Nas entrelinhas

Luiz Carlos Azedo: A criminalização da política

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua inelegibilidade exacerbam as tensões entre os políticos e promotores, delegados federais e magistrados que os investigam

A criminalização da política é a outra face da moeda de sua judicialização. São fenômenos que refletem a velha tensão entre a ética da responsabilidade e a ética das convicções, conceitos que ajudam a entender as vicissitudes da Operação Lava-Jato e seus atores, o inferno astral dos políticos às vésperas das eleições e o racha entre “garantistas” e “punitivistas” no Supremo Tribunal federal (STF). Essa bola rola quadrada no debate eleitoral, mais ou menos como aconteceu com a nossa seleção no jogo contra a Bélgica, na sexta-feira, um adversário sem tradição nas finais da Copa do Mundo. Entretanto, quem sentiu o peso da camisa foi a equipe do Brasil, pentacampeã mundial.

Aproveitando o parêntese, não é só na política e na economia que não entendemos a globalização. O Brasil exporta aviões, carne, soja, café, minérios e jogadores de futebol. Com exceção dos aviões, são matérias-primas que serão processadas e beneficiadas, recebendo valor agregado lá fora, o que inclui os jogadores de futebol. O mundo no qual os nossos jogadores surpreendiam os adversários e seus esquemas táticos com a habilidade do drible e a criatividade das jogadas deixou de existir. Na conquista do Penta, no Japão, a maioria dos nossos craques já era globalizada. No futebol, como acontece com a nossa economia, exportamos craques, mas não importamos a expertise organizacional e comercial dos grandes clubes europeus para acompanhar as mudanças em curso no mundo.

Nossos craques são cosmopolitas, nossos dirigentes, provincianos; jogadores como Neymar são estrelas do marketing esportivo mundial, milionários da “sociedade do espetáculo”, que vendem marcas tanto fora quanto dentro de campo. Lobistas e patrimonialistas, nossos principais cartolas de nível internacional entraram em cana. Com a globalização, empresas e instituições estão sendo obrigadas a assumir regras cada vez mais rigorosas de compliance, para respeitar as normas legais e “evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade” que possa ocorrer.

Marco Polo del Nero, José Maria Marin e Ricardo Teixeira, os três últimos presidentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), montaram um esquema corrupto que arrecadou pelo menos R$ 120 milhões em propinas. Segundo investigações lideradas pelo FBI, cobraram uma espécie de “pedágio” de cada empresa que procurava a entidade com a meta de fechar acordos de transmissão ou de exploração de marketing. O que impressionou os investigadores foi o caráter sistemático das propinas cobradas. “Eles conspiraram de forma intencional para fraudar a CBF”, concluiu o Departamento de Justiça dos EUA.

Lava-Jato
Alguém pode estar imaginando: o que isso tem a ver com a crise ética e a Lava-Jato? Muita coisa. O sucesso da Lava-Jato não se deve apenas às “delações premiadas” de executivos, agentes públicos e políticos, que não estão ocorrendo apenas por causa das longas prisões preventivas, como acusam seus críticos. Deve-se, em grande parte, às regras de compliance de empresas europeias e norte-americanas e dos bancos suíços. Grandes esquemas de lavagem de dinheiro do mercado financeiro internacional, sem os quais as operações de caixa dois não seriam possíveis, foram desmantelados. Com a saída da Inglaterra do Brexit, os paraísos fiscais das ex-colônias britânicas estão sendo devassados. Mesmo que os poderosos doleiros sejam soltos, o “esquema” foi desmantelado.

Retomando o fio da meada: a criminalização da política não foi uma consequência da Lava-Jato, ao contrário; ela é uma decorrência do patrimonialismo e do uso generalizado de caixa dois nas campanhas eleitorais, com recursos desviados de obras e serviços públicos. Em razão de uma legislação frouxa, esse tipo de prática estava incorporado à cultura política tradicional, na qual o que distinguia o político honesto do ladrão era a formação de patrimônio com recursos de campanha e não a origem do dinheiro. Com a Constituição de 1988, legalmente, essa prática estava condenada, mas a ficha não caiu, até o julgamento do mensalão pelo STF. A resposta ao julgamento, porém, não foi a erradicação do caixa dois; foi a sua sofisticação e centralização, conforme nos mostra a Operação Lava-Jato. Mas, subestimou-se o papel dos órgãos de controle do Estado (MPF, PF, Receita etc.) e a cooperação internacional.

Hoje, a crise ética é um vetor da disputa eleitoral e ameaça levar de roldão a elite política do país. A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua inelegibilidade mostram que ninguém está a salvo de uma condenação. O caso exacerba as tensões entre políticos e promotores, delegados federais e magistrados que os investigam. Às vésperas das eleições, pôs na berlinda os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que substituíram os militares no papel de “poder moderador” na vida nacional, mas se digladiam em público em razão de divergências doutrinárias sobre direitos dos réus, esferas de competência e grau de punibilidade dos envolvidos na Lava-Jato. No Congresso, os políticos envolvidos já articulam uma espécie de anistia para os casos de caixa dois eleitoral e o fim da prisão imediata após condenação em segunda instância, a pretexto de “descriminalizar” a política.

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Luiz Carlos Azedo: O fim melancólico

Políticos e servidores teriam atuado para cometer fraudes na concessão de registros sindicais. A criação de sindicatos virou uma indústria, verdadeira mamata

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) surgiu pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943, sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas, unificando toda legislação trabalhista existente no Brasil. Seu principal objetivo foi regulamentar as relações individuais e coletivas do trabalho. Foram 13 anos de estudos e discussões — desde o início do Estado Novo até 1943 — entre destacados juristas, como Arnaldo Lopes Süsseking, José de Segadas Viana, Oscar Saraiva, Luiz Augusto Rego Monteiro e Dorval Lacerda Marconde, que se empenharam em criar uma legislação que atendesse à necessidade de proteção do trabalhador, sob a égide de um Estado regulador, corporativista e intervencionista, de tendência fascista, o Estado Novo.

Desde a sua publicação, a CLT sofreu várias alterações, para ser adaptada à modernização do país. Continua sendo o principal instrumento para regulamentar as relações de trabalho e proteger os trabalhadores, mas passa por um processo de reformas que visa sua desregulamentação. Flexibilizar a contratação de trabalhadores passou a ser uma necessidade para que o mercado de trabalho se adapte às mudanças econômicas e tecnológicas ditadas para globalização e pelo que já está sendo chamado de “capitalismo de dados”.

A CLT não foi a simples sistematização da vasta legislação trabalhista produzida no país após um plano coerente. Embora tenha recebido o nome de “consolidação”, introduziu novos direitos e regulamentos até então inexistentes. Tratou minuciosamente da relação entre patrões e empregados: regras referentes a horários a serem cumpridos pelos trabalhadores, férias, descanso remunerado, condições de segurança e higiene dos locais de trabalho etc. Até hoje, a anotação dos contratos de trabalho deve ser feita na carteira de trabalho instituída em 1932, símbolo maior da Era Vargas.

Apesar de sua reforma administrativa ou dos investimentos em infraestrutura e na indústria de base, a imagem de Vargas como protetor da classe trabalhadora está colada à CLT. A outra face dessa moeda, porém, foi a intervenção nos sindicatos de trabalhadores, que, até então, sofriam forte influência anarquista. O trabalhismo de Alberto Pasqualini e San Tiago Dantas, apoiado por Vargas, foi alavancado por um sindicalismo chapa branca, pelego, inspirado na Carta Del Lavoro do ditador italiano Benito Mussolini. Originário da Itália, o fascismo foi uma resposta à crescente influência comunista entre os trabalhadores italianos após a Revolução Russa de 1917.

