Nas entrelinhas
Luiz Carlos Azedo: Emenda das corporações
O texto do relator Arthur Maia (PPS-BA) estabelece a exigência de idade mínima igual à do trabalhador da iniciativa privada: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens
O adiamento da votação da reforma da Previdência demonstrou a força das corporações dentro do Congresso, cujo lobby atuou no corpo a corpo com os deputados e por meio de campanhas em rádio e tevê. Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), passou recibo de que estão sendo negociadas com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, novas mudanças no texto. A principal é uma regra de transição para os servidores públicos que ingressaram na carreira até 2003. Hoje, esses servidores têm direito à integralidade e paridade, ou seja, conseguem se aposentar com o valor do último salário e têm reajuste igual ao servidor da ativa.
O texto do relator Arthur Maia (PPS-BA) estabelece a exigência de idade mínima igual à do trabalhador da iniciativa privada: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, para ter direito aos dois benefícios, o que gerou forte reação dos servidores. Meirelles resiste às novas mudanças, mas admite os estudos: “São ideias que estão sendo veiculadas, mas, na realidade, a proposta que está na mesa é a proposta do substitutivo que não contempla esta modificação. Com isso, teremos tempo para discutir isso com calma.”
O problema do governo é que o lobby da alta burocracia que se aposenta com salário integral é muito poderoso. Ele atua em todos os poderes, em todos os níveis, e tem entidades sindicais e associações profissionais que não sofrem os efeitos da crise, porque esses servidores têm estabilidade no emprego. Magistrados, delegados federais, promotores, auditores fiscais e gestores lideram as pressões. Esse lobby é muito mais eficaz e refinado, por exemplo, do que o dos trabalhadores do setor privado. É capaz de produzir análises e estudos sobre a questão da Previdência que mostram o “outro lado” da questão.
Um dos argumentos é de que o governo se aproveita de uma situação conjuntural, a recessão, para inflar dados e alarmar a população. Os dispêndios totais da Previdência com benefícios, equivalentes a 6,9% do PIB em 2006, viriam revelando uma tendência de queda relativa desde então, só revertida em 2015, diante do recuo de 3,8% no PIB, quando os gastos passaram de 6,9% para 7,4% do montante global da produção final de bens e serviços na economia do país. Como o governo diz que pretende estabilizar os gastos da Previdência em 8% do PIB nas próximas décadas, argumentam que a meta já foi ultrapassada.
Na guerra de narrativas, o governo ainda está perdendo, mas o discurso de que o sistema de Previdência tira do pobre e dá para o rico está ganhando terreno. Nas contas do governo, o apoio da população à reforma subiu para 37%. Mais de 50% da população, porém, ainda rejeitaria as mudanças. O efeito colateral da campanha feita pelo governo nos meios de comunicação é a coesão dos servidores públicos federais, que pressionam deputados e senadores. Uma canetada, às vezes, pode inviabilizar um projeto ou deixar um político em apuros.
Na pauta
Ao jogar a votação da matéria para o próximo ano, quando os parlamentares disputarão eleições, a aprovação da reforma será ainda mais difícil. Ela não será votada na próxima semana porque o governo não tem mais do que 240 votos na Câmara para aprová-la. No Senado, a situação também estava complicada. Não foi à toa que o líder do governo na Casa, senador Romero Jucá (PMDB-RR), pulou na frente e anunciou que não haveria votação.
A grande dúvida é saber se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vai mesmo pôr em votação em 19 de fevereiro. Ele anunciou essa intenção para não sepultar de vez a reforma da Previdência. E desfazer a impressão de que o governo havia capitulado. Ter uma data para votação foi a maneira de evitar uma debandada dos deputados que estavam comprometidos com a reforma e neutralizar o desgaste dos partidos que fecharam questão a favor de aprovação, a pedido de Temer, estressando suas bancadas, mas viram o governo recuar sem avisar aos aliados.
Uma das dificuldades do governo é a posição do PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificou de manobra a tentativa do governo de responsabilizar o partido pela não votação. Argumenta que a legenda tem apenas 46 deputados de 513. O líder tucano classificou de fictício o fechamento de questão pela Executiva da legenda: “Não existe punição possível para esses casos no estatuto de nenhum partido. Se punir, o sujeito vai à Justiça e ganha. Isso é briga fictícia, fazer de conta que fechou questão e está resolvido. Eu sou favorável à reforma para retirar privilégios. Mas não é fácil aprovar.”
Luiz Carlos Azedo: Tudo certo, nada resolvido
Os gastos com a Previdência deverão crescer R$ 36 bilhões de 2017 para 2018. Os gastos em educação, saúde, ciência, cultura e segurança pública serão reduzidos para cobrir o rombo
Está tudo combinado para que a base aprove a reforma da Previdência, mas ainda não há segurança de que os deputados vão acompanhar suas lideranças na votação. Não é uma questão de barganha dos partidos da base para ocupar mais espaços na Esplanada, é rebeldia mesmo. Até nas legendas que fecharam questão, o que supostamente daria um “discurso” para os parlamentares em dificuldades com suas bases eleitorais votarem a favor da reforma, a resistência ainda é grande.
Há três tipos de resistências à reforma da Previdência: uma é ideológica, na base do “há governo, sou contra”; outra é corporativa, resultado da pressão das associações e sindicatos de servidores sobre seus representantes no parlamento; a terceira, é puramente fisiológica, de deputados que querem receber verbas e fazer nomeações no governo para votar a favor”. A única chance de aprovar a reforma, que depende de 308 votos a favor em plenário, é o governo aceitar a chantagem do baixo clero e fazer novas concessões em termos de cargos e verbas.
O Palácio do Planalto trabalha para votar a reforma da Previdência nos próximos dias 18 e 19, mas ontem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), evitou dizer que colocará a matéria em votação. Segundo disse ao presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, Maia pretende fazer um balanço da situação ainda hoje. “Não é fácil votar na próxima semana. Se não conseguirmos votar neste ano, esse tema não sai da pauta em hipótese nenhuma”, avalia.
A avaliação de Temer é de que a hora de votar a reforma da Previdência é agora. O presidente da República conseguiu pautar a discussão na sociedade com uma forte propaganda oficial, mas também há uma reação contrária dos servidores públicos. Na opinião pública, a situação já foi muito pior para o governo, que agora consolidou o discurso de que os pobres pagam as aposentadorias dos ricos e que a reforma só vai acabar com os privilégios. Não é bem assim. Alguns direitos dos trabalhadores do setor privado serão perdidos (idade e tempo de contribuição), mas tudo pode ser ainda muito pior se a reforma não for feita.
