negacionismo
Felipe Salto: Um governo alquebrado
Sem rumo, mostra-se incapaz e justifica a sua apatia com frases feitas (erradas)
“O Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada”, disse o presidente da República. Esse alarmismo prejudica o País, não apenas porque embute um erro conceitual, mas porque reforça o falso dilema entre responsabilidade fiscal e execução de políticas públicas. Soa como uma desculpa para justificar a inoperância do governo federal.
De fato, a dívida pública é elevada e crescente. Não será trivial fazê-la estacionar em relação ao produto interno bruto (PIB). Mas isso não significa que o País esteja “quebrado”. Os agentes econômicos continuam a comprar os títulos públicos, sob as leis da oferta e da procura, a juros e prazos condizentes com o quadro de risco e incerteza posto pelas condições externas e domésticas.
Não há, como no passado, dependência de empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou de outros tipos de socorro para financiar a dívida do governo. As reservas internacionais são elevadas e a dívida pública externa é mínima. É claro que a restrição fiscal existe e, no limite, o descontrole das contas públicas poderia alimentar a inflação, criando um problema grave para o financiamento do Estado.
Este último aspecto é o que deveria merecer maior atenção das autoridades competentes. Não é o caso de ligar a sirene e lavar as mãos. É o momento de reconhecer a fragilidade das contas públicas e forjar um plano de ação. Esse é, precisamente, o meio para fortalecer o Estado na sua tarefa fundamental de prover bens e serviços públicos essenciais, tempestiva e eficientemente. Sem contas públicas organizadas o Estado não para em pé.
Para 2021, até agora, não há sequer Orçamento aprovado, o teto de gastos (regra fiscal constitucional) corre risco alto de ser violado e o auxílio emergencial foi interrompido. É a tal lógica do “País quebrado”, do “não consigo fazer nada”, à guisa de justificativa para a dificuldade de tomar decisões difíceis. “Todos nós iremos morrer um dia”, chegou a dizer o chefe da Nação.
Alquebrado, o governo parece não ter aprendido que o combate à covid-19 deve ser liderado pelo Estado. Não entende que isso nada tem que ver com irresponsabilidade fiscal. Ao contrário, é preciso atuar firmemente para debelar a doença e, só assim, retomar o crescimento econômico. De outro lado, ter um plano de recuperação das contas públicas para o médio prazo. Mas não se faz uma coisa nem outra.
Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), o déficit primário (receitas menos despesas sem contar juros da dívida) deve ter encerrado 2020 em mais de 10% do PIB. A dívida, por sua vez, teria avançado de 12 a 15 pontos porcentuais do PIB entre 2019 e 2020. Vale dizer que o aumento foi amenizado pela aceleração da inflação no segundo semestre (o PIB nominal ficou mais alto e segurou a razão dívida/PIB). Os dados fechados de 2020 serão conhecidos no fim de janeiro.
Em 2021 o déficit deverá diminuir para 3,5% do PIB. Para transformá-lo em superávit, contudo, seria preciso anunciar um conjunto de ações em duas frentes: corte de gastos e aumento de receitas. Trata-se de algo para quatro a cinco anos, mas que tem de começar já.
O governo perde um tempo precioso ao ignorar que há muito por fazer. Listo aqui uma série de ações:
1) reduzir as renúncias tributárias;
2) interromper progressões automáticas no serviço público;
3) rever contratações programadas (lembrando que há mais de 50 mil preenchimentos de cargos públicos, na proposta orçamentária de 2021, a título de recomposição de aposentadorias);
4) cortar toda e qualquer remuneração superior ao teto salarial constitucional;
5) reformar o sistema tributário para torná-lo mais progressivo, com potencial ganho arrecadatório;
6) revisar os programas sociais e aumentar sua eficiência, em linha com a Lei de Responsabilidade Social proposta pelo senador Tasso Jereissati;
7) revisar todos os subsídios financeiros a partir de avaliação técnica;
8) adotar a revisão periódica de gastos públicos e estabelecer um plano fiscal de médio prazo, cortando programas que não dão resultado e abrindo espaço orçamentário para outras iniciativas, sobretudo na área de investimentos em infraestrutura.
O fato é que a falta de rumo paralisou o governo. Nem a chamada PEC emergencial, proposta por ele mesmo, avançou. Se bem desenhada, permitiria acionar gatilhos – medidas automáticas de corte de despesas – e fabricar tempo para a necessária discussão sobre a harmonização das regras fiscais vigentes. Ajudaria, sim, na formulação de uma estratégia de recuperação das contas públicas.
Em tempos de crise e em tempos normais, o atual governo mostrou-se incapaz. Justifica a apatia com frases feitas (erradas). Está atrasado nas decisões urgentes contra a covid-19, a exemplo das trapalhadas no plano de vacinação. Não age para redesenhar o futuro da economia brasileira.
É alentador saber que essa situação não durará para sempre. Poderá legar consequências irremediáveis, mas, como disse Winston Churchill, “o sucesso não é definitivo e o fracasso não é fatal. O que conta é a coragem de continuar”.
DIRETOR EXECUTIVO DA INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE (IFI)
Cristovam Buarque: Basta e basta
União contra Bolsonaro
Basta do governo insano e da oposição dividida. O maior erro dos democratas foi não manterem a unidade da luta contra a ditadura, na hora de construir a democracia, com eficiência econômica, justiça social, sustentabilidade ecológica, fiscal e educacional. Continuamos divididos, mesmo diante do risco de reeleger um regime miliciano no lugar do antigo regime militar.
Em 1985, os democratas se uniram para barrar a continuação do regime militar com o civil Maluf; com exceção do PT, que não votou contra a ditadura, para não se aliar a democratas conservadores. Com poucos deputados, sua opção não impediu a vitória da democracia. Quase quarenta anos depois, outra vez os democratas têm a chance de deixar suas divergências para barrar um regime militarista, obscurantista, candidato a autoritarismo. Desta vez o PT não é mais o pequeno partido de antes. Apesar de todo seu desgaste, por seus erros ou por manipulações na justiça, o PT é um partido grande o suficiente para definir o rumo das eleições em 2022: unindo-se aos demais democratas para barrar a continuação do atual governo, ou repetir o isolamento e correr o risco de reeleger o governo atual, com todas as consequências.
Se repetirmos agora o divisionismo, seja porque o PT não se alia aos demais democratas ou porque estes não aceitam se unir ao PT, há grande chance de outra vez chegarmos ao segundo turno com um nome que não entusiasma ao conjunto dos democratas, e, ainda mais grave, um nome ou um partido com mais rejeição do que o atual presidente. Como aconteceu em 2018, onde Fernando Haddad era muito mais preparado, mas perdeu por causa da rejeição ao PT.
Basta deste governo insensato.
Basta também da insensatez dos democratas que se dividem.
Em 1985, Brizola, Arraes, Ulisses, deixaram de lado suas divergências mútuas e abriram mão da proposta nobre das eleições diretas, adiando-a por quatro anos; se aliaram a Sarney e Marco Maciel, que até a véspera estavam aliados a ditadura mas aceitaram a aliança com seus adversários para iniciar a redemocratização, que sem eles teria sido adiada por anos. Foi a aliança entre adversários discordantes e o nome sem rejeição, do Tancredo, que permitiu barrar a ditadura. Outra vez precisamos que nossos líderes de hoje barrem a reeleição deste presidente que se reelegeu por causa de nossa divisão em 2018. Para tanto, precisam fazer como fizeram aqueles outros 40 anos atrás: explicitarem a unidade, os motivos dela, e escolherem um nome com pequena rejeição na opinião pública. Que assuma o compromisso de abolir o negacionismo, aceitar diálogo e tolerância, respeitar a democracia, rechaçar o armamentismo e conduzir o país por quatro anos. É como se estivéssemos outra vez adiando as Diretas, mas abrindo o debate sobre o progresso futuro, graças a barrar a decadência que o Brasil sofre.
Basta da insanidade do desgoverno ou do divisionismo das oposições.
Fernando Luiz Abrúcio: Ameaça à democracia será contínua nos próximos 2 anos
Mesmo que por vezes faça recuo táticos, como aliar-se ao Centrão, Bolsonaro nunca abandonou o objetivo final de quebrar o contrato democrático instaurado pela Constituição de 1988
Anteontem foi o dia da vergonha para a democracia americana. Trump tentou dar o primeiro golpe de Estado da história dos Estados Unidos, mas, felizmente, fracassou. Ninguém pode dizer que o assalto ao Capitólio foi inesperado. O trumpismo buscou solapar as instituições democráticas desde sua campanha eleitoral de 2016. A estratégia populista e autocrática foi reproduzida durante quatro anos, sem que tivesse havido uma reação à altura do sistema político. Parece que se caminha para um “happy end”, porém, o custo foi muito alto, e o Brasil precisa aprender com essa experiência.
Bolsonaro idolatra Trump e procura imitá-lo, embora pareça ser ainda mais irresponsável e autoritário, como mostram o descaso com as vacinas e seus elogios à tortura realizada no regime militar. Ou seja, o presidente brasileiro potencializa o que há de pior no seu ídolo, algo que tem um efeito terrível para um país com democracia mais recente e com um desenvolvimento econômico e social bem menor.