Com a abertura comercial e as privatizações do setor produtivo estatais, após a redemocratização, a estrutura sindical brasileira é o que ainda resta da Era Vargas. Durante os governos Lula e Dilma, seus líderes gozaram de um poder sem precedentes. Nem quando João Goulart foi ministro do Trabalho de Vargas, na década de 1950, ou presidente da República, no começo dos anos 1960, os sindicalistas tiveram tanto prestígio. A chamada “República Sindical” que se atribuía ao governo de Jango, em 1964, nem de longe se compara ao poder dos sindicatos e seus líderes a partir de 2002.

Com Lula no poder, os sindicalistas do PT e seus aliados da CUT e demais centrais sindicais passaram a controlar a Petrobras, os fundos de pensão e os ministérios da Previdência e do Trabalho, ao mesmo tempo em que o prestígio e a influência das centrais aumentaram no Congresso. A criação de sindicatos virou uma indústria, verdadeira mamata. A Operação Lava-Jato, que desnudou a corrupção institucionalizada na Petrobras, e as investigações nos fundos de pensão, porém, mostram a outra face desse poder. Agora, as investigações estão chegando aos sindicatos e aos sindicalistas, que sempre estiveram blindados por uma legislação que impedia a fiscalização de suas contas, a pretexto de defender a autonomia sindical.

Fio da meada

Ontem, Helton Yomura, ministro do Trabalho, renunciou ao cargo, depois de ser afastado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. É suspeito de envolvimento com suposta organização criminosa que, segundo a Polícia Federal, cobrava pela emissão de registros de sindicatos. Na carta de demissão, Yomura afirma: “Estou ciente de que jamais pratiquei ou compactuei com qualquer ilicitude”.

No pedido feito a Fachin para deflagrar a nova etapa da operação, a Polícia Federal também solicitou autorização para cumprir mandados de busca e apreensão em endereços do ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo), mas o ministro do STF e a Procuradoria-geral da República entenderam que não havia provas suficientes contra ele. Segundo a PF, políticos e servidores teriam atuado para cometer fraudes na concessão de registros sindicais.

É um fim melancólico para a Era Vargas, num momento em que os sindicatos de trabalhadores precisam se reinventar, pois enfrentam mudanças estruturais na economia, que demandam mais tecnologia e menos mão de obra, e um golpe mortal no gigantismo e no assistencialismo das entidades, com o fim do imposto sindical. Quem quiser que se iluda, o escândalo é apenas o fio de uma meada.

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Luiz Carlos Azedo: A liturgia do cargo

Dias Toffoli assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro e já toma decisões levando em conta a expectativa de poder que o mundo jurídico lhe reserva

“Não há limite. Vamos pensar: os caras são vitalícios, nunca serão responsabilizados via STF ou via Congresso e ganharão todos os meses o mesmo subsídio. Sem contar o que ganham por fora com os companheiros que beneficiam. Para que ter vergonha na cara?”, disparou a procuradora da República Monique Cheker no Twitter, logo após criticar o líder do governo, deputado André Moura (PSC-CE), por indicar “advogados, primos e dona de salão” para a Dataprev. A frase foi interpretada como uma crítica aos ministros do STF, o que a procuradora nega em outro post: “Não há menção a ministros do STF”.

Em reação à procuradora, o integrante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Luiz Fernando Bandeira de Mello encaminhou à Corregedoria Nacional do MP um pedido para que seja apurada a eventual menção da procuradora da República a ministros do STF que ganhariam “por fora com os companheiros que beneficiam”. No documento, Bandeira pede para que seja investigada a real autoria da publicação nas redes sociais e, se confirmada, a “eventual infração disciplinar”. Em outro post, Cheker não deixa por menos. diz que CNPM “é um órgão extremamente importante para o controle disciplinar de membros do MP mas está enfrentando uma péssima fase, olhando twitters e postagens no Facebook, sem qualquer indícios de falta disciplinar, quando há muito o que fazer no combate à corrupção.”

Na verdade, o clima esquentou entre procuradores e ministros do Supremo por causa de decisões da Segunda Turma do STF e algumas decisões monocráticas de ministros do STF libertando presos da Operação Lava-Jato e arquivando inquéritos que, depois de sucessivas prorrogações, não apresentaram provas cabais contra os indiciados. Líder da força-tarefa que investiga a Lava-Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, por exemplo, não digeriu a soltura do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu: “Min. Toffoli mantém preso réu que furtou uma bermuda de 10 reais. Já Dirceu, que desviou milhões e também tem mais de uma condenação em seu histórico, foi solto pelo mesmo ministro, que foi subordinado ao réu na Casa Civil”, disparou.

“Dirceu foi preso p/ cumprir pena qd vigiam cautelares (como tornozeleira). Em seguida, 2ª Turma suspendeu pena contra decisão do STF q permite prisão em 2ª instância Naturalmente, cautelares voltavam a valer. Agora, Toffoli cancela cautelares de seu ex-chefe (sic)”, escreveu o procurador. Desafeto de Dellagnol, o advogado Rodrigo Tacla Duran, investigado pela Lava-Jato, não perde uma oportunidade para atacar o procurador no Twitter: “Repudiar e desrespeitar decisão judicial de instância superior virou hábito dos que naturalmente não investigam ex-colegas e se fazem de rogado. Buscam desviar o foco com opiniões contraditórias corporativistas e hipócritas”, provocou.

Sacis e cangurus
Duran vive refugiado na Espanha e teve sua delação premiada recusada pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba. Em outra postagem, provoca a força-tarefa da Lava-Jato: “Já ouviu falar na “denúncia saci”? É aquela da Lava Jato de Curitiba, que não para em pé, porque não tem perícia, não investiga contradições de delator e escamoteia provas contra a tese de acusação ou que possam atingir protegidos”. Dellagnol havia criticado no Twitter os recursos apresentados pelas defesas dos réus da Lava-Jato ao STF: “Já ouviu falar no ‘habeas corpus canguru’? De liminar em liminar, um processo vai pulando instâncias e chega até o STF, sem decisão definitiva nem na 1ª instância”.

Quem se deu conta de que é preciso ir devagar com o andor foi o juiz Sérgio Moro, que levou uma invertida do ministro do STF Dias Toffoli por ter intimado José Dirceu a adotar medidas cautelares, entre as quais a colocação de tornozeleiras. Moro “recuou os alfs”, como diria o folclórico Neném Prancha, grande filósofo do futebol carioca, e disse que havia interpretado de forma errada a decisão da Segunda Turma do Supremo. Havia uma certa ironia na desculpa que deu, diante da polêmica libertação do petista (provavelmente, a decisão não seria a mesma na primeira turma ou em plenário).

Mas caiu a ficha de que há uma mudança em curso no Supremo. A ministra Cármen Lúcia deixará a Presidência do Supremo em setembro. Dias Toffoli assumirá seu lugar e, de certa forma, já toma decisões levando em conta a expectativa de poder que o mundo jurídico lhe reserva. Entretanto, seria bom que o exemplo de Moro, ao respeitar a liturgia dos cargos, fosse levado em conta também pelos ministros do Supremo, que são os guardiões da ordem constitucional.