Bomba relógio
O problema não é ideológico, é atuarial: a conta não fecha. É uma questão de aritmética. A taxa de crescimento da população brasileira é declinante: 0,7% ao ano. A população de aposentados aumenta a uma taxa, crescente, cinco vezes maior. Como financiar a Previdência se o número de jovens decresce e o de idosos aumenta, com base numa formula na qual a pirâmide era inversa?
O deficit do Regime Geral da Previdência, que atende quase 30 milhões de brasileiros, é hoje de R$ 178 bilhões, ou seja, cerca de R$ 6 mil por aposentado. Já o do Regime dos Servidores Públicos, com 1 milhão de pessoas, é 13 vezes maior, ou seja, R$ 78 mil por cabeça. A reforma que o governo propõe foi muito mitigada para reduzir problemas (por exemplo, os militares estão de fora). Com isso, 65% dos segurados não serão atingidos pela mudança. O problema é que os 35% restante são capazes de fazer muito mais barulho e têm poder na máquina do Estado.
Pode-se discutir a culpa por essa situação, criticar o governo por não reduzir o número de ministérios, botar a boca no mundo por causa do fisiologismo e do toma lá dá cá ao qual o governo recorre para tentar aprovar a reforma, mas nada disso desarma a bomba relógio. Os gastos com a Previdência deverão crescer R$ 36 bilhões de 2017 para 2018. Os gastos em educação, saúde, ciência, cultura e segurança pública serão reduzidos para cobrir esse rombo. É assim que a banda toca.
O risco que o governo corre de pautar a reforma da Previdência é não conseguir a aprovação; nesse caso, sepultará de vez a proposta na atual legislatura e o tema somente voltará à pauta depois das eleições de 2018. Nova discussão será inexorável. É por isso que o presidente da Câmara não vai para o tudo ou nada. “Não vou pautar uma matéria dessas se não tiver clareza de que temos mais de 308 votos. Não é bom para o parlamento e muito menos para o Brasil termos um resultado ruim. Até porque, se expectativa for de derrota, o resultado ainda será pior do que o projetado na votação”, disse Maia. No Palácio do Planalto, porém, a avaliação é menos cautelosa. Acredita-se que marcar a votação da matéria facilitará a mobilização da base, sob pressão dos ministros e líderes dos partidos aliados.
Luiz Carlos Azedo: A anistia das urnas
Apesar da Lava-Jato, a candidatura de Lula tornou-se quase irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa de 2018 no tapetão
Quem quiser ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fora do poder a partir de 2018 que trate de pisar no barro e deixar de lado os tapetes felpudos, porque a senha de que dificilmente o petista estará impedido de disputar as eleições por causa da Operação Lava-Jato foi dada ontem pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que ainda é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse cenário cada dia que passa fica mais improvável, ainda mais com Lula na frente dos adversários em todas as pesquisas.
Ontem, Gilmar Mendes voltou à carga contra decisões judiciais que determinam a prisão preventiva — aquela aplicada antes de qualquer condenação judicial —, sobretudo nos processos da Operação Lava-Jato, e relativizou a jurisprudência sobre a prisão após condenação em segunda instância, ameaça que paira sobre a candidatura de Lula à Presidência nas próximas eleições. O ministro fez palestra num seminário sobre ativismo judicial na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do qual participaram magistrados, procuradores, advogados e estudiosos do direito.
Mendes voltou a criticar os juízes federais de primeira instância e os procuradores da República, numa referência indireta à força tarefa da Lava-Jato em Curitiba: “A prisão em segundo grau, em muitos casos, especialmente no contexto da Lava-Jato, se tornou algo até dispensável. Porque passou a ocorrer a prisão provisória de forma eterna, talvez até com o objetivo de obter a delação. Sentença de primeiro grau, o sujeito continuava preso, confirmava-se a provisória, e com certeza no segundo grau ele começa a execução”, disparou.
A possibilidade de condenados começarem a cumprir penas após a condenação em segunda instância (por um Tribunal de Justiça estadual ou Tribunal Regional Federal) foi fixada pelo STF em fevereiro do ano passado com voto favorável, à época, de Gilmar Mendes. Mas, agora, o ministro pensa de forma diferente e diz que as prisões não são obrigatórias, ou seja, podem ser revistas pelo STF. Há duas ações em pauta no Supremo sobre o assunto.
Naquela ocasião, votaram contra a prisão em segunda instância os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Hoje, estariam a favor de rever aquela decisão os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, o que inverteria o placar da votação. Na ocasião, além de Gilmar, que agora mudou de posição, foram a favor da prisão em segunda instância os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O sexto voto foi do falecido ministro Teori Zavascki.
A Ordem de Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN), que deverá ser a legenda de Jair Bolsonaro, lutam para retomar o rito pleno do “transitado em julgado” no chamado “devido processo legal” (isto é, só se admitir a prisão após esgotados todos os recursos possíveis nas quatro instâncias existentes), que muitos consideram responsável pela impunidade dos crimes de colarinho branco.
Ministro do STF mais articulado com os demais poderes, Gilmar Mendes ocupa uma espécie de “vácuo” nas relações institucionais deixado pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, com o Congresso e com o presidente Michel Temer. E vem fazendo uma cruzada contra o que chama de “empoderamento” exagerado dos juízes federais e dos procuradores da República, em detrimento até das cortes superiores. Supostamente juízes e procuradores da Lava-Jato quereriam aniquilar a elite política do país.
Expectativa
Para muitos analistas, a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa eleitoral no tapetão. Essa interpretação, observados os rigores da lei, não faz o menor sentido. Mas, se olharmos para o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (STF), em março deste ano, veremos que é provável.
No caso da chapa PT-PMDB, a “abundância de provas” de abuso do poder econômico não serviu para condenação. Prevaleceu o critério político, de não causar mais turbulência institucional, o que seria inevitável com a cassação de Temer da Presidência e a convocação de eleições indiretas para escolha de um presidente com mandato tampão. Naquela ocasião, os ministros do STF Luiz Fux e Rosa Weber foram pela cassação da chapa, apoiando o relatório do ministro do STJ Herman Benjamin. Mas foram derrotados pelo presidente do TSE, Gilmar Mendes, que acompanhou o voto do ministro Napoleão Maia, que contestou o relator, com apoio dos ministros Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira.
