Nas entrelinhas

Luiz Carlos Azedo: Morrer em Manágua

A Nicarágua atravessa a pior crise desde a guerra civil de 1990. Neste ano, já foram mortas mais de 350 pessoas, a maioria civis, sendo 22 menores de 17 anos

O brasileiro não é de prestar muita atenção ao que acontece nos países da América Latina, principalmente aqueles com os quais não temos fronteiras, a não ser quando acontece algo muito grave. É o caso do assassinato de Raynéia Gabrielle Lima, de 30 anos, a jovem estudante de medicina baleada por grupos paramilitares na segunda-feira, em Manágua. Ela estudava na Universidade Centro Americana. O governo brasileiro exige a mobilização de todos os esforços disponíveis para a identificação e punição dos responsáveis pelo assassinato.

O Itamaraty está em rota de colisão com o governo do sandinista Daniel Ortega. Repudiou a perseguição a manifestantes, estudantes e defensores dos direitos humanos que vem ocorrendo naquele país, “o aprofundamento da repressão, o uso desproporcional e letal da força e o emprego de grupos paramilitares em operações coordenadas pelas equipes de segurança”. A Nicarágua atravessa a pior crise desde a guerra civil de 1990. Neste ano, já foram mortas mais de 350 pessoas, a maioria civis, sendo 22 menores de 17 anos. Segundo a Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPHD), 261 pessoas estão desaparecidas ou sequestradas.

Aos 72 anos, Ortega já governou a Nicarágua por 22 anos, desde a revolução sandinista que, em 1979, apeou do poder o ditador Anastásio Somoza. Recusa-se a renunciar à presidência, mandato que somente terminará em 2021. A situação na Nicarágua é muito semelhante à da Venezuela, num processo de radicalização no qual o governo utiliza grupos paramilitares para reprimir a oposição. No Brasil, a esquerda aliada aos sandinistas, principalmente o PT e o PCdoB, defende Ortega ou faz vista grossa à “fascistização” de seu governo.

Na segunda-feira, milhares de pessoas participaram de uma passeata que terminou diante da Universidade Centro Americana (UCA). Os universitários carregaram cruzes para recordar os mortos durante a onda de protestos, e fotos de seus companheiros detidos de forma “arbitrária” por participar das manifestações. A União Nacional dos Estudantes da Nicarágua (UNEN), ligada ao governo, realizou outra passeata, em apoio a Ortega e para defender punição aos responsáveis pela “tentativa de golpe de Estado”. Os paramilitares se aproveitam para matar oposicionistas. Uma das vítimas foi Raynéia.

Ortega opera uma guinada autoritária em todos os sentidos, daí a oposição generalizada ao seu governo. Em abril, grandes protestos foram realizados contra a reforma por decreto da Previdência, que acabou revogada; recentemente, aderiram à oposição os agricultores que se opõem à entrega da concessão da construção de um Canal Interoceânico ligando o Atlântico ao Pacífico (pelos lagos Manágua e Nicarágua) ao empresário chinês Wang Jing. A forte repressão desencadeou uma coalizão que uniu bispos católicos, feministas, homossexuais, familiares dos assassinados e camponeses. Em resposta, grupos paramilitares operam intensamente desde maio, cometendo assassinatos em todos os protestos.

Demônio

Ortega acusa a oposição de orquestrar as manifestações para retirá-lo do poder. Para ele, bem ao estilo do presidente Nicolás Maduro, da Venezuela, “o demônio está mostrando as unhas”. O sandinista, por sua vez, é acusado de se perpetuar no poder a qualquer custo. Há 11 anos ininterruptos à frente do país, sua mulher é a vice-presidente da República. Sua última vitória, em 2016, foi contestada pela oposição, que acusou a eleição de ser fraudulenta. Ortega também foi acusado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh) por assassinatos, maus-tratos, possíveis atos de tortura e prisões arbitrárias ocorridas em território nicaraguense.

A Nicarágua tem uma tradição política de confrontos violentos, em razão da guerra fria e da proximidade com Cuba e os Estados Unidos. Na década de 1930, um movimento guerrilheiro liderado por Juan Baptista Sacasa, José María Moncada e César Augusto Sandino lutou contra a presença dos EUA no país. Após a retirada dos norte-americanas do país, Sandino e outros líderes liberais resolveram abandonar o movimento armado. Entretanto, Anastásio Somoza García, chefe da Guarda Nacional, armou um golpe de estado e assassinou Sandino com apoio do governo norte-americano.

De 1936 e 1978, a família Somoza controlou o país. Quando foi derrubada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional, a Nicarágua estava mergulhada em profunda crise econômica e devastada pela guerra civil. Os sandinistas tentaram implantar um regime socialista, estatizaram a indústria e fizeram uma reforma agrária. Os EUA reagiram e financiaram “Os Contras”, grupos paramilitares de direita. Obrigados a recuar, os sandinistas convocaram uma Constituinte. Durante a década de 1990, os governos liberais da Nicarágua promoveram uma tímida recuperação econômica. Contudo, questões sociais ficaram sem solução. Nesse contexto, Daniel Ortega venceu as eleições prometendo a redenção dos mais pobres e nunca mais saiu do poder.

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Luiz Carlos Azedo: Apertem os cintos

Temer viaja, Cármem Lúcia assume a Presidência e Dias Toffoli comanda o Supremo Tribunal Federal (STF)

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, assumiu o Palácio do Planalto ontem. O presidente Michel Temer viajou ao México, onde participa do encontro de líderes dos países do Mercosul e da Aliança do Pacífico, e depois seguirá para a 10ª Cúpula do Brics, grupo que reúne, além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, anfitriã do encontro, em Joanesburgo.

Com isso, o vice-presidente do STF, ministro Dias Toffoli, assumiu o comando da Corte interinamente. Até o fim da semana, decidirá questões urgentes que chegarem ao plantão do tribunal. O Supremo está em recesso. Os trabalhos serão retomados somente em 1º de agosto. O primeiro da linha sucessória é o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ); o segundo, o do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). A legislação eleitoral, porém, impede a candidatura de ocupantes de cargos no Executivo nos seis meses que antecedem as eleições. Dessa forma, se Maia ou Eunício assumissem a Presidência, ficariam inelegíveis e não poderiam disputar as eleições de outubro.

Em setembro, Dias Toffoli assumirá a cadeira de presidente do STF por dois anos em função do término do mandato de Cármen Lúcia, que começou em 2016. A interinidade de Toffoli está sendo comemorada pelos advogados dos réus da Operação Lava-Jato, que veem nele uma oportunidade de ouro para conseguir habeas corpus em favor dos acusados, na linha que vem sendo adotada pela Segunda Turma do STF, conhecida como Jardim do Éden. Foi numa das sessões dessa turma que, monocraticamente, Toffoli concedeu habeas corpus ao ex-ministro José Dirceu, livre de qualquer restrição de liberdade, inclusive o uso de tornozeleira eletrônica.

Nos bastidores do Judiciário, porém, advogados experientes acreditam que o ministro pautará a atuação na interinidade pela moderação e respeito às decisões já tomadas por Cármen Lúcia, entre as quais está a defesa da execução imediata da pena de prisão após condenação em segunda instância, caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No decorrer da semana é que saberemos o que pretende fazer, mas é bem possível que os advogados de Lula façam mais uma tentativa de liberá-lo da prisão em Curitiba. Dificilmente, porém, Toffoli contrariaria o encaminhamento já dado ao caso pela presidente do Supremo e pela sua colega do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Laurita Vaz. Provocaria uma crise no Judiciário, de proporções inimagináveis.