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Luiz Carlos Azedo: A cartada de Lula

O petista pretende manter o PT unido e evitar a divisão de seus eleitores entre o apoio ao candidato do PDT, Ciro Gomes, e uma candidatura própria que ainda precisa ser catapultada

“Desafio apresentarem provas do meu crime até o dia 15 de agosto, quando serei registrado candidato a presidente”, disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em carta lida ontem pela presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann (PR), na sede da Executiva do partido. Lula cumpre pena de 12 anos e 1 mês por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, no caso do tríplex no Guarujá, e fez diversas tentativas junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), que entrou em recesso, para sair da cadeia em Curitiba e suspender sua inelegibilidade, todas fracassadas. A carta faz um duro ataque ao ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, e ao próprio Supremo.

“Primeiro, o ministro Fachin retirou da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal o julgamento do habeas corpus que poderia impedir minha prisão e o remeteu para o Plenário. Tal manobra evitou que a Segunda Turma, cujo posicionamento majoritário contra a prisão antes do trânsito em julgado já era de todos conhecido, concedesse o habeas corpus(…)

Em seguida, na medida cautelar em que minha defesa postulou o efeito suspensivo ao recurso extraordinário, para me colocar em liberdade, o mesmo Ministro resolveu levar o processo diretamente para a Segunda Turma, tendo o julgamento sido pautado para o dia 26 de junho (…)

No entanto, no apagar das luzes da sexta-feira, 22 de junho, poucos minutos depois de ter sido publicada a decisão do TRF-4 que negou seguimento ao meu recurso (o que ocorreu às 19h05m), como se estivesse armada uma tocaia, a medida cautelar foi dada por prejudicada e o processo extinto, artifício que, mais uma vez, evitou que o meu caso fosse julgado pelo órgão judicial competente (decisão divulgada às 19h40m).

Minha defesa recorreu da decisão do TRF-4 e também da decisão que extinguiu o processo da cautelar. Contudo, surpreendentemente, mais uma vez o relator remeteu o julgamento deste recurso diretamente ao Plenário. Com mais esta manobra, foi subtraída, outra vez, a competência natural do órgão a que cabia o julgamento do meu caso (…)”, disparou Lula.

Repete-se a estratégia fracassada de Lula no julgamento em primeira instância, no qual foi condenado a 9 anos e dois meses de prisão em regime fechado pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, e no julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, no qual a pena foi aumentada para 12 anos e 1 mês, já em execução. Não se deve subestimar o poder de influência de um ex-presidente da República no Supremo, mas sempre há um rito formal a observar. Nesse caso, o réu se insurge contra o juiz como se estivesse num tribunal de exceção, o que não é o caso.

O substituto
Há inúmeros exemplos de estratégia do tipo “a defesa acusa” ao longo da história, todas elas em processos na natureza política e não, criminal. É famoso o caso do capitão Alfred Dreyfus, acusado de vender informações secretas aos alemães, que recebeu pena de prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa, em 1894. Quatro anos depois, ilustres personalidades resolveram denunciar o processo, entre as quais os escritores Émile Zola e Anatole France, o poeta Charles Péguy e os compositores Alfred Bruneau e Albèric Magnard. Só em julho de 1906 sua inocência foi reconhecida e ele pôde ser reabilitado.

Lula tece a narrativa de que é vítima de uma grande injustiça, ao mesmo tempo em que trava uma batalha de bastidor para derrubar a jurisprudência da Corte que determina a execução da pena em segunda instância. Perdão para o trocadilho, mas a cartada de Lula não mira apenas o ministro Fachin. Ao radicalizar o discurso e reiterar sua candidatura a presidente da República, mesmo estando inelegível em razão da Lei da Ficha Limpa (já não se trata de jurisprudência), pretende manter o PT unido em torno de sua liderança e evitar a divisão da legenda entre o apoio ao candidato do PDT, Ciro Gomes, que já atrai seus eleitores no Nordeste, e uma candidatura própria que ainda precisa ser catapultada.

Ao mesmo tempo em que divulgou a carta de Lula, o PT anunciou os nomes dos coordenadores de campanha: o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli (coordenador-geral executivo), os ex-ministros Ricardo Berzoini (coordenador de finanças), Luiz Dulci e Gilberto Carvalho, e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto. O coordenador-geral do programa Lula de governo é o ex-prefeito Fernando Haddad (SP), na verdade, o candidato que Lula pretende indicar num “dedazo”, para substituí-lo na cédula eleitoral.

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Luiz Carlos Azedo: O mexicano e Neymar

Neymar entrou em campo com disposição de apanhar sem reclamar, como o personagem de Jack London. Foi perseguido, derrubado, chutado, mas não perdeu a cabeça nem se acovardou

Jack London, cujo verdadeiro nome era John Griffith Chaney (1876-1916), escreveu mais de 50 livros, alguns viraram roteiros de cinema, como Chamado selvagem, talvez o mais conhecido. Foi o primeiro escritor norte-americano realmente popular e mundialmente conhecido, o que só não o deixou rico porque gastava demais. Seus biógrafos acreditam que era filho do astrólogo William Chaney. Flora Wellman, sua mãe, uma professora de música e espiritualista que alegava receber o espírito de um chefe indígena, vivia com Chaney em São Francisco. Ele exigiu que ela fizesse um aborto e negou qualquer responsabilidade pela criança quando ela se recusou. Em desespero, Flora tentou suicídio, ficando superficialmente ferida ao atirar em si mesma. Quando o bebê nasceu, Flora entregou-o à ex-escrava Virgínia Prentiss, que criou o autor de Caninos brancos e O lobo do mar, e se tornou a principal referência para London.

As aventuras extremas narradas por London mostram quase sempre o homem como lobo do homem e em luta pela sobrevivência frente aos elementos da natureza, muitas das quais foram realmente vividas por ele. Alcoólatra e brigão, London percorreu os Estados Unidos e o Canadá como vagabundo, pegando carona em trens. Foi operário, mineiro e militante socialista. Marinheiro, caçou focas no Pacífico e participou da corrida do ouro no Alasca na virada do século. Influenciou toda uma geração de escritores, alguns dos quais também tiveram uma vida romanesca, como John dos Passos, John Steinbeck, Ernest Hemingway e Jack Kerouac. London morreu após uma overdose de morfina autoaplicada, no dia 22 de novembro de 1916, aos 40 anos. Teve uma vida urgente, coerente com suas palavras: “Não desperdiçarei meus dias tentando prolongá-los. Usarei meu tempo”.

Materialista, seu último romance, dedicado à mãe, é o Andarilho das estrelas, que muitos consideram uma conversão ao kardecismo. Inspirado pelo relato verídico de um ex-detento da penitenciária de San Quentin, o livro versa sobre um prisioneiro do começo do século 20 que aprende um meio para escapar à tortura da camisa de força a que era constantemente submetido. Através de técnicas de auto-hipnose, concentração mental e extremo domínio da vontade, ele consegue produzir o fenômeno que os parapsicólogos chamam de “desdobramento” e que, na linguagem mística, é conhecido por “viagem astral”. Ao entrar nesse estado de consciência, ele não apenas supera a dor física, como também alcança uma outra dimensão: a viagem às suas vidas passadas, às suas encarnações anteriores.

