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Revista Política Democrática || Ivan Alves Filho: Presença negra

Um dos países centrais na comunidade internacional por seu peso demográfico, por sua extensão territorial e também pela inegável importância econômica que adquiriu, o Brasil possui a segunda maior população negra do mundo. E esse é um dado fundamental para se compreender nossa realidade.

"Sem Angola, não há Brasil", vaticinou, certa vez, o Padre Antonio Vieira. E poderíamos acrescentar: sem o negro, não há Brasil. Afinal, o povo faz história pelo trabalho. E o povo negro vem carregando esse país nas costas há cinco séculos. Das atividades nas plantações de cana de açúcar, algodão e café ao chão das fábricas e construções. Isso, no plano material. Mas, no plano da cultura espiritual, não seria muito diferente. Como falar da nossa literatura sem Machado de Assis? Da nossa música sem Pixinguinha? Da nossa arquitetura sem Aleijadinho? Do esporte brasileiro sem Pelé? Das nossas rebeliões sem Zumbi dos Palmares?

Mesmo assim, há evidente exclusão social do negro entre nós. E isso mergulha suas raízes num passado não tão distante assim. Se, por um lado, o regime escravista integra o negro na economia, por outro o exclui da cidadania. E a própria Abolição, ao libertar o escravo, esqueceu-se de libertar o negro. A nossa única revolução social – até aqui, ao menos, já que reapresentou uma mudança no modo de produção – ficaria incompleta. Vale dizer: para que a Abolição cumprisse plenamente sua função histórica, ela deveria vir acompanhada de uma medida fundamental como a reforma agrária, por exemplo.

Isso significa reconhecer que a questão negra é, acima de tudo, uma questão nacional. Ou seja, uma luta de todos os brasileiros. Conforme escrevemos recentemente no livro Presença negra no Brasil, editado este ano pela Fundação Astrojildo Pereira, "a batalha pelos direitos dos negros no Brasil é parte da luta e não uma luta à parte". Com essa ótica, acreditamos ser fundamental unir o particular ao geral, uma vez que as chamadas lutas setoriais não devem ter um tratamento setorial.

Esse talvez seja o melhor caminho para combater o racismo e a exclusão. Afinal, o que denominamos por brasilidade, essa formidável síntese cultural do nosso país, repousa em boa parte na contribuição dos afrodescendentes.

 

 


Ivanir dos Santos: Para sempre Mandela

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta” – Nelson Mandela

A célebre epígrafe escrita por Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, compõem a sua autobiografia, intitulada “Long Walk to Freedom” publicada em 1995, retratara um dos períodos mais emblemáticos da luta antirracismo, colonialismo e contra a intolerância em África. Se estivesse vivo Mandela, símbolo das lutas contra o apartheid, teria completado cem anos de vida no último dia 18 de julho. O apartheid, é uma palavra afrikans (ou africâner), uma língua creolizada derivada do encontro entre a língua holandesa com as línguas nativas sul-africanas, que no seu sentido literal significa separação ou segregação.
A política de segregação racial fez da África do Sul o único país do mundo a definir os direitos fundamentais dos seus cidadãos tomando como base a cor da pele, separando brancos e negros no mesmo espaço geográfico. Algo bem diferente das configurações políticas e sociais do Brasil, que foi construído sobre a ideia de “democracia racial” com o intuito de passar uma imagem de convivência pacífica e harmoniosa entre as “três raças” (indígena, negra africana e branca europeia), afim de não evidenciar todas as mazelas deixadas em nossa sociedade com o sistema escravocrata.

Assim, enquanto a política do apartheid, entre as décadas de 1940 a 1990, evidenciou o racismo como um problema político e social na África do Sul, tal como o episódio em Shaperville onde milhares de sul-africanos saíram às ruas protestando contra a segregação racial no país, no Brasil tais questões foram distensionadas com narrativas construídas pela historiografia tradicional, que contribuíram para o fortalecimento do processo de inviabilização do racismo e para o crescimento das políticas de embranquecimento social.