Temer chegou ontem à tarde em Puerto Vallarta, para um encontro com o presidente do México, Enrique Peña Nieto, que está em fim de mandato. A reunião é importante por causa do contencioso do presidente norte-americano Donald Trump com os vizinhos mexicanos. O encontro do Mercosul com a Aliança do Pacífico, da qual os Estados Unidos se retiraram, pode ser um avanço para as relações comerciais brasileiras, pois tem o propósito de facilitar o comércio, a cooperação regulatória e a agenda digital.

Mercosul e a Aliança do Pacífico representam 90% do Produto Interno Bruto (PIB) e dos fluxos de investimento externo direto na América Latina e Caribe. No último ano, o comércio entre os dois blocos chegou a US$ 35,3 bilhões, 18% a mais em relação a 2016. O comércio do Brasil com a Aliança do Pacífico cresceu 21,4% no período, um aumento de US$ 25 bilhões.

Casa de enforcado
A Polícia Federal indiciou ontem 12 pessoas na investigação que mira desvios de R$ 600 milhões das obras do Rodoanel Norte durante as gestões tucanas em São Paulo, entre as quais o ex-presidente da Dersa Laurence Casagrande, ex-secretário de Geraldo Alckmin preso pela Operação Pedra no Caminho desde junho. A PF atribui ao ex-secretário os crimes de fraude em licitações, falsidade ideológica e associação criminosa.

O escândalo do Rodoanel é uma das dores de cabeça de Geraldo Alckmin, o candidato tucano à Presidência da República, que, até agora, manteve-se à margem do escândalo da Operação Lava-Jato. O ex-presidente da Dersa Laurence Casagrande Lourenço acumulou também o cargo de secretário de Transportes e Logística do ex-governador e só deixou a pasta quando Márcio França (PSB) assumiu o governo.

Alckmin sempre lavou as mãos em relação a auxiliares envolvidos em escândalos, muitas vezes tomando a iniciativa de demiti-los, antes mesmo da comprovação de qualquer denúncia. Não por acaso é um sobrevivente entre os tucanos, apesar do desgaste sofrido pela legenda por causa da Lava-Jato.

O Rodoanel e o metrô estavam entre as principais obras do portfólio de realizações administrativas de Alckmin, mas agora, na campanha eleitoral, tratar desses projetos é mais ou menos a mesma coisa do que falar de corda em casa de enforcado. As investigações da PF foram realizadas em conjunto com o Ministério Público Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU). As obras do Rodoanel começaram em 2013 e ainda não foram concluídas. O trecho norte, quando estiver pronto, ligará a Rodovia dos Bandeirantes à Via Dutra.

 

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Luiz Carlos Azedo: O tabuleiro eleitoral

Pesaram a favor de Alckmin o discurso moderado, a paciência para conversar e uma trajetória de político tradicional que respeita a palavra empenhada e compartilha o poder

O fato novo na campanha eleitoral é a ampla aliança formada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) com o propósito de catapultar sua candidatura ao segundo turno, garantindo-lhe para isso a vantagem estratégica do maior tempo de televisão entre os candidatos. Ao amarrar as alianças com o PTB, PSD e PPS, o tucano conseguiu atrair o bloco de centro formado pelo DEM, PP e PR. O Solidariedade ainda ameaça pular fora do barco. Muita água vai rolar até o registro das coligações, cujo prazo é 15 de agosto, mas os blocos eleitorais estão se consolidando e já se pode dizer que Alckmin entrou, finalmente, na disputa pela Presidência.

O ex-governador paulista foi beneficiado pela falta de identidade dos partidos do Centrão (que não tem nada a ver com o blocão ideologicamente conservador da Constituinte de 1987) com os demais candidatos, depois de a candidatura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), à Presidência não vingar. O bloco é muito fisiológico e namorava o candidato do PDT, Ciro Gomes, mas as atitudes radicais do ex-governador cearense, outra vez, puseram tudo a perder. A carta enviada à Embraer e a Boeing contra a fusão das duas grandes empresas foi a gota d’água. Sinalizou para o DEM que Ciro não era um político confiável para os que defendem a não intervenção estatal na economia. As afirmações de que não abriria mal da “hegemonia moral” na relação com os aliados espantaram os demais.

Ciro negociava com o Centrão, mas miravam o PSB, que ainda não decidiu o que pretende fazer nas eleições. Uma ala da legenda defende a aliança com PT e outra, propõe o lançamento de uma candidatura própria. Nas pesquisas de intenção de voto, Ciro está em vantagem em relação a Alckmin; essa dianteira, porém, torna-se frágil diante do isolamento em que ficou. Do bloco que aderiu a Alckmin, somente o Solidariedade deve se manter ao lado de Ciro, por causa do alinhamento de sua base sindical com o candidato do PDT.

Pesaram a favor de Alckmin o discurso moderado, a paciência para conversar e uma trajetória de político tradicional que respeita a palavra empenhada e compartilha o poder com os aliados. É tudo o que os políticos do centrão desejam, pois estão mais focados na eleição de bancadas federais que garantam participação no futuro governo, qualquer governo. Não deixa de ser um ônus para Alckmin a aproximação dessas forças, em particular o PR, de Waldemar Costa Neto, figura carimbada desde o mensalão, que negociava com Jair Bolsonaro (PSL) e deixou o ex-capitão a ver navios.

Isolamento

Em primeiro lugar nas pesquisas de opinião sem Lula, Bolsonaro sentiu o golpe, pois contava com o tempo de televisão do PR e a deriva das forças do Centrão para chegar ao segundo turno. A defecção de Costa Neto levou-o ao isolamento, com pouquíssimo tempo de televisão para campanha. Com isso, a jurista Janaína Paschoal, coautora do pedido de impeachment de Dilma Rousseff — acompanhada dos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior — pode vir a ser a vice na chapa de Bolsonaro. Também está isolada a candidata da Rede, Marina Silva, que é a segunda colocada nas pesquisas. Tentou atrair o PPS e o PV, que seriam alternativas de alianças, mas os dois partidos estão com Alckmin. Marina já provou sua resiliência nas duas campanhas anteriores, sua capacidade de resistir ao isolamento será posta à prova novamente.

A alternativa da ex-senadora é alavancar a candidatura nos chamados movimentos cívicos, fazendo um contraponto ao pragmatismo de Alckmin. A candidata da Rede paga o preço por ter se mantido acima dos partidos e à margem do jogo político tradicional. Vem daí a sua força e sua fraqueza. Até agora, diante da paridade de meios de campanha nas redes sociais, manteve-se numa posição mais robusta do que a de Alckmin. Vamos ver o que acontecerá quando a campanha começar no leito tradicional das coligações eleitorais e na tevê, o ponto fraco de sua candidatura.

Outro candidato isolado é o senador Álvaro Dias (Podemos), que também não conseguiu ampliar sua coligação. O político paranaense atrapalhou muito os planos de Alckmin até agora, pois conseguiu capturar uma fatia significativa dos potenciais eleitores do tucano no Sul do país, inclusive, numa franja da fronteira de São Paulo. Por essa razão, chegou a ser cogitado para vice do tucano, mas não quis nem conversa.