Maturidade

Um dos personagens mais instigantes de London é o mexicano Felipe Rivera. É aí que entra Neymar, o craque da vitória de ontem contra o México, por 2 a 0. Com o Brasil subindo de produção a cada jogo, Neymar foi o melhor em campo, esqueçam aquele jogador que não parava em pé, discutia com os adversários e reclamava do juiz. A mudança foi radical até no visual. Atento e desconfiado, Rivera é um patriota fanático, que pede ao chefe da Junta de Recrutamento que o deixe trabalhar pela Revolução Mexicana (1910-1921). Os membros da Junta desconfiam do rapaz miúdo e humilde, pois Rivera se dedica integralmente à causa e, às vezes, aparece machucado, mas sempre traz dinheiro para a Junta. Um dia, o segredo de Rivera vem à tona: ele atravessa a fronteira nos dias de folga para lutar box no Texas, nos Estados Unidos. É assim que consegue dinheiro e ouro para a Revolução.

Ontem, em Samara, Neymar entrou em campo com a disposição de apanhar sem reclamar, como o mexicano de Jack London nos ringues texanos. Foi perseguido pelos adversários, derrubado, chutado dentro de campo e até pisoteado fora dele, mas não perdeu a cabeça nem se acovardou. Foi mais o mexicano Rivera do que seus covardes adversários. Como a maioria dos companheiros de equipe que participaram daquela humilhante derrota de 7 a 1 para a Alemanha, na Copa no Brasil, Neymar não é mais um garoto. Parece que a maturidade chegou, finalmente, aos 26 anos. Nessa Copa, os maiores jogadores do mundo, Cristiano Ronaldo e Messi, viram Portugal e Argentina serem eliminadas e o sonho de serem campeões do mundo por seus países se desfazer numa eliminatória. O mesmo trauma de Zico, que foi campeão do mundo apenas de clubes, pelo Flamengo.

Neymar já é o quarto maior artilheiro da história da Seleção, com 57 gols, atrás somente de Zico (66), Ronaldo (67) e Pelé (95). Com o 56º gol, contra a Costa Rica, na fase de grupos, havia se igualado a Romário. A Seleção Brasileira também parece ter atravessado o rubicão. A próxima partida será contra a Bélgica, a grande revelação até agora, que suou a camisa para vencer o Japão por 3 a 2. O Brasil, porém, realmente entrou na disputa da Copa, ao lado da França e do Uruguai. Que venham os belgas!

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Luiz Carlos Azedo: O abismo à frente

A crise ética, a violência do cotidiano, a desagregação da família e uma economia que demanda mais tecnologia e menos mão de obra explicam muita coisa, inclusive o recrudescimento da misoginia, do preconceito, da intolerância e da radicalização política

A famosa Escola de Frankfurt, que reuniu a nata da inteligência judaico-alemã — Theodor Adorno, Max Horkheimer (os dois apertam as mãos na foto em destaque), Hebert Marcuse, Erich From, Friedrich Pollok, Franz Neumann e Jürgen Haberman, Walter Benjamin, entre outros — exerceu notável influência sobre o pensamento social-democrata e liberal no século passado. Surgiu para explicar o fracasso da revolução socialista (espartaquista) na Alemanha, mas acabou dedicando boa parte de sua “teoria crítica” ao estudo das razões que levaram o povo alemão a apoiar o nazismo.

O livro Grande Hotel Abismo (Companhia das Letras), do jornalista britânico Stuart Jeffries, conta a história desse grupo de jovens intelectuais judeus de famílias abastadas, que foi obrigado a fugir da Alemanha para sobreviver ao nazismo e buscou refúgio nos Estados Unidos. Curiosamente, o Instituto de Pesquisa Social nasceu sob influência soviética e foi financiado por um banqueiro alemão, numa cidade onde os judeus buscavam a plena integração e o sucesso social, tendo eleito o prefeito local em 1924. Em 1933, eram 26 mil asquenazes em Frankfurt; antes que terminasse a Segunda Guerra Mundial, 9 mil haviam sido deportados. Hoje, os mortos do Holocausto são homenageados em 11.134 cubos de metal na Wand der Namen.

Entretanto, a Escola de Frankfurt, como se tornou conhecida, logo renegou a ortodoxia marxista. Seus integrantes não concordavam com a tese de que os intelectuais devem transformar o mundo, eram céticos em relação à luta política e se colocavam acima dos partidos. Haviam abandonado a conexão entre a teoria e a prática, mas não imaginavam que muitos anos depois, após maio de 1968, intelectuais como Adorno e Marcuse seriam os gurus de estudantes radicais e da chamada nova esquerda.

Para a esquerda mais ortodoxa, o fascismo era “a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro”, uma fórmula simplificada, que permitiria aos comunistas alemães classificarem a socialdemocracia como uma força “social-fascista”, num ajuste de contas pelo fracasso da Liga Espartaquista, que tentou tomar o poder em 1919. Enquanto a esquerda se digladiava, o fascismo se expandia pela Europa, com ajuda das tropas nazistas (Itália, Alemanha, Hungria, Bulgária, Áustria, Espanha, França, Holanda, Romênia, Suíça, Polônia, Grécia e Iugoslávia), chegava ao Oriente (Japão, China e Líbano) e à América Latina (Brasil, Chile e Costa Rica).

Como explicar a adesão das massas ao fascismo? Esse debate emergiu na Escola de Frankfurt por vias completamente diferentes da abordagem tradicional. Wilhelm Reich, por exemplo, em 1933, no livro Psicologia de massas do fascismo, atribuiu sua ascensão à repressão sexual. Para ele, a família não era, como tinha sido para Hegel, uma zona autônoma que resistia ao Estado, mas a miniatura de um Estado autoritário que preparava a criança para sua ulterior subordinação. Esse debate foi retomado por Erich Fromm, o principal formulador do grupo na área de psicanálise, para quem o sadismo era a outra face da moeda do masoquismo, conforme a conclusão de Freud. O sadomasoquismo era caracterizado por um esforço compulsivo em busca de ordem.

Freud explica
Na República de Weimar, quando a Alemanha transitava para o capitalismo monopolista de Estado, o povo alemão estava impotente, esmagado pela crise econômica e espiritualmente alienado. De forma sadomasoquista, não pretendia mudar o próprio destino, preferiu se submeter à autoridade que faria isso por ele. “O desejo de estar sob uma autoridade é canalizado para um líder forte, enquanto outras figuras paternas específicas tornam-se alvo de rebelião”, escreveu Fromm. A personalidade autoritária de Hitler não somente governou a Alemanha em nome de uma autoridade maior, a superioridade racial ariana, como a tornou atraente para o povo alemão, principalmente uma insegura classe média.

Essa abordagem freudiana do fascismo tornou-se predominante na Escola de Frankfurt, mas não era única. Foi contestada por outros intelectuais, que viam o fascismo como a resultante do capitalismo de Estado e do nacionalismo, entre outras causas. Mas há que se reconhecer: ela tem o seu valor, pode ajudar a compreender certos fenômenos que não têm uma explicação aparente e nos surpreendem pelo mundo afora. Não é à toa que a chamada “teoria crítica” da Escola de Frankfurt desperta um novo interesse. A crise das democracias e a estagnação econômica no Ocidente contrastam com a modernização e emergência de regimes autoritários no Oriente.

No Brasil, por exemplo, o buraco negro do chamado centro democrático não tem a ver apenas com a crise ética de nossa elite política; a violência do cotidiano, a desagregação da família unicelular-patriarcal e uma economia que, demandando mais tecnologia e menos mão de obra, explicam muita coisa, inclusive o recrudescimento da misoginia, do preconceito de gênero e racial, da intolerância religiosa e da radicalização ideológica no debate eleitoral. “O indivíduo assustado busca alguém ou algo a que possa atrelar o seu ‘eu’”, diria Fromm. Ou seja, à incapacidade de mudar o seu próprio destino, o cidadão comum desesperançado procura alguém que supostamente possa fazê-lo na marra.

