Nas entrelinhas

Luiz Carlos Azedo: Justiça seja feita

A taxa de resolução dos casos de homicídio é baixíssima; começa na hora de preencher o atestado de óbito e fazer a autópsia, sem os quais não existe sequer investigação

Uma das dificuldades para compreender o fenômeno da violência nas cidades brasileiras decorre da inversão do senso de Justiça. A noção positiva, do ponto de vista do cotidiano dos moradores das favelas e periferias urbanas, é o senso de “injustiça”, porque a Justiça passa ao largo de suas vidas, serve para proteger os interesses das camadas mais favorecidas e criminaliza transgressões que poderiam ser tratadas de outra maneira, como, por exemplo, a produção, comercialização e consumo de maconha ou aborto de adolescentes nos casos de gravidez involuntária ou indesejável, para entrar em temas muito polêmicos, que deveriam estar sendo discutidos e varridos para debaixo da tapete.

É daí que nasce a ética popular na hora de “julgar” as ações da polícia, das milícias e dos traficantes. Por exemplo, na “lei do morro”, quando um traficante corta o dedo de um assaltante que roubou alguém da própria comunidade, fez-se “justiça”; quando a polícia faz um “baculejo” num cidadão que ganha a vida honestamente, há humilhação e “injustiça”. As milícias transitam entre a “injustiça” e a “justiça”, respectivamente, quando arrocham comerciantes ou expulsam os traficantes de seus territórios.

Essas ética e moral próprias não são características apenas das comunidades pobres, porque há outras manifestações do gênero nas camadas mais favorecidas, nas quais o jeitinho, a propina, os privilégios e a busca de favores são parte do dia a dia. O mesmo sujeito que apoia a pena de morte contra os traficantes não hesita em subornar um servidor público para se livrar das multas de trânsito. A mesma família de classe média que defende a eliminação dos traficantes tolera que seus jovens fumem maconha e não vacila em providenciar um aborto seguro para a filha que engravidou por descuido. Muitos não veem problema na falsificação da carteira de estudante pelos filhos, para que frequentem ambientes de risco nos quais é proibida a entrada de menores.

É nessa fronteira que transita a discussão provocada pelo novo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, ao criticar os que “durante o dia, clamam contra a violência e, à noite, financiam esse mesmo crime por causa do consumo de drogas”. O ministro acerta ao criticar a hipocrisia, mas peca pelo reducionismo ao tratar da questão. Na guerra das drogas, a criminalização generalizada e o endurecimento das penas estão mais ou menos como as tropas norte-americanas no Vietnã. Não têm a menor chance de vencê-la. Essa estratégia está sendo derrotada; é comprovado pela ampliação do tráfico. Em todo o mundo, o que tem provocado é o aumento da população carcerária e o fortalecimento do lobby da bala.

Dever de casa
Em contrapartida, estatisticamente falando, em Nova York, a legalização do aborto teve muito mais impacto na redução dos indicadores de violência do que a política de tolerância zero. Simplesmente porque reduziu a população de risco, possibilitando às famílias de baixa renda evitar que suas adolescentes fossem incorporadas à cadeia da violência pela desestruturação familiar. Mas há alternativas menos polêmicas para reduzir a população de risco, como a massificação de atividades esportivas entre os jovens, com melhor aproveitamento de espaços urbanos degradados, como praças e viadutos ocupados por consumidores de drogas, principalmente em horários noturnos, nos quais a iluminação é a chave para aumentar a sensação de segurança. O esporte é uma atividade estruturante do caráter e do espírito, de baixo custo e alto impacto, com efeitos imediatos para a saúde e o desempenho escolar. O problema da “territorialidade” não se resolve apenas com a presença coercitiva do Estado, indispensável neste momento, mas com a ocupação dos espaços públicos pelas famílias.

Mas há que se destacar: o dever de casa do sistema de segurança pública está ao largo da discussão. O principal indicador da violência são as mortes por causas externas, principalmente os homicídios. Esses são o tipo de crime mais cruel a ser combatido, é nele que a impunidade revela sua face mais perversa. A taxa de resolução dos casos de homicídio é baixíssima; começa na hora de preencher o atestado de óbito e fazer a autópsia, sem os quais não existe sequer investigação. Na economia informal das favelas e periferias, não existe título protestado em cartório. A cobrança é feita à bala, tanto pelos traficantes como pelas milícias. Não pagou, vai para o “micro-ondas”. A fronteira sinuosa entre o tráfico de drogas e o comércio das milícias é demarcada por esse ajuste de contas, que quase sempre envolve a banda podre da polícia.


Luiz Carlos Azedo: O espólio de Lula

O maior dos problemas do PT é a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), o nome de extrema-direita: uma parte dos eleitores de Lula de mais baixa renda, segundo todas as pesquisas, migra para ele

A entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Mônica Bérgamo, da Folha de S.Paulo, é um gesto de desespero: o petista sabe que não pode mais ser candidato a presidente da República, mas ainda não se retira da disputa porque acredita que isso seria uma maneira de evitar a prisão imediata, em razão da condenação a 12 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre. Somente os petistas ainda se agarram à candidatura impossível com unhas e dentes, na esperança de conseguir a renovação dos respectivos mandatos, graças ao espólio eleitoral do ex-presidente. Os aliados tradicionais, porém, estão se afastando de Lula e querem compartilhar o espólio.

A troca de farpas entre Lula e o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, ontem é a demonstração cabal deste processo. A vantagem estratégica de Lula nas eleições de 2018, se não fosse impugnado, seria o Nordeste, onde suas alianças com os caciques do MDB que haviam apoiado o impeachment de Dilma Rousseff estavam sendo até recompostas. Com Lula fora da eleição, a alternativa do PT seria lançar a candidatura de Jaques Wagner, ex-governador Bahia, que poderia ter um bom desempenho nos demais estados nordestinos e no Rio de Janeiro, onde nasceu. Entretanto, Wagner também está enrolado na Operação Lava-Jato, o que abre espaço para Ciro Gomes crescer nas pesquisas a partir do Nordeste, capturando os eleitores de Lula. Não é outra a razão de o petista ter dito que o ex-governador do Ceará anda falando demais. Macaco velho, Ciro tirou por menos, disse que tem coração e respeita o infortúnio de Lula. Não vai brigar com os eleitores do petista, que pretende seduzir.

Mas não é apenas o candidato do PDT que se aproveita da inelegibilidade de Lula. A pré-candidatura à Presidência da República do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, será lançada sábado, em São Paulo, pelo PSol. Era um dos aliados de Lula na sua guinada à esquerda, tendo protagonizado as mobilizações contra o impeachment de Dilma Rousseff. O cantor Caetano Veloso, a produtora cultural Paula Lavigne, o arquiteto Nabil Bonduk, a deputada Luiza Erundina, o franciscano Frei Betto, a cineasta Marina Person e a escritora Antonia Pellegrino, entre outros artistas e intelectuais, confirmaram presença no lançamento. Boulos fragiliza o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, outra alternativa do PT para substituir Lula.