Mandela nunca aceitou que a política do apartheid fosse a base de sustentação das relações políticas e sociais de seu país e foi por lutar contra todo o sistema racista “herdado” do processo colonial que passou 27 anos encarcerado na Prisão Local de Pretória (entre 7 de novembro de 1962 a 25 de maio de 1963), de Robben Island (entre 27 de maio de 1963 a 12 de junho de 1963), novamente em Robben Island (entre 13 de junho de 1964 a 31 de março de 1982) no setor de segurança máxima, na Prisão de Pollsmoor (entre 31 de março de 1982 a 12 de agosto de 1988) e na Prisão Victor Verster (7 de dezembro de 1988 a 11 de fevereiro de 1990). E mesmo preso, Mandela lutou pela garantia da igualdade e equidade entre negros e brancos dentro e fora da África do Sul, lutas essas evidenciadas nas de cartas que escreveu para parentes e amigos relatando o sistema de opressão que subjugava o continente africano e em especial a África do Sul. Parte desses escritos foram publicados como biografia e/ou autobiografias do maior líder negro sul-africanos, imortalizando a memória e as lutas de Nelson Mandela contra o racismo, contra a desigualdade e contra a intolerância.

*Ivanir dos Santos é professor doutor Babalawô


Cacá Diegues: A pedra perdida

A sociedade brasileira de brancos segue atirando pedras nas cabeças de desempregados e necessitados que, não tendo como reagir, apostam naqueles que têm pior pontaria

O Estado Novo de Getúlio Vargas, de 1937 a 1945, assim como a ditadura militar de 1964 a 1985, foram duas formas de vandalismo político. E, no entanto, Vargas sempre foi (e continua sendo) um herói popular, consagrado e seguido mesmo depois de sua morte, em 1954. Por outro lado, muita gente hoje pede a volta dos militares, mesmo que não tenham coragem de pedir expressamente a volta da ditadura. E o Bolsonaro não é o único a professar esse projeto.

Nós, brasileiros, nunca tivemos mesmo um padrão de reconhecimento em relação ao que nos acontece politicamente, agimos sempre no espaço entre um certo sentimentalismo mágico e aquilo que nos dizem com mais convicção dramática.

Converso com as pessoas nos botequins e na rua, ouço os taxistas com sincera atenção, leio as pesquisas de opinião que procuro entender. E não vejo nenhuma vontade de novidade política no que me dizem ou me mostram. Nenhuma vontade real de mudança. Os mais citados são sempre os mesmos ex-presidentes ou ex-governadores, os políticos ou ex-políticos que não almejam mais nada de diferente em suas vidas. Se continuarmos assim até outubro, vamos novamente viver de tosca esperança por mais quatro anos. Vãs esperanças.

Entre intelectuais e ideólogos, todos querem o centro que nos conforta e bloqueia o sobressalto. O centro da esquerda vai de um populismo de cordel para esquecer os anos desastrosos de Dilma, até as análises sofisticadas de impotência que justificam um certo muro. O centro da direita passou a agir, em vez de apenas observar por trás das cortinas, como era seu hábito. Mas, ainda assim, se divide entre o militar sem uniforme e volta dos uniformes militares ao poder.

Gostamos mesmo é de tudo aquilo que parece nos proteger, como o populismo que mais uma vez ameaça nosso progresso político. O partido que se preparou, durante toda a sua formação, para ser o mais ideológico e construtivo possível, exemplo de um partido democrático disposto a tudo para construir o novo do que ruía à sua volta, deixou de ser um partido político para, como disse um de seus líderes arrependido, “uma seita guiada por uma pretensa divindade”, uma definição contemporânea para nosso populismo atrasado.