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Luiz Carlos Azedo: Cunha livre?

Se a regra fosse adotada para todos os presos, as cadeias brasileiras se esvaziariam em 40%, média de detidos em caráter provisório

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu ontem um habeas corpus para revogar a prisão preventiva do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), decretada pelo juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte. Cunha continua preso, por causa de outros decretos de prisão em Brasília e no Rio de Janeiro, mas a decisão sinaliza mais uma vez que a confusão na Corte é grande, por causa das divergências de entendimento dos ministros em relação à própria jurisprudência. O Supremo parece uma biruta de aeroporto, desnorteia a opinião pública e gera instabilidade política, em meio à crise ética que desmoraliza a elite política do país.

Tecnicamente, a decisão de Marco Aurélio tem fundamento constitucional. Está em linha com as declarações recentes do ministro, entre as quais, suas reiteradas críticas ao fato de o Supremo não rediscutir o mérito da execução das penas em segunda instância. A prisão de Cunha foi decretada em junho do ano passado, com base em “evidências da atuação delitiva no favorecimento do grupo OAS na concessão de aeroportos”. Depoimento de colaborador e dados bancários atestam a transferência de R$ 4 milhões da Odebrecht ao diretório do PMDB no Rio Grande do Norte, utilizados na campanha eleitoral de Henrique Eduardo Alves ao governo do estado.

Em recentes decisões, a segunda turma do Supremo, apelidada de Jardim do Éden, mitigou o instituto da delação premiada, que foi apartado das provas, e desconsiderou doações legais como comprovação de corrupção e lavagem de dinheiro. Marco Aurélio participa da primeira turma, chamada nos bastidores do tribunal como “Câmera de Gás”. A existência das turmas no Supremo, jabuticaba criada para desafogar a Corte, está virando um problema institucional.

A defesa de Cunha alega, entre outros pontos, a invalidade dos fundamentos da custódia cautelar, por considerar inexistente risco à ordem pública diante da ausência de contemporaneidade entre os fatos, ocorridos entre 2012 e 2015, e a prisão. Destaca também que seu cliente não mais concorrerá a cargo eletivo, fato que impede possível atuação na arrecadação de fundos para campanhas eleitorais.

Na liminar, Marco Aurélio destacou que Cunha está preso há um ano e 19 dias, sem que tenha sido julgado pelos fatos em questão. Essa situação, segundo o relator, configura excesso de prazo da custódia. “Privar de liberdade, por tempo desproporcional, pessoa cuja responsabilidade penal não veio a ser declarada em definitivo viola o princípio da não culpabilidade”, afirmou. A manutenção da prisão preventiva, para o relator, seria autorizar a execução antecipada da pena, ignorando-se a garantia constitucional da não culpabilidade.

Se essa regra fosse adotada para todos os presos, as cadeias brasileiras se esvaziariam em 40%, média de detidos em caráter provisório. Os processos da esmagadora maioria dos presos não transitaram em julgado. No Brasil, o direito penal é originário das Ordenações Manuelinas, que estabeleciam penas distintas para os mesmos crimes, dependendo da condição social dos réus. Cortesãos, funcionários públicos e proprietários tinham privilégios em relação ao povo. Vem daí o foro privilegiado.

Cartas de seguro

O rei D. Manuel, o Venturoso (ou Felicíssimo), liderou a formação do Império Ultramarino português, de 1495 a 1521. Os preceitos jurídicos que estabeleceu foram organizados em cinco volumes, publicados de 1512 até a sua morte, ou seja, logo após o Descobrimento. Os réus ficavam à mercê das disparidades de tratamento, segundo suas condições e estado; da discricionariedade e arbitrariedade dos juízes, que não lhes davam conta das razões porque haviam sido condenados; e se sujeitavam às violências do sistema, açoites, mutilações, degredo para os limites mais distantes do reino, quando não à pena de “morte por zelo”.

Dois institutos sobrevivem até hoje na nossa legislação penal: as seguranças reais, que se solicitam à Justiça, não por criminosos, mas por inocentes “que temem com justa causa ser inquietados por outros” (Forais de Fresno); e as cartas de seguro, que consistiam no decreto pelo qual o juiz concedia ao réu pronunciado para captura a faculdade de comparecer em juízo e, sob certas condições, regressar solto do crime de que era acusado, permanecendo em liberdade, até que se concluísse a causa (Cortes d’Elvas, 1361).

Ontem, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu remeter ao plenário o recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que pede a suspensão da condenação de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá. No agravo, a defesa de Lula sustenta que os dias em que ele é mantido em cárcere jamais lhe serão devolvidos. Afirma ainda que, por ser pré-candidato à Presidência da República, o petista corre sérios riscos de ter seus direitos políticos indevidamente cerceados, o que, em vista do processo eleitoral em curso, mostra-se “gravíssimo e irreversível”.

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Luiz Carlos Azedo: Só a vitória nos une

Quem quiser que se iluda, a libertação de José Dirceu em meio à Copa do Mundo é uma espécie de amostra grátis do que pode acontecer com a Operação Lava-Jato após o recesso do Judiciário

Uma das poucas coisas na vida nacional que ainda demonstram nossa coesão social é a seleção de futebol em jogos da Copa do Mundo, como ontem, em Moscou, quando a equipe brasileira derrotou a Sérvia, uma das nações mais antigas da Europa, originária de eslavos que migraram da Galícia durante o século VII.

Católicos ortodoxos (herança bizantina), durante 400 anos, o país foi dominado pelo Império Otomano. Somente no século XX, o sonho de grandeza dos sérvios atingiu seu apogeu, com a criação da Iugoslávia, que incorporou Montenegro, Croácia, Macedônia, Bósnia e Kosovo. Com o colapso do socialismo no Leste europeu, porém, o plano da Grande Sérvia deu lugar à recidiva de sua “balcanização”, após os bombardeios da OTAN, em 1999. Até hoje, Kosovo e Metohija estão sob ocupação da ONU.

Nossos problemas nem de longe se comparam aos da Sérvia. À medida que vai convencendo o país que tem qualidade técnica e garra para disputar o título de hexa campeão do mundo, a Seleção Brasileira nos une na vitória. Na derrota, é outra história: espalha baixo-astral. Por isso, vamos para o mata-mata contra o México com medo de um revés, embora o time de Tite tenha jogado bem melhor do que nas partidas anteriores, inclusive Neymar, que não simulou faltas nem reclamou do juiz. Tiago Silva, Paulinho e, mais uma vez, Phillipe Coutinho foram heróis em campo. A vitória de ontem funcionou como uma espécie de antídoto contra as nossas decepções.

De onde vem essa chama da Seleção Brasileira, que incendeia os corações brasileiros? A rigor, vem da vitória canarinha de 1958, na Suécia, quando Pelé e Garrincha assombraram o mundo, num time que tinha ainda Gilmar, De Sorti, Bellini, Mauro, Nílton Santos, Orlando, Didi, Vavá e Zagalo, entre outros craques. O Brasil perdeu o complexo de vira-latas adquirido desde a derrota para o Uruguai, na Copa de 1950, em pleno Maracanã. O time azul-celeste é estraga prazeres; agora, derrotaram os anfitriões russos na fase classificatória.