Quando fala que o Brasil terá problemas semelhantes se não for adotado o voto impresso, Bolsonaro anuncia não apenas sua estratégia para 2022. Ele segue uma linha de atuação, adotada desde a eleição de 2018, de solapar continuamente as instituições democráticas, em nome de um populismo autoritário cujo objetivo é destruir a democracia e concentrar o poder em suas mãos. Mesmo que por vezes faça recuo táticos, como aliar-se ao Centrão após a prisão de Fabrício Queiroz, o presidente nunca abandonou o objetivo final de quebrar o contrato democrático instaurado pela Constituição de 1988.
Muitos apontam agora o risco que corremos em 2022. É preciso corrigir essa impressão: a ameaça antidemocrática tem sido cotidiana e será contínua nos próximos dois anos. O sistema político não tem respondido à altura porque as consequências já se fazem presentes num país à deriva, com desesperança na saúde, na economia, na educação e em termos de desigualdade social. Ou os democratas brasileiros reagem logo, ou em 2022, mesmo que Bolsonaro fracasse no golpe, o Brasil já estará em frangalhos.
*DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP E PROFESSOR DA FGV-EAESP
Luiz Werneck Vianna: A longa tragédia brasileira
Com dois anos de governo Bolsonaro e mais 10 meses de pandemia passados já se pode avaliar os estragos provocados por esses males, ainda longe de serem erradicados. Por ora, quase 200 mil mortos, milhões de afetados, sabe-se lá quantos padecendo de sequelas, um rastro de miséria política e social, uma sociedade com a morte na alma com os valores que a formaram relegados ao limbo. Entregue às suas próprias forças diante da omissão do governo, dirigido por um Rambo de padaria, ela perde as esperanças, especialmente entre os jovens, abdicando da luta contra a pandemia nas aglomerações dos bares e das baladas malsãs quando flerta animadamente com as práticas de roleta russa. Na ausência de pastor o rebanho desafia o destino e se entrega sem luta à morte.
Não há mais dúvidas de que a tragédia em que somos personagens se deve ao tipo de pastoreio a que fomos confiados, a melhor sorte dos países vizinhos testemunha isso, para não falar dos países desenvolvidos guiados por lideranças conscientes do papel da ciência e das políticas públicas no combate ao flagelo da peste. Em legítima defesa da vida somente dispomos dos recursos da política e das instituições e meios consagrados por nossa Constituição a fim de imprimir um paradeiro a essa nefasta experiência a que fomos submetidos. Não é uma tarefa fácil, inclusive porque nos faltam lideranças à altura dos desafios presentes. Mas sapo não pula por boniteza, e sim por necessidade, lembrava Guimarães Rosa.
O fato é que, nas condições dadas, armou-se uma inextricável fusão entre democracia e defesa da vida, a partir da qual se pode entrever a emergência de promissoras personagens e novas possibilidades de ação. Boa parte delas provém do campo da ciência e dos profissionais da saúde, não menos relevante é a originária da vida associativa popular, evidente em algumas capitais nas recentes eleições municipais, processo benfazejo que também alcança a esfera da política com essa nova safra de prefeitos alinhados em luta contra a pandemia que os irmana às lutas pela democratização das políticas públicas.
Toda essa nova movimentação vem emprestar suporte novo aos que, no interior das instituições republicanas, notadamente no Congresso e no STF, vêm suportando o assédio das forças do autoritarismo político e lhe impondo limites. No horizonte imediato, surgem os primeiros sinais de terra à vista, confirmando que o plano de navegação até então obedecido merece confiança e deve ser preservado. Seu traçado fundamental repousa na formação de uma frente democrática a mais ampla possível, na forma como agora se delineia na eleição à presidência da Câmara dos Deputados, no que pode ser o esboço da política a ser adotada na próxima sucessão presidencial quando o país enfrentará o que tem sido seu trágico destino.
Tragédia de Sísifo, condenados como temos sido, a refazer nosso caminho para a democracia sempre desconstruído em razão da maldição em que incorremos por evitarmos, na hora da nossa fundação, uma luta nacional de libertação, pela frustração do abolicionismo e pela República sem povo que criamos. Assim, como em tantos movimentos do passado, depois das lutas que nos trouxeram a Carta de 1988 temos aí essa marcha à ré ao AI-5 de que é nostálgico o governo Bolsonaro.
Os sinais de alvíssaras também se fazem presentes agora em janeiro com a posse de Biden no governo dos EEUU, malgrado os renitentes pedantes de sempre relutarem em valorizar o episódio, um golpe fundo no nacionalismo populista que vicejou em nossas bandas americanas. Por igual, de nossos vizinhos emanam bons ares, como os da Argentina, Chile e Bolívia. O céu se desanuvia e mais dia menos dia nos chega a vacinação em massa, e com ela as possibilidades de encontro, inclusive com as ruas de que temos sido obrigados a nos afastar.
Tragédias transcorrem em meio a lutas por sua superação, como exaustivamente procura demonstrar o notável crítico Terry Eagleton em seu longo ensaio sobre o tema “Doce Violência – a ideia do trágico” (UNESP,2013). Prometeu roubou o fogo dos deuses para confiá-lo aos homens, assim lhes propiciando os meios para fugir de uma vida vegetativa e a capacidade de modelar com suas próprias forças o seu destino. É Eagleton quem nos lembra do lema de Lacan “não desista do seu desejo”, com o que nos recomenda arriscar o bom combate contra o falso e o injusto e a recusa a uma vida de qualidade inferior.
No deserto hostil em que ora se vive algumas vozes em tom manso, pontuadas pelas artes da ironia, procuram se fazer ouvir como a do jornalista Fernando Gabeira, vocalizando o desejo recalcado de tantos em favor de uma luta que nos liberte dos grilhões que nos mantém atados ao nosso trágico destino. Para tal empreitada não nos faltam os meios nem instituições, assim como as boas lições que aprendemos com a boa sorte de muitos processos de revolução passiva, que longe do quietismo que se entrega aos fatos, importa num ativismo incessante em busca dos elos mais fracos da corrente que nos aprisiona a fim de afrouxá-los, quando não os romper, no limite com o recurso extremo do impeachment.
Os caminhos das revoluções passivas não são adversos ao pragmatismo em matéria política, muito pelo contrário. Maquiavel é sempre bem lembrado quando se trata de sopesar as circunstâncias, se propícias ou não para que tal ou qual ação seja desencadeada. Mas, como ele sustenta, em linguagem hoje talvez tida como machista, a fortuna é mulher e acolhe melhor as ações audazes do que as tímidas. As tragédias contemporâneas têm no lugar dos heróis clássicos a multidão dos homens comuns, como os das praças da primavera árabe e das ruas americanas das passeatas intermináveis do black lives matter. Essa a razão de fundo para que a luta pela democracia tenha seu ponto forte de partida na luta contra a atual pandemia, a fim de liberar, por meio de amplíssimas alianças, o acesso às nossas ruas e praças.
*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio
Lorena Barberia: 'Bolsonaro e Obrador expõem vidas para dizer que não têm medo'
Coordenadora da rede que monitora dados da covid-19 no Brasil, Lorena Barberia aponta falta de transparência e afirma que Estados baseiam suas ações em informações incompletas
Passados 10 meses do primeiro caso do novo coronavírus no Brasil, o país ainda enfrenta a pandemia no escuro. Sem conseguir fazer testagens em massa que forneçam uma dimensão real do número de doentes em fase de contágio —e não somente as infecções acumuladas, que no país já se aproximam de oito milhões— e com problemas na coleta, organização e divulgação de dados que permitam tomar as medidas necessárias na velocidade do avanço do vírus, Governos de Estados e municípios trabalham com estatísticas incompletas para definir suas ações, não convencem a população da importância de aderir a elas e deixam suas medidas vulneráveis a pressões políticas e econômicas. O diagnóstico é da pesquisadora Lorena Guadalupe Barberia (Cidade do México, 49 anos), coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária, uma coalizão de especialistas que monitoram e avaliam as políticas públicas de combate à covid-19 em todo o Brasil.
A falta de transparência, a existência de bases de dados divergentes e o pouco detalhamento de informações foram obstáculos encontrados logo de início e orientaram o foco de trabalho do grupo, que passou a ser conhecido como caçadores de dados da pandemia. Pesquisadores distribuídos pelos Estados cobram de suas gestões, das capitais e do Governo federal informações sobre questões como número e tipo de testes realizados, fiscalização de medidas de distanciamento e ações para garantir o ensino a distância. Esbarram, novamente, no descaso com as informações. “É uma tragédia. Estamos tentando produzir algo que poderia ajudar esse Estado a enfrentar melhor a pandemia. Então a falta de vontade de compartilhar uma informação mostra que existe um problema mais sério por trás”, afirma.
Professora de ciência política da USP, a mexicana que é filha de argentinos, graduada em economia pela Universidade de Berkeley, na Califórnia, mestra em políticas públicas por Harvard e doutora em administração pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV) compara a gestão do presidente Jair Bolsonaro com exemplos internacionais e analisa que a pandemia escancarou o machismo de governantes como o brasileiro e o mexicano Andrés Manuel López Obrador. “Confundem o enfrentamento da pandemia com uma questão de fragilidade ou fortaleza física e colocam em risco a vida da população para mostrar que não têm medo do vírus”, afirma ela, que além da USP, é pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp), da FGV. A seguir os principais trechos da entrevista.
