximação das Polícias Militares com o Exército. Por quê? Porque, no início, imediatamente após o golpe, os chefes, os comandantes da Polícias Militares estaduais eram normalmente coronéis do Exército. E os secretários de Segurança dos governadores, indicação da Presidência da República, inicialmente militares. Não estava na lei, mas era o que se praticava. Os coronéis passaram a ser secretários de Segurança dos Estados e comandantes da polícia. Com a Constituição de 67, ampliou-se a participação do Exército no controle da Polícia Militar, porque se submeteu também ao Exército a instrução das Policias Militares, nas escolas do Exército, como se fossem soltados de infantaria. Para isso, influenciou aquela doutrina da guerra revolucionária interna. Urgia aparelhar as Polícias Militares, que tinham mais capilaridade que o próprio Exército, espalhadas por todo o país, um apoio imprescindível na eventualidade de perturbações internas.
Em 1988, reservamos grande atenção a esse ponto. O Deputado José Genoíno foi um dos que estudaram o tema, e ocorreu longa e ampla discussão com os militares. Ao final, retirou-se a instrução das Polícias Militares pelo Exército, voltando à regra anterior.
RPD: Seu relato dá a impressão de que tudo ocorreu naturalmente. Que antecedentes terão pesado em favor dessa transição?
NJ: Muitos. De início, o afastamento dos militares das academias das Polícias Militares. Pouco a pouco, também, os secretários de Segurança passaram a ser indicados pelos governadores, podendo ser civis. E o presidente Castelo Branco tomou, dentro das FFAA, decisão de grande impacto. Ele mexeu na carreira militar. Antes de 67, os generais poderiam ficar o tempo que fosse no generalato. Cordeiro de Farias, por exemplo, permaneceu vinte e tantos anos como general. Castelo decidiu acabar com os “generais chineses”, como chamava, os donos do Exército. Estabeleceu o limite para a permanência no generalato, hoje de 12 anos. Como general de brigada, general de divisão e general do exército, o oficial só poderia ficar 12 anos, sendo quatro em cada escalão. Se não fosse promovido ao final de quatro anos de um escalão a outro, passaria automaticamente para a reserva, com o que se introduzia, também, uma expulsória adicional àquele limite de 12 anos, sob a forma de uma renovação de um quarto dos efetivos de cada escalão. A legislação de Castelo contribuiu para acabar com os militares líderes políticos. Durante os quatro anos e meio em que ocupei o Ministério da Defesa, não convivi, por exemplo, com os mesmos oficiais superiores, à luz da mencionada rotação promovida por Castelo.
Castelo tentou também alterar a legislação que regia a atividade política dos militares. Pretendia, pelos registros que conhecemos, que os militares, para entrarem em atividade política, se afiliarem a partidos, devessem ter a mesma conduta que os juízes de direito: deixar a carreira. Mas não conseguiu. Conseguiu, porém, outra coisa. Quando o militar se filiasse a um partido político, ficaria logo agregado à força. Se fosse eleito, continuaria agregado à força. Assim, se, lá adiante, não fosse reeleito, não retornaria para a força, como no passado. Castelo criou, ainda, o domicílio eleitoral, que tinha destinação especifica: impedir que generais fossem candidatos a governos nas eleições indiretas.
RPD: Voltando às Polícias Militares.
NJ: Voltando ao tema, antecipo alguns problemas. O que está fazendo o Presidente Bolsonaro? Percebendo que a posição legalista e constitucionalista das FFAA é ineludível, vem tentando fazer carinho nas Polícias Militares. O primeiro carinho foi a sinalização que deu quando ele, antes da vedação legal, aceitou o aumento dos soldos da Polícia Militar do DF. Essa sinalização foi financeira. O carinho político veio quando daquela "rebelião" no Ceará. O ex-ministro Moro elogiou líderes do movimento.
Outra sinalização, para mim mais preocupante, é uma emenda constitucional que já foi aprovada na Câmara, monitorada pelos policiais e oficiais militares que são deputados, permitindo o retorno à força se não forem reeleitos. Procuram ressuscitar a regra anterior a Castelo. A PEC está parada no Senado, mas a intenção é, em seu momento, tentar mobilizar as Polícias Militares. Mas, a meu ver, tudo depende da habilidade dos governadores, para manter o controle de suas polícias e, claro, das próprias lideranças policiais.