Em 1958, nem o gol sueco que inaugurou o placar abalou a equipe. Didi pegou a bola e foi andando com ela debaixo dos braços até o meio de campo. O Brasil virou o jogo, ganhou por 5 a 2. Naquela época, o país vivia em clima de bossa-nova. O governo de Juscelino Kubitschek era democrático, empreendedor e esbanjava otimismo. O Plano de Metas pretendeu atuar em cinco setores da economia nacional: energia, transportes, indústrias de base, alimentação e educação. Houve crescimento em 100% na indústria de base. Brasília já estava em construção.

A vitória da seleção deu ao país mais confiança no futuro e coesão social, embora de forma momentânea, porque a inflação e o desequilíbrio cambial logo esgarçaram as relações na sociedade e acirraram a radicalização política, o que resultou mais tarde na renúncia de seu sucessor eleito, Jânio Quadros, e na deposição do vice-presidente que assumiu em seu lugar, João Goulart, em 1964.

O clima de ontem, em razão do jogo da Seleção, ainda é um ponto fora da curva. O esgarçamento social e a radicalização política são muito preocupantes. Pode ser que fiquem congelados por causa dos jogos, mas assim que a Copa terminar, mesmo que o Brasil seja campeão, darão o tom no processo eleitoral. A não ser que haja um realinhamento de forças políticas, que rompa a polarização direita-esquerda protagonizada pelo deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa polarização, agora, está sendo alavancada por decisões contraditórias do Supremo Tribunal Federal (STF).

Iluminismo

Quem quiser que se iluda, a libertação de José Dirceu em meio à Copa do Mundo é uma espécie de amostra grátis do que pode acontecer com a Operação Lava-Jato após o recesso do Judiciário. A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também pleiteia sua libertação, que provavelmente teria ocorrido na terça-feira, se o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, não houvesse remetido o caso ao plenário da Corte. O argumento dos advogados de Lula é o mesmo que serviu de base para a libertação de Dirceu: a “plausabilidade recursal”. Eles querem suspender a execução da pena de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado imposta ao ex-presidente da República, no caso do tríplex de Guarujá. Alegam cerceamento da defesa e exasperação da punição.

Uma mudança de rumo no Supremo, às vésperas das eleições, pode consolidar o cenário de radicalização política. O direito positivo aparta as decisões judiciais das questões morais, essa é a nossa cultura jurídica dominante. A Lava-Jato, entretanto, desnudou o patrimonialismo da nossa elite política e trouxe à luz uma grave crise ética, à qual os tribunais não têm como ignorar. O sujeito iluminista (“penso, logo existo”) é uma marca registrada da magistratura. Como ator político, porém, costuma ser um desastre, porque não é capaz de perceber nem liderar os movimentos da sociedade. Ainda mais uma sociedade como a nossa, com o cotidiano marcado pelas injustiças e pela desigualdade.

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Luiz Carlos Azedo: Ação entre amigos

A libertação de José Dirceu é comemorada como a maior vitória do PT contra a Lava-Jato. A mesma situação pode se caracterizar em relação ao ex-presidente Lula

São notórias as ligações entre o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli e o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu (governo Lula), de quem foi subordinado e apadrinhado político. Por isso mesmo, não faltarão os que acusarão o ministro, que assumirá a presidência do Supremo em setembro, de julgar uma ação quando deveria se declarar impedido. Ontem, por iniciativa de Toffoli, a segunda turma do STF decidiu libertar o líder petista, por três votos a um.

Condenado a 30 anos e 9 meses de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa na Operação Lava-Jato, o petista já havia começado a cumprir a pena neste ano, mas a defesa recorreu ao Supremo da decisão do Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região. A libertação de José Dirceu corrobora a tese de que está em curso a decantação da Lava-Jato, que está sendo acelerada; nela, a segunda turma funciona como uma grande centrífuga.

A iniciativa de libertar José Dirceu foi acompanhada pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, foi o único a votar contra; Celso de Mello não participou do julgamento. Segundo Toffoli, há “plausibilidade jurídica” no recurso da defesa apresentado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de segunda instância. A pena de Dirceu pode ser reduzida no STJ e no próprio STF.

Toffoli havia negado um recurso da defesa de Dirceu apresentado em abril, para evitar a prisão. Na ocasião, o ministro adotou o entendimento do Supremo, que autoriza a detenção após a segunda instância, desde 2016. “À luz do princípio da colegialidade, tenho aplicado em regra o entendimento predominante na Corte a respeito da execução antecipada”, decidiu à época. Com a negativa do recurso, o juiz federal Sérgio Moro, responsável pela condenação em primeira instância, decretou a prisão do ex-ministro.

Ontem, Toffoli não somente mudou seu entendimento, como criou uma exceção, que pode ser aplicada também a outros casos individualmente. É o precedente com o qual conta a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para conseguir relaxar sua prisão, embora a decisão não caiba à segunda turma, porque Fachin remeteu o caso para o plenário do Supremo.

O ministro-relator da Lava-Jato, porém, perdeu sustentabilidade na turma. Ontem, pediu vista do caso Dirceu, mas acabou atropelado por Toffoli, que propôs a soltura em caráter provisório, acolhendo pedido de liminar da defesa. Se fosse aguardar o voto de Fachin sobre a ação, a decisão poderia ficar para agosto, já que, em julho, o STF entra em recesso, e a sessão desta terça era a última da segunda turma neste semestre.

Fachin chegou a alertar Toffoli de que a decisão seria contrária ao entendimento da maioria da Corte, mas Toffoli saiu pela tangente da exceção: “Jamais fundamentei contrariamente à execução imediata da pena pelo STF”. Onde passa boi, passa boiada. A decisão deve provocar uma enxurrada de recursos ao Supremo dos condenados na Lava-Jato que estão cumprindo pena. É possível que a decisão tenha repercussão na sessão do Supremo marcada para hoje.

Festa petista
A libertação do líder petista é comemorada como a maior vitória do PT contra a Lava-Jato. Recentemente absolvida pela segunda turma, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, comemorou a decisão da tribuna do Senado. “Quero registrar a liberdade do companheiro José Dirceu, que também tem enfrentado um calvário na sua vida. Também tem lutado contra o arbítrio do Judiciário, de processos eivados de vícios. E que, hoje, a segunda turma lhe fez justiça novamente, libertando-o da prisão, sem nenhuma restrição”, afirmou Gleisi.

O processo de Dirceu teve origem na investigação de irregularidades na Diretoria de Serviços da Petrobras. O petista foi acusado de receber dinheiro de empresas terceirizadas contratadas pela Petrobras, por meio de Milton Pascowitch, lobista e um dos delatores da Lava-Jato. A empreiteira Engevix, segundo as investigações, por meio de projetos junto à Diretoria de Serviços da Petrobras, teria celebrado contratos simulados com a JD Consultoria, empresa de Dirceu, e realizado repasses de mais de R$ 1 milhão por serviços não prestados.

Apesar das ponderações do Ministério Público Federal, a decisão da segunda turma não levou em conta o mérito das acusações, apenas o chamado “devido processo legal”, ou seja, o fato de a ação não ter ainda “transitado em julgado”. A mesma situação pode se caracterizar em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre pena de prisão em Curitiba por ter sido condenado em segunda instância.

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Luiz Carlos Azedo: O caso Lula

Velhos adversários querem Lula fora da eleição; encarcerado,não, porque podem passar pela mesma situação

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou ontem com um agravo para que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RF-4) reconsidere a decisão que rejeitou o recurso extraordinário destinado ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a condenação do petista a 12 anos e um mês de prisão no caso do tríplex do Guarujá. A vice-presidente do tribunal, desembargadora federal Maria de Fátima Freitas Laberrère, na sexta-feira, havia rejeitado os argumentos da defesa. Ontem mesmo, o ministro Édson fachin, relator da Lava-Jato, remeteu o caso de Lula para o plenário do Supremo.