Pergunta. Como foi a criação da Rede de Pesquisa Solidária e como tem sido o trabalho até agora?
Resposta. A Rede começou primeiramente por uma questão pessoal. Eu tenho um grupo de pesquisa voltado para a avaliação qualitativa de políticas públicas. Quando começou a pandemia, em uma reunião do grupo, uma aluna perguntou: “Professora, estamos em uma pandemia. Não vamos fazer nada?”. E isso me despertou para a questão de que, realmente, na área das ciências sociais e de monitoramento de políticas públicas, a gente poderia dar uma contribuição relevante. Com o professor Glauco Arbix, da sociologia [da USP], e o José Eduardo Krieger [InCor-Faculdade de Medicina da USP], pensamos em como criar uma rede multidisciplinar de especialistas conversando sobre a pandemia.
Ficou visível desde o início que existiam pouquíssimos dados para que a gente soubesse a situação real da pandemia. Então uma das nossas primeiras missões foi pensar em como coletar informações para produzir nossos próprios dados, e, assim, avaliar as políticas públicas, colocar isso mais visível para a sociedade e debater soluções com os gestores. E para isso seria preciso produzir dados na velocidade da pandemia.
P. Seu grupo foi apelidado de caçadores de dados, pelo esforço em driblar a falta de transparência e organização dos Governos. Como fazem essa busca?
R. Para avaliar uma política pública, precisamos buscar decretos, portarias e indicadores transparentes disponibilizados pelos Governos. Parte da Rede é formada por advogados que trabalham muito ativamente protocolando pedidos de informação junto aos Estados via lei de transparência [Lei de Acesso à Informação]. Uma área específica em que isso ocorre é a fiscalização das restrições. Os Governos dizem que fiscalizam as medidas de distanciamento físico, então nós queremos saber quais são os dados por bairro, por tipo de infração, ou seja, ter evidências de que essa fiscalização está sendo realmente feita.
Ficamos com essa fama de caçadores de dados da pandemia porque logo no início vimos que para áreas muito importantes há diferentes bancos de dados e eles não estão integrados. Por exemplo, os casos confirmados de covid-19: hoje a gente tem pelo menos três diferentes bancos de dados oficiais —um para buscar informações sobre casos leves, outro para casos graves e hospitalizações, outro para casos em geral... Se você tenta cruzá-los, não há uma correspondência. Descobrir isso foi muito assustador para nós.
P. E em quais tipos de informação esse problema foi encontrado?
R. Ao longo da pandemia, martelamos na defesa de que os Governos precisam produzir dados transparentes e que esses dados precisam ser públicos. E essa discussão tem sido feita principalmente na área de testagem. A gente deveria saber qual é a taxa de positividade por tipo de teste. É um indicador fundamental, mas se a gente acessar hoje, em dezembro, o site do Ministério da Saúde, não encontraremos dados satisfatórios. Então o que fizemos? Criamos um grupo de trabalho em cada Estado e estamos protocolando via lei de transparência pedidos de informação sobre testagem. A nossa preocupação são os testes de casos ativos, que permitem fazer isolamento e rastreamento de contágios. Para reduzir a transmissão, precisamos saber os resultados dos exames RT-PCR. Os testes sorológicos [que buscam saber se o paciente já possui anticorpos contra o vírus, ou seja, se ele já se infectou no passado] e os PCR [que detectam o material genético do vírus naquele momento, portanto, as infecções ainda ativas] não dizem a mesma informação, precisam estar separados. Mas ainda hoje não existe essa informação sistematizada, abrangente, que permita um monitoramento.
Lugares que foram bem-sucedidos no mundo no controle da pandemia, como a Coreia do Sul, investiram em testagem. E é exatamente nessa área que temos falhado muito. Mesmo hoje, em que falamos de vacina, de uma nova esperança, precisamos nos preocupar em fazer mais testes.
P. Qual é o tamanho dessa equipe envolvida nos pedidos de informação junto aos Estados e como tem sido a resposta dos Governos?
R. À medida que o trabalho foi crescendo, a rede começou a fazer parcerias —a gente trabalha muito com o Observatório Covid-19 BR e com várias redes locais nos Estados. Hoje a Rede de Pesquisa Solidária faz parte de uma outra grande rede, uma rede de redes de pesquisadores engajados em buscar e compartilhar informação sobre a pandemia, com a consciência de que precisamos trabalhar colaborativamente para salvar vidas. Temos um trabalho muito abrangente pelo país graças a essas parcerias. Só na área de testagem são mais de 100 pesquisadores, em todos os Estados, trabalhando com a gente.
Infelizmente, a parte mais difícil do trabalho é que não temos visto interesse dos Governos em dar um retorno com rapidez e transparência. Muitas vezes eles demoram a responder, depois os dados não vêm na forma que a lei exige, aí recorremos, eles mandam de novo e ficamos meses nessa negociação. É uma tragédia, porque nós, pesquisadores, estamos tentando produzir algo que poderia ajudar esse Estado a enfrentar melhor a pandemia. Então essa falta de vontade de compartilhar uma informação mostra que existe um problema mais sério por trás.
O caso do Governo federal é mais grave porque ele poderia ser uma liderança nessa questão de padronizar os dados e disponibilizá-los facilmente, mas o que acontece no Brasil é justamente o oposto. Muitas vezes, o Governo retira dados da plataforma, demora a fornecer informações muito básicas, de forma que estamos muito aquém dos padrões internacionais. E somos um país que já possui um sistema de saúde pública, que tem muita infraestrutura que poderia ter sido alavancada e utilizada na questão da informação.
P. E em quais países essa informação foi disponibilizada de forma melhor?
R. Um lugar em que isso funcionou melhor foi na Argentina. Lá tanto o Governo federal quanto os locais foram muito transparentes desde o início para divulgar os dados da pandemia. Há informações muito específicas, por bairro, por tipo de surto, mapeando grupos vulneráveis. E o que é muito importante é que esses dados estão disponíveis em um arquivo CSV [formato que possibilita a leitura por diversos programas, como o Microsoft Excel], não é uma página na Internet em que você leva uma hora para baixar os dados de que você precisa ou em que se você clica de um gente dá certo, se você clica de outro vai para outro lugar. A Argentina permite que você baixe os dados e já comece a analisá-los. No Brasil, nós temos que passar mais tempo não analisando os dados, mas tentando coletá-los.
Isso tem começado a melhorar em algumas localidades —o Espírito Santo e o Ceará são bons exemplos de transparência dos dados de testagem desde o início do enfrentamento da pandemia. Mas não em São Paulo, que foi o epicentro, o Estado mais rico do país, onde isso poderia ter funcionado melhor logo no início e ainda permanecem grandes lacunas em várias questões.
P. No plano nacional, tivemos ao menos dois grandes apagões de dados sobre a covid-19, um em junho, com uma mudança na plataforma do Ministério da Saúde, e outro em novembro, com a instabilidade do sistema que impediu alguns Estados de atualizarem as suas estatísticas. Quais foram as consequências desses problemas?
R. Hoje tudo o que sabemos da pandemia depende dos dados de notificação de casos e óbitos. Dez meses após o início da pandemia, quando a gente fala que o Brasil registrou 1.000 óbitos em um dia, ainda estamos falando de mortes que foram notificadas agora mas que podem ter ocorrido em qualquer momento ao longo desses meses, enquanto que em outros países conseguimos acompanhar as mortes pela data em que ocorreram. Isso é um problema básico. Com isso, quando temos alguma pane como essa dos Estados e não é possível alimentar algum dado, depois vamos ver um pico [nas estatísticas]. A confusão nos números da pandemia é tão grande que esse dado não tem uma utilidade real para o gestor. Como os Governos podem justificar suas medidas de flexibilização usando esse tipo de dado?
E esse problema leva para outra questão, que são os dados sobre leitos. Um dos principais critérios que os Governos usam em seus planos de reabertura é a taxa de ocupação de leitos de UTI [para pacientes com covid-19]. Porque como não há dados confiáveis sobre testagem e sobre casos e óbitos, dependemos de relatórios hospitalares para saber como está a situação. Mas aí já é tarde. Ter uma UTI lotada significa que houve uma transmissão descontrolada nesse local semanas ou meses antes e que não agimos no momento em que precisávamos ter agido para poupar vidas.
P. No início da pandemia, a senhora chegou a elogiar a iniciativa de Governos locais de, à frente do Governo federal, implantar suas próprias medidas de distanciamento. Qual é a análise que faz dessas medidas agora e dos processos de reabertura?
R. Um dos nossos principais estudos hoje é o mapeamento dos planos de flexibilização de cada Estado. No início falamos: “Os Governos reagiram”. Essa corrida foi de fato importante, mas não quer dizer que não teria sido melhor com um esforço nacional mais coordenado. Por exemplo: se logo no início da pandemia tivéssemos determinado que pessoas que chegassem do exterior em todo o país fizessem quarentena por 14 dias, isso teria sido muito mais inteligente do que fechar todas as escolas no Maranhão. Então os Estados deram uma resposta fragmentada e não necessariamente coerente com a situação na pandemia naquele lugar.