"O carinho foi a sinalização que Bolsonaro deu quando ele, antes da vedação legal, aceitou o aumento dos soldos da Polícia Militar do DF. Essa sinalização foi financeira. O carinho político foi em relação àquela ‘rebelião’ no Ceará"
Lembrem-se, ainda, que os militares da ativa estranharam a posição de Bolsonaro quando ele alterou aquelas portarias do Exército sobre o controle de armas, até agora de competência do Exército. O que fez a revogação das quatro portarias? Primeiro, aumentaria o número de aquisições de munições; segundo, e mais importante, o Exército perderia o rastreamento das armas. E a quem interessa a ausência de controle sobre a compra e o rastreamento das armas? Às milícias.
Temos, assim, dois eixos: as milícias (fala-se, inclusive, em alguma ação judicial para impedir esse “namoro”) e o aceno às Polícias Militares, o que é ruim. Mas eu não creio que as Polícias Militares rompam seu princípio de hierarquia e disciplina, que é muito forte. Mas, como disse, tudo depende da habilidade que possam ter os governadores. Recordo que quem trouxe os policiais militares para a política foram os partidos, porque os votos neles se somariam aos dos outros candidatos, para formar o coeficiente partidário. No início, esses policiais militares atraídos para a política não eram, em geral, os comandantes da força, mas os presidentes dos clubes de subtenentes e sargentos, que se candidatavam a vereadores e deputados estaduais; depois, a coisa cresceu. Temos que estar atentos, imaginem um oficial desses militares eleitos podendo voltar à força.
RPD: O senhor defendia a teoria de que, na História do Brasil, os conflitos mais emblemáticos tiveram suas soluções encaminhadas pela conciliação e não pelo confronto. Mantém essa visão?
NJ: Mantenho e acrescento que o horizonte de solução da crise corrente passa pelo processo eleitoral de 2022. Fala-se em impeachment agora, mas não tem rua ainda para isso. Os riscos de contágio na pandemia podem não estar permitindo a mobilização. Então, deixemos o problema da pandemia passar.
O afastamento do presidente da República pode dar-se pelo impeachment, que é o remédio mais doloroso, envolve somente a Câmara e o Senado, um para receber, e outro para julgar, ou pelo afastamento do presidente por seis meses, por conta de uma denúncia de um crime impetrada pelo Ministério Público, e a Câmara dos Deputados aceitando o prosseguimento da ação penal perante o Supremo.
Essa segunda hipótese ocorreria com um processo que resulta do inquérito decorrente daquelas declarações do ex-ministro Sérgio Moro. A prova afirmada por ele estaria no vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Do meu ponto de vista, falando como advogado, entendo que aquilo não ajudou muito. Pelo contrário, o vídeo, embora terrível para nós, foi avaliado como positivo pela ala bolsonarista: um presidente forte e destemido, bem ao gosto desses setores. O inquérito está lá no Supremo e já foi prorrogado, inclusive, por mais 30 dias, pelo Ministro Celso de Melo. A meu juízo, pelo menos com base naquele vídeo, não dá condenação, salvo se houver outras provas
E a terceira hipótese – esta mais preocupante, pelo menos para o governo – é a ação em curso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Lembre-se que começou como uma grande campanha contra os movimentos, contra as fake news etc., mas, se chegar a envolver o processo eleitoral, pode levar à cassação da chapa, vale dizer, a nova eleição. Se ocorrer até o segundo ano do mandato do Presidente Bolsonaro, teríamos uma eleição direta, para um novo presidente completar o mandato.
Por enquanto, nenhum desses três mecanismos parece caminhar. Creio que agora não é o momento estratégico para se abrir um conflito concreto. Mas é preciso juntar o povo, juntar as pessoas e não o ódio, motivação preferida pelos bolsonaristas.
Volto ao tema da conciliação, em que continuo acreditando. Durante o Governo Collor, estava no Palácio do Itamaraty e passeava os olhos, distraído, por um quadro tendo como motivo D. Pedro I. Diga-se de passagem, que não é só o Palácio do Planalto que tem obras do Império. No Itamaraty não se vê sequer uma fotografia republicana. É o Barão de Rio Branco e o resto, só imperador, princesa, rainha etc. Acontece o mesmo nos salões da Marinha, aliás. Admirava o quadro, como ia dizendo, quando o Darcy Ribeiro comentou: "Jobim, está estranhando esse quadro?... Esse aí não é o Dom Pedro I, esse é o Dom Pedro IV, olhe para as comendas no peito dele, são de Portugal, não do Brasil. Esse aí é o Dom Pedro IV. Vê como é que é o Brasil? Nós botamos um quadro na parede, do Dom Pedro IV, pensando que é o Dom Pedro I, e aí fica tudo igual".