Mas o maior dos problemas do PT é a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), o nome de extrema-direita: uma parte dos eleitores de Lula de mais baixa renda, segundo todas as pesquisas, migra para ele. Esse deslocamento é ainda mais preocupante, porque ocorre de forma generalizada, mas sobretudo no Nordeste. Há muitas controvérsias sobre as razões deste fenômeno, mas parece que o principal vaso comunicante é o fato de que os dois fazem uma oposição radical ao governo Temer, o que sensibiliza parcela do eleitorado de baixa renda que mais sofreu com a recessão e ainda se encontra desempregada.

Diante dessas forças centrífugas, a reação petista é de perplexidade. Ninguém sabe o que vai acontecer nas eleições se Lula não for candidato. O trauma das eleições municipais, nas quais o PT colheu seu maior retrocesso eleitoral, está vivo na memória dos petistas, que temem sofrer outro baque. Sem alternativa, a legenda aposta na politização dos processos judiciais e na manutenção da candidatura de Lula, até o Tribunal Superior Eleitoral negar o registro da chapa. Seria uma maneira de estancar a sangria. Entretanto, nada garante que isso aconteça caso Lula seja preso. Solto, pode ainda fazer campanha pelo país e escolher um poste. Nas pesquisas, Dilma Rousseff ainda é o nome de maior prestigio eleitoral que o PT teria a oferecer, para perder a eleição, mas manter a narrativa.

A pedidos

O presidente Michel Temer concedeu entrevista ontem à Super Rádio Tupi, na qual negou, mais uma vez, que tenha a intenção de se candidatar a presidente da República. Perguntado se poderia mudar de ideia, disse ao comunicador Clóvis Monteiro, em tom de brincadeira, que só o faria se ele voltasse ao Planalto e pedisse. Temer justificou a intervenção federal na segurança fluminense: “O Rio é uma vitrine para o Brasil, não só para o público externo, mas para o nosso povo (…) então nós dissemos ‘precisamos providenciar uma intervenção, mas uma intervenção limitada’. E também não queríamos fazer uma coisa que agredisse o governo e o governador”.

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Luiz Carlos Azedo: Convergência democrática

A fragmentação das forças políticas de campo democrático pode resultar na vitória de soluções autoritárias para os nossos problemas, como em outros momentos de crise que demandavam reformas

Tudo o que foi feito para ultrapassar o regime militar e construir uma democracia duradoura, que servisse de alicerce para garantir o crescimento econômico, reduzir as iniquidades sociais e garantir o exercício pleno da liberdade em nosso país, num prazo relativamente curto, está meio que de pernas para o ar: um vice na Presidência em razão de um impeachment enrolado na Lava-Jato; o Congresso desmoralizado pela corrupção e o fisiologismo e a Justiça atabalhoada, atuando como poder moderador. A crise tríplice (econômica, política e ética) ainda não atravessou o túnel das incertezas, e tudo o que foi feito para criar e aperfeiçoar nossos mecanismos democráticos está sendo posto em xeque pela sociedade. Entretanto, a democracia brasileira resiste, graças à mobilização da sociedade e ao amadurecido e inédito compromisso dos militares com o Estado de direito democrático.

Não é um fenômeno isolado que possa ser atribuído apenas aos nossos desgovernos, muito pelo contrário. Estamos diante de um cenário que tem muitos paralelos com as crises em outros países, e que faz parte da crise das instituições, governos, parlamentos, partidos, sindicatos e movimentos da democracia Ocidental. Com a particularidade de que são agravados por nossos ingredientes nacionais, entre os quais velhas tradições políticas de origem ibérica, como o sebastianismo e o patrimonialismo. E um fato novo em pleno curso: a Operação Lava-Jato, que flagrou políticos, empresários e executivos de estatais e órgãos públicos, a elite dirigente do país, num monumental assalto aos cofres públicos.

Em meio a tudo isso, o governo Michel Temer, fruto do impeachment de Dilma Rousseff, operou com sucesso uma política econômica que nos possibilitou sair da recessão e estabilizou a economia, que hoje apresenta as menores taxas de inflação e de juros desde a redemocratização. Mas isso não significa a superação da crise brasileira, porque as velhas estruturas políticas que a provocaram e estão no centro dos escândalos de corrupção foram blindadas pela recente reforma política e se encastelaram no poder Executivo e no Legislativo. Entretanto, não estão sendo capazes de estabelecer alternativas nas eleições majoritárias, principalmente para presidente da República.

Entretanto, as eleições que se avizinham estão polarizadas por uma direita e uma esquerda de viés autoritário, populista e fiscalmente irresponsáveis, que se digladiam e se retroalimentam nas redes sociais. O que resta de alternativa é a fragmentação do campo democrático, dos setores liberais aos social-democratas. Podemos elencar muitas causas políticas e econômicas desse processo, mas a principal delas é irreversível: a grande mudança em curso na estrutura da sociedade, em decorrência da introdução das novas tecnologias nas estruturas produtivas, entre as quais, a robotização e a inteligência artificial, e a crescente segmentação das classes sociais. Essas mudanças estão no centro da desorganização e da crise da democracia representativa. No mundo!

Pós-liberalismo
Há uma corrida entre o Ocidente e o Oriente para reinventar o Estado, em decorrência da globalização e das mudanças tecnológicas. Enquanto as democracias ocidentais dão sinais de incapacidade de enfrentar sua crise, regimes autoritários do Oriente operam a modernização de suas economias com mais eficiência, a começar pela China, hoje o nosso principal parceiro comercial. As principais respostas políticas a isso foram as eleições de Donald Trump nos Estados Unidos, preocupantemente regressiva, e a de Emmanuel Macron, na França, que é uma promessa de avanço no sentido democrático. São dois projetos distintos para enfrentar as consequências negativas da globalização.

Com o fim da sociedade industrial, caminhamos preocupantemente na direção de uma sociedade pós-liberal, na qual os valores da igualdade, fraternidade e solidariedade perdem funcionalidade; agravam-se as tendências de exclusão social e as desigualdades. Cada vez mais, menos pessoas serão necessárias à produção, devido à robotização, à automação e à informatização da agricultura, da indústria e do setor de serviços; numa sociedade como a brasileira, tão desigual, os novos padrões de modernização da economia agravarão a exclusão e as desigualdades sociais. Vêm daí as dificuldades para recuperar a geração de emprego, num momento de reaquecimento da economia.