Uma outra questão que chama muito a atenção nos planos de flexibilização é a divisão do Estado em regiões. Da mesma forma que falamos que o vírus não respeita fronteiras, ele também não vê que determinada região de São Paulo é vermelha e outra é laranja. Essa classificação cria uma confusão muito grande. Tem Estado com 12 fases de flexibilização, outros têm três... Passa a impressão de que a pandemia é algo muito gradual, que você pode ir fechando e abrindo [as atividades] aos pouquinhos, e não comunica corretamente qual é o nível de risco. O que a população precisa saber é: a situação é grave ou não? Qual é a conduta adequada? Mas em vez de discutir qual deveria ser a conduta mínima de segurança para os moradores de todo o Estado, ficamos discutindo que em tal lugar pode abrir até as 18h e em outro pode abrir até as 22h... Isso significou muita confusão e prejudicou a adesão às medidas.
Especialistas defendem que uma resposta radical e severa por duas semanas você conseguiria um controle muito mais eficiente do que fazer uma quarentena prolongada, mal fiscalizada e que não prática não está limitando nada.
P. Como avalia o Plano São Paulo, de restrições no Estado?
R. Em São Paulo, além da questão da divisão do Estado, os pesos dos indicadores [usados para nortear a reabertura] foram mudando ao longo da pandemia [em julho, por exemplo, o Governo flexibilizou de 60% para 75% o limite de leitos de UTIs ocupados com pacientes de covid-19 necessário para uma região passar da fase amarela para a verde, mais branda]. As estratégias foram mudando para ceder a pressões políticas. Vimos isso em dezembro: o governador [João Doria, PSDB] tentou proibir a venda de bebidas alcoólicas depois das 20h. A associação de bares e restaurantes contestou e venceu na Justiça. Por que isso aconteceu? Porque os Governos estão em uma saia-justa: têm que decidir entre serem muito rígidos, fechando tudo, ou deixarem tudo aberto e perderem o controle. O meio-termo não existe, porque eles precisam negociar com cada setor. E também não há fiscalização.
P. Ao longo desses 10 meses, passamos pela negação da gravidade da pandemia pelo Governo Bolsonaro, por duas trocas de ministros, pelo apagão de dados do Ministério da Saúde e agora por um impasse na elaboração do plano de vacinação. A senhora ainda se surpreende com a gestão brasileira da pandemia? Qual é o saldo?
R. Já temos amplas evidências para falar que é uma conduta irresponsável e criminosa, porque custa vidas. Mas minha leitura de cientista política é que essa é uma estratégia pensada de não se responsabilizar pela pandemia. Parte do diagnóstico de quem sabe que vai perder se decidir responder e enfrentar a pandemia. Coordenar um enfrentamento traria mais responsabilidade e julgamento sobre as ações do Governo Federal. Então a única chance que Bolsonaro tem de ser competitivo em 2022 é se distanciando do problema e colocando a culpa da crise nos governadores e prefeitos. Por isso ele não conseguiu realmente apoiar prefeitos nessas eleições. Ele não poderia se alinhar.
P. No México, a gestão de López Obrador também tem sido criticada e marcada pelo negacionismo. Como compará-la ao Governo Bolsonaro?
R. São dois casos importantes para discutir o machismo de presidentes na pandemia. Tanto Bolsonaro quanto Obrador fazem questão de mostrar que são machos de verdade, e por isso colocam em risco a vida da população e a deles, se expondo sem máscara, para dizerem que não têm medo do vírus. Confundem a capacidade de enfrentamento da pandemia com uma questão de fragilidade ou fortaleza física, com sua masculinidade. Quando você vê o discurso de mulheres, como a Merkel na Alemanha ou a primeira-ministra da Nova Zelândia [Jacinda Ardern], elas não fazem questão de trazer a pandemia para um nível tão pessoal. Alguns presidentes buscam manter essa imagem de homem forte: Brasil, México, Venezuela [com Nicolás Maduro]. Mas essa postura não foi adotada no Uruguai [governado por Luis Lacalle Pou. Então não é uma questão de como partidos de direita ou Governos populistas reagem, é mais uma questão de característica pessoal.
P. O que esperar da pandemia no Brasil em 2021?
R. Sendo realista, acredito que 2021 vai ter uma cena muito parecida com a que o país enfrentou em 2020, só que com a economia muito mais frágil, uma sociedade muito polarizada e com essas lacunas de infraestrutura no combate da pandemia que a gente não arrumou. Vamos ter uma situação muito complicada, porque a população está imaginando que vai chegar logo uma vacina, mas vacinar o Brasil inteiro vai ser um processo complexo, e a gente ainda vai precisar fazer muito distanciamento físico, ainda vai precisar fazer muita testagem. Estamos entrando em um momento grave, e o que me preocupa é: ou os Governos adotam medidas mais severas, entendendo que precisam atuar agora, ou estaremos no caminho de virar os Estados Unidos ou pior.
Dorrit Harazim: A arte de viver
Parece que viramos a página: ficou escancarado em 2020 que, sem o outro, não somos nem seremos
Individualmente, nunca se saberá quem mais sofreu neste soturno ano de 2020. Coletivamente a resposta é fácil: foi a arte. Mas qual delas? Aquela que independe de qualquer genialidade ou talento específico para existir: a arte de viver. Para quem teve o privilégio de não estar entre as quase 2 milhões de pessoas levadas pela Covid, sobreviveu com medo, aceitou perdas, adequou-se ao vazio e ao silêncio, reinventou-se como pôde no confinamento abrupto. Sempre fomos moldáveis na arte de viver para conseguirmos sobreviver e dar sentido à espécie. 2020 quase nos tirou do prumo através de seu cortejo fúnebre. Mas parece que viramos a página: ficou escancarado que, sem o outro, não somos nem seremos.
Se viver é a maior das artes, a poesia vem logo atrás. Ela tem o poder de libertar as profundezas do possível, de restaurar zonas entumecidas. Ser alcançado por um poema de Armando Freitas Filho na hora certa é um choque transformador, libertador.
Em meio à clausura mundial de 2020, nada mais atual do que a meditação sobre a saga humana feita por John Donne 400 anos atrás. Donne, um dos maiores poetas de língua inglesa de todos os tempos, estava seriamente enfermo quando escreveu em prosa a “Meditação XVII” :
— Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todo homem é parte de um continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntai por quem os sinos dobram; eles dobram por vós.
Donne foi homem de fé. Fé absoluta em Deus e convicto de que a humanidade só avança se compartilhada. O escritor americano Ernest Hemingway foi o oposto: era ateu roxo, ímpio por opção e incréu pelo que vivenciou. O que não o impediu de recorrer a Donne para o preâmbulo e título de uma de suas obras mais famosas, “Por quem os sinos dobram” (1940), romance sobre o fracasso humano na Guerra Civil espanhola.
Outro poeta-monumento, o galês Dylan Thomas, ao ver o pai moribundo e sem amparo da fé, criou um poema de resistência. “Não entres nessa noite acolhedora com doçura/ Pois a velhice deveria arder e delirar ao fim do dia/ Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura...”, dizem os 19 versos que convidam a não nos dobrarmos pacificamente ao inevitável. “Do not go gentle into that good night”, publicado em 1951, tornou-se um tesouro da língua inglesa, uma ode à tenacidade do espírito humano. Vem muito a calhar neste início de 2021.
Difícil saber no que se agarrar. Se o otimismo é uma forma alienada de fé, e pessimismo é uma forma alienada de desespero, como defende um grande humanista dublê de psicólogo, resta a fé racional no espírito humano. Simone de Beauvoir descreveria essa fé como esperança, “contrapeso lúcido e musculoso ao otimismo cego... esperança de que a verdade possa ser usada”.
Tempos atrás, quando a espécie humana ainda procurava se reconciliar com as ruínas da Segunda Guerra, a NPR, sigla da rede de rádio pública dos EUA, convidou 80 famosos e anônimos a sintetizarem seu credo pessoal de como tocar a vida. As narrativas, porém, precisavam caber em 100 palavras, proposta radical para tempos em que o mundo não girava em torno de 140 caracteres. Entre os participantes, uma vendedora de enciclopédias de porta em porta e John Updike, uma ajudante hospitalar e Eleanor Roosevelt. Havia, sobretudo, Thomas Mann, Nobel de Literatura e autor do colossal romance “A montanha mágica”.
Mann começa constatando que, apesar de a vida ser possuída por uma tenacidade assombrosa, nossa presença sempre será condicional. “Somente por este motivo acredito que a vida tem um valor e charme vangloriados em excesso”, escreveu. Sua crença maior, e no que depositava maior valor, era justamente o caráter perecível dessa presença: “A transitoriedade é a própria alma da existência. Ela dá valor, dignidade, interesse à vida. A transitoriedade cria o tempo... E, ao menos potencialmente, o tempo é a dádiva suprema, a mais útil. Sem começo ou fim, nascimento ou morte, também o tempo inexiste”. Sobraria um nada estagnado.
A cada um sua arte de viver. Da recomendada por John Donne há séculos à entoada com urgência por Emicida, hoje vamos de “AmarElo”: “Tenho sangrado demais/ Tenho chorado pra cachorro/ Ano passado eu morri/ Mas esse ano eu não morro”.
