Nas entrelinhas
Luiz Carlos Azedo: Supremo caiu na armadilha
O mecanismo que vincula os aumentos de servidores ao dos ministros do STF serviu para alavancar os salários da alta burocracia de todos os poderes, mas virou uma tremenda armadilha fiscal
O impacto do aumento dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nas contas públicas, segundo cálculos dos especialistas em orçamento das assessorias técnicas do Congresso, será de R$ 4 bilhões. A decisão de passar seus vencimentos dos atuais R$ 33.763,00 para R$ 39.293,32, um reajuste de 16,38%, muito acima da inflação, não seria um descalabro face a relevância dos cargos que ocupam, não fosse o fato de que tem um efeito cascata no Executivo, no Legislativo, no Ministério Público e, também, nos estados e Distrito Federal.
A vinculação dos aumentos do Judiciário, do Legislativo e do Executivo ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece o teto de remuneração dos servidores, é uma armadilha fiscal criada pelos lobbies das corporações do setor público e pela esperteza dos políticos. Ministros do Supremo vivem numa redoma, na qual não dependem de mais ninguém, a não ser deles próprios e da Constituição. Não têm as mesmas limitações dos políticos com mandato eletivo no Executivo e no Legislativo na hora de estabelecer seus vencimentos, pois não precisam disputar eleições.
Dessa forma, o mecanismo que vincula os demais aumentos ao dos ministros do STF serviu para alavancar os salários da alta burocracia de todos os poderes, mas virou uma tremenda armadilha fiscal, com grande impacto nas contas públicas. O efeito do aumento na esfera federal é o seguinte: Judiciário, R$ 717 milhões; Ministério Público, R$ 258 milhões; Executivo e Legislativo federais e Defensoria Pública da União, R$ 400 milhões. Nos estados, o impacto nas folhas de pagamento dos servidores será de R$ 2,6 bilhões. Ou seja, de uma hora para outra, o Supremo aprovou mais um novo rombo nas contas públicas, cujo deficit fiscal previsto para o próximo ano é de R$ 139 bilhões.
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), liderou a discussão sobre o aumento, na qual a presidente do Supremo, ministra Cármem Lúcia, que era contra, foi derrotada por 7 a 4. Lewandowski argumenta que a atuação do Judiciário tem proporcionado o resgate de dinheiro aos cofres públicos: “Vocês repararam que ontem os juízes de Curitiba devolveram R$ 1 bilhão de dinheiro desviado da Petrobras?”, disse. Entretanto, é um dos ministros que mais atuam no sentido de circunscrever as investigações.
Num país com 13 milhões de desempregados e uma massa enorme de pessoas subempregadas, muitas vezes ganhando abaixo do salário-mínimo, a decisão teve repercussão muito negativa, a começar pelas reações da própria presidente do Supremo: “Ontem perdi. Provavelmente hoje perco de novo. Mas eu não queria estar do lado dos vencedores. O que venceram e como venceram não era o que eu queria mesmo e continuo não convencida de que era o melhor para o Brasil”, disse Cármen Lúcia.
Colateral
A Secretaria Geral do STF calcula em R$ 2,87 milhões o impacto da despesa na folha de pagamento do tribunal. Parte dos recursos, cerca de R$ 50 milhões, deve sair do orçamento da TV Justiça. O aumento ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional, que já barrou um aumento anterior do Judiciário. Dessa vez, o que se discute no Senado é a desvinculação dos aumentos entre os Poderes, o que pode ser uma boa medida em tempos de novo governo e ajuste fiscal, mas isso dependerá do resultado das eleições.
A decisão tem efeitos políticos colaterais. O Supremo está dividido e se desgasta em razão de divergências entre ministros e decisões contraditórias, principalmente em relação à Operação Lava-Jato. A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em segunda instância, contrasta fortemente com a libertação de outros personagens envolvidos em escândalos, mas que estavam em prisão preventiva, porque ainda não foram condenados em segunda instância. O cidadão comum simplesmente não entende a diferença de tratamento, porque não conhece a jurisprudência. Enquanto os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, por exemplo, arquivam processos e soltam presos envolvidos em escândalos, Lula promove uma guerrilha jurídica contra a Operação Lava-Jato.
Lula está preso desde abril, em Curitiba, depois de ter sido condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá. Ontem, por exemplo, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para suspender os efeitos da condenação dele nesse caso. Em Porto Alegre, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) negou o pedido do Partido dos Trabalhadores para que Luiz Inácio Lula da Silva participasse do debate de ontem da TV Bandeirantes com candidatos à Presidência da República. Advogados do PT entraram com mandado de segurança após um pedido anterior não ter sido analisado. O ex-presidente foi anunciado candidato do PT no domingo.
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Luiz Carlos Azedo: Pacto para salvar Maluf
Em outras épocas, Maluf seria cassado sem dó nem piedade em plenário, como aconteceu com o presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), e o líder petista José Dirceu
A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados decidiu adiar a decisão de cassar ou não o deputado Paulo Maluf (PP-SP), que está afastado do mandato desde fevereiro. Para evitar a imprensa, a reunião foi na casa do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O colegiado decidiu pedir mais informações sobre o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Graças a habeas corpus humanitário concedido pelo ministro Dias Toffoli, eleito ontem o novo presidente da Corte, Maluf está em prisão domiciliar.
Em outras épocas, Maluf seria cassado sem dó nem piedade em plenário, como aconteceu com o presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), e o líder petista José Dirceu, que havia deixado a Casa Civil do governo Lula, por ocasião da crise do mensalão. A Câmara tradicionalmente purga males decapitando um dos pares, como aconteceu com os ex-presidentes Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ambos muito poderosos na Casa. Mas estamos num ano eleitoral, o número de deputados envolvidos na Operação Lava-Jato é grande e o presidente da Câmara tem um acordo de bastidores com o PP e o PT. O MDB também não quer marola, pois a cassação de Maluf é como falar de corda em casa de enforcado.
Não foi à toa que o deputado André Fufuca (PP-MA) pediu vista do processo de Maluf na reunião da Mesa, ao mesmo tempo em que Fábio Ramalho (MDB-MG) requereu a Maia que solicitasse mais informações ao Supremo. A atual composição da Mesa da Câmara é fruto de uma aliança de bastidores com o PT. A estratégia é deixar decantar a situação no decorrer do processo eleitoral, uma vez que Maluf não é candidato e deve encerrar a carreira ao concluir o atual mandato. Maia pretende continuar no comando da Câmara na próxima legislatura, não pretende ser algoz de nenhum colega.
O argumento da Mesa é de que o processo não “transitou em julgado”, ou seja, não esgotou as possibilidades de recursos no Supremo. Presentes à reunião, os advogados de Maluf sustentaram que estão recorrendo da decisão que condenou o paulista, o que poderia reverter sua situação junto à Justiça. Maluf foi considerado culpado pelo desvio de recursos das obras da Avenida Água Espraiada (atual avenida Roberto Marinho), em São Paulo, executada por um consórcio das empreiteiras OAS e Mendes Júnior durante o seu segundo mandato na prefeitura, há 20 anos. A defesa argumenta que o processo já prescreveu.
O caso Maluf é emblemático. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o deputado pelo crime de lavagem de dinheiro a 7 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado. Os ministros, por unanimidade, determinaram a perda do mandato parlamentar e sua interdição para exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza, e de diretor, membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas citadas na lei de combate à lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998), pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada, ou seja, 15 anos, seis meses e 20 dias.