Condenado em janeiro pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está encarcerado na Superintendência de Polícia Federal em Curitiba. Os desembargadores consideraram o ex-presidente culpado no caso do tríplex do Guarujá, investigado pela Operação Lava-Jato. Com base na Lei da Ficha Limpa, Lula está fora disputa eleitoral de 2018, na qual ainda desponta como político de maior prestígio popular, segundo as pesquisas.

A defesa de Lula argumenta que houve cerceamento da defesa e desrespeito a direitos constitucionais no processo que o levou à condenação pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, e pelo próprio TRF-4, que aumentou sua pena de nove para doze anos. Os advogados apostam no ambiente de divisão no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à Lava-Jato e à jurisprudência da própria sobre a execução de penas de prisão após a condenação em segunda instância.

Recentemente, o ministro Marco Aurélio Mello chegou a dizer que a prisão de Lula é ilegal. Não foi uma declaração impensada. A jurisprudência sobre a execução de pena de prisão após condenação em segunda instância, caso de Lula, embora tenha sido reafirmada duas vezes pela Corte, quanto ao mérito, conta hoje com apoio de apenas cinco dos seus onze ministros.

Somente não foi derrubada porque a ministra Rosa Weber considera a mudança de jurisprudência, neste momento, casuística e geradora de insegurança jurídica, ainda mais às vésperas das eleições. Doutrinariamente, porém, a ministra defende a execução das penas somente após o “transitado em julgado”, ou seja, depois de esgotados os recursos às instâncias superiores de Judiciário. O caso Lula exacerba as divergências na Corte porque serve de divisor de águas em relação à Operação Lava-Jato.

Lula seria julgado hoje na Segunda Turma do STF, mas o ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, mandou arquivar o pedido de liberdade do ex-presidente, depois que a vice-presidente do TRF-4 negou o recurso de Lula ao STF e aceitou a remessa para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). A defesa de Lula apela para que o ex-presidente aguarde em liberdade, enquanto os recursos são julgados nas instâncias superiores. De quebra, pede a suspensão da inelegibilidade de Lula.

Instabilidade
De certa forma, o epicentro da crise ético-política do país está se deslocando para o Supremo Tribunal Federal (STF). As divergências entre os ministros e a falta de solidariedade entre eles fragilizam as decisões de maioria da Corte, que são contestadas “desde dentro”. O atraso nos julgamentos, pelo Supremo, dos políticos denunciados pela Operação Lava-Jato, que somente agora começam a ocorrer, exacerba as tensões entre ministros e amplia as pressões dos políticos.

Armou-se uma ampla coalizão política contra a Operação Lava-Jato. O ex-presidente Lula não aceita a condenação que lhe foi imposta nem a inelegibilidade. Manteve sua candidatura à presidente da República e mobiliza a solidariedade de correligionários e aliados. Recebe também o apoio tácito, nos bastidores do Supremo, de antigos adversários que agora estão enrolados na Lava-jato.

O velho efeito Orloff – “eu sou você amanhã” – funciona a favor de Lula, pois sua prisão sinaliza para outros envolvidos que ninguém está livre do mesmo destino, ainda mais se as acusações são mais robustas do que as do caso do tríplex de Guarujá. É uma situação contraditória: velhos adversários querem Lula fora da eleição; encarcerado,não, porque podem passar pela mesma situação.

Um complicador é o fato de que a dinâmica da política, que agora está sendo ditada pelo calendário eleitoral, não coincide com o “tempo” dos prazos processuais e das prerrogativas da magistratura, o que aumenta a indefinição em relação ao futuro de Lula. Há que se considerar também as próximas mudanças de comando nos tribunais, em pleno processo eleitoral, como a assunção da ministra Rosa Weber à Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do ministro Dias Toffolli ao comando do Supremo tribunal Federal (STF), substituindo Luiz Fux e Cármem Lúcia, respectivamente. A primeira conduzirá a decisão quanto à inelegibilidade de Lula; o segundo, decidirá se rediscute ou não, antes das eleições, a execução da pena de prisão após condenação em segunda instância.

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Luiz Carlos Azedo: A decantação da Lava-Jato

A divisão no Supremo Tribunal Federal (STF) entre “garantistas” e “punitivistas”, revela um choque de concepções jurídicas que veio para ficar

Está em curso a decantação da Operação Lava-Jato, com reflexos na disputa eleitoral deste ano. Embora sejam dois processos distintos, têm um ponto de convergência: a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, onde cumpre pena de 12 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado.

Decantação é um processo da separação de substâncias líquidas ou sólidas que não devem ser misturadas. É o método utilizado para tratamento de esgoto e retirada das impurezas da água. Um processo simples, quase natural: a decantação ocorre devido à diferença da densidade e da solubilidade entre substâncias heterogêneas. No caso de dois líquidos – a água e o óleo, por exemplo —, a substância com maior densidade (óleo) tende a se acumular sob a menos densa (água).

A decantação também é usada para separar líquidos de sólidos, como a água e a areia. Em repouso, a força da gravidade fará pouco a pouco que as substâncias estejam visivelmente separadas. Também é possível acelerar esse processo. A centrifugação, por exemplo, faz com que a força da gravidade atraia a substância mais densa para o fundo do recipiente, como acontece com as roupas numa máquina de lavar.

No caso dos políticos com mandato envolvidos na Operação Lava-Jato, a decantação começou no Supremo Tribunal Federal (STF) com a absolvição da presidente do PT, Gleisi Hoffman, e o marido, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, por insuficiência de provas, pela segunda turma da Corte. Todos os ministros do chamado “Jardim do Éden” votaram contra a condenação por formação de quadrilha e corrupção passiva. O ministro-relator da Lava-Jato, Edson Fachin, porém, pediu a condenação da presidente do PT por falsidade ideológica (crime de caixa dois), mas foi acompanhado apenas por Celso de Mello, num voto de 100 páginas. Votaram contra a condenação os ministros Ricardo Lewandowski, presidente da turma, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

A decisão aparta as delações premiadas das provas do processo; ou seja, decanta as denúncias do Ministério Público Federal (MPF) contra os políticos baseadas na delação premiada de Emílio e Marcelo Odebrecht. E deve servir de base para a jurisprudência do tribunal que norteará os demais julgamentos de envolvidos na Lava-Jato, principalmente os com direito a foro privilegiado.

Há cheiro de manjericão e orégano no ar, mas ainda não há pizza. Tudo vai depender das decisões do pleno do STF, no qual o voto derrotado de Celso de Mello pode servir de fio da meada para uma nova jurisprudência. Se o julgamento fosse na primeira turma, apelidada de “câmara de gás”, não haveria nenhuma surpresa se o resultado fosse o inverso e Gleisi acabasse condenada por uso de caixa dois. O plenário do Supremo terá que se pronunciar caso a caso, examinando as provas de cada acusação, daí a decantação.

Na terça-feira, haveria o julgamento na segunda turma de um recurso extraordinário da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estavam em jogo duas questões: uma de natureza criminal, a condenação no processo do tríplex do Guarujá, pelo Tribunal Regional Federal; outra, eleitoral, a liberação da candidatura a presidente da República. O petista ainda aparece como franco favorito nas pesquisas de intenção de voto.