Juan Arias: Ninguém tem o direito de matar nossas esperanças
O Brasil grosseiro e violento capaz de zombar das leis e até da educação é minoria. A maioria é um povo que luta só para que seus direitos sejam respeitados
Nas festas de final de ano e na chegada do novo, nas redes sociais de todo o mundo, nos milhões de mensagens trocadas, a palavra mais usada em todas as línguas da Terra foi “esperança”. Foi um clamor mundial.
Esperança de que a pandemia acabe e a vacina chegue para que se possa começar a viver a normalidade e sentir a proximidade e o calor humano do outro. E se essa esperança de um ano melhor é universal, ninguém tem o direito agora de roubá-la de nós.
No Brasil, sobretudo, a esperança tem sido mais ameaçada ainda pelo negativismo e até pela zombaria de seu presidente pela dor alheia. Por suas portas e janelas sempre fechadas ao clamor de sua gente, que viu até seus mortos serem zombados.
Zombaram da dor dos mais necessitados, que sofreram duplamente com a pandemia em que foram os que mais perderam a vida e os que mais sentiram os efeitos econômicos, tão sobrecarregados já estavam de sofrimentos e esquecimento por parte do poder.
O Brasil se desejou, de ponta a ponta de seu vasto território, que neste novo ano a esperança se imponha sobre o crônico abandono de seus cidadãos. É possível que esse clamor pela busca da esperança perdida não tenha sido escutado pelo poder político e econômico surdo e mudo aos anseios mais profundos dos brasileiros, que não renunciaram ao seu direito de viver felizes e respeitados.
Se algo novo pode chegar aos milhões de brasileiros em 2021 é que os poderes favoreçam a convivência amorosa entre os diferentes, a justiça social, para que nenhum brasileiro passe necessidades e que se sinta seguro e defendido em vez de ser deixado à margem. E ainda pior, foram tratados como “covardes” por tentarem se defender da pandemia. Não, os brasileiros não são covardes nem submissos. Podem ainda sofrer de racismo, mas o que o poder fez para combatê-lo? Pode até tê-lo agravado.
Neste duro ano da pandemia que levou forçosamente ao distanciamento, os brasileiros foram exemplares na busca de refúgio na cultura, na arte e até na sátira. Nas redes sociais, milhares de músicos e artistas animaram com suas músicas e escritos em meio à dor da separação. Não, o Brasil grosseiro e violento capaz de zombar das leis e até da educação é minoria. A maioria é um povo que luta só para que seus direitos sejam respeitados.
A maioria é gente com sentimentos nobres e com o desejo de viver em paz. Portanto, se temos algo a desejar neste 2021 é que saibamos lutar para que os poderes que têm sobre nós o direito de vida ou de morte saiam de cena, que vão embora com sua carga de negatividade e desprezo pela vida.
Que todos nós, com as forças ainda sãs da política e da justiça, demos um basta ao poder que se sente dono de nossos sentimentos. Que seja um ano de esperança e também de resistência à barbárie a que um poder sem empatia diante da dor, da morte e da miséria submeteu o país.
Lutemos juntos aqueles de nós que não perderam a esperança de um mundo mais habitável, para que os bárbaros desapareçam e partam sozinhos para desfrutarem suas armas e o seu desprezo pela dor alheia. Que vão embora se deleitar sozinhos com a sua mala de sadismo.
O velho slogan dos revolucionários gritava que “o povo unido jamais será vencido”. Hoje, no Brasil vivemos uma situação de tirania que zomba da felicidade alheia. Por isso, as forças mais sãs do país precisam se sentir unidas contra a barbárie que nos aflige.
O Brasil que nos últimos dias escreveu e pronunciou milhões de vezes a palavra esperança permanece unido nessa utopia com seu amor pela vida contra os coveiros de nossas ilusões.
Hoje vivemos no Brasil uma revolução engendrada por um poder tirano. Que todos aqueles que defendem e reivindicam seus direitos a uma vida mais digna se unam e gritem nas redes e nas ruas e praças que não permitirão que continuem zombando de seu direito à felicidade.
Digam “não” com força e unidos para aqueles que parecem se deleitar com a dor dos outros.
Que os brasileiros com suas riquezas culturais e espirituais não permitam mais que lhes roubem essa palavra mágica de esperança em uma vida mais digna para todos.
O Brasil pode porque em suas veias correm o sangue e as riquezas de tantos povos e de tantas culturas, todas de vida e não de morte.
*Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.
Cristovam Buarque: A irresponsabilidade da divisão
Bolsonaro já provou seu despreparo técnico e psicológico para cuidar do presente
O presidente eleito em 2018 surpreende sempre para pior. Nesta semana, foi o deboche para se referir à tortura sofrida por sua antecessora, a presidente Dilma Rousseff, quando jovem militante contra a ditadura. Só este gesto demonstra sua psicologia política doentia. Mas na mesma semana, disse “estar nem aí” para a demora em aprovar e distribuir a vacina contra o corona vírus, debochando também do sofrimento de milhões e da morte de 200 mil pessoas, que o elegeram para gerenciar nossa saúde.
Bolsonaro já provou seu despreparo técnico e psicológico para cuidar do presente e conduzir ao futuro, mas também provou estar preparado para a politicagem que elege os populistas irresponsáveis. Devido a este preparo cínico, ele pode se reeleger apesar do péssimo desempenho de seu governo em todas setores, até mesmo com a possível volta da inflação, se as forças democráticas não se unirem com uma alternativa e um nome que não sofra maior rejeição que ele.
Com seu despreparo e maldade, Bolsonaro foi eleito sobretudo pelos democratas-progressistas que estiveram no poder por 26 anos. Por nossos erros, especialmente pelo PT, o eleitor queria “outro”, qualquer que fosse. Bolsonaro conseguiu usar uma máscara de “outro”. E por nossa divisão que permitiu colocar no segundo turno um nome que seria melhor presidente do que o eleito, mas que provocava rejeição no eleitor.
O Brasil e seus eleitores não merecem que as lideranças democráticas, de direita ou esquerda, repitam os erros da divisão que leve ao segundo turno um nome com rejeição maior do que o presidente com apesar de sua psicológica política doentia. Bolsonaro contará com um núcleo duro de simpatizantes que o colocarão no segundo turno.
Seria uma traição, que os democratas apresentem tantos nomes, que leve um núcleo duro de simpatizantes colocar no segundo turno um nome contrário ao Bolsonaro, mas que o elegerá na disputa entre os graus de rejeição e não de esperança. Não temos o direito de correr o risco de facilitar sua eleição pela rejeição ao seu concorrente. As lideranças democráticas lúcidas e responsáveis precisam se unir para construir uma alternativa capaz de chegar ao segundo turno e barrar a reeleição de Bolsonaro. Promover uma aliança com base em compromissos para um governo de transição que deixe as diferenças aflorar em 2026. Fizemos isto com Tancredo em 1985. Em 2022, temos a obrigação de repetir aquela unidade. Podemos exigir que o nome escolhido assuma o compromisso de não tentar a reeleição, que seu governo seja uma espécie de frente com compromissos básicos em comum.
Até aqui, a aliança para eleger o novo presidente da Câmara dos Deputados, a unidade na defesa do uso da ciência e a solidariedade à ex-presidente Dilma nos permitem esperança na possibilidade de uma unidade por uma presidência com sanidade mental e valores democráticos.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Ricardo Noblat: Bolsonaro reafirma seu desprezo pela vida dos outros
Não se lhe negue coerência
O desprezo pela vida alheia e o achincalhe à reputação dos seus adversários políticos marcaram o primeiro ato público do presidente Jair Bolsonaro à entrada de 2021.
Cercado por bons nadadores, ele se meteu no mar de Praia Grande, em São Paulo, provocou aglomerações e ouviu satisfeito o coro dos banhistas mandar o governador João Doria tomar no cu.
Que presidente da República do Brasil já fez algo semelhante? Não há registro. Bolsonaro, o boca podre, não só fez como postou nas redes sociais o vídeo com o insulto de baixo calão.
Sabe-se da fixação dele nas partes baixas do corpo humano por onde são expelidos os excrementos. E da sua perseguição ao governador de São Paulo a quem trata como inimigo.
Na véspera do Natal, Bolsonaro assim referiu-se a Doria: “Isso não é coisa de homem. Fecha São Paulo e vai passear em Miami. É coisa de quem tem calcinha apertada. Isso é um crime”.
Repetiu a dose em sua última live de 2020 no Facebook: “Tu não sabe o que é povo. Não sabe o que é sentir o cheiro do povo, nunca sabe o que é cheiro do povo. Eu sei”.
Seria pedir demais ao rudimentar ex-capitão que só se destacou como atleta enquanto serviu ao Exército que tivesse bons modos para não desonrar o cargo de presidente do Brasil?
A farda ele desonrou ao planejar atentados terroristas contra quartéis para reivindicar melhores salários, e por isso foi afastado do Exército e proibido de frequentar ambientes militares.
O derradeiro ato oficial de 2020 assinado por Bolsonaro foi também de desdém pela vida: vetou a blindagem que o Congresso tinha garantido aos gastos com vacinação contra a Covid-19.
A decisão foi publicada na calada da noite do dia 31 em edição extra do Diário Oficial da União. A proteção para gastos com o Ministério da Defesa foi mantida, naturalmente.
O texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovado pelo Congresso impedia que em 2021 detyerminados gastos fossem bloqueados no caso de o governo ter queda de arrecadação.