Nesse contexto, a fragmentação das forças políticas de campo democrático pode resultar na vitória de soluções autoritárias para os nossos problemas, como em outros momentos de crise que demandavam reformas no Estado, na política e na economia. Como lidar com isso? As velhas soluções à esquerda foram tentadas e fracassaram, principalmente em relação às políticas fiscal e industrial, lançando o país na maior recessão de sua história. A alternativa que surge, a partir de uma direita esclarecida, busca resolver os problemas do país a partir das demandas e da lógica do mercado, sem considerar as desigualdades sociais. Construir uma nova maioria da sociedade a favor da modernização da economia, sem considerar a parcela excluída da produção e do consumo, é um projeto politicamente inviável. Mesmo que tenha compromisso com a democracia, não será capaz de sensibilizar a grande massa de deserdados da modernização e barrar o populismo, seja de direita, seja de esquerda.

Do outro lado do centro democrático, a esquerda mais arejada e reformista tropeça nas próprias pernas, ao não romper com velhos dogmas programáticos do desenvolvimentismo e uma visão positivista do Estado. Esses setores também não têm a menor chance de reverter a radicalização política nas eleições se não forem capazes de dialogar e buscar a convergência programática com os liberais, focada no fortalecimento da democracia representativa e no combate às desigualdades. Não é fácil o diálogo entre a esquerda democrática e a direita liberal, que são as forças mais progressistas nesta crise. Mas não há outro caminho viável que não seja a união dessas duas tendências, numa convergência democrática. Separadas,em busca da sua própria hegemonia, serão derrotadas.

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Luiz Carlos Azedo: Projeto continuísta

Temer não precisa se desincompatibilizar para concorrer e tem até agosto para decidir o que fará na eleição

Desde que foi lançado o documento “Uma ponte para o futuro” pela Fundação Ulysses Guimarães, o grupo em torno do presidente Michel Temer, nucleado pelos ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Eliseu Padilha (Casa Civil) e pelo senador Romero Jucá (MDB-RR), líder do governo no Senado e presidente do MDB, tem um projeto de poder que não se restringe ao mandato- tampão decorrente do impeachment de Dilma Rousseff. A tese da candidatura à reeleição de Temer é uma decorrência natural desse projeto, a não ser que o governo não consiga reverter minimamente os índices de impopularidade que anulam completamente a possibilidade de chegada ao segundo turno.

Na avaliação desse grupo, reverter essa situação é tudo uma questão de tempo, ou melhor, de percepção pela população dos resultados obtidos pelo governo no combate à recessão e à inflação. A decisão de dar um cavalo de pau na reforma da Previdência, que estava encruada na Câmara, faz parte desse movimento. O governo mudou de agenda e resolveu jogar para a arquibancada na questão mais premente do ponto de vista da sociedade: a segurança. É uma aposta de alto risco, mas capaz de gerar resultados positivos para o governo no curto prazo. As primeiras pesquisas de opinião são a prova disso: no primeiro momento, 83% apoiaram a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.

Enquanto o prestígio popular não vem, apesar do fim da recessão, da inflação abaixo de 3% e da taxa de juros em 6,75%, o Palácio do Planalto opera no sentido de ganhar tempo e inibir o surgimento de qualquer candidatura competitiva do chamado “centro democrático”. É uma velha tática de general chinês, para quem a melhor das estratégias numa guerra é neutralizar os adversários, a ponto mesmo de desistirem de ir à luta. É mais ou menos isso que Temer vem fazendo, com a habilidade que adquiriu ao longo de três mandatos à frente da Câmara e uma longeva presença no comando do seu partido.

No momento, as duas ameaças a serem neutralizadas são as candidaturas do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A maneira de neutralizar os concorrentes é mantê-los isolados, utilizando a força do governo federal e o poder do MDB para embaralhar e dificultar suas alianças. Essa movimentação vem sendo feita com relativo sucesso, mas irrita os antigos aliados, que percebem os movimentos de Temer.

Quando surge um nome alternativo fora da política nacional, como foi o caso de Luciano Huck, e pode voltar a ser o do prefeito de São Paulo, João Doria, o grupo palaciano comemora. É mais confusão para o PSDB e/ou DEM, que acabam divididos e paralisados pelo diversionismo. Huck já é carta fora do baralho, mas Doria está costeando o alambrado, como diria o falecido governador Leonel Brizola (PDT).

Mas não são apenas os adversários que têm problemas. O MDB continua dividido, embora Temer tenha muito mais poder para unificar a legenda com a caneta cheia de tinta. A velha aliança entre os caciques nordestinos da legenda e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já foi restabelecida, só não é irreversível porque o petista está inelegível e em vias de ser preso, além do fato de que o PT não tem a mesma força de antes, estando fora do poder. Temer, porém, precisa alavancar sua aceitação popular e vencer as resistências internas para ser candidato.

Em tese, o tempo correria contra o projeto continuísta do Palácio do Planalto, principalmente se a reforma da Previdência fosse derrotada na Câmara, o que decretaria o fim do seu governo. Com a mudança de agenda, esse divisor de águas evaporou. Temer não precisa se desincompatibilizar para concorrer e tem até agosto para decidir o que fará na eleição. Uma coisa é certa, mesmo que não seja candidato, o projeto de poder pode se manter com o lançamento de outra candidatura. O problema é saber quem vai se filiar ao MDB correndo risco de na hora agá não ser o candidato.

Luta de classes
A greve dos juízes federais anunciada ontem, em defesa do auxílio-moradia, é um tiro no próprio pé. É recibo de papel passado do corporativismo da magistratura brasileira e abre a guarda para o recrudescimento das críticas aos juízes de primeira instância. Fragiliza principalmente os juízes responsáveis pelos processos da Operação Lava-Jato, que já estão sob forte ataque de advogados, políticos e até mesmo de integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF).

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Luiz Carlos Azedo: O sobrevivente

Com a saída de cena de Luciano Huck, a ala tucana insatisfeita com o estilo de Alckmin também já começa a ensaiar o coro “Doria, presidente!”

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, começou articulações para montar seus palanques regionais a partir de entendimentos com os caciques do PSDB. Ontem, em Brasília, ele se reuniu com senadores e deputados da legenda e manifestou a intenção de iniciar as conversas sobre a situação eleitoral de cada estado, a começar por Minas Gerais, onde o “candidato natural” é o senador Antônio Anastasia (PSDB). Alckmin, porém, não conseguiu unificar o seu palanque em São Paulo.

O problema chama-se João Doria, o prefeito da capital, no exercício do cargo há 14 meses. É uma ironia, pois sua eleição se deve à ousadia de Alckmin nas eleições municipais de 2016. A relação entre os dois é de desconfiança, desde quando Doria aproveitou o embalo da própria vitória eleitoral e saiu pelo país como possível candidato a presidente da República. A movimentação agastou a relação entre ambos e somente não foi à frente porque administrar a maior cidade do país não é um passeio pela Avenida Paulista. A queda de popularidade do prefeito nas pesquisas de opinião provocou um recuo de Doria, que também perdeu a possibilidade de se candidatar a presidente pela legenda quando Alckmin assumiu o comando do PSDB.