O que bem ilustra o processo de conciliação. A República foi um processo que decorreu de um conflito do Exército com o gabinete liberal do Visconde de Ouro Preto, onde havia um problema, falando a linguagem moderna, de contingenciamento. O Marechal Deodoro protestou e o que inicialmente um golpe contra o gabinete imperial do Visconde de Ouro Preto se transformou em derrubada do Império.
O espírito de conciliação se estampa na sobrevivência de personagens de um regime no outro. Rui Barbosa, por exemplo, era imperial e resolveu aderir à República, com a retórica de que entrava na República porque ela iria impor a Federação. Na transição de Getúlio, 1945/46, o que é que nós tivemos? Grande parte dos interventores dos Estados, nomeados por Getúlio, virando governadores, e o presidente da República, Dutra, tendo sido o ministro da Guerra anterior. Foram transposições, mesma coisa agora: o regime militar participou da negociação da transição, cujo eixo central foi a concessão da Anistia, que querem derrubar hoje, aliás. Mas a Anistia foi base da transição.
Outra contribuição muito importante foi a posição do Presidente Sarney. Escolhido com vice-presidente na chapa do Tancredo Neves, no lugar do Deputado Nelson Marchezan, o preferido inicial pelo político mineiro. Sarney assumiu a Presidência em momento muito delicado. Ainda fervilhavam os efeitos da campanha liderada pelo Dante de Oliveira, em favor das “Diretas Já”, e a nação mal se recuperava do trauma da morte do presidente eleito. O Presidente Sarney soube conduzir a transição de regime militar em civil com muita habilidade e criatividade. Para devolver os militares aos quartéis, deu-lhes claro sentido de missão, ao atribuir-lhes a incumbência de liderar, por exemplo, o projeto Calha Norte, estratégico para a supervisão da soberania nacional em toda a imensa área de fronteira do Brasil na Amazônia.
A esquerda mais radical não queria isso. À exceção do Partido Comunista, o partidão, os outros partidos de esquerda haviam pregado a guerra armada clandestina. Questões como a guerrilha no Araguaia, por exemplo, retardaram o avanço da transição, acirrando o conflito com os falcões das FFAA, vistos como heróis na luta contra os guerrilheiros, um equívoco político de ambas as partes que retardou por muito tempo a transição.
Acho, portanto, procedente a visão de que foi o processo de conciliação, de negociação, apadrinhado pela transição, que permitiu o apaziguamento. Não vejo, hoje, possibilidade de um conflito porque não existem mais, digamos, generais políticos. Os oficiais superiores das FFAA estão tranquilos, isto é, estão tranquilos, embora preocupados com os movimentos que possam ocorrer. Mas penso que não querem mais, digamos, aceitar vivandeiras, como diria o Castelo, circulando os quartéis.
*Nelson Jobim é jurista, político e empresário brasileiro. Exerceu os cargos de deputado federal, ministro da Justiça, ministro da Defesa e ministro do Supremo Tribunal Federal.
Nelson Jobim: O Supremo Tribunal e o ministro Toffoli
Presidente da corte sabe a importância do diálogo
Nesta quarta-feira (23), o ministro Dias Toffoli completou dez anos no Supremo Tribunal Federal.
Afirmou, em sua sabatina no Senado Federal, ter um único compromisso: a Constituição da República. Tem a história como fundamento de sua conduta. É um grande conciliador.
Em 2015, o STF definiu a natureza jurídica da colaboração premiada. O tribunal, por maioria, acompanhou a sua orientação.
Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Toffoli conduziu com firmeza as acirradas eleições gerais de 2014.
Assumiu a presidência do Supremo em um momento difícil da história política do país. Enfrenta a alta exposição da corte, as divergências pessoais internas e a polarização extrema da sociedade.
Agora, o STF discute a prisão em segundo grau. O tema divide e apaixona. Fulaniza-se a controvérsia.
A solução será aquela fixada por sua maioria. Não pode adotar solução por conta de pressões de qualquer natureza. Em tudo, o ministro Toffoli age com prudência, autocontenção e respeito aos demais Poderes e colegas. Assume o diálogo com todos.