Em 1808, o Rio de Janeiro se tornou, quase que por acaso, a capital do país. Dom João VI, obrigado a se mudar para a colônia com sua Corte, estava de saco cheio da sujeira e do calor da Bahia, para onde o haviam levado. Dos 60 mil habitantes do Rio de então, mais da metade era de escravos, a maior concentração deles no mundo ocidental. Os membros da Corte, a origem de nossa elite nacional, tratavam esses negros como desprovidos de humanidade, pior que seus bichos domésticos. Portanto, gente sem direito à vontade.

Os rapazes da Corte inventavam jogos e brincadeiras em que podiam usar os afro-brasileiros, seus escravos, como melhor entendessem. Uma das brincadeiras mais comuns era a da “pedra perdida”, em que os rapazes, a pé ou montados em seus cavalos, atiravam pedras nos negros que passassem ao largo. A ideia era sobretudo a de lhes atingir a cabeça e assim ganhar mais pontos para seu time.

A sociedade brasileira de brancos segue atirando suas pedras nas cabeças de desempregados e necessitados que, não tendo como reagir, apostam naqueles que têm pior pontaria ou que prometem, depois das pedras, cuidar do sangue derramado. A pedra talvez lhe doa menos, se tiver a promessa de uma sopa na porta dos palácios onde não entram.

Ninguém mais se sente representado politicamente no Brasil, a desconfiança em relação aos políticos em atividade é absoluta. Mas cada vez que tratamos desse assunto, escolhemos sempre negar a importância da política, eliminá-la do concerto das ideias que podem mudar a sociedade. A política é o universo dos maus políticos que conhecemos de sobra, portanto é preciso evitá-la. Se possível, eliminá-la de nossa vida.

E, com isso, damos origem ao nosso especial populismo, aquele que reconstrói, com um sorriso nos lábios e um abraço apertado, a dependência em que vivemos e que não deixamos nunca de cultivar.
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Está em cartaz, no Rio e em São Paulo, a 23ª edição do festival internacional de documentários. É Tudo Verdade, dirigido por Amir Labaki. Aliás, “dirigido" é muito pouco para explicar o que Amir Labaki tem feito pela cultura documentarista em nosso país. É Tudo Verdade, o maior evento dessa natureza na América Latina, tem ajudado nossos documentaristas a descobrir os mestres da atividade. Dessa vez, o festival deu grande espaço em sua programação a documentários brasileiros, realizados por cineastas consagrados ou jovens iniciantes. No Rio, a inauguração do festival ocorreu na tradicional sala do Museu de Arte Moderna, com a exibição de “Carvana”, filme de Lulu Corrêa, sobre nosso grande ator e cineasta.

 

* Cacá Diegues é cineasta

 


Míriam Leitão: Proteger o futuro

Emergência maior entre jovens e negros. Felipe Sacramento tem 10 anos e toca trompete no núcleo do Neojibá do Nordeste de Amaralina, em Salvador. Ele sabe algo que o Brasil tenta não ver: “Nós jovens negros sofremos esse risco, e o bairro que a gente mora é bem violento, né Ester?” Ester é uma menina negra, do mesmo bairro, e que toca flauta na mesma orquestra. Na Bahia, a morte de jovens negros por armas de fogo aumentou 177% de 2003 a 2014.

Os dados não mentem. Não podemos mais nos enganar. O Brasil tem um índice de violência inaceitável, nossos números são os de um país em guerra. No Vietnã, em 15 anos de guerra, morreram 45 mil jovens americanos. No Brasil, morrem 60 mil pessoas por ano. E a primeira pergunta tem que ser: quem corre mais risco? Quando se cruzam as estatísticas de mortes violentas com as de idade, é possível ver o que o gráfico abaixo mostra: o risco aumenta a partir dos 12 anos e chega ao seu auge aos 20 anos. Quando se faz o cálculo por cor, a resposta fica completa: o jovem negro é a primeira vítima.

Toda a sociedade precisa ser protegida, mas há uma emergência maior num determinado grupo etário e étnico. Felipe sabe disso. Na entrevista que me concedeu para uma reportagem da série História do Futuro ele usou a expressão “genocídio negro”. Temos nos acostumado com números diários da violência. Aceitando esses indicadores, o Brasil está reduzindo a expectativa de vida do país e colocando em risco o próprio futuro.