O sonho de Alckmin era um palanque unificado em São Paulo, que viabilizasse sua aliança com o PSB, a partir do apoio dos tucanos paulistas à reeleição de Márcio França (PSB), o vice-governador do estado. Mas os tucanos paulistas optaram por lançar a candidatura de Doria ao Palácio dos Bandeirantes, o que dificultou a vida de Alckmin. França promete passar o rodo em quem não apoiá-lo e também não pretende sair do PSB. A alternativa que restou foi a dos dois palanques, que costuma ser um foco permanente de crises nas campanhas.

A presença de França como vice de Alckmin é fruto de um cálculo político que deu errado, com a morte do governador Eduardo Campos (PSB), num desastre aéreo, na campanha eleitoral de 2014. Era uma jogada para unir os dois partidos no segundo turno contra Dilma Rousseff, fosse em torno de Campos ou de Aécio Neves (PSDB). França foi um aliado leal e, desde a eleição, não fez outra coisa que não fosse tentar atrair o seu partido para a aliança com Alckmin. Agora, cobra a fatura.

A chave da aliança, porém, é a situação em Pernambuco, onde o PT lançou como candidata uma das netas do ex-governador Miguel Arraes, Marília Arraes. O governador Paulo Câmara (PSB) e a viúva de Eduardo Campos, Renata Campos, sentiram o golpe e tentam se reaproximar do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Marília, porém, é pasta fora do tubo; já cresceu nas pesquisas. Minas pode jogar um papel importante na aliança se o PSB apoiar o ex-governador Anastasia e indicar o ex-prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, para vice de Alckmin. O governador do DF, Rodrigo Rollemberg, o ex-governador Renato Casagrande e o ex-deputado Beto Albuquerque são simpáticos à aliança.

Até agora, Alckmin é um sobrevivente entre os caciques do PSDB. Por causa da Lava-Jato, os senadores Aécio e José Serra (SP) mergulharam. O desgaste do envolvimento da legenda nas delações premiadas da Odebrecht e da JBS são enormes. As investigações chegaram ao Metrô de São Paulo e ao Rodoanel, grandes obras realizadas no estado onde o cartel das empreiteiras alimentou o caixa dois eleitoral. Nenhuma denúncia atingiu diretamente o governador paulista, que se manteve longe dos holofotes nacionais, embora seja muito criticado por isso.

Asas

Mas é bom o governador paulista fritar o peixe com um olho no ninho e o outro no gato, no caso, João Doria e o presidente Michel Temer. O prefeito de São Paulo dá sinais de que pode bater asas a qualquer chamado, principalmente se vier do Palácio do Planalto. Por ora, o candidato dos sonhos do grupo palaciano é próprio presidente Michel Temer se a economia mantiver o rumo de retomada do crescimento e a intervenção no Rio de Janeiro der os frutos que esperam. O próprio Temer faz tudo o que pode para embaraçar a candidatura de Alckmin e já andou dizendo que poderia apoiar um “nome novo” na política.

Com a saída de cena de Luciano Huck, a ala tucana insatisfeita com o estilo de Alckmin também já começa a ensaiar o coro “Doria, presidente!”. E o prefeito tem passagem fácil entre os jovens empresários do mercado financeiro que estimulavam o apresentador a se candidatar a presidente da República. Em Brasília, velhas raposas políticas que tiveram um papel importante no impeachment e apoiam o governo não veem essa alternativa com maus olhos, muito pelo contrário. Mas foi por essa razão que Alckmin aceitou a tese dos dois palanques em São Paulo, já que Doria não aguenta mais a prefeitura de São Paulo, melhor que seja candidato a governador.

 


Luiz Carlos Azedo: O drible a mais

A intervenção federal no Rio de Janeiro agastou ainda mais as relações entre o presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não digeriu até hoje o fato de ter sido atropelado pela decisão, que somente aceitou a pedido do governador Luiz Fernando Pezão. Apesar de ter viabilizado a aprovação da intervenção na Casa, numa votação que entrou pela madrugada, Maia ontem abriu as baterias contra o pacote de 15 medidas econômicas que o governo pretende aprovar, entre as quais a autonomia do Banco Central: “Não li, nem vou ler”.

“Foi um equívoco, foi desrespeito ao parlamento, já que os projetos já estão aqui e nós vamos pautar aquilo que nós entendermos como relevante, no nosso tempo”, afirmou Maia. “Este anúncio precipitado de ontem (segunda), sem um debate mais profundo, eu acho que não colabora e essa não será a pauta da Câmara. O governo não precisa ficar apresentando pautas de projetos que já estão aqui. Isso é um café velho e frio que não atende à sociedade”, garantiu.

Vamos aos bastidores: Maia estava numa posição confortável em relação à política fluminense, cada vez mais poderoso em razão do colapso do governo de Luiz Fernando Pezão e do fortalecimento do ex-prefeito carioca César Maia, seu pai, como alternativa ao Palácio Guanabara. A intervenção virou o jogo na política estadual, devido ao crescente protagonismo do secretário-geral da Presidência, Moreira Franco, ex-governador do estado, que tenta resgatar o MDB fluminense da crise em que mergulhou depois da Operação Lava-Jato. Os altos índices de aprovação da intervenção federal na segurança pública do estado pela opinião pública praticamente anularam sua capacidade de resistência à medida.

O governo, porém, deu um drible a mais ao anunciar o pacote de medidas econômicas sem consulta a Maia. Uma coisa foi a aprovação da intervenção, com apoio maciço em plenário, outra é pautar a agenda da Câmara sem negociar com seu presidente. Não tem a menor chance de dar certo. Por duas razões: Maia tem o poder de pautar ou não as matérias que vão à discussão em plenário, a não ser que sejam adotadas por medida provisória, o que agravaria o estresse; segundo, o presidente da Câmara exerce uma liderança muito compartilhada com o colégio de líderes, onde a negociação pressupõe a formação de maioria antes de qualquer matéria ir a plenário para ser votada.

Já havia uma tensão entre o presidente da Câmara e o Palácio do Planalto na questão da reforma da Previdência. O ministro Carlos Marun, da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política, pressionava Maia para pôr a PEC em votação mesmo sem garantia de que o governo teria maioria para aprová-la. Maia refugava, não queria queimar a reforma numa derrota anunciada. De uma hora para a outra, o governo deu um cavalo de pau e enterrou a bandeira da nova Previdência. Maia ficou com um mico na mão.

Do outro lado do Congresso, o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (MDB-CE), que também pautou para votação a intervenção no Rio de Janeiro, endossou as críticas de Maia. Afirmou que a pauta do Congresso é definida pelo Congresso e não pelo Palácio do Planalto. Eunício reagiu a declarações do líder do governo, Romero Jucá (MDB-RR), a favor da aprovação da agenda econômica de Temer pelo Congresso.