PT e PMDB ainda não se posicionaram claramente no tabuleiro eleitoral. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba, insiste com sua candidatura, mesmo inelegível. É uma estratégia de confrontação com o Judiciário que tem tudo para dar errado, mas os petistas acreditam que pode ser a salvação para seus candidatos nas eleições e, até mesmo, levá-los de volta ao comando do país. A lógica é simples: manter o nome de Lula até ele ser impugnado e, depois, substituí-lo por outro petista. O mais cotado é o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. É impossível saber qual será a capacidade de transferência de votos de Lula na cadeia.

Finalmente, o grande enigma: o MDB, que lançou Henrique Meirelles. A tradição do partido, desde a campanha de Ulysses Guimarães, é cristianizar seus candidatos. Federação de caciques regionais, a candidatura do ex-ministro da Fazenda é sob medida para isso, pois tem baixa densidade eleitoral e praticamente nenhum laço orgânico com as bases da legenda. O partido opera em função das eleições estaduais, para eleger suas bancadas e, depois, aprisionar o novo presidente da República.

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Luiz Carlos Azedo: Angústia e lucidez

A sucessão de Villas Bôas, que estava fora de cogitação até o final do governo de Michel Temer, devido ao agravamento do seu estado de saúde, começa a ser discutida na caserna

Discretamente, os militares ampliam sua influência no governo Michel Temer e junto aos demais poderes. Sob comando do general Joaquim Silva e Luna, a cúpula do Ministério da Defesa, criado para garantir o comando civil às forças armadas, pouco difere do antigo Estado-maior das Forças Armadas do regime militar, pois os cargos imediatamente abaixo do ministro são ocupados por oficiais generais da Marinha e da Aeronáutica. Mas ninguém se iluda, a principal liderança militar do país é o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Está gravemente doente e incapacitado de se locomover por meios próprios, mas esbanja lucidez.

Sua última aparição numa solenidade militar pública foi no dia 5 de julho, em São Paulo, na sede do Comando Militar do Sudeste, que tinha tudo para gerar uma crise política, pois se tratava de uma homenagem ao soldado Mário Kozel Filho, morto há 50 anos em um ataque da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Na véspera, a Corte Interamericana de Direitos Humanos havia condenado o Estado brasileiro pela tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido em outubro de 1975, por militares, numa unidade do Exército.

Kozel foi morto por militantes da organização de esquerda radical que lançaram carro-bomba com dinamites na porta do quartel-general de São Paulo. À época, o soldado tinha 18 anos. Outros seis militares ficaram feridos. Após o ataque, 10 suspeitos foram detidos. Entre eles, Eduardo Leite, o Bacuri, morto enquanto preso em 1970, em São Paulo. Um outro suspeito do atentado, o ex-sargento Onofre Pinto, foi morto em uma ação do Centro de Informações do Exército, em Foz de Iguaçu (PR).

Villas Bôas voou para São Paulo e abortou qualquer possibilidade de provocação, com um discurso no fio da navalha: “Aquele incidente com o soldado Kozel, vítima inocente do terrorismo, nos obriga a exercitar o maior ativo humano — a capacidade de aprender. Agora é um momento que nos aconselha, aos brasileiros e às instituições, a prudência nos ânimos”. E arrematou: “Naquela época, a sociedade brasileira cometeu o erro de permitir que a linha de confrontação da guerra fria dividisse a nossa sociedade, o que acabou criando ambientes para que fatos lamentáveis, como a morte de Kozel e Herzog, tivessem ocorrido”.

Segundo o general, o episódio marca “um período de entusiasmos artificializados, de intolerâncias incitadas e de paixões extremadas que faziam os brasileiros míopes para a realidade civilizada. Foi um tempo que nos dividiu, que fragmentou a sociedade e nos tornou conflitivos”. Para o comandante do Exército, não existe a possibilidade de uma intervenção militar nos mesmos moldes do período do governo militar, entre 1964 e 1985: “Eu nem vejo um caráter ideológico nisso. Mas, de qualquer forma, as Forças Armadas, e o Exército, pelo qual eu respondo, se, eventualmente, tiverem de intervir, será para fazer cumprir a Constituição, manter a democracia e proteger as instituições”, afirmou.

Sucessão

“Quem interpreta que o Exército pode intervir (como no regime militar), é porque não conhece as Forças Armadas e a determinação democrática, de espírito democrático, que reina e preside em todos os quartéis”, disse Villas Bôas. Mas a situação é mais complexa. Setores militares que defendem uma intervenção militar no processo político não estão satisfeitos com o protagonismo já conquistado no Executivo e junto ao Congresso e ao Judiciário. Querem voltar ao poder e, para isso, estão engajados na candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ).

Duas das principais lideranças militares do país estão engajadas na campanha de Bolsonaro. O general Augusto Heleno, ex-comandante militar da Amazônia e das tropas de intervenção no Haiti, é cotado para vice do ex-capitão; o general Antônio Mourão, que passou à reserva depois de trombar com Villas Bôas, é o responsável pela preparação dos 115 militares das mais diversas patentes que vão concorrer às eleições. A campanha eleitoral mexe com os ânimos militares dentro e fora dos quartéis, porque a possibilidade de Bolsonaro se tornar presidente da República é real, com um discurso que é música para os setores mais conservadores.

É nesse contexto que a sucessão de Villas Bôas, que estava fora de cogitação até o final do governo de Michel Temer, devido ao agravamento do seu estado de saúde, começa a ser discutida em surdina na caserna. Há uma angústia generalizada no Alto Comando do Exército por causa de suas crescentes limitações físicas, embora a mente continue brilhante. No dia 28 de junho passado, houve nova movimentação no Alto Comando, na qual os generais de quatro estrelas Paulo Humberto César, Artur Costa Moura e José Luiz Dias de Freitas assumiram, respectivamente, as chefias de Estado-maior do Exército (EME), do Departamento Geral de Pessoal (DPG) e o Comando das Operações Terrestres(COTER), posições-chave na cadeia de comando. O sucessor natural de Villas Bôas seria o general Fernando Azevedo e Silva, chefe do EME, que passará à reserva no próximo mês de agosto.

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Luiz Carlos Azedo: Alckmin caça com Jefferson

O tempo de televisão, muito mais do que programa de governo ou a imagem dos aliados, move as articulações do tucano para montar sua coligação eleitoral

A Executiva Nacional do PTB aprovou o apoio ao candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, decisão que será oficializada em 28 de julho. Com isso, o tucano começa a consolidar alianças para garantir pelo menos 20% do tempo de televisão destinado aos partidos na campanha eleitoral. Essa é a aposta do ex-governador de São Paulo para crescer nas pesquisas de intenção de voto e chegar ao segundo turno. Seus estrategistas avaliam que a ampliação da coligação em direção ao centro permitirá que a candidatura saia da estagnação eleitoral.

Não chega a ser uma novidade, porque a aliança do PTB com Alckmin em São Paulo é histórica, mas tem significado porque põe um ponto final nas especulações de que poderia desistir da candidatura ou ser substituído pelo ex-prefeito João Doria, que disputa o Palácio dos Bandeirantes. A decisão do PTB também repercute junto a outros aliados que ainda não formalizaram seu apoio a Alckmin, os casos do PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, que ainda não removeu a candidatura de Paulo Rabelo de Castro, e do PPS, de Roberto Freire, que aprovou um indicativo de aliança com o tucano no seu congresso, mas só vai decidir mesmo no começo de agosto.