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Luiz Carlos Azedo: Ponto de inflexão
Temer sabe que a votação da reforma da Previdência será um momento decisivo da trajetória do governo, que entrará em declínio antecipado se a mesma não for aprovada
Digamos que foi um bom acordo de cavalheiros o resultado da brevíssima conversa de ontem, em Limeira (SP), entre o presidente Michel Temer e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que deve assumir o comando nacional do PMDB no próximo fim de semana. “Será uma coisa cortês e elegante, como é do meu estilo e do estilo do governador”, como bem explicou Temer o desembarque do PSDB do governo federal sob comando de Alckmin, que é pré-candidato à sucessão presidencial. Ambos se encontraram para a entrega de moradias do programa Minha Casa, Minha Vida no interior de São Paulo, mas não avançaram em negociações sobre o futuro.
Aparentemente, há convergência entre ambos quanto a mais crucial das reformas propostas pelo governo Temer, a da Previdência. “Vamos fazer o possível e o impossível para poder aprovar. Teremos reunião com os presidentes da Câmara e do Senado, que estão entusiasmados. Entusiasmados em nome do Brasil”, exagerou Temer, ao falar sobre o assunto. O planejamento do governo prevê uma maratona de conversas ao longo da semana com lideranças dos partidos que integram a base de apoio de Temer no Congresso Nacional.
Alckmin ainda não fala em nome do PSDB, mas não esconde seu apoio à reforma. Na sexta-feira, em entrevista à Mariana Godoy, fora explícito: “Eu sempre defendi um regime geral de Previdência Social. Não tem sentido você ter um regime de Previdência para quem é funcionário público e outro regime de Previdência para quem é funcionário da indústria, da agricultura, dos serviços, do comércio, nós sempre defendemos um regime geral de Previdência.” Do ponto de vista objetivo, aprovar a reforma da Previdência agora será melhor para quem vier a ser eleito presidente da República em 2018.
Temer sabe que a votação da reforma da Previdência será um momento decisivo da trajetória do governo, que entrará em declínio antecipado se a mesma não for aprovada, em razão dos desgastes já conhecidos e do desembarque do PSDB. Esse é o cardápio político do almoço deste domingo com os ministros e aliados e do jantar na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). No primeiro encontro, fará uma avaliação real da situação e iniciará consultas sobre a nova configuração do governo sem a presença do PSDB na Esplanada; no segundo, o assunto principal e a viabilidade ou não de alinhar a base com a aprovação da reforma.
A economia já mandou recados de que o otimismo ufanista dos governistas sobre a retomada forte do crescimento não se sustentará sem a reforma da Previdência: a Bovespa caiu, a previsão de crescimento do PIB deste ano continua abaixo de 1%. E a Lava-Jato permanece fustigando aliados próximos de Temer, que se livrou de duas denúncias do ex-procurador Rodrigo Janot para continuar no comando do barco, mas não tem condições de recolher os seus náufragos, como os ex-ministros Henrique Alves e Geddel Vieira Lima. Ou seja, a crise ética continua sendo a variável predominante na avaliação popular sobre o governo; a economia não terá a menor condição de alterar esse peso da Lava-Jato sem a aprovação da reforma da Previdência, porque as projeções são de que, nesse caso, o crescimento do PIB em 2018 não passará de 2,5%.
O rei do Rio
O procurador regional da República José Augusto Vagos, da Lava-Jato no Rio de Janeiro, criticou duramente nas redes sociais o habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes ao empresário Jacob Barata Filho, que foi solto pela terceira vez. “Chega a ser constrangedor o acesso que esse acusado tem para obter decisão em último grau de jurisdição sem passar pelas demais instâncias, como se desfrutasse de um foro privilegiado exclusivo para liminares em habeas corpus, mesmo sendo acusado de destinar dezenas de milhões de reais aos maiores líderes políticos do Rio, como se isso constituísse crime de menor potencial ofensivo, crime de bagatela.”
Sem entrar no mérito da polêmica jurídica, o fato é que Barata é uma eminência parda da política fluminense e tem enorme poder político na antiga capital federal. Mas é uma ilusão achar que é o único empresário do setor de transportes urbanos que manda e desmanda numa assembleia legislativa e nas câmaras municipais. O padrão de mobilidade urbana do país é um contrassenso total (10% da população ocupam 90% das vias) e reproduz, em maior ou menor escala, a relação entre políticos corruptos e empresários inescrupulosos que os financiam.
Luiz Carlos Azedo: Oitenta votos
Nos bastidores do Planalto, aposta-se num entendimento entre Temer e Alckmin, que vão se encontrar no interior de São Paulo. Somente um ministro tucano deixou o governo até agora
Enquanto o PSDB não sabe ainda o rumo que pretende tomar na reforma da Previdência, os deputados governistas fazem as contas dos votos que a proposta teria em plenário. “Hoje o governo tem 80 votos”, afirma categórico o vice-presidente da Câmara, deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG). “Todo mundo é a favor das reformas, mas ninguém quer votar antes das eleições”, explica. O desfecho da reunião da Executiva do PSDB em Brasília, ontem, corrobora a avaliação. Os caciques do partido resolveram empurrar o assunto com a barriga. “Nós somos a favor da reforma, mas primeiro precisamos discutir qual reforma”, justificou o presidente interino, Alberto Goldman.
A posição da bancada do PSDB, que tem 49 deputados, é uma espécie de termômetro do comportamento dos aliados. Programaticamente, é um partido alinhado com a reforma da Previdência, e até considera uma “reforminha” a proposta do relator Arthur Maia (PPS-BA), que reflete a posição do governo, mas a bancada está hiperdividida e seu líder, Ricardo Trípoli (PSDB-SP), considera impraticável o fechamento da questão. “Em todas as bancadas, a maioria dos deputados está contra a votação neste ano”, justifica Trípoli, que participou da reunião da Executiva, que também contou com os deputados Sílvio Torres (SP), Eduardo Cury (SP), Giuseppe Vecci (GO) e os senadores Dalírio Beber (SC) e Flexa Ribeiro (PA).
O PSDB se prepara para a convenção da legenda, marcada para o próximo dia 9, na qual o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, deverá ser eleito presidente do partido. Nesta semana, sinalizou que defenderá a saída dos ministros tucanos do governo, o que foi confirmado pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Na saída da reunião, ontem, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, deu a entender que o assunto não é assim tão pacífico. Categórico, disse que o partido “não rompeu com o governo”. Mostrou-se mais alinhado com Temer do que com Alckmin: “O PSDB não rompeu com o governo. O PSDB apoia o programa do governo. A participação ou não do PSDB no governo cabe ao presidente”.