Presas
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu prisão domiciliar a presas gestantes sem condenação ou que forem mães de filhos com até 12 anos. Serão beneficiadas 4,5 mil detentas, cerca de 10% da população carcerária feminina. Cada tribunal terá 60 dias para implementar a medida, que valerá também para mães que tiverem crianças com deficiência. Relator da ação, o ministro Ricardo Lewandowski foi o primeiro a votar favoravelmente ao pedido.

Destacou que apenas 34% das prisões femininas contam com dormitório adequado para gestantes, só 32% dispõem de berçário somente 5% dispõem de creche. “Partos em solitárias sem nenhuma assistência médica ou com a parturiente algemada ou, ainda, sem a comunicação e presença de familiares. A isso se soma a completa ausência de cuidado pré-natal”, destacou o ministro.

O relator foi acompanhado por Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Edson Fachin divergiu parcialmente, para que fosse feita análise mais rigorosa da situação das mulheres presas, considerando apenas o interesse da criança. A decisão se deu com base em um habeas corpus coletivo, o que reforça a tendência no Supremo Tribunal Federal (STF) de aceitação de mandados de busca e apreensão coletivos, como pleiteia o governo para combater o tráfico de drogas no Rio de Janeiro.


Luiz Carlos Azedo: Um dia de cada vez

Para os militares, não se trata de esperar o traficante atirar para reagir, mas de matar o bandido que estiver ostensivamente armado na primeira oportunidade

“Só por hoje” é o lema dos dependentes químicos que participam de grupos de autoajuda, como Alcoólicos Anônimos. É a síntese do famoso método dos Doze Passos, criado nos Estados Unidos, em 1935, por William Griffith Wilson e pelo doutor Bob Smith, conhecidos pelos membros do AA como “Bill W” e “Dr. Bob”. Muito difundido no Brasil, é utilizado também por instituições que trabalham com recuperação de outras dependências, como a da cocaína, por exemplo. Começa sempre pelo reconhecimento da impotência para enfrentar a dependência. É mais ou menos essa a estratégia que será adotada pelo Palácio do Planalto na intervenção federal no Rio de Janeiro. Reduzir os indicadores de violência enfrentando o crime organizado com ações a cada dia.

Começou ontem, com as operações de bloqueio e fiscalização das fronteiras e pontos estratégicos do estado, com objetivo imediato de inibir o roubo de cargas, o contrabando de armas e a entrada de drogas. Domingo, no Palácio do Planalto, na reunião com ministros e assessores, entusiasmado com os resultados da pesquisa do Ibope que constatou 83% de aprovação para a intervenção federal, Temer decidiu que as ações deveriam buscar a redução dos crimes que mais geram insegurança na cidade, com ações nos locais de maior incidência e nos setores mais atingidos da economia. Na avaliação do governo, a reestruturação das forças policiais e o combate à banda podre das polícias Civil e Militar somente terão êxito se vierem acompanhados de resultados mensuráveis, que possam ser divulgados à população.

A estratégia “um dia de cada vez” tem tudo a ver com o calendário eleitoral, o projeto de reeleição do grupo palaciano que defende a candidatura de Temer e a necessidade de o presidente da República dar um cavalo de pau na agenda do governo, com o fracasso anunciado do esforço para aprovação da reforma da Previdência. Isso explica os desencontros entre o Palácio do Planalto e o general Braga Netto, comandante militar do Leste, nomeado como interventor federal para comandar a área de segurança, que abrange as polícias Civil e Militar, os bombeiros e o sistema penitenciário. O general interventor foi pego no contrapé pela rebelião no presídio de Japeri, no domingo, que acompanhou a distância. Na segunda-feira, em nota, explicou que ainda aguardava a aprovação do decreto pelo Congresso antes de assumir o comando efetivo do sistema de segurança fluminense.

Foi preciso que o ministro da Defesa, Raul Jungmann, viesse a público explicar a situação. Político, o ministro deixou claro que o cargo de interventor é civil e que o emprego das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem obedecerá aos comandantes militares. Disse também que a escolha do general se deveu ao fato de que a intervenção se limitou à segurança pública; se fosse mais abrangente, como chegou a ser cogitado, talvez fosse um economista, porque se pensou em intervir nas finanças do Rio de Janeiro. Numa situação dessa, aí seria o caso de o governador Luiz Fernando Pezão, já tão desmoralizado, entregar as chaves do Palácio Guanabara para o presidente da República.

Nos bastidores das Forças Armadas, como nos revelou o editor de Política do Correio, Leonardo Cavalcanti, há muita pressão para que o governo ofereça mais garantias legais para o emprego de forças do Exército, Marinha e Aeronáutica no combate direto aos traficantes. Mesmo com a mudança da legislação, que garante julgamento pela Justiça Militar em casos de processos penais, os militares consideram as salvaguardas insuficientes. Há dois raciocínios embutidos aqui: primeiro, a intervenção é um recurso extremo, que não pode fracassar como missão (há um exagero nisso, pois trata-se de uma ação de curto prazo e emergencial para um problema crônico, que demanda ações estruturantes de quase todas as políticas públicas); segundo, a lógica de guerra, na qual não existe o princípio de proporcionalidade do emprego da força, mas sim o da superioridade e letalidade. Trocando em miúdos, para os militares, não se trata de esperar o traficante atirar para reagir, mas de matar o bandido que estiver ostensivamente armado na primeira oportunidade. Essa salvaguarda não existe. O que pode haver, além do que já existe, é o mandado de busca e apreensão coletivo, pleiteado para permitir que as tropas façam revistas em busca dos esconderijos das armas dos traficantes.

Sucessão
Em meio a essa situação, o Alto Comando do Exército se reuniu ontem para discutir o futuro da Força. Na prática, iniciou-se a sucessão do comandante Eduardo Villas Bôas, que está muito doente, embora exerça plena liderança intelectual e comando efetivo das tropas. Serão escolhidos os substitutos de quatro generais que passarão à reserva em março: Juarez de Paula Cunha (Ciência e Tecnologia), Antônio Mourão (sem função), Theófilo Oliveira (Logística) e João Campos (comandante militar do Sudeste). Agora, o mais antigo oficial do Alto Comando é o general Fernando Azevedo e Silva, chefe de Estado-Maior, que passa a ser o sucessor natural de Villas Bôas, por ser o mais antigo. Ambos são amigos e afinados politicamente, ao contrário de Mourão, que estava afastado da tropa e sem poder de mando desde quando deu declarações admitindo uma eventual intervenção militar, numa reunião da Maçonaria em Brasília.


Luiz Carlos Azedo: Agora, sim. 2018!

Pesaram na decisão de Huck o encerramento precoce de uma carreira bem-sucedida na TV Globo, as pressões familiares e, sobretudo, as incertezas da política

Ainda vão se realizar os desfiles das escolas de samba campeãs do carnaval do Rio de Janeiro e de São Paulo, haverá o rescaldo dos blocos de frevo e maracatu no Recife, muita gente ainda vai atrás dos trios elétricos em Salvador; enfim, carnaval acabou, mas, até o fim de semana, as ruas estarão cheias de foliões. Entretanto, o ano eleitoral começou.