Esses aliados de Alckmin estão como aquele malandro do samba de Bezerra da Silva, que apertou, mas não fumou. “Pra fazer a cabeça tem hora”, diz a canção. Para Alckmin, a hora é essa. Todo o seu esforço agora está voltado para a aliança com o DEM, numa queda de braços com Ciro Gomes (PDT), que avançou seus entendimentos com as seções nordestinas por meio do senador José Agripino (RN), e com Jair Bolsonaro, que montou uma cabeça de ponta na legenda no Sul, com Ônix Lorenzoni (RS). Outro partido que está em vias de fechar com Alckmin é o PV, cujo presidente, o ex-deputado José Luiz Pena, é secretário de Cultura de São Paulo nomeado por Alckmin.

Alckmin dá sinais de que não se empenha para fazer uma aliança formal com o MDB, principalmente por causa do desgaste do governo de Michel Temer e da candidatura de Paulo Skaf ao governo de São Paulo. Difícil, porém, é atrair o chamado “Centrão”, bloco formado pelo PP, PRB, SD e PSC, com mais de 120 deputados na Câmara. O grupo negocia com Ciro Gomes (PDT), que hoje se reunirá com os sindicalistas ligados ao Solidariedade. A alternativa de Alckmin está sendo trabalhar para que o bloco fique independente. Para isso, conta também com as movimentações do PT, que estimula a neutralidade do grupo.

O tempo
O tempo de televisão, muito mais do que programa de governo ou a imagem dos aliados, move as articulações de Alckmin. Segundo levantamento feito pela Arko Advice, nas últimas sete disputas ao Palácio do Planalto (1989 a 2014), houve mudanças no cenário duas semanas após o início da propaganda eleitoral gratuita na TV. Mas, em nenhuma das eleições presidenciais, houve modificação em agosto, no período anterior ao início da campanha na televisão. Nessas sete disputas, quem liderava nessa época chegou ao Planalto.

São raros os precedentes de mudança na situação eleitoral antes de começar a propaganda na TV. Isso somente ocorreu nas eleições de 1989 e 2002, quando os candidatos que estavam em terceiro lugar nas pesquisas (Lula e José Serra) ultrapassaram os adversários (Brizola e Ciro, respectivamente) e chegaram ao segundo turno. Porém, tanto Lula quanto Serra foram derrotados. Ocorre que Bolsonaro e Marina, que lideram a disputa, têm pouco ou quase nenhum tempo de televisão.

Nas eleições passadas, com mais tempo de tevê, Marina (PSB) ultrapassou Aécio Neves (PSDB) e assumiu o segundo lugar duas semanas após o começo do horário eleitoral, embalada pela comoção causada pela morte do ex-governador Eduardo Campos (PSB). Entretanto, acabou perdendo a vice-liderança para Aécio no decorrer da campanha.

Em todas as eleições, eventos de grande impacto acabaram repercutindo nas campanhas. “Em 1989, por exemplo, Collor teve uma generosa cobertura dos meios de comunicação em favor de sua pré-candidatura. Em 1994, antes da campanha na TV, o Plano Real já havia alavancado FHC. E em 2010, a partir da exposição de Dilma Rousseff como a candidata do governo Lula, avaliado positivamente na época por cerca de 85% dos brasileiros, a então ex-ministra disparou nas pesquisas”, ilustra o cientista político Murilo Aragão.

É importante registrar: as redes sociais poderão ter influência muito maior nas eleições deste ano do que nas anteriores, embora a maioria dos marqueteiros e a cúpula dos partidos apostem numa “campanha analógica”. Contribuirão para isso o fato de que não houve programas eleitorais para testar os candidatos, o tempo de campanha é menor (45 dias) e a tendência do eleitor é decidir o voto na última hora, como nas eleições presidenciais de 2014 e municipais de 2016.

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Luiz Carlos Azedo: candidato dos violentos

É cultura política arraigada, fingir que a violência não é um problema do presidente da República, é agenda de governador. Era, não é mais

De onde vem a resiliência do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que lidera as pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República com Lula fora da disputa? Com toda certeza, vem da violência presente no cotidiano da população, que tem raízes profundas na sociedade brasileira, por causa do nosso passado escravocrata, mas ganhou contornos de guerra civil não declarada em razão do tráfico de drogas e da explosiva situação dos presídios brasileiros.

Há outras causas para o enraizamento popular de sua candidatura, como o desemprego escandaloso, que atinge 13 milhões de trabalhadores, e a desestruturação da família unicelular patriarcal em decorrência da revolução dos costumes, mas são temas em disputa eleitoral que não foram monopolizados por Bolsonaro. O tema da violência, não, é dele e ninguém tasca, porque Bolsonaro tem uma proposta de tratamento de choque para o problema: a pena de morte. Ou seja, tratar os criminosos com intensidade igual ou superior à natureza de suas ações, em todos os casos. Música para os violentos.

Ironicamente, o maior legado que o presidente Michel Temer deixará para os seus sucessores é a organização do Sistema Unificado de Segurança Pública (SUSP), recentemente criado, cuja implantação está a cargo do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann. Pela primeira vez na história, o governo federal assumirá responsabilidade em relação ao problema em caráter nacional e permanente. Desde a Constituição de 1924, era assunto dos estados, fazia parte da política de conciliação do poder central com as oligarquias regionais.

O combate à violência era uma das bandeiras de Temer para tentar a reeleição, mas o presidente da República foi engolido pelas duas denúncias do ex-procurador-geral Rodrigo Janot e por investigações em curso da Operação Lava-Jato, sob orientação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Barroso. A economia não cresceu como se esperava e a intervenção federal no Rio de Janeiro, ato de grande repercussão, não deu os resultados que o governo esperava.

A mudança que Temer promoveu foi estrutural e terá resultados a longo prazo, com a criação de um fundo de financiamento do sistema, uma escola de segurança e inteligência e um sistema integrado de dados. Como a abertura comercial feita pelo ex-presidente Collor de Mello, que renunciou ao mandato para evitar o impeachment, somente com o tempo a mudança será sentida pela população. Mas estarão dadas condições efetivas para que o futuro governo lidere o combate à violência e ao crime organizado, que se tornou um problema de segurança nacional.

Acontece que nenhum candidato, com exceção de Bolsonaro, pretende tratar desse assunto como prioridade. É cultura política arraigada, fingir que a violência não é um problema do presidente da República, é agenda de governador. Era, não é mais. Vejam o caso do governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB). Em 2010, deixou o governo com uma crise nos presídios que arranhou sua imagem de político comprometido com os direitos humanos e a questão social. Agora, encerra o terceiro mandato sem condições de disputar a reeleição, desgastado em razão da crise do sistema de segurança pública capixaba, cujo ápice foi a greve dos policiais militares.

Classes perigosas

Um dos intérpretes do Brasil, o alagoano Alberto Passos Guimarães (1908-1993), autor de Quatro séculos de latifúndio, foi um dos primeiros a estudar o fenômeno da criminalidade (ou da criminalização, como preferem estudiosos do tema) e da violência nos grandes centros urbanos brasileiros, no rastro dos seus estudos sobre a questão agrária e a urbanização do país.

Na obra As classes perigosas — banditismo urbano e rural (Editora UERJ), publicada em 1982, fez um diagnóstico preciso do problema: “À violência dos criminosos se junta à violência das próprias vítimas e, a essas duas, uma terceira se vem juntar: a violência dos órgãos policiais, que, pouco fazendo para prevenir o crime, querem compensar sua ineficácia tentando inútil e injustificadamente eliminar o crime aumentando o grau de ferocidade da repressão”.