Sabe que interlocutor não se escolhe: é aquele que está aí. Não abre mão da defesa da Constituição Federal e do tribunal.
A Suprema Corte tem enfrentado questões próprias da seara política. Não por vontade própria. A iniciativa é dos demais Poderes, de partidos políticos ou de representações da sociedade.
Hoje, a radicalização e o ódio invadiram a política. O diálogo tolerante, forma de solver divergências, foi substituído pelo surdo monólogo do grito. Adversário é visto como inimigo. Na verdade, ataca-se para ser visto e ter espaço na mídia.
O conflito agudo e verborrágico passou a ser condição de notoriedade. O processo político perdeu a capacidade de solver suas divergências.
As divergências políticas são levadas ao tribunal. Provocado, o Supremo tem que decidir.
Mas os juízos de conveniência e de oportunidade —próprios da política— não se confundem com os juízos de legalidade e de constitucionalidade —próprios da jurisdição. Esta é a tensão existente e a disfuncionalidade.
Cobrar do Supremo que paute suas decisões em paradigma diverso da Constituição é um equívoco e um atentado ao Estado de Direito.
O STF não deve se curvar a ninguém. O STF não deve ter e não tem bandeira política. O STF aplica e defende a Constituição da República. Esse é o compromisso do tribunal.
O Judiciário trata do passado, de fatos que ocorreram. Não se constrói futuro com sentenças.
O ministro Toffoli sabe que o Judiciário julga o passado. Sabe que o Executivo cuida do presente, com a gestão das políticas públicas, e o Legislativo cuida do futuro, com a formulação das leis.
O tratamento jurídico dos fatos, no Estado democrático de Direito, é o resultado do embate das correntes políticas no Parlamento.
É na política que se encontra a vontade popular. Com todas as suas divergências, contradições e anomias.
O ministro Toffoli identifica, com nitidez, as funções constitucionais dos Poderes e os espaços de cada um.
É errado atribuir-se ao tribunal o poder de substituir o Legislativo sob o argumento de expandir a Constituição. Isso nada mais é do que retórica para justificar a usurpação.
Cada um em seu lugar. Cada qual com a sua função. Com diálogo permanente e harmonia. Todos comprometidos com o desenvolvimento do país. É isso que a República espera. Quem não faz seu papel na história não é nem bom nem mau. Pior —é inútil.
Nesses dez anos, o ministro Toffoli soube construir soluções e pontes. Tem ele claro que a democracia produz consensos com a administração política dos dissensos. É disso que o Brasil precisa.
Lembrem-se do jurista norte-americano Cass Sunstein: “Há risco quando é possível identificar os resultados e atribuir probabilidades a cada um deles. Há incerteza quando é possível identificar os resultados, porém não as probabilidades de ocorrências de tais resultados”.
Onde estamos hoje?
*Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (2004-06), ex-ministro da Defesa (2007-11; governos Lula e Dilma) e ex-ministro da Justiça (1995-97; governo FHC)
UOL: STF tolerou abusos cometidos pela Lava Jato, diz ex-presidente do Supremo
Nelson Jobim é uma figura raríssima no país. Conhece por dentro os Três Poderes porque teve passagens expressivas por todos eles. Indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ficou nove anos no STF (Supremo Tribunal Federal) e chegou a presidi-lo. Em sua opinião a corte máxima da justiça brasileira falhou ao não conter excessos da Lava Jato no início da operação.
Wellington Ramalhoso, do UOL, em São Paulo
Os diálogos revelados pelo "The Intercept Brasil" comprovam, na avaliação de Jobim, que a operação cometeu abusos e que o ministro da Justiça, Sergio Moro, teve uma conduta inadequada como juiz federal no Paraná.
Antes de chegar ao Supremo, Jobim, que é advogado, teve participação relevante como deputado federal pelo PMDB (hoje MDB) na elaboração da Constituição de 1988 e foi ministro da Justiça no governo FHC. Depois da passagem pelo Judiciário, foi ministro da Defesa nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (PT).
Para ele, os processos da Lava Jato contra Lula "são controversos em termos de prova". O ex-presidente do STF diz acreditar na inocência do petista. Por outro lado, seu trânsito nas Forças Armadas o faz dizer que os militares ficaram ressentidos com setores do PT por causa do trabalho da Comissão da Verdade durante o governo Dilma.