Neste caso, porém, a Turma entendeu que, em vez de ser submetida ao plenário da Câmara dos Deputados, a perda de mandato deve ser automaticamente declarada por sua Mesa Diretora. Os ministros também condenaram o parlamentar à perda, em favor da União, dos bens, direitos e valores objeto da lavagem em relação à qual o réu foi condenado, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Maluf atuou na lavagem de dinheiro desviado de obras públicas e fez remessas ilegais ao exterior, por meio de doleiros. O deputado, conforme a acusação, participou de esquema de cobrança de propinas na prefeitura de São Paulo, em 1997 e 1998, mas continuou a contar com seu envolvimento direto nos anos seguintes.
Toffoli
O plenário do Supremo elegeu ontem o ministro Dias Toffoli para presidir o Tribunal e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) durante o biênio 2018-2020. A posse deve ocorrer no dia 13 de setembro, às 17h. Os ministros também elegeram o ministro Luiz Fux como próximo vice-presidente da Corte. A ministra Cármen Lúcia desejou aos colegas um período profícuo e mais calmo, “para que esta seja uma administração na qual se possa dar continuidade àquilo que é próprio do Tribunal, que é julgar e julgar bem, de maneira eficiente”.
Ministro desde 2009, por indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, José Antonio Dias Toffoli nasceu em Marília (SP) e tem 51 anos. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, é professor colaborador do curso de Pós-Graduação da instituição. Foi presidente do Tribunal Superior Eleitoral de maio de 2014 a maio de 2016, e já presidiu as duas Turmas do STF. Foi subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, entre janeiro de 2003 e julho de 2005, e de advogado-geral da União, entre março de 2007 e outubro de 2009. Será o 58º presidente do STF desde o Império e 47º desde a proclamação da República.
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Luiz Carlos Azedo: Militares na política
Com a candidatura de Bolsonaro, além do general Mourão, mais de uma centena de militares disputam as eleições, em todos os níveis. São raros os que não apoiam o ex-capitão do Exército
A última vez que um militar disputou a presidência da República em eleições diretas foi em 1960. No final do governo, em meio à crise econômica e a ampliação das demandas sociais, Juscelino Kubitschek tentou costurar uma aliança entre o bloco PSD-PTB e a UDN. A proposta, porém, foi rechaçada por Carlos Lacerda, que decidiu apoiar Jânio Quadros, que havia se notabilizado como bom administrador em São Paulo e não tinha compromisso com partidos. Filiado ao Partido Trabalhista Nacional (PTN), o político populista contava com o apoio de três pequenas agremiações — o Partido Libertador (PL), o Partido Democrata Cristão (PDC) e o Partido Republicano (PR) — e se colocava acima delas. A mesma postura adotou em relação à UDN.
Diante do impasse, sem um nome que unificasse a elite política, PSD e o PTB resolveram lançar o marechal Henrique Teixeira Lott, um líder militar de muito prestígio entre os políticos por posições legalistas. Era ministro da Guerra desde de 1954, escolhido pelo vice-presidente João Café Filho, logo após tomar posse na Presidência da República, no mesmo dia do suicídio de Getúlio Vargas: 24 de agosto. Conhecido por sua intolerância a qualquer indisciplina militar, foi mantido no cargo por Juscelino, que em fevereiro de 1956, logo após tomar posse, teve que enfrentar uma rebelião militar, conhecida como Revolta de Jacareacanga, no Pará. Lott agiu com vigor, mas Juscelino, depois, concedeu uma anistia aos insubordinados para pacificar a caserna.
Jânio venceu as eleições presidenciais de outubro de 1960 com 48% dos votos do eleitorado, contra 32% dados a Lott e 20% a Ademar de Barros. Tomou posse com João Goulart, que foi eleito graças à manobra dos sindicalistas de São Paulo, que lançaram a chapa Jan-Jan, uma dobradinha pirata entre o candidato da UDN e o vice do PTB, rifando o cabeça de chapa do PSD (naquela época, votava-se separadamente no vice). Lott foi um desastre como candidato, embora sua campanha tenha se notabilizado pelo marketing político profissional. Anos Dourados, seu jingle de campanha, ainda hoje é considerado um dos melhores de todos os tempos. A espada como símbolo, porém, não foi boa ideia; em contraponto, Jânio escolheu uma vassoura, que fez enorme sucesso graças ao jingle Varre, varre, vassourinha, no qual prometia uma faxina no governo. Na reta final da campanha, perguntava aos correligionários para onde iria o marechal, em tom de piada, e dizia que mandaria cancelar os comícios nas cidades por onde o militar passasse”.
Ao contrário de Lott, cujo vice era um político profissional, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) escolheu um general de quatro estrelas para companheiro de chapa: o gaúcho Antônio Hamilton Martins Mourão. Sua estreia na campanha foi desastrosa. Em Caxias do Sul, ao falar sobre o desenvolvimento do país, disse bobagem: “E o nosso Brasil? Já citei nosso porte estratégico. Mas tem uma dificuldade para transformar isso em poder. Ainda existe o famoso ‘complexo de vira-lata’ aqui no nosso país, infelizmente (…) Essa herança do privilégio é uma herança ibérica. Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem. Nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o nosso ‘cadinho’ cultural.”
Estrela
A “lição de antropologia” não tem nada a ver com o mito fundador do próprio Exército, que cultua a memória dos heróis da Batalha de Guararapes, na expulsão dos invasores holandeses: o índio potiguar Filipe Camarão, o negro Henrique Dias e o mazombo André Vidal de Negreiros. Mourão tentou se justificar para a imprensa: “Quiseram colocar que o Bolsonaro é racista, agora querem colocar em mim. Não sou racista, muito pelo contrário. Tenho orgulho da nossa raça brasileira”, disse. Mourão se notabilizou quando era Comandante Militar do Sul, ao prestar homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ultra, conhecido torturador, que chamou de herói em solenidade militar oficial. Após o episódio, foi transferido para um cargo burocrático, embora importante: a Secretaria de Economia e Finanças do Exército. Numa palestra na Maçonaria, em Brasília, após criticar o governo Temer, porém, voltou a falar demais e defendeu uma intervenção militar. Perdeu a função e ficou na geladeira até passar à reserva.
Com a candidatura de Bolsonaro, além de Mourão, mais de uma centena de militares disputam as eleições, em todos os níveis. São raros os que não apoiam o ex-capitão do Exército. Muito da resiliência e capilaridade da sua campanha se deve ao apoio maciço de militares da ativa e da reserva à sua candidatura. No alto-comando, quatro generais são seus companheiros de turma. Inicialmente, a indicação de Mourão foi vista como uma espécie de blindagem, para barrar um eventual processo de impeachment pelo Congresso, caso Bolsonaro seja eleito. Nesse caso, seria substituído por um militar de alta patente. Entretanto, Mourão já se tornou uma estrela da campanha e ofuscou o próprio Bolsonaro no noticiário político.
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Luiz Carlos Azedo: Começa o jogo
Qualquer previsão do que pode acontecer antes de a campanha eleitoral começar nos meios de comunicação de massa é chute. Nas redes sociais, Bolsonaro e Marina estão em vantagem
Num quadro muito fragmentado, com35 partidos e 13 candidatos, a disputa pela Presidência da República, no primeiro turno, se dará no máximo entre meia dúzia de pretendentes. Na largada, os favoritos são Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede), que têm demonstrado grande resiliência, mas esse quadro pode se alterar profundamente quando a campanha de rádio e tevê começar, devido ao grande tempo de televisão de Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), já escalado para substituir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem é vice na chapa aprovada em convenção.
As candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos) despontam no Nordeste e no Sul do país, respectivamente, com certa resiliência. Henrique Meirelles (PMDB), que dispõe de muitos recursos e tempo de televisão, é uma incógnita, por causa da traição anunciada dos caciques de seu partido, tanto quanto o candidato do PSol, Guilherme Boulos, um “Durango Kid” na campanha. Ambos têm menos de 1%. Qualquer previsão do que pode acontecer antes de a campanha eleitoral começar nos meios de comunicação de massa é chute. Nas redes sociais, por enquanto, Bolsonaro e Marina estão em vantagem estratégica devido aos militantes que mobilizam.
Uma das variáveis a ser conferida é o peso de Lula na campanha de Haddad. Sua indicação imediata como vice não estava nos planos do ex-presidente, cujo nome foi homologado na convenção petista. Mas os advogados da legenda advertiram que, sem o vice, o PT poderia simplesmente ficar fora eleição, pois o ex-presidente está inelegível e sua candidatura será impugnada. Ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo que perdeu a reeleição, Haddad é o coordenador do programa de governo e o “poste” ungido por Lula para substituí-lo no pleito.
O PT quer transformar duas derrotas políticas históricas, o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula, numa vitória eleitoral inolvidável: a volta ao poder. Não é uma proeza fácil, uma vez que as narrativas do golpe e de vitimização do líder petista nunca empolgaram a maioria da população e colidem com as instituições democráticas do país. Entretanto, serviram para manter a militância coesa, segurar uma parcela expressiva da base eleitoral e mobilizar a solidariedade internacional.
Isso talvez leve Haddad ao segundo turno. Mas ainda é apenas um “talvez”. Para que ocorra, é preciso que o espólio eleitoral de Lula não se disperse entre outros candidatos, principalmente Marina, Ciro e o próprio Boulos, que sempre foi muito ligado a Lula em São Paulo. Manuela D’Ávila (PCdoB), como nos antigos casamentos arranjados, já estava prometida a Haddad. Renunciou à candidatura para ser vice na chapa petista após a impugnação de Lula.
Frente
Outra incógnita é a pegada eleitoral do tucano Alckmin. Montou-se em torno dele uma ampla frente de hegemonia liberal conservadora, com quase metade do tempo de televisão da campanha e muitos recursos financeiros. O candidato do PSDB tem capacidade de vencer as eleições no Brasil meridional, como em outras eleições, mas pouca aderência no Nordeste. Toda a estratégia tucana foi montada para enfrentar Haddad no segundo turno, ou seja, deslocar da disputa os líderes Bolsonaro e Marina.
Caso a campanha eleitoral seja predominantemente analógica, esse cenário faz sentido. Mas vivemos um ambiente político no qual a sociedade se descolou das estruturas partidárias e a imagem dos políticos tradicionais está muito desgastada. Como Haddad, Alckmin é um sobrevivente. O PSDB está quase tão contaminado quanto o PT pelas denúncias de corrupção da Operação Lava-Jato. Na verdade, uma onda de insatisfação com os políticos, os partidos e a própria política varre o processo eleitoral.
A reforma eleitoral foi feita para salvar os grandes partidos e seus quadros principais de uma catástrofe, como se fosse um grande quebra-mar. Mas a grande onda de insatisfação popular pode saltar o enrocamento e chegar à praia com violência. Essa é mais ou menos a imagem da eleição. Se isso acontecer, Alckmin terá de furar a onda para não levar um caixote. A mesma coisa vale para Haddad.
Ao contrário, porém, Bolsonaro e Marina se posicionaram para surfar a onda. Pode ser que caiam da prancha, mas isso somente saberemos quando o cenário atual se modificar. Ciro Gomes e Álvaro Dias também surfam a onda. Políticos experientes, estão acostumados a bater sem piedade nos adversários, embora com sotaque diferente. Ciro mira os eleitores de Haddad; Dias, o de Alckmin. São dois cações mordendo os calcanhares do petista e do tucano.
Resta Meirelles. O candidato do PMDB acredita que pode enfrentar a onda montado num jet ski. O ex-ministro da Fazenda não pode ser atacado pelos petistas, porque foi da equipe de Lula; seu legado no governo Temer, porém, é contraditório. Seu ponto forte: venceu a recessão e a inflação; o fraco: não reduziu o deficit fiscal nem o desemprego em massa. Sua campanha será um termômetro do peso da campanha de rádio e tevê nas eleições.
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Luiz Carlos Azedo: Os tempos sombrios
O Brasil está passando por um momento de radicalização política, em meio a um choque de narrativas nas quais a primeira vítima das “certezas” e “verdades” é a fraternidade
Um dos ensaios do livro Homens em tempos sombrios (Companhia de Bolso), da filósofa judia-alemã Hanna Arendt, é dedicado ao poeta, dramaturgo, filósofo e crítico de arte alemão Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) e discute a relação entre a verdade e a humanidade. Considerado um dos maiores representantes do Iluminismo alemão, Lessing é autor da peça Nathan, o sábio, de 1779, que se destaca pela defesa do livre pensamento e da tolerância religiosa, além da crítica ao antissemitismo.
À época, a peça foi proibida pela Igreja; mais tarde, o mesmo aconteceu sob o nazismo e, depois, no comunismo. A obra descreve o modo como o comerciante judeu Nathan, o sultão Saladin e um cavaleiro templário superaram as diferenças entre o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo. Simultaneamente, aborda os temas da amizade, da tolerância, do relativismo divino e da necessidade de comunicação.
Filho de um pastor luterano, Lessing estudou latim e matemática em Kamens, sua cidade natal, e, depois, medicina, teologia, literatura e filosofia na Universidade de Leipzig, mas trocou tudo pelo teatro. Acabou mudando-se para Berlim, onde se tornou dramaturgo e crítico de arte. Entretanto, por causa de suas ideias avançadas, nunca foi aceito nos círculos da corte de Frederico II, o Grande, da Prússia, principalmente por causa de Voltaire, que então lá vivia e cuja dramaturgia criticou duramente.
Isolado, Lessing mudou-se para Breslau e, depois, Hamburgo, onde se tornou bibliotecário do duque Brunswick at Wolfenbüttel, o que lhe garantiu uma renda fixa, com a qual pode manter a família e quitar as suas dívidas. No seu tempo, a verdade única era a grande questão filosófica e religiosa, com a qual Lessing polemizava. Divertia-se com o fato de que, tão logo enunciada, a “verdade” imediatamente se transforma numa opinião entre muitas outras, que era contestada, reformulada e reduzida a um tema de discurso entre outros.
Com perdão pelo pleonasmo, nada mais verdadeiro em tempos de sociedade líquida e de choques de narrativas. Uma única verdade absoluta, se pudesse existir, seria a morte de todas as discussões. No seu ensaio sobre Lessing, Arendt estabelece a diferença entre as noções de possuir a verdade e estar certo, mas destaca que os dois pontos de vista têm algo em comum: os que assumem um ou outro geralmente não estão preparados, em caso de conflito, para sacrificar seu ponto de vista à humanidade ou à amizade.”
Humanismo
Chegamos ao que mais nos interessa. Nenhuma avaliação da natureza do islamismo, do judaísmo ou do cristianismo, segundo a Arendt, teria impedido Lessing de travar uma amizade com um mulçumano convicto, um judeu piedoso ou um cristão crente. “Qualquer doutrina que, de princípio, barrasse a possibilidade de amizade entre seres humanos seria rejeitada por sua consciência livre e certeira. Teria imediatamente tomado o lado humano e não ligaria para a discussão culta ou inculta em cada parte”, destaca. A humanidade de Lessing pode ser resumida numa única frase: “Que cada um diga o que acha que é verdade, e que a própria verdade seja confiada a Deus!”.