A notícia do dia foi a segunda desistência de Luciano Huck, aquele que sonhou com Ulysses e não atravessou o Egeu, apesar do canto das sereias, isto é, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do presidente do PPS, Roberto Freire (SP). Com a desistência, levaram a melhor, em primeiro lugar, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que já estava sendo “cristianizado” pelos demais tucanos de alta plumagem; em segundo, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que pleiteia a vaga de candidato à Presidência da República do PPS.

Certamente, pesaram na decisão de Huck o encerramento precoce de uma carreira bem-sucedida na TV Globo, as pressões familiares e, sobretudo, as incertezas da política. Huck precisaria de uma aliança robusta para compensar a falta de tempo de televisão e de recursos do PPS caso se filiasse a este partido, o que somente aconteceria se o seu nome roncasse nas pesquisas, o que não aconteceu. Ou, então, filiar-se a um partido maior, como o DEM, mas perderia o charme de candidato do “novo”. Em qualquer das situações, teria que largar em inferioridade de condições, com Bolsonaro à frente, embolado com Marina Silva (Rede) e tendo nos seus calcanhares Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos).

Isso é coisa para profissional da política, não é para principiantes. Qualquer marqueteiro ou especialista em pesquisas não interessado em vender os próprios serviços à campanha diria que esse é um cenário muito adverso, desafiador, ou seja, uma missão para alguém que não tivesse nada a perder nas eleições. Não é o caso de Huck, que teria tudo a perder e nenhuma garantia de que venceria o pleito. Com a desistência do apresentador, a ideia de uma debacle do sistema partidário atual, com um estouro de boiada que possibilitasse a emergência de uma nova e arrebatadora força política, morre praticamente no nascedouro.

A campanha eleitoral de 2018 começa com uma guerra de posições, como querem os atores políticos tradicionais, e não com uma guerra de movimento, na qual o único protagonista por enquanto é Bolsonaro. A contrarreforma política operada pelos grandes partidos começa a impor as regras do jogo, essa é a verdade. Os grandes partidos têm a vantagem estratégica de maior tempo de televisão e de mais recursos financeiros, porém, não têm candidatos que apareçam como favoritos.

Nesse cenário, o PSDB leva certa vantagem em relação ao PMDB, cujo candidato, se houver, será o presidente Michel Temer; ao PT, que deve lançar o ex-governador Jacques Wagner ou o ex-prefeito Fernando Haddad; e ao DEM, que ensaia a candidatura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ). Marina Silva, Ciro Gomes e Álvaro Dias também apostam na guerra de movimento, como Bolsonaro. Mas não são propriamente uma novidade na política, como seria Huck.

Habeas corpus
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, lançou mais uma pá de cal na candidatura do ex-presidente Lula. Ontem, manifestou-se contra a concessão de um habeas corpus ao petista, que foi condenado a 12 anos e 1 mês, em regime inicialmente fechado, pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), responsável pelos processos da Operação Lava-Jato em segunda instância.

Os desembargadores decidiram que a pena deverá ser cumprida quando não couber mais recurso ao tribunal, mas a defesa de Lula tenta evitar sua prisão recorrendo aos tribunais superiores, com o argumento de que ninguém pode ser considerado culpado “até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, segundo a Constituição. O pedido já havia sido negado pelo ministro Humberto Marins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas a defesa de Lula recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Luiz Edson Fachin, relator do processo no STF, também negou o habeas corpus, mas decidiu que a palavra final caberá ao plenário da Corte, formado por mais 10 ministros.

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Luiz Carlos Azedo: Tristeza também faz parte

O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo de Lula, que pode ser preso

Domingo de carnaval não é um dia muito apropriado para falar de política, embora o tema mais badalado no carnaval deste ano, obviamente, seja exatamente a mixórdia da política nacional, cujos personagens mais ilustres são alvos sistemáticos da troça popular. Foi-se o tempo em que a apologia dos políticos vivos era enredo de escola de samba. Agora, o melhor para os políticos é passar o carnaval recolhido, porque a maré não está boa para a maioria deles.

No Rio de Janeiro, por exemplo, o prefeito Marcelo Crivela (PRB) faz o que pode para desfazer a imagem de que é o inimigo público número 1 dos foliões cariocas. Visitou o Sambódromo, recebeu o Rei Momo, Milton Junior, no Palácio da Cidade e até gravou vídeo falando que tudo está às mil maravilhas na cidade, cujo hino começa como abertura de sinfonia e acaba como marchinha de carnaval.

O vídeo de Crivela viralizou nas redes porque diz que as ruas amanhecem limpas depois da passagem dos blocos, os hospitais funcionam a pleno vapor, a guarda municipal garante a segurança dos blocos e não faltará transporte para quem quiser assistir aos desfiles no Sambódromo. Arriscou até a previsão do tempo, prometendo sol em abundância nos dias de folia. De gozação, os cariocas dizem que o prefeito estava doidão quando fez a gravação. Alegria, alegria, apesar dos tiroteios na Rocinha e em outras “comunidades”.

Não se fazem fantasias como antigamente. Boa parte vem embalada da China e lembra os super-heróis hollywoodianos. Na velho Saara, o tradicional comércio popular do Centro do Rio de Janeiro, no qual árabes e judeus vivem em plena harmonia, um adereço não custava mais do que R$ 5; uma fantasia do Batman ou da Mulher-Maravilha, R$ 49. O controle da inflação e a baixa taxa de juros ajudaram os foliões.

Já as fantasias das escolas de samba são outra história, estão cotadas em euros e dólar, porque desfilar na Sapucaí virou pacote turístico. Para sair numa das alas da Mangueira, uma fantasia não fica por menos de R$ 1.600; na Império Serrano, a Ala das Feras cobra R$ 1.000. Na São Clemente, Paraíso do Tuiuti e na Unidos da Tijuca, era possível pagar R$ 700 para desfilar no primeiro grupo.

Habeas corpus
Carnaval tem de tudo. Por exemplo, depois da morte do Jamelão, não existe ninguém mais rabugento no mundo musical carioca do que o Alfredinho, dono do Bip-Bip, na Almirante Gonçalves, em Copacabana, que abriga uma das mais tradicionais rodas de samba da cidade. Seu bloco sai à meia-noite e um minuto do sábado de carnaval e às 23h59 da terça-feira Gorda. Para evitar superlotação, ele sempre diz aos desconhecidos que não pretende abrir o único boteco self-service carioca durante o carnaval e diz que não sabe se o bloco vai sair. É sempre mentira!