Nos bastidores do Planalto, aposta-se num entendimento entre Temer e Alckmin, que vão se encontrar no interior de São Paulo. Somente um ministro tucano deixou o governo até agora, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE). Antônio Imbassahy (Secretaria de Governo), Luislinda Valois (Direitos Humanos) e o próprio Aloysio Nunes (Relações Exteriores) defendem a permanência no governo. Não são poucos os aliados de Alckmin que consideram um acordo com Temer uma espécie de abraço de afogados. Por isso mesmo, a reunião dos dois é cercada de expectativas. Ao anunciar que não pretende se candidatar à reeleição, esvaziando assim articulações palacianas, Temer preparou o terreno para um eventual acordo com o tucano. É muito contraditória a posição do PSDB na questão da Previdência. Ao defender propostas mais arrojadas para combater o deficit previdenciário, fica sem uma boa justificativa para não votar numa proposta de reforma muito mais branda como a de Temer.
Preço a pagar
A polêmica sobre a reforma da Previdência faz um corte político que tem por pano de fundo as eleições de 2018. A maioria dos deputados acha que o desgaste da aprovação junto à opinião pública não valeria a pena, ainda mais para defender um governo que se enfraquece na medida em que o calendário eleitoral se aproxima. O presidente Temer não consegue reverter a impopularidade. Estão nesse balaio de gatos os deputados do PT e outras legendas de oposição e os parlamentares governistas mais sensíveis ao voto de opinião. Tudo porque o governo não conseguiu consolidar uma narrativa em relação à reforma que consolide a ideia de que serão eliminados os privilégios do setor público e não somente os benefícios dos trabalhadores assalariados que se tornaram insustentáveis.
Os políticos também estão com medo da opinião pública, de um modo geral. O envolvimento dos caciques dos grandes partidos na Operação Lava-Jato e a rejeição de duas denúncias contra Temer estão cobrando agora um preço alto. Ontem, a Bovespa despencou por causa da avaliação de que a Previdência não será aprovada. Entre os parlamentares, o assunto mais comentado era os vídeos do senador Romero Jucá (RR), líder do governo no Senado e presidente do PMDB, batendo boca com uma passageira dentro de um avião. Quando parlamentares ficam com medo de andar de avião, a coisa desanda no Congresso.
Luiz Carlos Azedo: Americanismo ou iberismo
A redemocratização do país não modificou as características ibéricas da nossa política, embora a Constituição de 1988 tenha criado mecanismos para erradicar as suas principais mazelas
A política brasileira tem três características dominantes: o clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo. Autores que estudaram o fenômeno, como Victor Nunes Leal, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, as atribuem ao colonialismo ibérico, que organizou o Estado brasileiro muito antes da formação da nação. Essas características antecedem a formação dos partidos políticos brasileiros, que surgiram com ideias mitigadas para que o atraso pudesse pegar carona no moderno e manter-se.
Para dar um exemplo, voltemos à Independência, que está às vésperas do bicentenário. O Brasil tornou-se um Império em 1822, e não uma República, em razão do projeto de reunificação da Coroa portuguesa e dos interesses dos senhores de escravos em manter o tráfico negreiro, só não anexando Angola porque a Inglaterra não deixou. Mas Dom Pedro I outorgou a Constituição de 1824, ou seja, de cima para baixo, com um viés liberal. A introdução no texto constitucional do princípio da propriedade privada — uma conquista das revoluções burguesas — foi feita com o objetivo de proteger o regime escravocrata. Conseguiu: a escravidão somente foi abolida em 1888. Um ano depois, as oligarquias regionais que haviam se amalgamado à política do Gabinete de Conciliação do Marquês de Paraná, contendo revoltas e revoluções separatistas e/ou republicanas, derivaram para o regime republicano sob influência positivista da Escola Militar da Praia Vermelha. O povo assistiu à proclamação da República “bestificado”.
Mas o velho iberismo domou a República agrarista com seu atavismo, por meio das fraudes eleitorais dos “coronéis” para se manter no poder, contra a emergência das camadas médias e trabalhadores urbanos. Acabou levando o regime café com leite ao colapso. A revolução burguesa se completou pela via das armas, com a Revolução de 1930 e, depois, em 1937, com o Estado Novo. O ditador que representava a política castilhista do Brasil meridional, Getúlio Vargas, manteve-se no poder e derrotou as elites paulistas graças à aliança com as oligarquias do Norte e Nordeste, que novamente emergiram como a força política decisiva na Segunda República. O velho iberismo manteve-se firme e forte, ou seja: o clientelismo eleitoral, o fisiologismo político e o patrimonialismo como via de enriquecimento e preservação do poder. O populismo de Vargas, a força política e eleitoral dominante nos grandes centros urbanos, também assimilou as mesmas práticas, levando-as para os meios urbanos.
A lanterna
Até que a crise de financiamento do Estado e a necessidade de avançar no processo de modernização, em plena guerra fria, levaram à radicalização política. Entre dois projetos de desenvolvimento distintos, a democracia brasileira também se foi de roldão. Os militares protagonizaram novo projeto de modernização; para legitimá-lo e se manter no poder, reconstituíram o velho pacto com as oligarquias conservadoras. O clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo sobreviveram num regime bipartidário cujo objetivo era institucionalizar o regime autoritário via “mexicanização” do país.
A redemocratização não modificou as características ibéricas da nossa política, embora a Constituição de 1988 tenha criado mecanismos para erradicar as principais mazelas, como aconteceu com o nepotismo nas carreiras de estado, de órgãos e de empresas públicas. O colapso do modelo de financiamento da política e dos partidos, via desvio de recursos públicos e caixa dois, com a Operação Lava-Jato, é resultante disso, num contexto de novo ciclo de modernização da sociedade brasileira com características hegemonicamente exógenas, decorrentes da globalização e de aceleradas mudanças tecnológicas.
É nesse cenário que nos deparamos com um novo projeto de “fuga para frente”, em contraposição às “utopias regressivas” à direita e à esquerda, do deputado Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda apostam no Estado como via de modernização no país. Sob a égide da ética na política, essa tendência busca um canal de expressão na política tradicional para participar da sucessão de 2018 e romper as muralhas do iberismo. Com ideias liberais pós-modernas, o novo americanismo se expressa pelas redes sociais, busca um candidato competitivo e um partido para chamar de seu. Lembra um pouco o aristocrático Carlos Maia e histriônico João da Ega, personagens de Eça de Queiroz, que seguem apressadamente, e sôfregos, a luz vermelha da lanterna do americano na escuridão da noite de Lisboa: “Ainda o apanhamos! Ainda o apanhamos!”.