Frequentemente aparecem falsas soluções. Não é armando mais a população que o país vai protegê-la, não é a pena de morte, não é reduzindo a maioridade penal. É aumentando a prioridade desse tema, é integrando as forças de segurança, é tirando o governo Federal do seu papel de coadjuvante, é mobilizando toda a sociedade para a grande tarefa de proteger os jovens.

Neojibá é sigla que quer dizer Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia. Foi criado há dez anos sob o comando do maestro Ricardo Castro, por iniciativa da sociedade civil, tem financiamento também de empresas privadas, e é uma política de Estado que atravessou os últimos governos. Cria orquestras e com a música clássica tem protegido jovens. Nos núcleos que visitei, as crianças e jovens eram principalmente negros.

Eu entrevistava a mãe de Felipe sobre o medo constante das mães, quando decidi perguntar a ele o que pensava sobre o assunto. Ele espanta pela lucidez:

— A música aqui no Neojibá abre as portas da inclusão para nós jovens negros. Aqui dentro nós estamos protegidos. Quando nós chegamos na sala de aula, é quase como se não houvesse nada. Mesmo sabendo que está havendo esse genocídio negro. Nós sabemos disso, mas nos sentimos protegidos na sala de aula. Quis saber o que ele pensava sobre o próprio futuro: — Se eu virar músico de verdade, profissional, eu quero abrir vários núcleos como esse para que muitas crianças como eu, que podem nascer futuramente, sintam-se protegidas dentro desses núcleos. Assim como me sinto protegido aqui, eu quero que muitas crianças tenham essa sensação.

O Brasil precisa falar sobre a proteção do futuro. E não haverá futuro sem o enfrentamento da violência que nos tira vidas preciosas, nos rouba jovens, expõe crianças a riscos intoleráveis e divide áreas da cidade.

A música, a educação, o esporte, a mobilização da sociedade, a consciência da dimensão do problema, o combate ao racismo, a integração das forças do estado. Precisamos de tudo isso. A lista das tarefas é grande, como é vasto e complexo o nosso problema.

 

 


Em comemoração ao Dia da Consciência Negra, Igualdade Racial 23 e FAP debatem racismo e mortalidade de negros

O coletivo Igualdade Racial 23 e a FAP (Fundação Astrojildo Pereira) realizaram, na última sexta-feira, o Seminário “Direitos Humanos e Relações Raciais”, em comemoração ao Dia da Consciência Negra, celebrado neste domingo (20). O encontro contou com a participação de especialistas em igualdade racial e direitos humanos e abordou temas como o racismo no Brasil e o assassinato de jovens negros.

O coordenador do coletivo, Sionei Leão, afirmou que o seminário foi o primeiro de uma série de encontros que serão realizados ao longo de 2017. Ele ressaltou a qualidade dos palestrantes.

“A igualdade racial e os direitos humanos estão ligados mas, em razão das militâncias serem diferenciadas, nem sempre se faz essa junção. Fizemos o seminário na sexta com pessoas altamente qualificadas, como a participação do coronel da Polícia Militar do DF, Marcos Araújo, que é especialista em segurança pública e direitos humanos, e Kelly Quirino que é membro da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas. Começamos com o primeiro de muitos eventos que serão realizados ao longo de 2017”, adiantou.

Já o integrante do Núcleo de Igualdade Racial do PPS, Romero Rocha, afirmou que o encontro norteará as próximas ações do coletivo.

“O encontro foi pensado dentro da necessidade de se debater o tema da mortalidade dos jovens negros. A reunião foi um “start” do coletivo. Levantamos o tema e trouxemos especialistas para debatê-lo. A discussão nos traz um entendimento sobre o assunto e norteará as nossas próximas ações. Dessa vivência conseguimos ter uma compreensão mais ampla e a partir daí começaremos a pensar nas novas ações”, disse Romero.


Fonte: pps.org.br