Nos “tempos sombrios” a que se refere Hanna Arendt, o pano de fundo são a radicalização e o totalitarismo, em contraposição à amizade e ao humanismo. Há o trauma alemão decorrente do apoio ao nazismo e à guerra, um dos temas recorrentes da filósofa, e também o trauma do que denominou de “emigração interna” dos judeus, antes mesmo de Hitler ter chegado ao poder: a fuga do mundo para a ocultação; da vida pública, para o anonimato. “A fuga do mundo em tempos sombrios de impotência sempre pode ser justificada, na medida em que não se ignore a realidade, mas é constantemente reconhecida como algo a ser evitado”, afirma Arendt em seu ensaio.
Às vésperas de Hitler chegar ao poder, a força do escapismo brotava da perseguição aos judeus fugitivos na forma de resistência íntima, silenciosa e individual. “Mas há uma grande diferença entre força e poder. O poder surge apenas onde as pessoas agem em conjunto, mas não onde as pessoas se fortalecem como indivíduos”, adverte. O Brasil está passando por um momento sombrio, de radicalização política decorrente de projetos autoritários, em meio a um choque de narrativas nas quais a primeira vítima das “certezas” e “verdades” é a fraternidade, o humanismo.
O escapismo em relação ao processo eleitoral é um fenômeno real, ainda mais porque o sistema político descolou-se da maioria da sociedade. Entretanto, não resolve os problemas da política e da economia, muito menos da disseminação do ódio e da exacerbação de inimizades, inclusive em ambientes familiares. Faz muito sentido a advertência de Hanna Arendt no ensaio sobre Lessing: “Como era tentador, por exemplo, simplesmente ignorar o falastrão insuportavelmente estúpido dos nazistas. Mas, por mais sedutor que possa ser, render-se a tais tentações e isolar-se em sua própria psique, o resultado será sempre uma perda do humano com a deserção da realidade”.
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Luiz Carlos Azedo: Meirelles, ma non troppo
“A indicação de Meirelles foi uma demonstração de força do presidente Michel Temer, dos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco e do presidente do MDB, senador Romero Jucá”
O MDB confirmou ontem a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles a presidente da República. É a mais poderosa agremiação política do país, pois reúne o presidente da República, quatro ministros, cinco governadores, três vice-governadores, 51 deputados federais, 18 senadores, 118 deputados estaduais, 1.049 prefeitos (quatro de capitais), 778 vice-prefeitos e 7.564 vereadores, além de 2,3 milhões de filiados. Herdeiro da resistência democrática ao regime militar, transformou-se de uma frente política pluralista de oposição numa confederação de caciques regionais, que nunca vacilaram em “cristianizar” os candidatos da legenda.
O termo é uma alusão ao candidato do PSD nas eleições de 1950, o ex-prefeito de Belo Horizonte Cristiano Machado, que foi rifado por seus correligionários, leais ao ex-presidente Getúlio Vargas, que se candidatou pelo PTB. A primeira vítima dos caciques do PMDB foi ninguém menos do que o grande líder da campanha das Diretas Já!, deputado Ulysses Guimarães, nas eleições de 1989. Foi traído pelo então governador de São Paulo, Orestes Quércia (PMDB), e outros líderes da legenda, tendo apenas 4,4% dos votos. O mesmo fenômeno se repetiu nas eleições de 1994, quando Quércia foi candidato e acabou “cristianizado” pelos correligionários, que derivaram para a candidatura de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Desde então, a legenda consolidou uma vocação parlamentar capaz de contingenciar qualquer governo, ao eleger a maior bancada do Senado e grande número de deputados. O MDB é uma força decisiva em qualquer votação importante no Congresso. A indicação de Meirelles foi uma demonstração de força do presidente Michel Temer, dos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Energia) e do presidente da legenda, senador Romero Jucá (RR), contra dissidentes poderosos, como os senadores Renan Calheiros (AL) e Roberto Requião (PR). Foram 357 votos a favor da candidatura, 85% do total. Houve 56 votos contrários e seis em branco. Como o MDB não se coligou com ninguém nacionalmente, seus caciques estão à vontade para fazerem o que quiserem nas disputas regionais, como normalmente ocorre. Ou seja, vão de Meirelles, ma non troppo, como se diz em italiano.
Depois do fracasso de Quércia, é a primeira vez que a legenda lança um candidato. Meirelles se colocou como o nome mais confiável para conduzir o país: “A minha candidatura tem um objetivo principal: resgatar o espírito de confiança no Brasil”. Fez um contraponto aos demais candidatos: “O Brasil precisa de um messias, que se veste com uniforme de salvador da pátria? Não. Nem de um líder destemperado, tratando o país como se fosse seu latifúndio. E nem eternos candidatos a presidente”. O ex-ministro não definiu o vice na sua chapa; o nome mais citado é o da senadora Marta Suplicy (SP). E começa a campanha quase do zero, pois na pesquisa do Ibope/CNI divulgada ontem não chega a 1% de intenções de voto, mesmo patamar de Aldo Rebelo (SDD), Guilherme Afif (PSD), Guilherme Boulos (PSOL), Paulo Rabello de Castro (PSC), Rodrigo Maia (DEM) e Valéria Monteiro (PMN).
Coligações
Outro fato relevante da cena eleitoral foi a decisão do PV de se coligar com a candidata da Rede, Marina Silva. O ex-deputado Eduardo Jorge será o vice. É uma situação diametralmente oposta a de Meirelles, pois Marina é a candidata com menos recursos financeiros e tempo de televisão. A coligação com o PV foi uma boia de salvação para ex-senadora, que está com 13% nas pesquisas, atrás apenas de Jair Bolsonaro (PSL), com 17%. Quando Lula entra na disputa, ambos caem para 15% e 7%, respectivamente, o que faz de Marina a principal herdeira dos votos lulistas. Seu grande problema era conseguir uma legenda que ampliasse minimamente seu tempo de televisão, evitando um colapso eleitoral logo no início da campanha. Ou seja, pela terceira vez, Marina está firme na disputa por uma vaga no segundo turno.
Quem também avançou mais uma casa nas articulações políticas foi o candidato do PSDB, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que conseguiu que a senadora Ana Amélia (PP-RS) aceitasse o convite para ser vice na sua chapa. O reforço gaúcho mina as bases de Jair Bolsonaro e de Álvaro Dias (Podemos) no Sul, que haviam esvaziado a candidatura do tucano. A consolidação de um perfil mais conservador parece ser uma estratégia deliberada de campanha. Presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM), também era cotado para a vice, mas está mais interessado na reeleição, pois pretende permanecer à frente da Casa na próxima legislatura. Esse arranjo praticamente consolidou a frente ampla articulada por Alckmin, que está com 6% nas pesquisas, atrás de Ciro Gomes, que possui 8% de intenções de votos, quando Lula sai da disputa.