Ao sancionar o texto, entre os itens que por obra e graça de Bolsonaro acabaram perdendo a proteção, destacam-se:
+ saneamento;
+ prevenção, combate e controle do desmatamento, queimadas e incêndios florestais;
+ educação infantil;
+ combate à pobreza;
+ enfrentamento da violência contra as mulheres;
+ e despesas com ações vinculadas à produção e disponibilização de vacinas contra o coronavírus e a imunização da população brasileira.
O governo alega que impedir o corte desses gastos contribui para a elevação da rigidez do orçamento e para o não cumprimento das regras fiscais.
Ficaram de fora da lista dos vetos dez gastos da área militar – entre eles, a compra de blindados, de aviões de caça e o desenvolvimento de submarino nuclear que somam R$ 5 bilhões.
Prioridades são prioridades. Nem tudo pode ser. O que define um governo e o seu presidente são as prioridades que ele estabelece. A favor de Bolsonaro, pode-se dizer que ele não engana ninguém.
Demétrio Magnoli: As sociedades não podem ser reduzidas a curvas de gráficos epidemiológicos
No Brasil, como em tantos países atravessados por fundas desigualdades e severas restrições fiscais, quarentenas esbarram em limites estreitos
No feriado natalino, 20 cidades amotinaram-se contra a determinação estadual que colocou São Paulo na “fase vermelha”.
Simultaneamente, manifestações de comerciantes em Manaus obrigaram o Governo do Amazonas a cancelar o decreto de fechamento dos setores “não essenciais” e, dias antes, em Búzios (RJ), verificaram-se protestos populares contra a decisão judicial de fechar o município aos turistas.
Milhões tomaram o rumo das praias no Réveillon. As quarentenas vergam, aos poucos, sob o peso conjugado da tensão social e da anomia política.
No começo de tudo, delineou-se uma corrente de epidemiologistas que, hipnotizados por modelos estatísticos, preconizaram estritas quarentenas sem fim, até o extermínio do vírus.
Depois, quando desistiram do sonho impossível, alguns deles clamaram por rígidos lockdowns de um mês, garantindo que o congelamento absoluto interromperia a pandemia, uma profecia desmentida pelas experiências práticas de inúmeros países. Hoje, ainda imunes às lições recentes, mas imitados por hordas de “influenciadores digitais” fantasiados de santos, lamentam terem sido ignorados e retomam o antigo discurso.
O Brasil, segundo país com maior número de óbitos contabilizados pela Covid-19, ocupa o 22º lugar na lista da taxa de óbitos, atrás de países como a Itália, a Espanha, o Reino Unido, a França e a Argentina, que fizeram lockdowns radicais. Todos os países ocidentais nos quais o vírus se espraiou antes de março exibem elevadas taxas de mortalidade.
A exceção notável é a Ásia oriental, um mistério cuja explicação talvez se encontre na relativa imunidade conferida por intensos contatos prévios com outros coronavírus. Nada disso exime de culpa o negacionismo místico do governo federal, mas inscreve na moldura correta o impasse atual.
As sociedades não podem ser reduzidas a pontos e curvas de gráficos epidemiológicos. No Brasil, como em tantos países atravessados por fundas desigualdades e severas restrições fiscais, quarentenas esbarram em limites estreitos.
O comportamento dos jovens, aqui ou na Europa, só pode ser alterado por períodos relativamente curtos. Jornalistas que apontam o dedo acusador para aglomerações de ambulantes, pancadões da periferia ou praias lotadas fugiram das aulas de sociologia.
A pandemia é o teste de fogo das lideranças políticas. Bolsonaro não é Merkel e nem mesmo Trump, que ao menos deflagrou a corrida pela vacina. Nosso governo apostou no vírus —isto é, na polarização política, na guerra contra moinhos de vento, na sabotagem perene das medidas indispensáveis de restrição sanitária. A ironia é que, dez meses depois, Bolsonaro está vencendo —e não só graças aos efeitos mágicos do cheque emergencial.
Os contágios disseminam-se, principalmente no transporte público, na economia informal, nos bares festivos, em farras de bacanas ou bailes dos pobres. Mas as ferramentas restritivas dos governadores miram outro alvo: o comércio e os serviços formais, que já esgotaram suas reservas econômicas e sua capacidade de resistência.
Para surpresa dos que praticam o esporte do trabalho remoto ou recebem salários do Estado, desata-se um conflito que se esparrama pelas ruas e encurrala os prefeitos. Sua implicação epidemiológica é a desmoralização das quarentenas e seu fruto político é a conversão dos setores da população mais afetados em neobolsonaristas. O fim do auxílio emergencial tende a acelerar a dupla crise.
Na Europa, onde a pandemia foi enfrentada por um sólido consenso político, a parede das quarentenas começa a fissurar. No Brasil, que elegeu Bolsonaro, ela desaba em câmera lenta. Inexistem soluções simples para o impasse, mas o ponto de partida é reconhecer sua natureza, que não é epidemiológica.
A vacinação em massa tardará. Os governadores que negam o negacionismo precisam formular novas estratégias.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
El País: Atraso do Brasil em começar vacinação retarda retomada da economia
Especialistas acreditam que PIB do primeiro trimestre do ano pode vir negativo caso a Covid-19 não seja controlada. Fim do auxílio emergencial deve causar salto na taxa de desemprego
Heloísa Mendonça, El País
Enquanto mais de 40 países do mundo já começaram a aplicar vacinas contra a covid-19, o Brasil continua em disputas políticas, sem uma data para o início da imunização e ainda não aprovou o registro de nenhum imunizante. Com mais de 7,5 milhões de casos de coronavírus registrados no país, tendência de alta em vários Estados e quase 200.000 mortes pela doença, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que não “dá bola” nem se sente pressionado pelo avanço da vacinação no mundo. A demora por um plano, no entanto, tem graves consequências. Além de não frear a perda de muitas vidas, o atraso deve dificultar ainda mais a retomada da economia brasileira, que já irá encontrar vários percalços em 2021, como alta do desemprego, da inflação e o agravamento do rombo das contas públicas.
O quadro é claro. Quanto mais o país demorar para aplicar o plano de vacinação nacional, mais tempo estenderá a crise. A atividade econômica deve ter um tombo de quase 5% em 2020. “A vacina é a única forma efetiva de resolver o problema. Só assim você consegue retomar a economia de forma contínua e não fica nesse abre e fecha das atividades, nessa incerteza, como estamos vivendo novamente com o aumento de casos”, explica Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo. Segundo ele, os países que já conseguiram sair na frente na imunização da população serão os primeiros a sentirem os impactos na retomada da economia.
O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, já reconheceu que só a vacinação em massa da população conseguirá garantir um retorno seguro ao trabalho e retomada do crescimento econômico brasileiro.
Apesar do mercado projetar um cenário um pouco mais otimista para o próximo ano, apostando em um crescimento de cerca de 3,5% do Produto Interno Bruto, algumas instituições financeiras não descartam um primeiro trimestre negativo caso a vacinação não comece rápido e os registros da doença continuem em alta. “Vamos torcer para que todos estejam vacinados, porque, em um cenário com 400 mortes diárias pode ocorrer um trimestre negativo. Precisamos que a taxa de mortes caia. Agora [nas primeiras semanas de dezembro], os dados pioraram, e isso aumenta o risco de termos um PIB negativo no primeiro trimestre de 2021”, disse Mario Mesquita, economista-chefe do banco Itaú, em uma apresentação sobre as perspectivas para o próximo ano. Ele aponta ainda que, mesmo que as autoridades não imponham restrições às atividades, o aumento das mortes faz com que as próprias pessoas passem a sair menos de casa para utilizar serviços que impliquem em aglomerações.
Soma-se a esse quadro o fim do auxílio emergencial, benefício criado para minimizar os impactos econômicos da pandemia. Ao menos 40 milhões de pessoas começarão o próximo ano sem esse amparo do Governo em meio a uma pandemia e sem plano de vacinação. O encerramento da ajuda irá diminuir a renda da população mais vulnerável, a injeção de dinheiro na economia e deve provocar um aumento no desemprego no país. Muitas pessoas que perderam seus postos de trabalho não voltaram a procurar outro por conta da pandemia e das regras de quarentena, já que contavam com a transferência de renda.
Dados divulgados nesta terça-feira (29) pelo IBGE mostram que a taxa de desemprego ficou em 14,3% no trimestre encerrado em outubro, uma avanço de 0,5 ponto porcentual em relação ao trimestre encerrado em julho. O Brasil tinha 14,1 milhões de desempregados no trimestre, 931.000 a mais do que no trimestre móvel anterior, encerrado em julho. O aumento da fila do desemprego é um reflexo de um número maior de brasileiros que decidiu sair em busca de uma vaga com a flexibilização das regras de isolamento.
Além de mais pessoas à procura de emprego, houve alta de 2,8% na população ocupada, que chegou a 84,3 milhões de pessoas. “Esse cenário pode estar relacionado a uma recomposição, ao retorno das pessoas que estavam em afastamento. Nesse trimestre percebemos uma redução da população fora da força de trabalho e isso pode ter refletido no aumento de pessoas sendo absorvidas pelo mercado de trabalho e também no crescimento da procura por trabalho”, explica a analista da pesquisa Adriana Beringuy.