Aos 73 anos, o gaúcho de Santa Maria vem de uma família de políticos conservadores e é homem de diálogo. Continua filiado ao MDB, mas diz que não volta à política. Atualmente, é sócio do banco BTG Pactual, onde entrou como diretor para reorganizar a área de compliance -- ferramenta de governança corporativa para que uma empresa cumpra regras internas e a legislação -- da instituição financeira.
Confira abaixo os principais trechos de sua entrevista ao UOL em que ele também comenta o governo Jair Bolsonaro (PSL).
UOL - Onde o ex-presidente Lula errou para ser alvo de tantos processos e ser condenado?
Nelson Jobim - Os processos dele são controversos em termos de prova. Eu, particularmente, não creio que ele tenha participado efetivamente dessas coisas [casos de corrupção]. Houve uma onda em relação ao problema do PT. E mudou o quadro. Hoje caminhamos para uma posição de centro-direita, de direita.
Eles [o PT] tinham que ter reconhecido os problemas que foram criados. Não reconheceram e acabaram entrando numa fase difícil. Agora tem esses processos todos e essa decisão que tem que ser tomada pelo Supremo Tribunal no segundo semestre, quer em relação ao habeas corpus [em que a defesa pede a anulação do julgamento no caso do apartamento de Guarujá alegando que Sergio Moro atuou com parcialidade] quer em relação ao problema da prisão em segunda instância ou prisão em trânsito em julgado. É possível que ele [Lula] venha a ser beneficiado com isso. Além do mais, ele já tem aquela redução da pena.
O fato é que se introduziu na política, no final do governo Dilma, uma variável nova que foi o ódio. A capacidade de diálogo, de entendimento, de construção de soluções acabou sendo inviabilizada por essa situação de ódio e rancor. Você não constrói o futuro retaliando o passado.
O resultado final foi a eleição do presidente Bolsonaro dentro desse vendaval contra a atividade política, a criminalização da política que veio do discurso básico da Lava Jato.
O sr. entende que Sergio Moro foi imparcial ao julgar Lula?
É difícil afirmar. Examinando isto que aparece nessas notícias do Intercept, que ao que tudo indica são corretas e verdadeiras, ele teve uma conduta não adequada para um juiz de direito. Em hipótese alguma, poderia um juiz de direito ter contatos com o Ministério Público ou mesmo com a defesa para orientar procedimentos. Isso não é nada bom.
Seja qual for a solução que se dê para o processo judicial, fica a pecha do envolvimento do juiz no sentido de orientar e comandar a acusação. O que vem a ratificar aquilo que havia interiormente, ou seja, a suspeita de que havia uma grande interação entre o juiz de direito comandando o processo e o Ministério Público, coisa que os advogados de defesa afirmavam há muito tempo.
O habeas corpus que a defesa levou ao STF alegando a parcialidade de Moro vem de antes da revelação dos diálogos do ex-juiz.
Como você prova a parcialidade? Se fica demonstrado claramente de que na base de tudo isso tiveram contatos e relações do juiz julgador com o agente acusador, discutindo estratégias de condução do processo, evidentemente que é parcialidade.
Essas mensagens reveladas podem ser usadas contra Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato?
Acho difícil que elas tenham efeitos para trás no sentido de anular processo, mas isto mostra claramente a inconveniência de você criar grupos específicos para operar determinadas áreas porque esses grupos querem se manter sempre. Acaba criando uma necessidade da sobrevivência ou a reprodução da força-tarefa.
Essas notícias do Intercept levam a uma mudança de conduta. Vai levar a um posicionamento das autoridades públicas, principalmente desse pessoal ligado à Lava Jato no sentido de ter uma contenção de conduta, porque havia uma retroalimentação da conduta produzida pela atividade investigadora através do aplauso popular decorrente da notícia que se via na mídia.
O sr. acha que o STF cometeu algum erro em relação à Lava Jato?
No início, foi leniente. Ou seja, tolerou os exageros, os abusos que foram cometidos e agora estão ficando muito claros com essa história do Intercept. Houve casos de erros crassos, que depois acabaram se resolvendo. Agora o tribunal está começando a ter uma posição, digamos, mais garantista.
Todo mundo acha que as correntes garantistas são conservadoras. Todo mundo é contrário ao garantismo desde que a decisão lhe convenha. O dia em que estoura o raio nos pés ele vai adorar um garantista. E a posição do tribunal é ser garantista, garantir os direitos que estão na Constituição.