Luiz Carlos Azedo: A pedra cantada
Barroso propôs o fim do foro privilegiado porque a atual regra leva muitos processos à prescrição (extinção da pena), em razão da demora no julgamento
Já era esperado o pedido de vista do ministro Dias Toffoli para estudar o processo e, com isso, paralisar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o alcance do foro privilegiado em crimes cometidos por deputados e senadores. A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, até fez a proclamação provisória do resultado: 8 dos 11 ministros votaram pela restrição do foro privilegiado de parlamentares federais — 7 acompanharam o relator e um, Alexandre de Moraes, divergiu em relação ao alcance da restrição). Mas ainda faltam os votos de Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que teoricamente ainda podem convencer os demais a mudar de ideia. O julgamento não foi concluído e pode ficar para as calendas gregas. Se tivesse acabado, a maioria dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato seria julgada pelo juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba.
Doze homens e uma sentença, um clássico norte-americano produzido por Sidney Lumet e dirigido e escrito por Reginald Rose, ilustra bem as razões de as coisas funcionarem assim nos tribunais. Lançado em 1957, o filme tem como atores principais Henry Fonda, Jee L. Cobb, Jack Warden e Martin Balsam. Doze homens julgam um garoto acusado de matar próprio pai com uma faca. O juiz orienta os jurados a ter cautela na decisão, pois trata-se da vida de um jovem que está nas mãos deles. Pede que decidam por unanimidade. Existem testemunhas e provas, que supostamente comprovam a culpa do garoto acusado, porém, ainda deixam uma grande margem de dúvidas.
Parte dos jurados toma por base o senso comum dos fatos: se a diz mulher que viu o garoto cometer o crime, então o garoto de fato é culpado; se o garoto é pobre e vive no meio de bandidos, também é um bandido etc. Os doze jurados seguiram o procedimento padrão, quando fizeram uma votação preliminar, antes mesmo de discutir quaisquer aspectos, apenas para conhecer o entendimento prévio de cada um e, somados, de todos eles, no seu conjunto. Um dos juradores, porém, revela que não tinha certeza da inocência do réu; mas que também não estava convicto quanto a sua culpa, pelo assassinato do seu próprio pai.
Coincidentemente, o oitavo jurado do filme, como Alexandre de Moraes, diverge da maioria. Há resistência de quase todos os outros 11 jurados, mas rapidamente, um a um, começam a se sentir inseguros quanto ao seu posicionamento inicial. A cada rodada de votação, ao mesmo tempo em que ia sendo ampliada a contagem dos votos de “inocente”, cada um dos jurados a enxerga de forma diferente o mesmo fato, o mesmo dado, a mesma prova. O veredicto passa a ser lentamente transformado de culpado a inocente. O filme é um libelo em defesa da chamada “presunção de inocência”.
Prescrição
Antes que imaginem que estou defendendo a manutenção do foro privilegiado para os políticos que cometeram crimes comum, registro: estou apenas explicando a razão de um tribunal não concluir o julgamento enquanto o último magistrado presente não se manifestar. Teoricamente, ele pode mudar o entendimento da Corte. Isso faz parte do “devido processo legal”, das prerrogativas dos jurados e dos direitos e garantias dos réus. Se a regra é usada para uma manobra política ou “chicana”, não importa, a criança não pode ser jogada fora com a água da bacia. O julgamento de ontem começou em maio, em razão de uma ação penal contra o prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinhos Mendes (PMDB), devido à suposta compra de votos em campanha eleitoral no município. Tramitou por diversas instâncias desde 2008, uma vez que o político mudou de cargo e, consequentemente, de foro. Hoje, é deputado federal e integra a bancada do PMDB.
No Supremo, há duas propostas em votação; a do ministro Luís Roberto Barroso já conta com seis votos, deixa no Supremo somente os processos sobre delitos cometidos durante o mandato e necessariamente relacionados ao cargo. Com isso, sairiam do STF e iriam para a primeira instância acusações contra parlamentares por crimes como homicídio, violência doméstica e estupro, por exemplo, desde que não ligados ao cargo. Alexandre de Moraes, voto vencido até agora, deixa no Supremo todas as ações sobre crimes cometidos durante o mandato, mesmo aqueles não ligados ao exercício da função de parlamentar. Votaram com Barroso os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello.
Barroso propôs o fim do foro privilegiado porque a atual regra leva muitos processos à prescrição (extinção da pena), em razão da demora no julgamento, porque cada vez que um político muda de cargo, o processo migra de tribunal, atrasando a conclusão. Toffoli argumentou que o Congresso também discute outras formas de restringir o foro privilegiado. A proposta em tramitação na Câmara, por exemplo, restringe o foro privilegiado às autoridades máximas do país: os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do próprio STF. Pretende esperar o Congresso decidir.
Luiz Carlos Azedo: Para onde vai a Lava-Jato?
A pergunta é pertinente, quando nada porque nenhum político com mandato que esteja envolvido no escândalo foi julgado e condenado até agora pelo STF
A Operação Lava-Jato vive um momento crucial, que balizará o futuro das investigações e dos políticos nela envolvidos. Os fatos estão se sucedendo muito rapidamente quanto a isso. Ontem, os desembargadores do Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro (TRF-2) votaram por um novo pedido de prisão dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, do PMDB. A Justiça Federal também determinou o afastamento deles da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
Os três já se entregaram e vão recorrer. Haviam sido presos na Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava-Jato no Rio, mas foram soltos após votação na Alerj na sexta-feira passada, sem que houvesse notificação judicial. São suspeitos de receber propina para defender interesses de empresários dentro da Alerj e de lavar o dinheiro usando empresas e compra e venda de gado. Para deixarem a cadeia, agora, só com uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF).
Há um lusco-fusco jurídico nessa questão. Um deputado federal cumpre pena em Brasília e não foi afastado das funções, ou seja, acorda parlamentar e dorme presidiário. Recentemente, o Senado revogou decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que afastava do exercício do mandato o presidente licenciado do PSDB, Aécio Neves, com base em decisão do plenário da Corte, por 6 a 5, no sentido de que cabe ao Congresso aceitar ou não a prisão de senadores e deputados.