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Luiz Carlos Azedo: Arma-se o jogo do PT
Nos cálculos otimistas dos petistas, o candidato a ser escolhido por Lula estará seguramente no segundo turno. Vem daí a gana dos militantes contra os “coxinhas” e “golpistas”
Depois da aliança em torno do tucano Geraldo Alckmin, na qual DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade se juntam ao PSDB, ao PSD, ao PTB e ao PPS, a movimentação mais importante até agora no tabuleiro eleitoral foi feita pelo PT, que conseguiu costurar por baixo uma aliança com o PSB em 11 estados e anular qualquer possibilidade de a legenda fechar com o candidato do PDT, Ciro Gomes, no plano nacional. Hegemonizado pelo governador de Pernambuco, Paulo Câmara, o PSB também abriu mão da candidatura de Márcio França, em Minas Gerais, em troca da retirada do nome de Marília Arraes, candidata petista em Pernambuco. Sem candidato a presidente da República, a legenda optou por liberar seus caciques regionais.
Com isso, a movimentação do PT para viabilizar os candidatos do partido nos estados começa a predominar em relação à manutenção da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba. Tudo indica que a legenda vai mesmo lançá-lo à Presidência na convenção de sábado, em São Paulo, e forçar a barra junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para registrar seu nome, mas está difícil encontrar um aliado coadjuvante para a manobra, até porque a tendência do PT é indicar o “poste” que irá substituí-lo como vice já na convenção. Ontem, Manuela D’Ávila teve o nome confirmado pelo PCdoB, que sonha com a vice na chapa petista tão logo Lula seja substituído. Por ora, não há outros pretendentes.
Marqueteiros fazem as contas da capacidade de transferência de votos de Lula, que lidera as pesquisas de opinião quando seu nome é consultado, com 30% de intenções de votos. Imagina-se que o petista alavancará de 17% a 22% dos votos para o “poste” que vier a apoiar, garantindo-lhe um lugar no segundo turno. O problema é que os mais cotados para substituir Lula, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, largam bem atrás dos demais candidatos, na faixa dos 2% de intenções de voto.
Nos cálculos otimistas dos petistas, o candidato a ser escolhido por Lula estará seguramente no segundo turno. Vem daí a gana dos militantes contra os “coxinhas” e “golpistas”, o “apagão” moral de artistas, intelectuais e sindicalistas em relação ao propinoduto da Petrobras e outros escândalos, a campanha ensandecida de seus advogados e parlamentares contra a Operação Lava-Jato, sem falar nas afrontas da cúpula partidária ao Judiciário. Com a faca nos dentes, a legenda quer revanche. Esqueçam Jair Bolsonaro (PSL), em segundo lugar nas pesquisas e favorito no pleito sem Lula na disputa. O inimigo principal do PT é o tucano Geraldo Alckmin. Caciques do PMDB, como Renan Calheiros e Eunício de Oliveira, que votaram a favor do impeachment, já foram perdoados.
Indicação
A narrativa de vitimização do ex-presidente uniu e mobilizou a militância petista, que acredita na rápida transferência de voto para o nome ungido pelo líder. É aí que surgem os problemas. Há três candidatos que disputam o espólio lulista no eleitorado. O primeiro é Ciro Gomes, principalmente no Nordeste, não foi à toa o esforço realizado para impedir sua aliança com o PSB; o segundo, Marina Silva (Rede); e o terceiro, Guilherme Boulos (PSOL). Álvaro Dias (Podemos) atrapalha mais o tucano Geraldo Alkmin, principalmente no Sul do país.
A propósito, fora de São Paulo não será fácil a transferência de votos para Haddad, apesar dos modos mais refinados e perfil acadêmico do ex-ministro da Educação de Lula. Teria apoio da militância sindical e nas universidades federais, mas isso não basta para alavancar uma candidatura majoritária nacionalmente. A outra opção é Jaques Wagner, carioca abduzido pela Bahia, que teria mais trânsito no Nordeste e não teria tantas dificuldades no Sudeste. O problema é que a seção paulista do PT não quererá abrir mão das vantagens que a candidatura do ex-prefeito oferece para a sobrevivência de seus parlamentares.
A grande contradição da estratégia petista é a confrontação com o Judiciário, ao radicalizar o discurso contra a Lava-Jato em defesa de Lula. A manutenção de uma candidatura que todos sabem inelegível, aproveitando-se dos prazos do calendário eleitoral e dos ritos de registro de chapas, perturba o processo eleitoral. Quando mais bem-sucedida a estratégia no plano eleitoral, mais desestabilizadora será institucionalmente, pois coloca em xeque o Supremo Tribunal Federal (STF). Para o PT, a preservação da democracia e suas instituições é uma responsabilidade dos demais atores políticos. Ou seja, a legenda regrediu à época em que se recusou a votar em Tancredo Neves no colégio eleitoral para derrotar Paulo Maluf, não por acaso um aliado do governo Lula e do ex-prefeito Haddad.
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Luiz Carlos Azedo: Agosto no Supremo
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma os trabalhos hoje com uma pauta importante, mas politicamente lateral: os julgamentos de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2139, 2160 e 2237) que questionam dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e duas ações que discutem a validade de imposição de idade mínima para a matrícula de alunos no ensino infantil e fundamental, uma Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 17 e outra de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 292. A agenda principal, porém, foi anunciada por 11 militantes do Movimento de Trabalhadores Sem-Terra (MST), que ontem iniciaram uma greve de fome pela libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sob as marquises do Supremo. Foram removidos do local por ordem da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.
O Supremo está na iminência de dar um basta a essas tentativas do ex-presidente de desmoralizar o Judiciário. Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou manifestação ao STF contra o agravo regimental em que o ex-presidente Lula questiona decisão do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, no caso do tríplex do Guarujá (SP). No documento, a PGR afirma que a decisão do TRF4 – que condenou Lula a 12 anos e um mês de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – deve ser mantida, e que o pedido da defesa é inadmissível e não possui plausibilidade jurídica.
Lula pleiteia efeito suspensivo ao recurso extraordinário apresentado contra o acórdão do TRF4. Para Raquel Dodge, isso não é possível, pois o recurso já foi negado pelo tribunal de origem. Em razão disso, e pela perda do objeto do pedido, o STF não deveria sequer apreciar a questão. Entretanto, caso os ministros aceitem julgar o caso, a procuradora-geral requer o não provimento do agravo regimental. Além de não preencher condições mínimas de admissibilidade e plausibilidade jurídica, o recurso de Lula se baseia em supostas violações a normas infraconstitucionais que o Ministério Público Federal rechaça.
A manifestação da procuradora-geral da República desconstrói a narrativa de que Lula foi condenado sem provas. Raquel Dodge rechaça o inconformismo do petista e destaca que os magistrados do TRF-4, “nas duas decisões, a última inclusive por unanimidade”, tiveram a seu dispor uma gama de material probatório e entenderam haver “provas robustas de que Lula praticou os crimes”. A defesa do ex-presidente Lula apresentou dois embargos de declaração contra a decisão do TRF-4 que aumentou a pena para 12 anos e um mês de reclusão. A um foi dado provimento em parte e o outro não foi conhecido. Em seguida, foi interposto recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e recurso extraordinário no STF. Ao mesmo tempo, foi apresentada Medida Cautelar perante o presidente do TRF-4 pedindo que os recursos Especial e Extraordinário fossem recebidos com efeito suspensivo.
O nome desta cascata de recursos é chicana. Após o pedido ser indeferido, a defesa de Lula ajuizou nova medida cautelar no STF pedindo que o recurso extraordinário fosse recebido com efeito suspensivo. O recurso extraordinário não foi admitido pela vice-presidente do TRF-4 e, em função dessa decisão, o ministro Edson Fachin considerou prejudicada a medida cautelar. Outro agravo regimental foi interposto, pedindo que fosse reconsiderada a decisão do ministro do STF. Mas isso não ocorreu, e o agravo regimental será submetido ao julgamento do plenário. Na manifestação enviada ao Supremo, a PGR rebate todas as alegações da defesa do ex-presidente.