A “via prussiana” de modernização do país, durante o regime militar, gerou um contingente populacional “excedente”, que fora expulso do campo pela mecanização da agricultura, e despreparado para ser absorvido nos marcos da urbanização. Houve desestruturação de grande número de famílias, cuja pauperização, pela concentração da propriedade da terra e pelo desemprego, foi o caldo de cultura para o banditismo tal como conhecemos hoje.

O Brasil entrou num novo ciclo de ampliação das desigualdades na crise do governo de Dilma Rousseff. Apesar da retórica petista e dos programas de transferência de renda do governo, a recessão ampliou os desequilíbrios demográficos e sociais. Além disso, a crise ética mudou o comportamento social das camadas urbanas, que utilizam códigos ou símbolos morais diferentes para entender e resolver seus problemas. O entendimento do direito à propriedade já não é o mesmo. Os que têm o maior interesse em resguardá-lo não o fazem. E o respeito sagrado inoculado na consciência das classes pobres foi profundamente desgastado, como já advertia Guimarães.

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Luiz Carlos Azedo: Quando o sol nasce quadrado

O próximo lance de Lula será antecipar a convenção do PT e lançar sua candidatura, para criar um fato consumado e tentar concorrer à Presidência sub judice

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou ontem 100 dias numa cela improvisada da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, mantém sua candidatura a presidente da República, apesar de considerado inelegível. A Lei da Ficha Limpa proíbe condenados em segunda instância de concorrerem às eleições. Com essa estratégia, porém, o nome do petista permanece nas pesquisas de intenção de votos e na mídia.

Os advogados de Lula fazem uma guerrilha no Judiciário para tentar livrar o ex-presidente da cadeia. O lance mais audacioso de Lula para manter seu protagonismo foi o pedido de habeas corpus feito por deputados petistas e aceito pelo desembargador Rogério Favreto, plantonista no Tribunal Regional Federal da Região (TRF-4), que tentou soltá-lo, mas foi impedido por determinação do presidente da Corte, desembargador Thompson Flores. Os juízes naturais do caso do tríplex de Guarujá, no qual o petista foi condenado, são o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba, responsável pela execução da pena, e o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do caso no TRF-4. A decisão de Favreto foi considerada “teratológica” pela presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministra Laurita Vaz.

O próximo lance de Lula será antecipar a convenção do PT e lançar sua candidatura, para criar um fato consumado e tentar concorrer à Presidência sub judice. É um lance ousado, porque afronta ainda mais o Judiciário, mas que leva em conta o rito do processo eleitoral. Nesse caso, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad seria indicado como vice, para vincular seu nome a Lula e substituí-lo como candidato no caso de impugnação do registro da candidatura. Lula tem a seu favor o fato de liderar as pesquisas de opinião, apesar da alta taxa de rejeição. Com isso, reforça o discurso de que está sendo vítima de uma perseguição para impedir no tapetão a sua volta ao poder.

Apesar de condenado por crime comum (receber vantagens indevidas durante o exercício do cargo), Lula se considera um prisioneiro político e organiza uma campanha internacional de solidariedade. O Brasil vive em regime de ampla liberdade, tem um governo constituído legalmente (Michel Temer era vice eleito de Dilma Rousseff) e um calendário eleitoral “imexível”. Como a narrativa do “golpe”, a versão “Lula, preso político” também é falsa.

Hoje, devido às viagens de Michel Temer, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, a ministra Cármen Lúcia assumirá a Presidência da República pela terceira vez. Temer participará de uma cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em Cabo Verde e deve retornar ao Brasil amanhã. O ministro decano, Celso de Mello, assumirá a Corte. Ainda não será dessa vez que o vice-presidente do STF, Dias Toffoli, que está no exterior, assumirá a comando do Supremo. Há muita expectativa de que soltará Lula na primeira oportunidade em uma decisão monocrática. Como se sabe, Toffoli concedeu de ofício o habeas corpus que livrou da prisão o ex-ministro José Dirceu.

Enquanto o sol nasce quadrado para Lula, o horizonte político continua encoberto pelo nevoeiro de uma disputa eleitoral que se avizinha. As incertezas começam a repercutir no ambiente econômico, que ainda sente os efeitos da greve dos caminhoneiros e precifica a irresponsabilidade fiscal do Congresso, bem como a falta de popularidade do governo. Após a Copa do Mundo, as articulações para formação das coligações eleitorais foram intensificadas, e o PT opera para manter sob sua influência os velhos aliados, mas não há garantia de que os votos de Lula serão transferidos para Haddad.

Saúde

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, suspendeu as novas regras dos planos de saúde, que poderiam levar o consumidor a pagar até 40% do valor de consultas e exames, na forma de coparticipação. O reajuste é considerado “abusivo” em relação à média atual de 30% cobrada pelos planos de saúde. A ministra acolheu pedido de liminar da OAB contra a Agência Nacional de Saúde (Anvisa). “Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro. Direitos conquistados não podem ser retrocedidos sequer instabilizados”, escreveu na decisão.

Para Cármen Lúcia, a “tutela do direito fundamental à saúde do cidadão é urgente”, assim como “a segurança e a previsão dos usuários de planos de saúde”. Segundo a ministra, como o direito à saúde está previsto em lei, alterações em sua prestação devem ser objeto de ampla discussão na sociedade. Da forma como foi aprovada, a resolução poderia trazer instabilidade jurídica e incremento na judicialização no setor.

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Luiz Carlos Azedo: A hora do funil

Os candidatos de mentirinha estão saindo da disputa, como Flávio Rocha (PRB). Antes deles, com mais sucesso nas pesquisas, desistiram João Dória, Rodrigo Maia, Luciano Huck e Joaquim Barbosa

A 20 dias do final do prazo para registro de candidaturas, a realidade eleitoral se impõe aos pré-candidatos em todos os níveis. É um funil, do qual ninguém escapa, porque a campanha deixará de ser virtual para se tornar analógica a partir do horário eleitoral. A grande interrogação é o peso das redes sociais e da inércia da pré-campanha na disputa propriamente dita. É aí que veremos se a nossa democracia representativa é robusta o suficiente para impor a lógica dos partidos políticos, com suas coligações, ou será surpreendida, sobretudo nas eleições majoritárias, pela força dos movimentos que contestam o stablishment.

Os candidatos de mentirinha, como os outsider, estão saindo da disputa, como o dono das Lojas Riachuelo, Flávio Rocha (PRB). Antes deles, com mais sucesso nas pesquisas, despontaram e desistiram João Dória, Rodrigo Maia, Luciano Huck e Joaquim Barbosa. Ainda resistem Henrique Meirelles (PMDB), Afif Domingos (PSD) e Paulo Rabelo de Castro (PSC), mas também sofrem fortes pressões para que desistam. João Amoedo, do Novo, também não consegue emplacar. Os candidatos que estão na boca do funil são figuras carimbadas da política brasileira: Jair Bolsonaro (PSL), com, 19%; Marina Silva, com 15%; Ciro Gomes, com 12%; Geraldo Alckmin, com 7%; e Álvaro Dias, com 4% nas pesquisas de intenção de voto.