Essa jurisprudência está sendo replicada nos estados pelas câmaras municiais e pelas assembleias legislativas, que estão soltando vereadores e deputados cujas prisões foram decretadas por juízes e tribunais, respectivamente. Foi o que aconteceu no Rio de Janeiro, com mais retumbância do que em outros lugares, porque um dos três parlamentares é o político mais poderoso do Rio de Janeiro, o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), e a decisão foi tomada pela Justiça Federal.
Para onde vai a Lava-Jato? A pergunta é pertinente, quando nada porque nenhum político com mandato que esteja envolvido no escândalo foi julgado e condenado até agora pelo STF. As condenações de ex-parlamentares são outra história, porque estão correndo em primeira e segunda instâncias, graças à atuação de delegados, procuradores e juízes federais. Argumenta-se que o STF não está aparelhado para acompanhar investigações criminais, daí o atraso. Mas não é só isso.
Tiro no pé
Há muitas divergências na Corte quanto às delações premiadas, aos acordos de leniência, às prisões prolongadas e até mesmo às prisões após julgamento em segunda instância, que arranhariam o “transitado em julgado” e o chamado “devido processo legal”, mas têm jurisprudência do próprio Supremo. São frequentes as polêmicas públicas entre os ministros quanto a isso. O caso dos três deputados fluminenses certamente será julgado na instância máxima do Judiciário, o STF. Ontem, por exemplo, o ministro Luiz Fux classificou de promíscua a decisão da Assembleia Legislativa fluminense que havia revogado a prisão dos três deputados e disse que o dispositivo aprovado em relação ao Congresso não se aplica aos parlamentos estaduais e municipais. Não é pacífica essa interpretação na Corte.
Em 24 horas, o novo diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, que assumiu oficialmente nessa segunda-feira, armou um banzé na Polícia Federal e na relação da instituição com o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal. Em entrevista, pôs em dúvida se “uma única mala” era suficiente para apontar se houve corrupção passiva, numa alusão aos R$ 500 mil, transportados pelo ex-deputado Rocha Loures, que supostamente seriam destinados ao presidente Michel Temer. Resultado: houve forte reação da sua própria instituição e, para acalmar a corporação, manteve o coordenador da Operação Lava-Jato na Polícia Federal, delegado Josélio Azevedo de Souza.
Luiz Carlos Azedo: Acordo da Odebrecht sobe no telhado
As grandes bancas de advocacia criminal voltaram a atuar com desenvoltura nos tribunais, explorando as brechas legais e as falhas para beneficiar seus clientes
O chefão da Odebrecht, Emílio Odebrecht, perdeu o controle sobre os 77 executivos da empresa que fizeram delações premiadas. Por essa razão, os advogados do grupo comunicaram à Polícia Federal que seus ex-diretores, a maioria em prisão domiciliar, somente voltarão a prestar depoimento em juízo. A decisão pode resultar no arquivamento de denúncias contra mais de 100 políticos citados nas delações premiadas e que estão sendo investigados pela PF, por falta de provas. Apelidada de “delação do fim do mundo”, o acordo de leniência negociado pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot com o grupo, a partir do acordo feito com Marcelo Odebrecht, que está preso em Curitiba, subiu no telhado e pode ser revisto. Os sinais de mudança de cenário vêm de todos os lados.
Na semana passada, o ex-superintendente da construtora em São Paulo Carlos Armando Paschoal se rebelou em juízo, ao depor na Justiça Federal sobre o caso do metrô de São Paulo. Contra a orientação do advogado da empresa, em vez de permanecer em silêncio, resolveu prestar novo depoimento, espontaneamente, com informações contraditórias em relação a oitivas anteriores. Engenheiro civil formado pelo Mackenzie na década de 1970, “Carp”, como era chamado, foi diretor da Andrade Gutierrez, por 12 anos, e da Odebrecht, por mais 20 anos. Em 2010, acusou o senador José Serra (PSDB) de receber cerca de R$ 38 milhões; o ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, do PSD, R$ 21,5 milhões; e o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, do PSDB, R$ 500 mil. Todos negaram as acusações e poderão se beneficiar do novo depoimento do diretor da Odebrecht para requerer a anulação das denúncias.
Outro sinal de que os acordos feitos por Janot poderão ser revistos veio direto do Supremo Tribunal Federal (STF), com a decisão do ministro Ricardo Lewandowski que devolveu a delação premiada do marqueteiro Renato Pereira à Procuradoria-Geral da República, recusando-se a homologá-la. O ex-governador Sérgio Cabral, o governador fluminense Luiz Fernando Pezão e o ex-prefeito Eduardo Paes são os políticos mais envolvidos no caso. Os acordos de delação são feitos pelo Ministério Público, que julga convincentes ou não as provas ou os indícios oferecidos. Não é competência do Judiciário negociar os acordos, mas, sim, homologá-los. O ministro Gilmar Mendes, que preside a segunda turma do STF, em entrevista, endossou a decisão do colega.
Dificilmente o acordo da Odebrecht também não sofrerá as consequências da revisão do acordo de leniência e das delações premiadas da JBS e do empresário Joesley Batista. O presidente Michel Temer questiona a participação do ex-vice-procurador Marcelo Müller na banca do escritório de advocacia que atuou na elaboração do acordo de leniência do grupo JBS. Sob investigação do próprio Ministério Público Federal (MPF), Müller integrou o grupo de trabalho da Lava-Jato até pouco antes de o empresário Joesley Batista e outros executivos da holding controladora do frigorífico JBS fecharem acordo de delação premiada. E chegou a participar das negociações com a Odebrecht, sendo um dos negociadores das delações premiadas do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT), que era líder do governo Dilma Rousseff.
Mudanças
De certa forma, a complexidade dos processos da Odebrecht começa a ter consequências do ponto de vista do chamado “devido processo legal”. As grandes bancas de advocacia criminal, que inicialmente foram surpreendidas, voltaram a atuar com desenvoltura nos tribunais, explorando as brechas abertas pelo Código de Processo Penal e as falhas para beneficiar seus clientes. Além disso, denunciados excluídos das delações começam a oferecer provas de que houve ocultação de informações e manipulação nos depoimentos, o que cria mais problemas para a Odebrecht.
Houve também duas mudanças políticas no comando das investigações da Lava-Jato. Uma foi saída de Janot da PGR, artífice da negociação. Raquel Dodge, nova procuradora-geral, tem compromisso com a Lava-Jato, mas não com falhas no processo. A outra foi a troca do diretor-geral da Polícia Federal, cargo agora ocupado pelo delegado Fernando Segóvia, indicado por Temer.