Para Raquel Dodge, o recurso extremo de Lula não apresenta relevância capaz de transcender seus interesses subjetivos e afetar outras pessoas em situação semelhante. “Tampouco traz questões cuja resolução dependa da análise do direito em tese e não de fatos estritamente relacionados à causa concreta ora posta à apreciação judicial. Trata-se de recurso que versa sobre questões afetas unicamente à situação processual do requerente.”
Candidatura
O uso ilimitado de recursos pela defesa de Lula não tem nada a ver com a boa advocacia, é apenas uma estratégia política para manter sua candidatura e embaralhar o jogo eleitoral. De certa forma, Lula está conseguindo iludir seus eleitores. Ontem, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, deu um chega pra lá nas intenções petistas, ao anunciar que Lula está inelegível e não há a menor hipótese de registrar sua candidatura. Ou seja, mesmo que a convenção do PT venha a promover a provocação de confirmar a candidatura de Lula, ela não será aceita pela Corte, na avaliação de seu presidente. Na verdade, a regra vale para todos os pretendentes que estiverem condenados em segunda instância, em razão da Lei da Ficha Limpa e não apenas para Lula.
» Visto, lido e ouvido – Os leitores do Correio e o jornalismo brasileiro perderam, ontem, seu mais longevo colunista, o jornalista Ari Cunha, pioneiro de Brasília. Um dos responsáveis pela circulação deste jornal desde o dia da inauguração da nova capital, durante mais de 50 anos, foi um dos principais repórteres políticos do país. RIP!
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Luiz Carlos Azedo: Medo do imprevisto
“Não há alternativa para as forças políticas mais responsáveis que não seja a defesa da democracia, ganhando ou perdendo as eleições”
“Se algum sabichão lhes disser o que vai acontecer, estará mentindo. Essa eleição é imprevisível!”, disse o velho Antônio Ribeiro Granja, antes de apagar as velas do bolo de aniversário de 105 anos, domingo. Rodeado de parentes, amigos e companheiros que lhe deram apoio na clandestinidade, voltou ao velho refúgio do Faraó de Baixo, localidade de Cachoeiras de Macacu (RJ) cercada de fontes de água mineral, no pé da Serra do Mar.
Integrante do Comitê Central do PCB, Granja escapou de um sequestro em Itaboraí, em 1975, por muito pouco. À época, 18 integrantes do PCB, dos quais 12 do Comitê Central, foram assassinados. Avisado pelo filho, o engenheiro mecânico José Roberto Portugal, então um menino, saiu pelos fundos do sítio quando a equipe de agentes do DOI-CODI estava chegando. “Um deles passou a 20 metros de mim, com a metralhadora nas mãos; eu estava escondido no meio do mato, só com a calça do pijama e descalço.”
Graças àquela região montanhosa e aos antigos hábitos de ex-trabalhador rural, “Seu Chico”, como era chamado na região, driblou seus perseguidores se passando por boia-fria na fazenda Funchal. Depois, foi morar num sítio em Casemiro de Abreu. Foi um dos poucos dirigentes a permanecer no país durante todo o regime militar. De sandália havaiana e chapéu de palha, com as mãos calejadas pelo cabo da enxada, circulava pelo interior do antigo Estado do Rio como um peixe na água. Foi assim que reorganizou o antigo Partidão no interior fluminense e garantiu a eleição dos deputados comunistas Marcelo Cerqueira (federal) e Alves de Brito (estadual), pelo antigo MDB, nas eleições de 1978.
Seu grande mérito foi se distanciar do interesse imediato, no caso, a própria sobrevivência, para compreender o processo político. Granja percebeu, mesmo após as prisões do professor e economista Aírton Albuquerque, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense, e dos jornalistas Maurício Azedo e Luiz Paulo Santana Machado, logo após o carnaval de 1976, que a situação política estava mudando. Saiu da toca e foi à luta pela liberdade e pela democracia. Seu objetivo imediato era a anistia, a grande missão que confiou a Marcelo Cerqueira como parlamentar.
O Pacote de Abril, baixado pelo presidente Ernesto Geisel com o propósito de conter o avanço das oposições nas eleições municipais de 1976, na sua avaliação, fora uma demonstração de fraqueza. Os fatos confirmaram as previsões do velho dirigente do PCB, que aos 105 anos continua com uma memória invejável, capaz ainda de recitar suas poesias, contar causos da longa militância política e, com fina ironia e grande senso de humor, falar sobre a conjuntura sem dizer as besteiras que circulam com fartura pelas redes sociais.
Granja nunca teve medo do novo. Todas as vezes em que foi necessário, jogou dogmas e concepções ultrapassadas na lata do lixo da história. Fez autocrítica da Intentona de 1935, apoiou o relatório Kruschov, renegou as teses que defendiam a luta armada para lutar contra ditadura e chegar ao poder. Sabia que o PCB flertara com o golpismo em 1964, pois foi testemunha da conversa de Luiz Carlos Prestes com o presidente João Goulart, com Raul Riff, em fevereiro de 1964, quando o líder comunista sugeriu ao presidente deposto que apelasse às massas para fazer as reformas, que anunciou no Comício de 13 de março, sem respaldo do Congresso, em vez de recuar. Granja apoiou a mudança de sigla do PCB para PPS, do qual é o presidente de honra, e guardou no baú de recordações amorosas a velha bandeira vermelha com a foice e o martelo que empunhava desde 1934.
O futuro
O que fazer diante do imponderável anunciado por Granja? Em primeiro lugar, considerar as contingências nas quais ocorrem as eleições deste ano. Uma economia que, bem ou mal, voltou a crescer, mas tem baixo desempenho porque o governo gasta mais do que arrecada. O pior já passou, foi a recessão do governo Dilma Rousseff. Sua “nova matriz econômica” ameaçava transformar o país numa nova Venezuela. Nossas instituições políticas sobreviveram à crise tríplice (econômica, política e ética) que nos levou ao impeachment.
O governo de transição está enfraquecido pelas denúncias de corrupção, mas mantém respaldo no Congresso para levar o país às eleições. O presidente Michel Temer é fleumático e equilibrado, apesar da impopularidade e das denúncias da Operação Lava-Jato. Finalmente, as Forças Armadas se mantêm nos limites estabelecidos pela Constituição, mesmo com a tropa torcendo pela eleição de um ex-militar à Presidência.
O imprevisível faz parte da democracia. Duro seria se tivéssemos eleições de cartas marcadas ou se as mesmas fossem suspensas. Sim, a radicalização política protagonizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em contraponto com a narrativa autoritária do deputado Jair Bolsonaro cria um quadro de instabilidade institucional, mas as regras do jogo eleitoral podem resolver essa questão. Quem quer que venha a ganhar, terá que lidar com o Congresso e o Judiciário, a imprensa e a opinião pública. E não há alternativa para as forças políticas mais responsáveis que não seja a defesa da democracia, ganhando ou perdendo as eleições.