Tristeza também faz parte do carnaval, que nos diga a belíssima Máscara Negra, samba de Zé Kéti, eternizado na voz de Dalva de Oliveira. E o habeas corpus do folião de raça, aquele descrito em prosa e verso por Ary Barroso e Elizeth Cardoso, em Camisa Amarela, que mergulha no turbilhão carnaval com um reco-reco na mão e só reaparece na Quarta-feira de Cinzas cantando A Jardineira.

Mas eis que chegamos à política. O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, que pretende evitar a prisão do ex-presidente. Além disso, Fachin submeteu a decisão final ao plenário do STF, formado por 11 ministros. Lula está condenado a 12 anos e 1 mês em regime semiaberto pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), em um processo da Lava-Jato. Pela decisão dos desembargadores, a pena deverá ser cumprida quando não couber mais recurso na 2ª instância da Justiça.

A defesa de Lula, que agora tem à frente o ex-presidente do STF Sepúlveda Pertence, apresentou habeas corpus ao STF pedindo que o ex-presidente não seja preso até o processo transitar em julgado. Pleiteava que o caso fosse analisado pela Segunda Turma, formada pelos ministros Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli. A datada decisão será definida pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia. Não foi uma boa notícia para o petista, que luta na Justiça para não ser preso, nem enquadrado na Lei da Ficha Lima, que o torna inelegível, ou seja, deixa-o fora da disputa eleitoral de 2018.


Luiz Carlos Azedo: Os gastos da União

Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal do que a União, porque não podem fechar o ano no vermelho

O falecido historiador carioca José Honório Rodrigues, autor de Conciliação e reforma no Brasil, era um crítico da história focada na construção do Estado nacional e seus protagonistas. Era fã incondicional do cearense Capistrano de Abreu, autor de Caminhos antigos e povoamento do Brasil, obra que revolucionou a historiografia brasileira e motivou seus grandes intérpretes, de Euclides da Cunha, com os Sertões, a Jorge Caldeira, que acaba de lançar História da Riqueza do Brasil. Honório dizia que o grande problema das reformas no Brasil era o distanciamento entre a União e a sociedade brasileira. Formado em Direito pela Universidade do Brasil, em 1937, fez parte de uma geração que mudou o modo de olhar o Brasil, ao lado de Sérgio Buarque de Holanda, Pedro Calmon, Américo Jacobina Lacombe, Nelson Werneck Sodré e Caio Prado, entre outros.

Liberal moderado, às vésperas do golpe militar de 1964, fez um diagnóstico sobre a política nacional que vem bem a calhar, embora o contexto seja completamente diferente: “As aspirações atuais do povo brasileiro crescem mais rapidamente do que os níveis de satisfação promovidos pelas minorias dominantes. A diferença entre o padrão de vida que possui e o nível de vida a que aspira aumenta sempre mais. Nem por isso ele busca soluções extremistas porque é, como convém repetir, infenso, por feitio, às ideologias. Sua posição não é engaiolada, doutrinária, fechada, dogmática, mas flexível, conciliável, personalista; ele aceita as mais esdrúxulas alianças, promovidas pelas cúpulas, e rejeita, de um ou de outro lado, as atitudes discriminatórias, fanáticas, indiscutíveis, extremas…”(Aspirações Nacionais, 1963).

Ao prefaciar a 4ª edição da mesma obra, em 1970, nos anos de chumbo do regime militar, Honório fez uma afirmação premonitória do que viria a ser a transição à democracia, com a eleição no colégio eleitoral de Tancredo Neves, em 1985: “A situação política atual se caracteriza pela existência de três minorias e uma maioria. Duas minorias exaltadas e neuróticas, uma liberticida e outra libertária, ação e reação conviventes, irmãs no extremo da conduta política, embora se apresentem como adversárias. A terceira minoria moderada pode e deve vencer as outras duas e trazer para o seu lado a maioria desprezada”. Diante do cenário de radicalização política e incertezas eleitorais que estamos vivendo, nada mais atual!

O divórcio

O secular divórcio entre a União e a sociedade permanece. Somente não é mais grave porque a maioria da sociedade preza a democracia e não endossa as narrativas de desestabilização, seja à esquerda ou à direita. Esse divórcio se reflete também no pacto federativo, acirra desigualdades e idiossincrasias regionais, esgarça a relação entre os entes federados. Basta examinar as contas da União de 2017. A arrecadação líquida do governo federal, depois das transferências de receitas para Estados e municípios, terminou 2017 com um aumento de 2,5%, em termos reais, na comparação com 2016.

O ex-secretário da Receita Everardo Maciel, em artigo publicado na sexta-feira, no Valor Econômico, destaca que estados e municípios registraram superavit primário de R$ 7,5 bilhões em 2017, de acordo com dados do Banco Central divulgados quinta-feira, ante uma previsão de deficit de R$ 1,1 bilhão. O governo controlou as despesas, que caíram 1% em relação a 2016, em termos reais, mas o deficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) ficou em R$ 118,4 bilhões, abaixo da meta de R$ 159 bilhões prevista em lei. Maciel indaga: “por que razão o setor público vai passar de um deficit primário de R$ 110,6 bilhões, registrado em 2017, para um deficit de R$ 161,3 bilhões, que é a meta fiscal definida em lei para este ano? Como isso será feito?”

Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, investem mais e melhor do que a União e têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal porque não podem fechar o ano no vermelho, ao passo que o governo federal pretende aumentar o rombo nas contas públicas em R$ 50 bilhões. “Além da generosa meta fiscal, o governo está autorizado, constitucionalmente, a aumentar os seus gastos deste ano em R$ 89 bilhões”, destaca Maciel. É obvio que essa “folga” existe para facilitar a vida da base do governo nas eleições, em vez de aproveitar a reforma ministerial para cortar na própria carne.

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Luiz Carlos Azedo: O espírito das leis

O Supremo é o guardião da Constituição, com poder de intervir em atos do Poder Executivo ou em relação a leis aprovadas pelo Legislativo que contrariarem a Carta Magna

Um dos pais do Estado moderno, para Montesquieu havia três tipos de governos: o republicano, “aquele no qual todo o povo, ou pelo menos uma parte dele, detém o poder supremo”; o monárquico, no qual “governa uma só pessoa, de acordo com leis fixas e estabelecidas”; e o despótico, em que “um só arrasta tudo e a todos com sua vontade e caprichos, sem leis ou freios”. Essa definição existe desde 1748, quando foi publicada em Genebra, em dois volumes, a sua obra O espírito das leis, sem o nome do autor, porque havia sido proibida na França. Dois anos depois, a proibição foi suspensa e a obra virou um verdadeiro best-seller, com 22 edições em 15 meses.

A referência a Montesquieu, que sofreu forte influência de Aristóteles e John Locke, vem a propósito da narrativa petista sobre o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos ataques do líder petista ao Judiciário. Seu comportamento é típico de um candidato a déspota, como o descrito no início desta prosa, e não de um réu injustiçado. O grande objetivo de Montesquieu foi garantir a liberdade política e tornar impossível o despotismo, através de uma separação de poderes ampla e absoluta: “Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares”.