Lembro, por exemplo, daqueles casos que eram aplaudidos e que eram, digamos, coisa de mídia, das conduções coercitivas. É uma invenção. O sujeito queria ouvir a parte, então mandava conduzir para ser ouvido. E o sujeito não tinha sido intimado nem se negado a ir. Mas aquilo criava um ambiente de pressão psicológica contra o depoente. Porque as conduções coercitivas se davam às 6h, estava toda mídia lá, assistindo àquilo e criando aquele ambiente.
O fato também de o Ministério Público ter aquelas exposições com Power Point das acusações, como se aquilo já estivesse definido, criou um ambiente muito ruim, que agora aos poucos vai se compondo.
O sr. entrou no BTG Pactual depois da Lava Jato [André Esteves, fundador do banco, chegou a ser preso na operação sob a suspeita de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, mas o Ministério Público não encontrou provas para incriminá-lo]? O que o sr. tem feito no banco?
O convite que recebi foi integrar o conselho do banco e ao mesmo tempo fazer uma montagem da questão de compliance do banco. O compliance já existia no banco e funcionava bem. Só que a estrutura era diferente. Alterei a estrutura. O compliance era um braço do departamento jurídico do banco. Então, criei uma diretoria de compliance no mesmo nível da diretoria jurídica e com contato direto com o conselho.
Qual sua avaliação sobre o governo Bolsonaro?
Falta rumo. O governo Bolsonaro tem uma certa de disfuncionalidade.
Tem o núcleo econômico, cujo personagem é o Paulo Guedes. Alguns podem concordar ou discordar, mas é questão de mérito. O fato é que tem uma agenda econômica consistente e tem gente competente junto a ele.
Tem o núcleo militar, que sofreu algumas avarias agora em relação a um personagem que era o Santos Cruz, mas é um grupo consistente, disciplinado. Embora fiquei muito surpreso quando vi a presença do general Heleno nesses movimentos de rua, fazendo discurso, que não é um modelo próprio tendo em vista a origem militar.
O terceiro núcleo é o político, que estava sendo comandando pelo [ministro-chefe da Casa Civil] Onyx Lorenzoni, mas sem organização, sem articulação visível competente. Tanto que agora transfere-se essa função para o general [Luiz Eduardo] Ramos [novo secretário de Governo].
Há um discurso antipolítica, que é vocalizado pelo próprio presidente, com altos e baixos nesse sentido, e que leva a um certo tipo de conflito com o Congresso. O processo de reforma da Previdência está sendo mais conduzido pelo presidente da Câmara e do Senado do que pelo próprio governo.
E por último tem ainda o núcleo da família. Esse é complicado. Principalmente um deles [referência ao vereador do Rio Carlos Bolsonaro] cria o conflito. Então, não há necessidade, por enquanto, de oposição. A oposição está dentro da própria desestruturação do governo.
Sem o general Santos Cruz, há espaço para mais radicalização e extremismo no governo?
Creio que não. O próprio Ramos tem condição de manter essa coisa mais estável. Mais radicalizado do que está é impossível. O problema é a eficácia dessa radicalização, o que isso tem de discurso e o que tem de realidade. Algumas das posturas dos ministros da Educação e das Relações Exteriores são caricatas.
O que o sr. espera do governo na economia?
As pessoas podem não gostar do presidente, mas Bolsonaro foi eleito. Em política tem uma regra: você não escolhe interlocutor. O interlocutor é o que está aí. E o país precisa enfrentar as suas questões com esse governo que está aí e com os governos estaduais que estão aí.
Creio que a reforma da Previdência acaba sendo aprovada, mas o problema é que ela é uma solução de longo prazo. É um sinal de que a situação fiscal vai melhorar. Não significa que você tenha um deslanche da economia desde logo.
É preciso que o governo, junto com a Câmara e o Senado, possa montar uma agenda econômica de curto e médio prazo. Fala-se que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem lá algumas coisas para o pós-Previdência. Precisa ter algo depois da Previdência.
Precisa ter algumas medidas de curto prazo que resolvam o crescimento econômico para resolver o problema do desemprego. Você não pode ficar muito tempo com 13 milhões de pessoas por muito tempo desempregadas. Isso é um vulcão.
Seria necessário que houvesse uma lucidez política, não só dentro do governo, mas também no Congresso porque o partido do governo é muito errático, o apoio do governo no Congresso é errático.