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Luiz Carlos Azedo: Da arte de ensacar demônios
“Eles estão soltos, e não será uma tarefa fácil lidar com isto: os fantasmas do velho positivismo autoritário rondam o Palácio do Planalto, à direita e à esquerda”
“Soltar o demônio da revolução é fácil. Difícil é recolhê-lo. É o que fazemos agora, cumprindo nosso dever cívico”, a frase do presidente Prudente de Moraes (1841-1902) ao amigo Bernardino de Campos, seu ministro da Fazenda, logo após tomar posse, sintetiza a situação em que encontrou o país em novembro de 1894. O governo autoritário de Floriano Peixoto por muito pouco não se transformou na ditadura positivista sonhada por Júlio de Castilhos e Benjamin Constant, que viria a se materializar mais tarde, com Getúlio Vargas (de 1930 a 1945) e o regime militar (1964-1985). Floriano não passou o cargo ao sucessor, gesto que mais tarde seria repetido pelo presidente João Batista Figueiredo, ao ser sucedido por José Sarney (MDB).
Natural de Piracicaba (SP), Prudente foi o primeiro político republicano de verdade a governar o país, em meio à grave crise econômica e a muitas turbulências políticas. Jorge Caldeira, em História da Riqueza no Brasil, cinco séculos de pessoas, costumes e governos (Estação Brasil), nos reposiciona em relação aos episódios da época, entre os quais o desastre que foi o “florianismo” e a influência nefasta do positivismo para a economia e a política, sobretudo em razão da tutela dos militares sobre o Estado e deste em relação à sociedade. Prudente governou o país sem recorrer ao estado de sítio nem censurar a imprensa; apostou na transparência de atos de governo, no bom senso da opinião pública, no federalismo e na tradição da nossa política local, que, desde os tempos coloniais, governava as cidades.
Não foi um governo fácil, porque dele teve que se afastar devido a uma cirurgia na bexiga, muito complexa àquela época. Seu substituto, o vice-presidente Manoel Vitorino, deixou-se influenciar pelos positivistas ao mandar o Exército intervir em Canudos, a pretexto de combater os monarquistas, o que se revelou uma grande tragédia. Coube ao florianista Moreira Cesar, carniceiro da revolução federalista em Santa Catarina, na qual mandou fuzilar 185 pessoas, no quilômetro 65 da ferrovia Curitiba-Paranaguá e nas fortalezas de Anhantomirim e Araçatuba, protagonizar o vexame principal. Euclides da Cunha, n’Os Sertões, descreve em detalhes o fim trágico do militar, que acabou esquartejado pelos jagunços no sertão da Bahia, depois de derrotado à frente de um exército de 1500 homens bem armados.
No dia da morte do coronel “Treme-terra”, 4 de março de 1897, Prudente reassumiu o poder, em meio a protestos populares e ataques de jornalistas de grande prestígio, como Nilo Peçanha, Alcindo Guanabara, Paula Nei e José do Patrocínio. Não teve alternativa a não ser despachar o novo ministro do Exército, general Carlos Machado Bittencourt, para liquidar com o arraial de Antônio Conselheiro, episódio que traumatizou a nação. Bittencourt morreu num atentado, no qual foi alvejado ao salvar a vida do presidente da República. Nem assim Prudente recorreu ao estado de sítio. Com seu prestígio, conseguiu derrotar o caudilho Júlio de Castilhos e eleger Campos Salles como sucessor. Ao deixar o poder, os demônios estavam todos ensacados.
Fantasmas
Aos trancos e barrancos desde o impeachment de Dilma Rousseff, o país chega às eleições presidenciais num quadro de grande imprevisibilidade. O futuro presidente da República terá uma tarefa muito parecida com a de Prudente de Moraes: enfrentar a crise fiscal e retomar o crescimento econômico, num ambiente em que a recessão aprofundou as iniquidades sociais do país. Sua principal tarefa política, porém, será ensacar os demônios novamente. Eles estão soltos e não será uma tarefa fácil lidar com isto: os fantasmas do velho positivismo autoritário rondam o Palácio do Planalto, à direita e à esquerda.
É do jogo democrático a narrativa autoritária nas disputas eleitorais, que precisam ser tratadas como tal. O que não é do jogo é a desestabilização das instituições políticas e a afronta à Constituição. É aí que a disjuntiva Lula-Bolsonaro entra em cena e protagoniza a radicalização política. Na velha dialética, representa a “unidade dos contrários”. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 12 anos e um mês de prisão por receber vantagens indevidas no exercício do cargo, por causa da Lei da Ficha Limpa (aprovada com os votos do PT, diga-se de passagem), está inelegível. Não se trata de jurisprudência do Supremo, como é o caso da execução de sua pena após condenação em segunda instância. A lei somente poderia ser revogada pelo Congresso.
Ocorre que o ex-presidente Lula não aceita as decisões judiciais, se diz vítima de perseguição da Operação Lava-Jato e lidera uma campanha política cujo objetivo não é apenas a sua liberdade, mas a manutenção da candidatura a presidente da República na marra, aproveitando-se do calendário eleitoral e dos ritos processuais. Seu objetivo é concorrer às eleições sub júdice, para emparedar o Judiciário e revogar sua prisão pelo “voto popular”. Quem ganha com isso? Em primeiro lugar, a recidiva do florianismo, representado pelo deputado Jair Bolsonaro (PSL), o ex-capitão do Exército que empolga setores conservadores da sociedade.
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Luiz Carlos Azedo: A frente ampla
O instinto de sobrevivência das elites políticas leva ao caminho do meio, no caso o tucano Geraldo Alckmin, testado e aprovado pelo establishment como governador de São Paulo
Durante o regime militar, nunca houve consenso entre as elites do país. Sempre houve uma resistência política organizada, institucional, nos espaços legais, o que, no decorrer do processo, se demonstrou mais eficiente e produtiva — e capaz de conquistar adesão popular —, do que a agitação pura e simples ou a desastrada luta armada. Antes da consolidação do antigo MDB como frente eleitoral das oposições, o que somente se deu após as eleições de 1974, essa elite dissidente foi representada pela chamada Frente Ampla, formada em 1966. Reunia a oposição trabalhista liderada por João Goulart e dois políticos que haviam apoiado o golpe, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, do antigo PSD, e, para espanto de muitos, o ex-governador carioca Carlos Lacerda, líder inconteste da UDN, além do líder comunista Luiz Carlos Prestes (PCB), na clandestinidade.
O programa da Frente Ampla era essencialmente democrático: retorno às eleições diretas, anistia, pluripartidarismo e direito de greve. A aliança de Lacerda com Jango, JK e Prestes foi uma decorrência óbvia da suspensão das eleições diretas à Presidência da República, que estavam marcadas para 1965, na qual o udenista seria candidato. A edição do AI-1 anulou as esperanças de Lacerda, que passou à oposição, embora fosse um dos líderes civis do golpe. Com um manifesto no jornal Tribuna de Imprensa, do qual era fundador e diretor, o ex-governador exigia eleições diretas, desenvolvimento econômico, reforma partidária e uma política externa soberana.
Com comícios e mobilizações, a Frente Ampla conquistou adesão popular e promoveu grandes manifestações no ABC Paulista, em Londrina e em Maringá, assustando o presidente Costa e Silva, o general que havia substituído o marechal Castelo Branco no Palácio do Planalto. Ainda mais após a morte do estudante Edson Luiz, em 28 de março daquele ano, que provocou grandes manifestações estudantis e levou o alto clero católico à oposição. Em abril, a Frente Ampla foi cassada; na sequência, motivado também pelas ações armadas da esquerda radical, que optou pelas guerrilhas urbana e rural, Costa e Silva editou o AI-5, em 13 de dezembro daquele ano. Lacerda teve os direitos políticos cassados e acabou preso, porém, após uma semana de greve de fome, foi libertado.