Há ainda, no entanto, queda na ocupação e aumento na população fora da força quando a comparação é feita com o mesmo período do ano passado. “Temos uma população ocupada que é menor em quase 10 milhões de pessoas e um aumento de 12 milhões na população fora da força [que inclui pessoas que não estavam trabalhando nem procuravam por emprego]. Então esse pode ser um início de uma recomposição, mas as perdas acumuladas na ocupação durante o ano ainda são muito significativas”, completa.
Para o professor João Saboia, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é inevitável que a fila do desemprego aumente com a extinção do auxílio emergencial, já que o mercado não conseguirá absorver todas as pessoas que voltarão a buscar novos postos. “E mesmo quem conseguir um novo emprego será mal absorvido, informalmente ou com nível de renda muito baixo”, explica. A maior parte do aumento no número de ocupados do último trimestre veio do trabalho informal, segundo o IBGE.
Terceiro trimestre pode ter pico de desemprego
O primeiro trimestre de 2021 deve ser o mais preocupante, na avaliação de Saboia. “Sem auxílio e provavelmente sem vacina praticamente, é difícil pensar como retomar. Também são os meses de verão quando historicamente a economia anda mais devagar. Depois, pode ser que a atividade comece a sair mais do fundo do poço, mas vai ser tudo muito lento”, analisa.
De acordo com a corretora XP, a grande fonte de incerteza relacionada ao desemprego ainda é quanto à transição do fim da ajuda às famílias e empresas em 2021 com os desafios da economia brasileira, como a agenda de reformas que podem trazer confiança, principalmente, ao setor de serviços em recontratação. A corretora estima que a taxa de desemprego alcançará sua maior taxa no primeiro trimestre de 2021, chegando a quase 16%.
Inflação pressionada por alimentos e luz
Outro vento em contra no início de 2021 é a inflação. A pandemia pressionou os preços, principalmente dos alimentos e pode ter reflexos ainda no início do próximo ano. Nos últimos meses do ano, a inflação acelerou e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15), uma prévia da inflação oficial, fechou em 4,23%, acima da meta de 4%. A pressão também foi causada pela decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de cobrar bandeira vermelha, aumentando o valor da conta de luz dos consumidores no último mês do ano. Segundo analistas, o preço dos alimentos deve começar arrefecer no primeiro trimestre. Para 2021, a meta fixada pelo Banco Central é de 3,75%, e o mercado financeiro estima algo em torno de 3,34%, também segundo o Focus. No próximo ano a tendência é de um “espalhamento” da inflação.
A pandemia também piorou a saúde das contas públicas do Brasil que já estão há anos no vermelho. O rombo fiscal acumulado entre janeiro e novembro deste ano foi de 699,1 bilhão de reais, o pior desempenho da série histórica iniciada em 1997. Em relação ao mesmo período de 2019, houve um recuo de 9,7% nas receitas e avanço de 39,3% nas despesas. A meta fiscal para este ano admitia um déficit de até 124 bilhões nas contas do governo central, mas a aprovação, pelo Congresso, do decreto de calamidade pública para o enfrentamento da pandemia autorizou o Governo a descumprir o valor em 2020.
Em nota nesta terça-feira, o ministério da Economia afirmou que há três desafios para o próximo ano: o emprego, o crédito e a consolidação fiscal. A pasta projeta um crescimento de 3,2% do PIB em 2021 e afirmou que “com a vacinação ganhando força no mundo, o cenário internacional, será propício” para o Brasil, já que a taxa de juros internacional está baixa e deve manter esse patamar, “o que nos favorece para manter os juros baixos internos” e por estimular “capitais internacionais que busquem oportunidades de retorno”.
Enquanto o ministério da Economia aposta no avanço da vacinação no mundo, Bolsonaro, que já afirmou que não tomará vacina contra covid-19, chegou a dizer que se alguém “virar um jacaré” por tomar o imunizante, não poderia tomar qualquer medida contra os fabricantes. O presidente também afirmou que são os laboratórios que precisam correr atrás de registros de vacinas para vender ao Brasil.
O país se encontra no meio de uma batalha política entre Bolsonaro e o governador de São Paulo João Dória na corrida por uma vacina. O país inicialmente centrou esforços na vacina da AstraZeneca, a chamada “vacina de Oxford”. O Governo Federal assinou um acordo para a realização dos testes da fase três do imunizante e de transferência de tecnologia, com a promessa de produção de milhões de doses pela Fiocruz. Nesta segunda, a Fiocruz afirmou que se encontra no processo de submissão contínua e que deverá enviar os últimos dados à Anvisa até 15 de janeiro. São Paulo, no entanto, diz que começará sua imunização no dia 25 de janeiro com a vacina do laboratório chinês Sinovac, que assinou um acordo de cooperação com o Instituto Butantan. Porém, o Governo paulista adiou a divulgação de seus dados de eficácia da vacina três vezes, enquanto a Sinovac tenta combinar dados de teste globais que incluem Indonésia, Turquia e Chile. Por enquanto o que ronda o país é uma nuvem de incertezas e nenhuma data concreta de vacinação.
Marc Bassets: Futuro, ano zero
Depois de meses fora de órbita, em 2021 é hora de pôr os pés no chão. Empreenderemos a recuperação da crise sanitária e econômica? Lutaremos seriamente contra a mudança climática? Especialistas fazem suas apostas
Pode ser uma aterrissagem suave ou forçada. Depois de um 2020 de morte, doença, confinamento e recessão em que o mundo flutuou em uma estranha irrealidade, o ano de 2021 começa entre a promessa de vacinas que acabem com tudo isso e a angústia por novas ondas que nos devolvam à linha de largada. A humanidade está fora de órbita há um ano e se aproxima o momento de pôr os pés no chão.
“As coisas não voltarão a ser como antes. Começamos a ter consciência de que foi a civilização que criou e espalhou o vírus: os aviões e os carros, as concentrações multitudinárias e os estádios de futebol”, diz o neuropsiquiatra Boris Cyrulnik, uma das 10 pessoas consultadas ― todas especialistas em áreas que vão da história ao pensamento, da economia à geopolítica ― para preparar este artigo. “Se restabelecermos as mesmas condições de consumo e de transporte, em dois ou três anos haverá outro vírus e será preciso recomeçar.”
Nada está escrito. O ano de 2021 pode ser o momento de decisões ― sobre a organização das relações internacionais, sobre a economia, sobre o meio ambiente, sobre os valores democráticos ― que marquem as próximas décadas. Um ano zero.
“A história sempre está radicalmente aberta. Sempre pode ir por um lado ou por outro. A crença de que haverá um progresso simplesmente porque queremos que o bem vença é um erro”, diz a historiadora Anne Applebaum, autora de Twilight of Democracy (“Crepúsculo da democracia”), ensaio que narra em primeira pessoa o conflito no mundo ocidental entre liberais e autoritários. “Também é um erro acreditar que, inevitavelmente, fracassaremos. Não sou declinista, mas também não acho que tudo sairá bem sem fazer nada para conseguir isso.”
O historiador marxista Eric Hobsbawm falava de um século XX curto, entre 1914, ano do início da Primeira Guerra Mundial, e 1991, ano do fim da Guerra Fria, com o desaparecimento da URSS. E se também houvesse um século XXI curto? E se sua data inaugural não tivessem sido os atentados de 11 de setembro de 2001, ou a quebra do banco Lehman Brothers em setembro de 2008, e sim o surgimento do vírus SARS-CoV-2 na cidade chinesa de Wuhan no final de 2019? Ou, melhor, a esperada derrota do vírus em 2021 ou 2022, do mesmo modo que 1991 marcou a vitória do campo ocidental contra o bloco soviético?
“O momento em que se proclama que uma pandemia terminou é arbitrário”, avisa Laura Spinney, autora de Pale Rider: The Spanish Flu of 1918 and How it Changed the World (”cavaleiro pálido: a gripe espanhola de 1918 e como ela mudou o mundo), livro de referência sobre a mal denominada gripe espanhola, que matou entre 50 e 100 milhões de pessoas entre 1918 e 1920. “Suponho que isso ocorrerá quando os Governos, de maneira escalonada pelo mundo, levantarem as restrições, quando as pessoas tiverem um certificado atestando que estão vacinadas e sentirem confiança para retomar sua vida anterior.”
Spinney assinala que a diferença entre a pandemia de agora e a gripe de 1918 é a existência de uma vacina. “Até alguns dias atrás, enfrentávamos a pandemia da mesma forma que isso foi feito ao longo da história, com as velhas técnicas de distanciamento social: afastar-nos uns dos outros, fechar espaços públicos, impedir encontros em massa, usar máscaras. Lutávamos com armas antigas e agora lutamos com a arma mais moderna possível.”
A dúvida é o que ocorrerá depois da vitória, se esta chegar. “Imaginemos que no verão [boreal, inverno no Hemisfério Sul] as vacinas permitam acabar com o distanciamento social. Passaremos uma boa parte do resto do ano nos acostumando a viver no novo mundo, que não será igual ao antigo”, diz George Friedman, presidente da Geopolitical Futures, empresa especializada em previsões geopolíticas. “A questão é superar com sucesso a transição de uma realidade, uma economia e uma sociedade baseadas na covid-19 para algo mais estável”.