Luiz Carlos Azedo: Temer e o queremismo
A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot
Começa a ser urdido nos bastidores do Palácio do Planalto o projeto de reeleição do presidente Michel Temer, que já se movimenta como quem pretende ser candidato, quando nada para estancar o processo de desagregação do seu governo, que se acelerou ontem com o pedido de demissão do ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE). Um dos quatro tucanos no primeiro escalão de Temer, o parlamentar pernambucano chegou a anunciar sua saída do governo quando foi divulgada a gravação da conversa comprometedora entre o presidente da República e o empresário Joesley Batista, mas voltou atrás a pedido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, porém, saiu para valer.
A tese da candidatura à reeleição vem sendo defendida pelos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, como uma necessidade para segurar a base do governo e evitar a deriva antecipada de setores do PMDB e outros aliados para a campanha de candidatos da oposição, em razão da proximidade das eleições. Isso já aconteceu com o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), engajado na campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não foi à toa que o petista alertou o seu partido que os “golpistas” que o apoiarem nas eleições de 2018 serão recebidos de braços abertos nos seus palanques regionais.
Temer ainda não se convenceu inteiramente da ideia, mas resolveu fazer um esforço em várias frentes para melhorar a imagem do governo. A propaganda oficial trabalhará em três frentes: primeira, comparar os indicadores econômicos de quando assumiu com os do seu primeiro aniversário de governo, que são quase todos excelentes, diante da profunda recessão em que o país foi lançado no governo Dilma Rousseff; segunda, a manutenção dos programas sociais do governo, como o Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, que será reajustado acima da inflação, conforme anunciou ontem o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra; terceira, a reforma da Previdência, que Temer voltou a defender, convencido de que enfrentar as corporações aumentará sua popularidade e criará condições de o país crescer a taxas acima de 3% no próximo ano, na avaliação de seus estrategistas, a premissa para o projeto eleitoral dar certo.
A tese audaciosa ganhou mais força com o desembarque do PSDB do governo, que estava previsto para a convenção de 9 de dezembro, mas acabou antecipado por Bruno Araújo. Temer não pretende esperar a deserção dos aliados para fazer a reforma ministerial. A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Temer obteve apenas 240 votos na votação, o suficiente para blindá-lo constitucionalmente, mas não para aprovar as reformas. Acontece que a reforma da Previdência é uma bandeira dos aliados que estão deixando o governo, o que permitiria atender a base fisiológica que barganha mais cargos no governo para aprová-la e, ao mesmo tempo, também negociar com os tucanos e outros aliados que deixaram o governo.
Um dos argumentos para convencer Temer a concorrer às eleições de 2018 é o fato de que o ex-presidente José Sarney, em 1989, virou saco de pancadas de todos os candidatos e não teve como se defender porque não disputava a reeleição. O próprio Sarney costuma avaliar que o governo, na pior das hipóteses, garantiria de 15 a 20% dos votos do primeiro turno para seu candidato. Temer teria oportunidade de se defender e capitalizar suas realizações. Não é uma ideia sem sentido, em razão do tempo de televisão e dos recursos do fundo partidário do PMDB, que teria, além do peso da máquina do governo a seu favor, grande capilaridade nos grotões do país.
Não colou
Mas sempre é bom lembrar o risco de a proposta não colar, como aconteceu com o movimento Queremista em 1945, cujo objetivo era defender a permanência de Getúlio Vargas na Presidência da República. O nome se originou do slogan utilizado pelo movimento: “Queremos Getúlio”. Naquela época, diante do esgotamento da ditadura do Estado Novo e do fim da II Guerra Mundial, as forças políticas que haviam se oposto ao regime iniciaram o ano reivindicando a redemocratização do país. Pressionado, Vargas comprometeu-se a realizar eleições e manteve-se numa posição dúbia em relação à possibilidade de se candidatar.
No fim de outubro, quando Vargas tentou substituir o chefe de Polícia do Distrito Federal, João Alberto Lins de Barros, por Benjamin Vargas, seu irmão, a manobra acabou interpretada por seus adversários como um golpe para preparar a continuidade no poder. No dia 29, o alto comando do Exército, tendo à frente o ministro da Guerra, general Góes Monteiro, depôs Vargas da presidência, que em seguida foi entregue ao presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares.
Luiz Carlos Azedo: Tucanos em crise
A saída de Tasso e a assunção de Goldman revelam que, além de Aécio, outros atores também se movimentam nos bastidores para manter poder de fogo na legenda
É incrível a confusão no PSDB. Os tucanos não conseguem de entender. O racha no partido se aprofundou devido ao artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no domingo passado, no qual propôs o desembarque do governo em dezembro, e à proximidade da convenção nacional da legenda, marcada para dezembro. Candidato a presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati (CE), que exercia o cargo interinamente, foi destituído ontem e substituído pelo ex-governador de São Paulo Alberto Goldman.
Tasso está em rota de colisão com o presidente licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (PMDB-MG), que mais uma vez demonstrou poder de articulação e combatividade ao destituí-lo do cargo. Mostrou que ainda tem força, mesmo que desgastado por causa da Operação Lava-Jato. A ação, porém, foi brusca. Aécio reassumiu a presidência e designou Goldman seu substituto, para garantir isonomia na disputa pela presidência entre Tasso e seu adversário, o governador de Goiás, Marconi Perillo. A reação de Aécio foi uma resposta ao discurso de Tasso ao lançar sua candidatura, no qual reconheceu erros do partido e defendeu regras de compliance para os filiados.
Aécio já havia demonstrado capacidade de resistência ao conseguir apoio da maioria dos colegas para revogar, no plenário do Senado, a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que o afastara do cargo, dentre outras “medidas cautelares”. A decisão veio na sequência de uma vitória por 6 a 5 no próprio STF acerca da necessidade de o Senado dar a palavra final sobre decisões judiciais que impedem o exercício de mandato de senadores.
Ex-candidato a presidente da República que obteve 51 milhões de votos no segundo turno das eleições de 2014, Aécio é aliado do presidente Michel Temer e defende a permanência do PSDB no governo. Nos bastidores do Congresso, já havia demonstrado poder de articulação; agora, mostrou que ainda tem pleno controle do PSDB. De certa forma, a decisão foi um recado para o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que pleiteia a vaga de candidato a presidente da República pelo partido.