Os líderes da Frente Ampla mantiveram certa influência política, mas foram impedidos de participar de eleições. Morreram antes da anistia: Juscelino em 22 de agosto de 1976, em um acidente de carro na Via Dutra; João Goulart, no exílio, em 6 de dezembro de 1976, em Mercedes, na Argentina, de um ataque cardíaco; Lacerda, em 21 de maio de 1977, após ter sido internado por desidratação, devido a uma infecção no coração. Suspeitas de que essas mortes tão próximas umas das outras estejam relacionadas à Operação Condor, montada em 1975 entre militares do Chile, Argentina, Brasil e Paraguai para combater seus opositores, nunca foram comprovadas.
Alckmin
Ontem, líderes do “Centrão” anunciaram o apoio à pré-candidatura do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência da República, reeditando uma frente ampla que reúne o establishment político do país. O grupo é formado por DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade, que agora se juntam ao PSDB, ao PSD, ao PTB e ao PPS. O deputado federal Paulo Pereira da Silva (SD-SP) resumiu o significado do apoio: “Estamos convencidos de que para tirar o Brasil desse buraco que estamos só com um conjunto de forças como esse, que se junta em torno dessa candidatura”. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), afirmou que o tucano poderá contar com a “militância aguerrida” do partido. Ambos eram aliados de Lula, derivaram para a oposição à Dilma Rousseff, namoraram a candidatura de Ciro Gomes e acabaram junto ao tucano paulista. Formou-se uma frente que terá quase 50% dos meios de campanha destinado a todos os partidos, principalmente o tempo de televisão: 14 minutos e 47 segundos a mais de tempo de TV, contando os programas eleitorais diários e as inserções na programação.
Ao contrário da Frente Ampla da década de 1960, essas forças não estão na oposição, apenas mantêm distância regulamentar do MDB, que deve confirmar a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Nos bastidores, houve um empurrãozinho do presidente do Michel Temer para que a aliança não sofresse obstrução do governo. O que motiva essas forças? É a aposta nas estruturas partidárias existentes e seus mecanismos de reprodução de poder. O instinto de sobrevivência das elites políticas leva ao caminho do meio, no caso o tucano Geraldo Alckmin, testado e aprovado pelo establishment como governador de São Paulo por quatro mandatos.
No fundo, a reação dos políticos do “Centrão” às candidaturas de Jair Bolsonaro (PSL) e de Ciro Gomes (PDT) tem o seu DNA na crise de 1964 e na reação dos políticos daquela época ao que aconteceu, principalmente os que apoiaram o golpe militar e se arrependeram. Representa também o convencimento de que o projeto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mantém uma candidatura inelegível a qualquer preço, não tem a menor viabilidade.
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Luiz Carlos Azedo: Ainda não foi desta vez
Foram sepultadas as expectativas petistas de que o ministro Dias Toffoli pudesse, na interinidade, libertar Lula, o que deixaria o quadro político de pernas para o ar
O vice-presidente do STF, ministro Dias Toffoli, rejeitou ontem um novo habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pedido não foi feito pela defesa do petista, mas por um advogado simpatizante de sua causa. O presidente interino do Supremo (a ministra Cármen Lúcia substitui Michel Temer na Presidência) entendeu que o pedido de liberdade não tem urgência para ser apreciado durante o plantão de recesso da Corte.
Toffoli encaminhou o pedido ao ministro Edson Fachin, relator dos processos da Operação Lava-Jato no tribunal, para ser examinado no momento devido. Em reação, um grupo de militantes pichou o prédio do STF, na Praça dos Três Poderes, um monumento considerado patrimônio da humanidade pela Unesco, como todo o conjunto arquitetônico da Esplanada.
Para Toffoli, o pedido não se enquadra no Regimento Interno do Supremo: “É inadmissível o habeas corpus que se volta contra decisão monocrática do relator da causa no Superior Tribunal de Justiça não submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno, por falta de exaurimento da instância antecedente”, despachou.
Assim, foram sepultadas as expectativas petistas de que Toffoli pudesse, na interinidade, libertar Lula, o que deixaria o quadro político de pernas para o ar. Condenado a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex em Guarujá (SP), Lula está preso na superintendência da PF, em Curitiba. Entretanto, mantém a candidatura a presidente da República e pressiona de todas as formas os tribunais, o que aprofunda as divergências entre os integrantes de sua equipe de defesa.
A narrativa petista de que Lula é um preso político, vítima de perseguição do Judiciário, somente complica a sua defesa. Os ataques petistas contra magistrados, liderados pela presidente da legenda, senadora Gleisi Hoffman (PR), corroboram as críticas de que esses protestos têm caráter autoritário. Ontem, a Secretaria de Segurança do Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou que está adotando providências para apurar os atos contra o edifício-sede da Corte. Imagens e informações dos envolvidos, bem como números de placas de veículos foram coletados pela segurança do tribunal e contribuirão para as investigações.
Atos de repercussão protagonizados pela defesa de Lula têm funcionado como instrumentos de campanha eleitoral, na medida em que mantêm o ex-presidente da República em evidência na mídia e corroboram a narrativa de vitimização. Eleitoralmente, porém, há sinais de que a estratégia está se esgotando, levando a legenda ao isolamento. Os sintomas vêm de todo o espectro político.
Descolamento
Por exemplo, Manuela D´Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL), que endossam esse discurso, mantêm suas respectivas candidaturas a presidente da República. Miram o espólio eleitoral de Lula. Ainda é possível que venham a se coligar com o candidato petista indicado para substituí-lo, mas dependerá de sua densidade eleitoral na largada. PCdoB e PSoL apostam na candidatura própria para alcançarem o quociente eleitoral exigido pela nova legislação partidária.
Outro sintoma desse isolamento é a indefinição do PSB, cuja liderança principal, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, negociava um acordo eleitoral com o PT. Como Lula é inelegível e permanece preso, essa possibilidade está cada vez mais remota, e o partido tende a apoiar Ciro Gomes, candidato do PDT. Mesmo assim, dividido, porque outros setores do PSB defendem a candidatura própria.
Não foi à toa também que os partidos do chamado centrão (DEM, PTB, PR e Solidariedade) se aproximaram de Geraldo Alckmin, candidato do PSDB. Ontem, Paulinho da Força, líder do Solidariedade, lançou o ex-ministro Aldo Rebelo, aliado de Lula desde as eleições de 1989, à vaga de vice na chapa do tucano, diante das vacilações de outro aliado histórico de Lula que se descolou do PT, o empresário Josué Gomes, filho do falecido vice-presidente José Alencar, filiado ao PR de Valdemar Costa Neto.
É um paradoxo, Lula se mantém líder nas pesquisas de intenção de voto quando nome aparece na cartela, mas seus possíveis substitutos não têm o mesmo peso eleitoral. A estratégia petista é levar a candidatura até o dia de sua impugnação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que significa homologá-la em convenção nacional até o próximo dia 5 de agosto. A chave é a indicação do vice, que seria catapultado ao substituir Lula.
Como toda estratégia tem fricção, ou seja, nunca acontece como foi planejada, a grande indagação é saber se os eleitores vão engolir gato por lebre na eleição. É aí que outras candidaturas passam a ser uma ameaça aos petistas. A maior delas é a de Marina Silva (Rede), em terceiro lugar nas pesquisas, que hoje é a principal herdeira dos votos de Lula, mesmo defendendo propostas que estão a léguas de distância do discurso petista. Até mesmo o candidato Jair Bolsonaro (PSL), que está na extrema-direita do universo eleitoral, abocanha votos que seriam de Lula, caso o líder petista fosse realmente candidato.
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