Divergências
Na sexta-feira, porém, a desembargadora federal Maria de Fátima Labarrère reconheceu o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que fez naufragar a manobra dos advogados para chegar ao “Jardim do Éden”. O recurso acusa o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, de parcialidade, e a força-tarefa da Lava-Jato, de excesso de acusação. Com isso, o relator do caso, Édson Fachin, retirou o assunto em pauta e furou o balão. O pretexto do recurso ao STF era a omissão do TRF-4. Mais decantação.

A divisão no Supremo Tribunal Federal (STF) entre “garantistas”, encabeçados pelo ministro Gilmar Mendes, e “punitivistas”, liderados pelo ministro Luiz Barroso, revela um choque de concepções jurídicas que veio para ficar. Entretanto, o embate ganhou contornos maniqueístas por causa das idiossincrasias dos ministros. Por exemplo, Gilmar Mendes, em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do qual era presidente, chamou a primeira turma de “câmara de gás”. O ministro Herman Benjamin, do STJ, rebateu com o argumento de que o segundo colegiado seria, então, o “Jardim do Éden”. Uma festa para advogados, promotores e jornalistas.

Na verdade, nesse choque de concepções entre os ministros, os “garantistas” levam vantagem em relação a “punitivistas” se considerarmos os códigos de processo e a jurisprudência existente, que têm base no chamado direito germânico-romano, essencialmente positivista. Gilmar Mendes é expoente dessa corrente.

O neoconstitucionalismo, o novo direito constitucional que emerge na Corte, é protagonizado por Luís Roberto Barroso. Seus marcos são o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação do direito e da ética; e a força normativa da Constituição, com expansão da jurisdição e uma nova dogmática da interpretação constitucional. Esse embate será longo, em razão das mudanças em curso na relação entre Estado e sociedade.

O problema é que a divisão do Supremo está sendo um fator de instabilidade política e institucional, por causa de maiorias temporárias, que se formam a cada julgamento, devido à troca de ministros. Nesse cenário, a decantação da Lava-Jato é uma maneira de separar o joio do trigo, no caso das delações premiadas, e definir quem pode e quem não pode disputar as eleições de 2018, cuja realização é a premissa para que a ordem constitucional sobreviva a tantos solavancos.

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Luiz Carlos Azedo: Linhas tortas

Nossa Seleção ainda não é “a pátria de chuteiras”, na definição do saudoso Nelson Rodrigues. Na verdade, precisamos de uma vitória para chamar de nossa

Depois da derrota da Argentina para a Croácia, por 3 a 0, a empolgação dos brasileiros em São Petersburgo (ex-Petrogrado, ex-Leningrado) aumentou muito. Ninguém mais anda borocochô por causa da partida contra Suíça, na qual o Brasil empatou por 1×1. A torcida brasileira curte a desgraça dos “hermanos”, aposta numa vitória na manhã de hoje contra a Costa Rica e promete lotar a Arena Zenit. Mas não se pode garantir que o jogo será como um passeio pela Nevsky Prospekt, a grande avenida traçada por Pedro, o Grande, no meio de um pântano, como início da estrada para Moscou e para Novgorod, a cidade natal do príncipe Alexandre Nevsky, que expulsou os suecos e cavaleiros teutônicos e foi canonizado pela Igreja Ortodoxa Russa.

A Nevsky Prospekt é um símbolo da modernidade, com seus 6km de extensão. Começa na Praça do Palácio, entre o Almirantado e o Hermitage, um dos mais importantes museus de arte do mundo, e termina no Mosteiro de Alexandre Nevsky. No caminho, estão o Palácio Stroganov, a Catedral de Nossa Senhora de Kazan, a Igreja do Sangue Derramado, o Café Singer, a Ponte dos Cavalos, o Museu Fabergé e o monumento a Catarina, a Grande. A importância da czarina de origem alemã na construção do Império Russo rivaliza com a de Pedro, o Grande, cujos principais méritos foram abrir o acesso ao Mar Báltico, organizar a Marinha russa e construir uma nova capital, voltada para o Ocidente, o que somente foi possível depois de derrotar o poderoso Carlos XII, da Suécia, em Poltava, na Ucrânia.

Fundada em 1703, a construção de São Petersburgo levou décadas. Em 1736, a cidade sofreu incêndios catastróficos. Para reestruturar as áreas mais danificadas, um novo plano foi estabelecido em 1737. O estilo Barroco dominou a cidade pelos primeiros 60 anos, sendo sucedido pelo estilo Naryshkin do Palácio de Inverno e pelo neoclássico. Em 1762, o departamento de construção civil definiu que nenhuma estrutura deveria ser mais alta do que o Palácio de Inverno. A cidade influenciou a reforma urbana de Paris, comandada por Georges-Eugène Hausmann, entre 1852 e 1870, e até o “Plano de Comissários”, de 1811, que serviu de base para a expansão de Manhattan, com a criação de 16 avenidas no sentido norte-sul, cortadas por 155 ruas na direção leste-oeste, o coração de Nova York. De certa forma, as reformas urbanas de São Paulo e Rio de Janeiro e o traçado de Brasília sofreram a influência da Nevsky Prospekt.

Para quem está achando que estou na Rússia, informo que voltei ao batente aqui mesmo, em Brasília. Estive em São Petersburgo em maio de 1991, ocasião na qual o Partido Comunista foi despejado do Smolny pela milícia, por ordem do prefeito Popov, um dissidente de Gorbatchov como o ex-presidente Yeltsin. Os bolcheviques estavam lá desde a transferência da capital para Moscou, sem pagar uma conta de água ou luz nem regularizar a posse do imóvel da antiga escola de moças da Corte russa, que serviu de cenário para a tomada do poder pelos comunistas, com a palavra de ordem “Todo poder aos sovietes!”.

A torcida
Tomara que os brasileiros comemorem bastante a vitória brasileira na mais ocidental das cidades russas, sem os vexames a que assistimos pela internet: as infames cenas de assédio sexual e brincadeiras de mau gosto de torcedores que abusaram da hospitalidade e da ingenuidade das jovens e dos meninos russos, tão simpáticos em relação aos brasileiros. É bom lembrar que o povo russo costuma tratar os invasores na base do ‘olho por olho, dente por dente”. E que a resistência ao cerco alemão da antiga Leningrado foi uma das mais dramáticas batalhas da II Guerra Mundial.

No Brasil, não há empolgação com a Seleção. Todo mundo está desconfiado de que Tite e Neymar não vão dar conta do recado. Faltaram garra e identidade ao time que jogou de salto alto contra a Suíça. O mal-estar generalizado que vive o país parece que contaminou o futebol, a grande paixão nacional. Nossa Seleção ainda não é “a pátria de chuteiras”, na definição do saudoso Nelson Rodrigues. Na verdade, precisamos de uma vitória para chamar de nossa. Mesmo que seja suada, dramática, mas que mostre um time heroico, disposto a lutar e a vencer.

Pra não dizer que não falei das flores do recesso dissimulado do Congresso, vale registrar que política e futebol nem sempre andam de mãos juntas. Esse mito foi criado na Copa de 1970, no governo do general Médici, com o slogan “Pra frente Brasil”. Na Copa de 2014, depois daquele chocolate que levamos da Alemanha, de 7 x 1, a presidente Dilma Rousseff foi reeleita. Neste ano, mesmo que o Brasil seja campeão, ninguém vai capitalizar o resultado, seja no governo ou na oposição. No momento, o estranhamento em relação à Seleção é muito semelhante ao que ocorre em relação aos partidos e aos políticos. Com exceção da turma de brasileiros que está na Rússia, a torcida não foi pra rua no Brasil. Mas já estamos secando os alemães e argentinos.

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