Militares dizem que ficaram insatisfeitos com a forma como o governo da ex-presidente Dilma conduziu a Comissão de Verdade [que tratou de crimes cometidos durante a ditadura militar]. Qual foi erro de Dilma?
O grande conflito que tinha, e participei disso fortemente porque era ministro da Defesa do Lula, era que o grande discurso para alguns setores do governo era a revisão da lei da Anistia [de 1979]. Eu disse o seguinte: "essa lei não tem como mexer mais, esse assunto é encerrado". Teve um pacto político na época com o governo [do general João] Figueiredo. O PMDB, na época, participou desse pacto. Acertaram isso de que a anistia era bilateral, ou seja, abrangia os militares e todos.
Como a eventual revisão da lei da Anistia foi tentada no Supremo -- entraram com ação para julgar a inconstitucionalidade da lei da Anistia e perderam --, aí tentou-se a revisão da lei da Anistia de forma indireta, via a criação da Comissão da Verdade.
Resolveu-se fazer a Comissão da Verdade para tentar trazer notícias em relação aos militares, mas não trazer notícias em relação aos atos que teriam sido praticados pela oposição à época.
Começou a parcialidade. E essa parcialidade ficou mais clara ainda quando houve o relatório final da Comissão da Verdade. Aí exageraram, entrou um delírio. Eles resolveram colocar o brigadeiro Eduardo Gomes como torturador. O argumento era: "ele era o ministro da Aeronáutica, a Aeronáutica praticou torturas, logo ele era torturador".
Curiosamente, é o mesmo discurso que foi feito no caso do Lula: "houve corrupção na Petrobras, Lula era o presidente, logo ele também estava anuindo com a corrupção". O raciocínio é o mesmo.
Que sentimento as Forças Armadas passaram a ter em relação ao PT?
O sentimento é que eles estavam tentando fazer uma retaliação do passado. O Lula era contra, não queria saber com essa história de mexer com lei de Anistia. Ela achava que coçar ferida não cicatriza. Era inclusive a linguagem que ele usava.
Na época, segurei esses ímpetos que vinham do setor de direitos humanos do governo Lula, com o apoio do presidente, mas ficava aquela desconfiança. Os militares sabiam que houve um acordo político com a lei da Anistia, que o assunto estava encerrado. Aí vinham exemplos internacionais, criou-se um discurso de direito de transição política.
Isso criou um ressentimento. Mas não um ressentimento em relação ao presidente Lula, se respeitava muito o presidente, mas [em relação] àqueles setores específicos que estavam tentando fazer esse discurso. Coisa que ficou superada depois. Hoje não tem mais nada.
Foi superado?
Foi superado.
O sr. continua filiado ao MDB. Pretende voltar à política?
Não, estou com 73 anos. Passou.
Como partidos mais antigos poderiam recuperar a credibilidade junto à população?
Só alterando o sistema eleitoral porque os partidos antigos estão mortos. Partidos mais novos vão ter que se consolidar. O PSL não é um partido no sentido de ter um programa.
Em uma reforma política mais profunda, que mudança o sr. considera importante?
Sou favorável ao sistema distrital misto [em eleições proporcionais, como as de deputados federais, parte das vagas fica com os mais votados em cada região, a outra parte é preenchida pelos partidos mais votados] porque no modelo atual quem pode me prejudicar numa eleição não é o candidato do outro partido, é o candidato do meu partido. Eu disputo a vaga com o candidato do meu partido. Então você não tem consistência partidária nenhuma, você tem individualidades.
Com isso você atende um problema que é a redução do custo da campanha eleitoral. Se você reduzir o distrito eleitoral, você dá maior proximidade desses candidatos aos eleitores e reduz o ímpeto da despesa.
O sr. teve participação reconhecida na elaboração da Constituição de 1988, mas ela é alvo de críticas, principalmente por parte da direita, que fala em excesso de direitos. O que o sr. pensa sobre essas críticas?
A Constituição é correta. Ali tu tens um rol de direitos e garantias individuais, absolutamente moderno, que funciona. Você tem um desenho institucional importante. O que você não tinha em 1988 era a capacidade da construção de uma modernidade econômica. Tu estavas em um período com desconfiança do Poder Executivo. Com isso, se fortaleceu o Congresso. O problema na ordem econômica é que quando se votou a Constituição ainda havia aquela visão antiga. Então, acabou sendo um modelo estatizante, claramente estatizante, o que veio a ser reformado com o Fernando Henrique em 1995 [com as privatizações].