Entre esses nomes, será escolhido o novo presidente da República? Provavelmente, mas não se pode descartar o candidato do PT, que ainda está indefinido; o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo estando preso e inelegível, aparece com 34% de intenções de voto nas pesquisas. Nove entre 10 petistas admitem que o candidato da legenda será o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, mas a candidatura de Lula está sendo mantida para ocupar espaços e favorecer os demais candidatos da legenda. Ninguém sabe qual será a sua real capacidade de transferência de votos da prisão, porém, até mesmo os adversários trabalham com a hipótese de enfrentar Haddad no segundo turno.

A tática petista merece contextualização: sustenta-se na dupla narrativa do “golpe” contra Dilma Rousseff, que foi afastada do poder com base na Constituição, e da vitimização de Lula, que está preso por receber vantagens indevidas na Presidência, mas é tratado pelos petistas como preso político. A manobra funcionou para tirar a militância petista da depressão moral e dotar o partido de um discurso contra a Operação Lava-Jato. Entretanto, ao apostar na desmoralização do Judiciário, essa tática tem um viés antidemocrático que remonta à velha dicotomia “justiça burguesa” versus “justiça popular”. Foi essa concepção “revolucionária” que justificou os processos de Moscou e o “paredón” da revolução cubana.

Voltemos ao funil: Bolsonaro e Marina Silva lideram a campanha porque estão no mano a mano com os demais candidatos nas redes sociais. Quando começar a campanha analógica, isto é, os programas e inserções na tevê aberta e no rádio, podem ser volatilizados, a não ser que consigam mais tempo de televisão por meio de coligações. Nesse aspecto, Bolsonaro leva certa vantagem em relação a Marina, porque há uma deriva conservadora em sua direção. Álvaro Dias (Podemos) está numa situação semelhante, com a desvantagem de não contar com a mesma força de inércia nas redes sociais. Restam Ciro Gomes e Alckmin, que disputam apoio dos partidos do chamado Centrão. O primeiro está levando vantagem na disputa pelo apoio do PSB e do DEM, porém, o ex-governador paulista já contaria com um quinto do tempo de televisão e de rádio graças à coligação do PSDB com outros partidos.

Balança
Haverá um duelo entre as redes sociais e as emissoras de tevê e rádio na campanha eleitoral, cujo resultado pode alterar completamente o cenário descrito acima com duas semanas de campanha eleitoral. Dificilmente teremos uma disputa entre Bolsonaro e Marina na reta final, a não ser que a ex-senadora saia do isolamento. O ex-capitão do Exército também não terá vida fácil. Tanto Alckmin como Ciro estão de olho nos seus votos e apostam na campanha analógica. Especialistas acreditam que haverá saturação de propaganda nas redes sociais, a começar pelo Facebook, que já está orientando os partidos sobre como proceder legalmente para “impulsionar” seus posts nas redes. Ou seja, propaganda paga.

Em tese, o cenário eleitoral é desfavorável aos políticos com mandato, que estão sendo responsabilizados nas redes sociais pela crise fiscal, a violência, a desagregação das famílias, a má qualidade dos serviços públicos etc. Os partidos estão com o filme queimado, mas a reforma política foi feita para fortalecê-los institucionalmente e salvar a elite política do ostracismo. Vamos ver quem vai passar pelo funil.

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Luiz carlos Azedo: Ciro, ofensiva e controle

Na terceira tentativa de disputar a Presidência, o ex-ministro já se convenceu de que não terá o apoio do PT no primeiro turno. Avalia, porém, que o Nordeste fortalece sua relação com o PSB

Candidato do PDT, Ciro Gomes disputa com o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) o apoio do DEM e com o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), o do PSB. No momento, está em vantagem por causa da forte alavancagem do eleitorado nordestino, das contradições da política paulista e do fato de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará fora da disputa, em razão da Lei da Ficha Limpa. O apoio do PSB pode ser anunciado já na próxima semana, em razão da política de Pernambuco. O PT local dá todos os sinais de que não pretende apoiar a reeleição do governador Paulo Câmara (PSB), mantendo a candidatura da vereadora do Recife Marília Arraes, dissidente do clã Arraes, que controla o PSB.

Ontem, Paulo Câmara se encontrou com a presidente do PT, Gleisi Hoffman, e anunciou publicamente que gostaria de apoiar a candidatura do ex-presidente Lula. “Isso é o que nós estamos defendendo internamente dentro do partido, vamos continuar a defender e vamos fazer todos os esforços para que essa aliança se concretize.” A declaração foi um aceno para a cúpula petista, mas a aliança sem Lula candidato não está garantida. Além disso, Gleisi não deu garantias de que removerá a candidatura de Marília. Por essa razão, na próxima reunião da Executiva da legenda, marcada para quarta-feira, é possível que a aliança com Ciro seja sacramentada. Para ganhar tempo, Câmara pediu ao presidente da legenda, Carlos Siqueira, para adiar a reunião.

Em outra frente, Ciro investe para obter o apoio do DEM. Já conta com a simpatia do presidente da legenda, o prefeito de Salvador, ACM Neto, e do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (RJ). Tem o apoio garantido do senador Agripino Maia, por causa da aliança com o PDT no Rio Grande do Norte, e de senador Ronaldo Caiado (GO), adversário figadal do governador tucano Marconi Perillo. A ala ligada a Geraldo Alckmin, encabeçada pelo líder da bancada na Câmara, Rodrigo Garcia (SP), está sendo fragilizada em razão da deriva à direita do grupo do deputado Ônix Lorenzoni (RS), um dos principais articuladores da candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) a presidente da República.

Na terceira tentativa de disputar a Presidência, Ciro Gomes já se convenceu de que não terá o apoio do PT no primeiro turno. Avalia, porém, que o apoio do Nordeste fortalece sua relação com o PSB e fragiliza Haddad. Também acredita que pode vir a ser a alternativa para os partidos de centro que ainda não se convenceram de que Alckmin tem viabilidade eleitoral. É o caso também do PP, de Ciro Nogueira (PI), uma vez que as pesquisas eleitorais mostram que Ciro dispõe de forte apoio no Piauí. Do outro lado do balcão, Alckmin não desistiu do DEM, porque o discurso político de Ciro está muito longe do perfil liberal que a legenda construiu com sua política. O mesmo já não acontece com Haddad, uma vez que Ciro manteve forte ligação com Lula, de quem foi ministro, e com Dilma Rousseff.

Absolvição

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros seis réus foram absolvidos no processo em que eram acusados de crime de obstrução de Justiça, pelo juiz da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, Ricardo Leite. É a primeira absolvição nos processos aos quais responde. O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, ao comentar a decisão, disse que o mesmo entendimento deveria ter sido usado no caso do tríplex de Guarujá, no qual Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão. Também foram absolvidos o ex-senador Delcídio do Amaral, seu ex-chefe de gabinete Delcídio Diogo Ferreira, o banqueiro André Esteves (BTG Pactual), o advogado Édson Ribeiro e o pecuarista José Carlos Bumlai.

Lula era acusado pelo Ministério Público de ter atrapalhado as investigações da Lava-Jato, ao supostamente se envolver em uma tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, um dos delatores da Operação Lava-Jato. O juiz considerou insuficientes as provas contra os réus. Entendeu que a acusação de obstrução de Justiça estava baseada somente em afirmações de delatores e desconsiderou a gravação da conversa entre Bernardo Cerveró, filho de Cerveró, e o ex-senador Delcídio do Amaral, que prometia ajuda financeira de R$ 50 mil mensais para a família do ex-executivo da Petrobras e honorários de R$ 4 milhões para o advogado Édson Ribeiro.