Friedman, que vive no Texas, acredita que a situação atual é insustentável, e não só por razões econômicas. Cita como exemplo seu neto de quatro anos e a possibilidade de que, se as vacinas não funcionarem, ele não vá à escola em um futuro próximo. “Você vai à escola para quê? Para aprender? Não. Para brigar. Para discutir. Para se entender com outras crianças”, diz. O perigo é que a excepcionalidade de 2020 acabe se prolongando, algo que ele descarta. “Teríamos uma geração deformada. Isto não é a realidade”, diz. É preciso aterrissar, e quanto antes, melhor.
O filósofo Bruno Latour, autor de um ensaio titulado precisamente Où Atterrir? (“Onde aterrissar?”), argumenta, ao contrário de Friedman, que a pandemia significou um banho de realidade, uma tomada de consciência sobre nossos limites e nossa dependência da natureza, do clima até os micróbios. “Vivemos uma mudança cosmológica ou cosmográfica que tem a mesma importância que as grandes mudanças do século XVI. Naquela época foi descoberto o infinito do mundo. Agora passamos de um mundo que acreditávamos ser global e universal para um mundo relocalizado, no qual é preciso prestar atenção a cada gesto, a cada sopro que damos”, afirma. Ao pensar no que 2021 nos reserva, Latour fala da mudança climática ― a “mutação ecológica”, diz ―, “tão próxima que sabemos que passaremos de uma crise a outra, de um confinamento a outro”. Com a diferença de que o futuro confinamento não será em casa, mas em uma terra convulsionada.
“Espero que 2021 seja o ano da volta à normalidade, mas a uma normalidade com consciência coletiva renovada, que permita avançar em matéria ambiental”, diz a economista Mar Reguant, professora da Northwestern University em Illinois e codiretora do grupo de trabalho sobre a mudança climática na comissão de especialistas encarregada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, de preparar a economia para o pós-covid-19. “Na frente pessimista, será um ano de novos desastres ecológicos e humanos nos quais a mudança climática ficará evidente com mais força”, prevê Reguant. Mas ela também deseja que o fundo de recuperação europeu, aprovado em julho, “dedique-se a transformar um modelo econômico e energético obsoleto”; que o futuro presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, cumpra suas promessas de combate à mudança climática, e que as empresas petrolíferas “entendam que não terão lugar em um futuro próximo se não se reinventarem”.
Outra crise potencial é a da desigualdade. Durante 2020, os trabalhadores com menor renda empobreceram, devido aos fechamentos forçados pelos confinamentos em setores como os de restaurantes e turismo e à redução dos salários. As pessoas com maior renda, por sua vez, gastaram menos e economizaram mais. “Há uma lacuna que já existe e não vai desaparecer quando a vacina chegar e as restrições forem levantadas”, diz o economista Marc Morgan, membro do Laboratório Mundial da Desigualdade, do qual Thomas Piketty é um dos diretores. “O papel dos gastos governamentais será muito importante para voltar a criar empregos depois da chegada da vacina.”
“O que considero absolutamente urgente é que, com a crise do coronavírus ― mas não só, também com a crise climática e a crise alimentar, que sempre é esquecida, e a grande instabilidade econômica ―, sejam modificadas nossas instituições internacionais e nossas atitudes, e segurança global seja colocada à frente de nossas preocupações”, enfatiza Bertrand Badie, professor emérito do Instituto de Ciências Políticas em Paris. “A segurança global é a que afeta toda a humanidade e não só uma nação ou outra. É isso que faz com que o vírus seja mais ameaçador do que os tanques russos para a Europa.”
Badie, no entanto, acrescenta: “O que pode ocorrer é justamente o contrário: que a crise, em vez de levar a um fortalecimento da governança global, favoreça uma tensão neonacionalista no mundo todo. A eleição de novembro nos Estados Unidos mostrou uma incrível resistência do nacionalismo. O fato de 74 milhões de pessoas terem votado em Donald Trump é a prova de que o neonacionalismo já é um componente fundamental dos comportamentos políticos no mundo atual”.
“Em alguns lugares, a pandemia fortaleceu os autoritários”, assinala Anne Applebaum. “Quando as pessoas sentem medo, estão dispostas a aceitar coisas às quais, em tempos normais, fariam objeções. Não estou falando da coisa superficial dos confinamentos: todo mundo entende para que servem”, acrescenta. “Ao mesmo tempo, a pandemia foi uma prova do valor da ciência e da cooperação internacional. Finalmente sairemos desta, graças às vacinas. E de onde vêm as vacinas? São criadas por consórcios internacionais, pela cooperação germano-americana, por fábricas na Bélgica que exportam para toda a Europa. Todas as soluções para o problema envolvem cooperação internacional, cooperação científica e cooperação comercial. Deveria ser uma lição para os nacionalistas.”
Um risco em relação às vacinas são as teorias da conspiração que proliferaram durante a pandemia e atribuem aos imunizantes todos os tipos de males. Não é incomum que uma pandemia ― na qual o medo do desconhecido se soma à falta de harmonia de governantes que adotam medidas confusas e contraditórias ― seja um terreno fértil para teorias absurdas, algumas com fedor antissemita, que veem um complô para a instalação de um Governo mundial.
“A retórica antivacinas ganhou muita força. Como a palavra oficial ― da imprensa, da política, do mundo médico ― está desacreditada, muitas pessoas não vão querer ser vacinadas”, diz a historiadora Marie Peltier, autora de Obsession: Dans les Coulisses du Récit Complotiste (“obsessão: nos bastidores da narrativa conspiracionista”). “O conspiracionismo e seu impacto na realidade foram subestimados. Para acabar com uma pandemia, é necessária uma vacinação em massa. O problema não será só político, mas também sanitário.”
Sem as vacinas, não será possível reduzir o distanciamento físico nem retomar completamente as atividades. Em seu livro Les Capitalismes à l’Épreuve de la Pandémie (“os capitalismos postos à prova pela pandemia”), o veterano economista Robert Boyer alerta que quanto mais as medidas profiláticas forem prolongadas, mais difícil será restaurar a economia: “Apesar das ajudas em massa, as falências reduzirão a capacidade de produção e de emprego, empobrecerão os mais desfavorecidos, e os jovens dificilmente se integrarão à vida ativa, correm o risco de se ver penalizados de forma duradoura, sem esquecer que a queda dos investimentos hipoteca o crescimento futuro”.
“A tarefa prioritária dos Governos é restaurar até dezembro 2021 a confiança de ficar frente a frente”, diz Boyer por telefone. “A segurança sanitária é uma precondição para o reinício do crescimento. E isso ocorrerá depois de acontecimentos que podem ser dramáticos: mortalidade, incerteza, protestos pela liberdade”, acrescenta. “Uma terceira onda teria efeitos devastadores para a credibilidade dos governantes.”
Não sabemos o que encontraremos no desembarque. Em um dos cenários possíveis, deixaremos lentamente para trás a pandemia, que já matou mais de 1,7 milhão de pessoas e infectou 78 milhões. A economia voltará a andar depois da pior recessão em décadas. As democracias, depois que muitas delas administraram pessimamente a covid-19, resistirão aos ataques das forças autoritárias. Depois de recuar para as fronteiras nacionais quando o vírus ameaçou com mais força, as grandes potências e os grandes blocos econômicos buscarão novas formas de cooperação ― uma globalização com rosto humano ― e, escaldados pelo impacto que um fenômeno natural pode ter no planeta, redobrarão as medidas contra a mudança climática. A derrota de Trump nas eleições americanas de novembro anuncia o início do fim do nacionalismo populista, de sua retórica incendiária e suas teorias da conspiração.
É um cenário possível, mas não o único. No caso oposto, as campanhas de vacinação serão tão caóticas como foram a distribuição de máscaras no início da pandemia e, depois, a organização dos sistemas de rastreamento e teste. Quando os Governos suspenderem as ajudas milionárias para os trabalhadores e os setores mais afetados pela crise, as empresas quebrarão, o desemprego aumentará e as desigualdades dispararão. A volta das fronteiras para frear a expansão do vírus se tornará permanente. Os demagogos saberão aproveitar o descontentamento e darão as respostas que as democracias, transformadas em símbolo de mau governo e polarização, não terão conseguido oferecer. A resposta da China à pandemia estabelecerá as tecnocracias ditatoriais como modelo de eficácia.
Aterrissagem forçada? Ou suave? O ano de 2021 dificilmente reproduzirá ao pé da letra um dos dois cenários mencionados; é mais provável que se mova em uma zona cinzenta na qual nenhuma das duas tendências prevaleça.
Boris Cyrulnik, filho de judeus assassinados nos campos de extermínio nazistas, estuda há décadas o conceito de resiliência, a capacidade de superar a adversidade. É possível, diz ele, que a saída da pandemia signifique uma volta ao business as usual, como se nada tivesse mudado. Ou que nas ruínas da devastação sanitária e econômica surja um salvador, um ditador que agite os ressentimentos. Isso ocorreu em outras épocas de medo e caos. Mas há outra saída, diz o neuropsiquiatra e autor, entre outros, de La Nuit, j’Écrirai des Soleils (“à noite, escreverei sóis”).
“O sprint, a corrida constante, provoca estresse”, diz Cyrulnik. “É preciso redescobrir o prazer da lentidão, porque a lentidão protege, oferece o prazer de viver em paz.”