Tudo indicava que a situação estava sob controle do governador paulista, mas a saída de Tasso e a assunção de Goldman revelam que outros atores também se movimentam nos bastidores para manter poder de fogo na legenda. É o caso do senador José Serra (SP) e do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira. Aécio sozinho não teria forças para destituir Jereissati. Ambos resistiram, por exemplo, à candidatura de João Doria a prefeito de São Paulo, com a qual Alckmin atropelou os demais tucanões paulistas.
Como se sabe, Doria se movimentou para ser o candidato do PSDB a presidente da República, logo depois de sua vitória nas últimas eleições municipais. Seus esforços foram frustrados pelo desgaste de sair candidato muito antes da hora e as demandas da capital que administra. Alckmin parecia absoluto, aliado a Tasso Jereissati e Fernando Henrique Cardoso. Foi surpreendido pela decisão de Aécio.
Reforma
O presidente Michel Temer reconheceu ontem a necessidade de uma reforma ministerial, mas disse que a fará no tempo certo. Havia uma perspectiva de fazê-la somente em abril do próximo ano, quando da desincompatibilização dos ministros que vão disputar a eleição, mas ela deverá ocorrer tão logo o PSDB decida se fica ou não no governo, ou seja, no começo de dezembro.
A reforma ministerial será balizada pela reforma da Previdência. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou que o governo vai mitigar a reforma para aprová-la. Para Temer, qualquer avanço na Previdência é lucro. Sinaliza a vontade de fazer a reforma e, ao mesmo tempo, reduz resistências.
Luiz Carlos Azedo: 100 anos depois
O centenário da Revolução de Outubro, por causa da adoção do calendário gregoriano pelos russos, um legado dos bolcheviques, comemora-se hoje. A Revolução Russa, que começou em fevereiro, com a destituição do czar Nicolau II, provocou grande entusiasmo entre os intelectuais brasileiros antenados no mundo. Já naquela época, havia socialistas de diversos matizes nos nossos meios intelectuais, mas o que predominava no movimento operário e sindical, que promoveu uma onda de greves por todo o país naquele mesmo ano, eram as ideias anarquistas.
Foi nesse meio que surgiu o Partido Comunista, sob a liderança de Astrojildo Pereira, em 1922, o mesmo ano da Semana de Arte Moderna de São Paulo. A mesma divisão que ocorrera na Rússia entre social-democratas e comunistas, a partir da tomada do poder pelos bolcheviques, se reproduziu em todo o mundo. No Brasil, não foi muito diferente. Num período conturbado da República, que estava sob comando das oligarquias, muitas das quais remanescentes do regime escravocrata, o antigo Partido Comunista (PCB) era uma seção da III Internacional, refletia a doutrina e seguia as orientações de Moscou, em confronto aberto com os social-democratas e outras tendências socialistas.
As ideias comunistas no Brasil eram consideradas muito exóticas e pouca influência tinham na vida nacional, até que Astrojildo Pereira viajou para Bolívia com uma mala de livros marxistas, entre os quais O Estado e a Revolução, de Lênin, para um encontro com Luiz Carlos Prestes. O líder tenentista havia se exilado, depois de percorrer 25 mil quilômetros, em 11 estados, a maioria a pé, à frente de 1.500 homens, a chamada Coluna Prestes. Tornara-se um mito. Foi assim que Prestes aderiu ao comunismo, se recusou a comandar a Revolução de 1930, que considerava burguesa, e agregou o seu prestígio popular e militar ao minúsculo PCB.
De Moscou, Prestes articulou a criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), em 1934, da qual foi presidente de honra. Reuniu, entre outras personalidades, Herculino Cascardo (presidente), Amoreti Osório (vice-presidente), Francisco Mangabeira, Roberto Sisson, Benjamim Soares Cabello e Manuel Venâncio Campos da Paz, Moésia Rolim, Carlos da Costa Leite, Gregório Lourenço Bezerra, Caio Prado Júnior, Aparício Torelly, Miguel Costa, Maurício de Lacerda, Abguar Bastos, os ex-interventores como Filipe Moreira Lima (Ceará) e Magalhães Barata (Pará), o deputado federal Domingos Velasco e o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto.
O programa da ALN foi lido no lançamento pelo jovem Carlos Lacerda. Seguia as orientações do VII Congresso da Internacional Comunista, para cujo burô (o Comintern) Prestes havia sido eleito. Na essência, era um programa anti-imperialista e antifascista, que expressava o célebre “informe” do búlgaro George Dimitrof, seu secretário-geral, sobre unidade das forças populares na luta contra o fascismo. Mas traduzia também a radicalização política em curso no país, com crescimento do integralismo e, sobretudo, a simpatias de Vargas e de parte do governo pelo Eixo (a aliança Alemanha-Itália-Japão).
Paradigmas
Sentindo-se ameaçado, Vargas resolveu fechar a ALN, que já reunia um milhão de militantes. É aí que Prestes retorna ao país com a missão de organizar uma insurreição nos moldes soviéticos, como se tentara na Alemanha e na China, sem sucesso, o que aconteceu de forma precipitada em 27 de novembro de 1935, nos quartéis do Rio, Recife e Natal. O resto da história é mais conhecida. Foi nesse processo que se consolidou um pensamento hegemônico na esquerda brasileira, que parece renascer das cinzas sempre que surge uma oportunidade, apesar de ter se tornado anacrônico, principalmente depois da guerra fria. São ideias que não morreram completamente, mesmo depois do colapso da União Soviética e da queda do muro de Berlim, quando nada porque alguns de seus paradigmas estão vivíssimos.
Um deles é a ditadura do partido como força capaz de promover a modernização e combater as desigualdades sociais (China e Vietnã, na Ásia). Outro velho dogma é a tese de que um país periférico não pode se tornar uma nação desenvolvida sem romper as cadeias de dominação (Cuba, na América Latina). Finalmente, a tese de Lênin de que o capitalismo de Estado é a antessala do socialismo, que legitima governos autoritários em Angola, Moçambique e Venezuela. Já a Coreia do Norte é um caso à parte: ainda vive uma monarquia no “comunismo de guerra”.
Historicamente, o capitalismo de Estado foi uma via de industrialização, tanto para os regimes fascistas que tomaram conta da Europa, como para os regimes comunistas do Leste europeu. Há uma certa simbiose entre o modelo econômico e o regime político autoritário. No livro A Quarta Revolução, Adrian Wooldridge e John Micklethwait, seus autores, advertem que existe uma corrida mundial para reinventar o Estado, na qual regimes autoritários do Oriente estão levando certa vantagem em relação às democracias do Ocidente. Esse é o perigo.