Em contrapartida, Cerveró silenciaria em sua delação premiada em relação a Delcídio, então líder do governo no Senado, a Lula, ao pecuarista José Carlos Bumlai, ao banqueiro André Esteves e aos demais acusados. “O áudio captado não constitui prova válida para ensejar qualquer decreto condenatório. Há suspeitas também da ocultação de fatos por Bernardo e Cerveró”, afirmou o juiz.

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Luiz Carlos Azedo: A maré é brava

A maioria dos governadores está em risco eleitoral, seja por causa das dificuldades financeiras e dos ajustes fiscais feitos durante a recessão, seja por envolvimento na Lava-Jato ou outros escândalos

Considerado um excelente gestor público e exemplo de político com responsabilidade fiscal, o governador Paulo Hartung (PMDB) anunciou que não pretende concorrer à reeleição, surpreendendo o mundo político. Aparentemente, cansou da política e do esforço de Síssifo que é equilibrar as contas públicas e atender às demandas populares. Os adversários dizem que jogou a toalha porque, nas pesquisas eleitorais, perde para o ex-governador Renato Casagrande, que derrotou em 2014 mas agora lidera a corrida pelo Palácio Anchieta.

O político capixaba é um dos mais bem-sucedidos da geração de jovens que reorganizaram a UNE e se tornaram políticos profissionais na transição à democracia. Caiu nas graças dos economistas da Casa das Garças (PUC-RIO) ao enfrentar uma greve de policiais militares sem fazer concessões, o que exigiu uma intervenção federal no estado. O desgaste político provocado pelo ajuste fiscal não foi apenas o descontentamento da corporação, as obras paradas de responsabilidade do estado, inclusive na capital, também pesam na balança, além do rompimento com antigos aliados, como o prefeito de Vitória, Luciano Rezende (PPS), e o ex-prefeito Luiz Paulo Vellozo Lucas, que deixou o PSDB e se filiou ao PPS.

O desgaste de Paulo Hartung, porém, não é um fenômeno local. Um balanço da situação eleitoral nos estados revela que a maioria dos governadores está em risco eleitoral, seja por causa das dificuldades financeiras e dos ajustes fiscais feitos durante a recessão, seja por envolvimento na Lava-Jato ou outros escândalos. A vida não está fácil para quem tem mandato e exerce o poder, essa é a realidade às vésperas da campanha eleitoral. Como não se desincompatibilizou do cargo, Hartung não pode concorrer ao Senado ou ser candidato a vice-presidente da República. Vai concluir o mandato e fazer um sabático. Mas, quem quiser que se iluda, se não voltar atrás, tentará fazer o sucessor.

A maré é brava. A imagem náutica é perfeita para a situação dos políticos com mandato: a maioria está na arrebentação, furando as ondas para não morrer afogado. Pode tentar um “jacaré” e correr o risco de levar um caixote para chegar na praia. Poucos políticos são capazes de surfar a onda do voto raivoso dos eleitores. A situação somente não é mais dramática para os parlamentares federais porque a nova legislação eleitoral e o financiamento público de campanha deixaram os políticos com mandato em situação de vantagem estratégica em relação aos demais candidatos, inclusive nos grandes partidos. Entretanto, ninguém sabe direito qual será a eficácia das novas mídias e redes sociais na campanha, em comparação com a tevê, o rádio e os acordos eleitorais tradicionais.

Levantamento realizado pela consultoria Arko Advice mostra que, dos 20 candidatos à reeleição, somente largam com índices de intenção de voto acima de 40% os governadores Renan Filho (MDB), em Alagoas; Rui Costa (PT), na Bahia); Camilo Santana (PT), no Ceará; Flávio Dino (PCdoB), no Maranhão; e Wellington Dias (PT), no Piauí. Na sequência, quem estava em melhor situação, era Hartung, com 28%. É óbvio que esse cenário pode ser alterado, para isso existe a campanha eleitoral, na qual os atuais governadores têm a vantagem de poder exibir os serviços prestados e as obras realizadas. Foi assim, por exemplo, que o governador fluminense Luiz Fernando Pezão (MDB), que tinha apenas 15% de intenções de votos nessa época de 2014, conseguiu se reeleger. É o mesmo índice, por exemplo, do governador Fernando Pimentel (PT), em Minas. Rodrigo Rollemberg (PSB0, com 9%, tem o precedente de José Melo (PROS-AM), que se reelegeu em 2014 com o mesmo percentual.

Coligações

Os partidos estão empurrando suas convenções para o começo de agosto, em função da indefinição do quadro nacional. Normalmente, a armação da chapa de candidatos ao Senado e à Câmara passa pelas coligações eleitorais no plano nacional e local. É uma engenharia que os políticos com mandato conhecem bem, principalmente os deputados federais. A coligação errada pode custar o mandato de um parlamentar bem votado e catapultar para o Congresso um político estreante com menor votação. Cabe aos candidatos a governador liderar a formação de sua coligação. Para isso, geralmente, eles esperam a definição dos candidatos a presidente da República, pressionando a cúpula de seus partidos na direção que lhes parece mais conveniente.

Como a disputa pela Presidência da República está muito estranha, essas definições estão atrasadas. Exemplos de partidos embananados com isso são o PSB, que deriva para a candidatura de Ciro Gomes (PDT), e o DEM, que não sabe se apoia o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDDB). Marina Silva (Rede) e Jair Bolsonaro (PSL) correm por fora, sem conseguir uma grande coligação, embora liderem as pesquisas com Lula fora do baralho. Apesar de o ex-presidente se dizer candidato, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad já é considerado seu substituto, até com chances de chegar ao segundo turno. Quando essas definições ocorrerem, o cenário eleitoral estará armado e a campanha eleitoral começará para valer.

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Luiz Carlos Azedo: Ordem no tribunal

Ao presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Laurita Vaz, classificou de “inusitada” e “teratológica” a concessão de habeas corpus pelo desembargador Rogério Favreto, plantonista de domingo no Tribunal Regional Federal da Região (TRF-4), ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Inusitada porque nunca antes nesse país aconteceu uma chicana tão aloprada, teratológica, na linguagem jurídica, significa decisão deformada, absurda, mal concebida, verdadeira monstruosidade. Com isso, a ministra restabeleceu a ordem jurídica e puxou as orelhas do desembargador, que é tratado como herói pelo PT.

A jogada eleitoral e política da cúpula petista quase deu certo, não fosse o fato de que era uma grosseira patacoada jurídica. Os três deputados petistas que entraram com a ação não fazem parte da defesa de Lula; mesmo assim, a petição foi acolhida por Favreto. Caso a libertação de Lula fosse efetivada, estaria armada uma tremenda crise política, pois se repetiria, com certeza, a situação de sua prisão, em São Bernardo, onde ele passou três dias enfurnado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para transformar a execução da prisão num ato de resistência fake. Dessa vez, seria para valer. Além disso, a ação levaria a crise para o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).