Ontem, ao reabrir os trabalhos do Judiciário, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, na presença do presidente Michel Temer e dos presidentes da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), reafirmou o velho princípio de separação de poderes e aproveitou para responder aos ataques de Lula: “Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial pela qual se aplica o direito. Pode-se buscar reformar a decisão judicial pelos meios legais e pelos juízos competentes. O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la. Justiça individual fora do direito não é justiça, senão vingança ou ato de força pessoal.”

Carmem Lúcia fez a ressalva de que a Justiça também não está acima do bem e do mal: “O Judiciário aplica a Constituição e a lei. Não é a Justiça ideal, é a humana, posta à disposição de cada cidadão para garantir a paz. Paz que é o contínuo dos homens e das instituições. Se não houver um juiz a proteger a lei para os nossos adversos, não haverá um para nos proteger no que acreditamos ser o nosso direito”.

Lava-Jato
Essa questão nos remete aos debates da elaboração da Constituição norte-americana, protagonizados por Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, origem do “americanismo”, que hoje influencia fortemente a magistratura brasileira. Eles escreveram 85 artigos para O federalista, publicados sob o pseudônimo Publiu, em Nova York, entre outubro de 1787 e maio de 1788, dos quais cinco foram dedicados ao Judiciário. Uma das inovações dos federalistas foi a introdução do princípio de que a Suprema Corte é a guardiã da Constituição, com poder de intervir em atos do Poder Executivo e/ou em relação a leis aprovadas pelo Legislativo, quando estas contrariarem a Carta Magna. Esse é o principal contrapeso para garantir a democracia contra os excessos do Executivo e eventuais maiorias parlamentares.

Nesse aspecto, foi importante também o posicionamento da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, num momento em que se arma uma coalizão no Executivo e no Legislativo para acabar com a Operação Lava-Jato: “O Ministério Público tem agido e pretende continuar a agir com o propósito de buscar resolutividade, para que a Justiça seja bem distribuída; para que haja o cumprimento da sentença criminal após o duplo grau de jurisdição, que evita impunidade; para defender a dignidade humana, de modo a erradicar a escravidão moderna, a discriminação que causa infelicidade, e para assegurar acesso à educação, à saúde e a serviços públicos de qualidade.”

 

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Luiz Carlos Azedo: A batalha perdida

Pode haver uma ultrapassagem da radicalização, típica de um processo de eliminação das diferenças, e a construção de um novo consenso, no qual a moderação, o pluralismo e a tolerância prevaleçam

Na Espanha do rei José II, no século XIV, segundo José Ortega e Gasset, todos os seres tinham o direito e o dever de serem o que eram, fossem “dignificados ou humildes, abençoados ou malditos”. O judeu ou árabe eram, para as demais pessoas, “uma realidade, dotada do direito de ser, com uma posição social só sua e seu próprio lugar na pluralidade hierárquica do mundo”. No limiar do século seguinte, porém, judeus e mouros foram obrigados a deixar a Espanha pelo rei católico Fernando II. Segundo o filósofo espanhol, essa foi a gênese da primeira geração moderna. “De fato, é o homem moderno que pensa ser possível excluir determinadas realidades e construir um mundo segundo as próprias preferências, à semelhança de uma ideia pré-concebida”, ressalta.

O exemplo é citado pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman ao abordar a relação entre verdade, ficção e incerteza no mundo contemporâneo (O mal-estar da pós-modernidade, Zahar). A tolerância em relação às diferenças no mundo pré-moderno era resultado de uma visão conservadora do tipo “tudo já está em seu lugar”. O rei Fernando da Espanha foi precursor de uma estratégia “que seria aplicada, com maior ou menor zelo e com maior ou menor êxito, ao longo da história moderna e em todas as partes do globo”. A destruição da diferença era o pressuposto da nova ordem. Mas a guerra contra a diferença e a pluralidade foi perdida em todo lugar. “A história moderna resultou, e a prática moderna continua resultando na multiplicação de divisões e diferenças.”

O aspecto novo das diferenças na pós-modernidade seria “a fraca, lenta e ineficiente institucionalização das diferenças e a resultante intangibilidade, maleabilidade e o curto período de vida”. O “desencaixe” existencial e as dificuldades para definir “projetos de vida” e construir a própria identidade, típicos das gerações mais jovens, seriam consequência não apenas da desestruturação das classes da antiga sociedade industrial, mas também da ausência de pontos de referência duradouros, como as ideologias do século passado. O “mundo lá fora” é cada vez mais virtual e parecido com um jogo, no qual as regras mudam de uma hora para outra. Qual o sentido de uma identidade vitalícia se as pessoas estão sendo obrigadas a se reinventar?

Ficção e realidade
Bauman recorre aos ensaios literários de Milan Kundera e Umberto Eco para dizer que talvez a verdade esteja mais na ficção dos romances do que na aparência das pessoas, cujas verdadeiras identidades são mutantes, estão ocultas ou dissimuladas. Muito do que está acontecendo na política brasileira tem a ver com tudo isso. Há um choque monumental entre as nossas práticas políticas tradicionais, encasteladas nas instituições de poder, e uma realidade social em mudança, com o agravante de que a reboque dos efeitos da globalização. Há um abismo entre uma elite política e seus partidos envelhecidos e as transformações em curso na sociedade, nas quais as pessoas comuns foram “desconstruídas”, mas estão plugadas nas redes sociais.

Não deixa de ser um paradoxo o cenário eleitoral que se apresenta. Nas redes sociais, um candidato de ficção à esquerda, que se tornou inelegível, acredita que pode voltar ao poder se reeditar velhas fórmulas políticas, nas quais as diferenças são sufocadas pela intolerância ideológica; de outro, um candidato real, porta-voz de práticas embrutecidas, que também quer sufocar as diferenças, inclusive as de costumes e de comportamento. No processo eleitoral real, porém, prevalece a força da ordem institucional. As regras do jogo favorecem os grandes partidos, a imunidade parlamentar e a sobrevida de uma geração política que pretende empurrar a fila para trás. Entretanto, a fragmentação e as diferenças predominam, tanto nas redes sociais, quanto no sistema político, o que aumenta as incertezas.

A lógica natural das coisas será a transferência gradativa das disputas políticas e ideológicas das redes sociais para o processo eleitoral, ou seja, toda a diversidade e a fragmentação existentes na sociedade buscarão representação nos partidos e em suas candidaturas. Nesse sentido, pode haver uma ultrapassagem da radicalização direita versus esquerda, típica de um processo de eliminação das diferenças, e a construção de um novo consenso, no qual a moderação, o pluralismo e a tolerância prevaleçam. Essa é a equação que está posta na disputa eleitoral para a Presidência da República, tendo por pano de fundo uma tremenda crise ética na política, que ameaça tragar as principais lideranças, seja nos tribunais, seja no silêncio das urnas.

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