Destacou que a 5ª Turma do STJ já havia negado habeas corpus a Lula e referendado o acórdão unânime da 8ª Turma do TRF-4, que condenou o ex-presidente da República a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado. Laurita Vaz também lembrou que “a questão foi, em seguida, submetida à apreciação do Plenário do Supremo Tribunal Federal que, por maioria de votos, decidiu manter o entendimento consagrado pelo mesmo Colegiado em pronunciamento anterior recente.” A ministra classificou de “singelo” o argumento de que a pré-candidatura de Lula a presidente da República justificaria a concessão do habeas corpus.“É óbvio e ululante que o mero anúncio de intenção de réu preso de ser candidato a cargo público não tem o condão de reabrir a discussão acerca da legalidade do encarceramento, mormente quando, como no caso, a questão já foi examinada e decidida em todas as instâncias do Poder Judiciário”, destacou.

Finalmente, Laurita enfatizou que “está totalmente fora da competência” de Favreto emitir juízo de plausibilidade sobre as teses suscitadas pela defesa de Lula, cujo recurso especial será, em tempo oportuno, examinado e decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. A presidente do STJ também endossou a intervenção do juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba que, mesmo em férias, “diante dessa esdrúxula situação processual”, consultou o presidente do TRF se cumpriria a anterior ordem de prisão ou se acataria a superveniente decisão teratológica de soltura. A ministra afirmou que Favreto causou um “tumulto processual, sem precedentes na história do Direito brasileiro” e remeteu o processo para o desembargador Federal João Pedro Gebran Neto, relator do processo no TRF-4.

Desespero
Há certa dose de desespero e autoengano dos petistas que comemoram a confusão de domingo como um grande avanço na luta contra o “golpe” e pela libertação de Lula. O problema da estratégia adotada no sentido de transformar Lula em vítima de uma grande perseguição política é que essa narrativa vem acompanhada de ações que visam à desmoralização da Justiça. Mesmo que parta de dentro da magistratura, como aconteceu nesse caso, a tática funciona como um bumerangue. E complica ainda mais a vida de Lula nos tribunais. Ao levar ao pé da letra o próprio discursos, o PT começa a derivar para ações políticas focadas na pura agitação, e não na construção de uma defesa eficaz para Lula.

Factoides como esse, que apostam na radicalização política, não reverterão a situação de Lula; ao contrário, inviabiliza ainda mais sua candidatura. Além, disso, outros atores que também apostam na radicalização se beneficiam do desgaste político que ações dessa natureza provocam nas instituições, o que fragiliza a democracia. Quando a insensatez dá as cartas no processo eleitoral, a eleição deixa de ser uma oportunidade para debater os problemas do país e escolher homens e/ou mulheres capazes de oferecer alternativas positivas.

A cúpula petista sabe que a Lei da Ficha Limpa torna Lula inelegível, a manutenção de sua candidatura é uma tática eleitoral que se esgota no registro da candidatura, quando a legenda terá de apresentar seu verdadeiro candidato, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, cujo perfil político não está nenhum pouco em sintonia com o discurso da radicalização. Numa campanha curta, com Lula preso, não será fácil a transferência de votos, daí o desespero para tirar Lula da cadeia o quanto antes e mantê-lo nos palanques.

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Luiz Carlos Azedo: A politização da Justiça

O caso Lula pôs a crise ética no colo do Supremo Tribunal Federal, que está como homem da caverna de Platão

As fortes ligações dos membros das cortes superiores e tribunais de justiça com políticos não são nenhuma novidade, o fato novo é a punição dos políticos pelos juízes e tribunais, entre os quais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado. É o primeiro caso de um presidente da República levado à prisão no Brasil. Isso não aconteceu na Revolução de 1930 nem no golpe militar de 1964. Os ex-presidentes Washington Luiz e João Goulart, depostos, foram para o exílio. Poderiam ter sido presos, se Getúlio Vargas e Castelo Branco quisessem fazê-lo.

Após a redemocratização, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que renunciou ao sofrer um processo de impeachment, não foi preso. Respondeu a processo em liberdade e acabou absolvido, sem passar pelas instâncias de primeiro e segundo grau. A ex-presidente Dilma Rousseff, deposta no impeachment, nem os direitos políticos perdeu. Todos os ex-presidentes vivos têm alguma influência nos tribunais. Não tem fundamento constitucional a narrativa do PT de que Lula é um preso político, de que sua prisão é uma perseguição dos “jacobinos de toga”. Lula está preso porque recebeu vantagens indevidas no exercício do cargo e isso é crime comum. Foi condenado em duas instâncias e estará fora da disputa eleitoral por causa da Lei da Ficha Limpa. Os fatos jurídico-políticos são esses, o resto é discurso eleitoral e muita luta pelo poder.

É nesse contexto que os fatos de domingo passado, envolvendo o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que mandou soltar Lula, e os juízes naturais do caso do tríplex de Guarujá, o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba, responsável pela execução da pena, o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do caso, e o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, desembargador Trompson Flores, que mantiveram a prisão, precisam ser analisados.

A luta política chegou à Lava-Jato em todas as instâncias. Num país de dimensões continentais, que somente veio a completar sua revolução burguesa na década de 1930, mesmo considerando-se o importante papel do Exército brasileiro e da diplomacia na preservação da integridade territorial e consolidação de nossas fronteiras, seria inimaginável a construção do Estado nacional sem a existência de uma Justiça capaz de se fazer presente em todas as cidades. No período colonial, a Justiça local era exercida por cidadãos designados pelas Câmaras Municipais eleitas; com a chegada da Corte portuguesa, essa estrutura não mudou muito; depois da Independência, o sistema passou a ser híbrido, com a nomeação dos juízes pelo imperador e a criação de juris formados por eleitores, que anualmente eram alistados para julgarem devassas e querelas em processo público e oral. Impossível não haver politização.

Caverna
A centralização e profissionalização da magistratura só veio em 1850, quando o impedor D. Pedro II, por decreto, estabeleceu que os juízes seriam nomeados por ele, entre bacharéis, após servirem como juiz municipal, de órfãos, ou promotor público. Os habilitados deveriam ser matriculados com base nas informações prestadas pelos presidentes de Província e pela documentação apresentada pelo requerente, o que garantiu o controle do Judiciário pelo Partido Conservador. Após a proclamação da República, com a Constituição de 1891, a grande mudança foi a realização de concursos: “A nomeação de juízes de direito será precedida de noviciado e concurso, e a dos substitutos, de noviciado”. Mesmo assim, somente no final do regime militar, em 14 de março de 1979, foi editada a Lei Complementar nº 35, instituindo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Entre outras disposições, essa lei criou o Conselho Nacional da Magistratura, que foi extinto em 1998 por simples despacho de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Renasceu das cinzas, porém, com a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004., recebendo a denominação de Conselho Nacional de Justiça. Antes mesmo de sua publicação, a emenda foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3367), proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros, mas o Supremo decidiu por maioria julgar improcedente a ação.

Há uma tensão permanente entre os magistrados de carreira e os desembargadores e ministros do chamado quinto constitucional, exacerbada pelo fato de que a composição do Judiciário, mesmo com os concursos, manteve características de casta privilegiada e corporativista. Para o cidadão comum, a Justiça gasta muito, produz pouco e fala uma língua que não se entende. Para os poderosos, os ritos do processo são mais importantes do que os fatos; com os miseráveis, ocorre exatamente o contrário. Com a Operação Lava-Jato, esse modus operandi estolou. O caso Lula pôs a crise ética no colo da Justiça brasileira, que está como homem da caverna de Platão: não sabe se permanece à luz do dia ou volta para a escuridão. Quem vai decidir é o Supremo Tribunal Federal (STF).

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