Nas entrelinhas
Luiz Carlos Azedo: Novo eixo no Supremo
“Toffoli assume um tribunal desgastado pela contaminação política, as idiossincrasias de seus pares e a falta de coesão institucional”
O ministro Dias Toffoli assumirá hoje a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) com o firme propósito de distender as tensas relações na Corte e mudar o eixo de sua atuação em relação aos demais poderes. Durante o processo eleitoral, a pauta será elaborada de modo a não criar mais tensões políticas; após as eleições, tende a assimilar o resultado do pleito e criar condições para uma transição de governo sem grandes traumas. Por exemplo, as ações que discutem a possibilidade de execução da pena após a condenação em segunda instância, em princípio, não serão julgadas neste ano. Porém, um freio de arrumação na Operação Lava-Jato está em andamento.
Toffoli assume um tribunal desgastado pela contaminação política, as idiossincrasias de seus pares e a falta de coesão institucional, o que resultou numa séria de decisões juridicamente contraditórias, opondo a Primeira e a Segunda Turma do Tribunal, que foram apelidadas de “Câmara de gás” e “Jardim do Éden”. Há um entendimento generalizado de que o STF deixou de exercer um papel moderador nas relações entre os poderes da República para ser um fator a mais de instabilidade.
O novo presidente do Supremo pretende adotar medidas para dar mais efetividade à Justiça e compartilhar os rumos da Corte com os pares. Durante o processo eleitoral, quer evitar grandes polêmicas. Na primeira sessão plenária sob seu comando, na próxima semana, estão na pauta decisões triviais: o ingresso em universidades públicas de militares transferidos, nos casos de ausência de universidade paga congênere; a concessão de licença ambiental única para atividades de agronegócio sem prévia realização de estudo de impacto ambiental; e a pulverização aérea de produtos químicos para combater o mosquito Aedes aegypti.
Toffoli construiu uma imagem de conciliador no Supremo, num momento em que as divergências pessoais e doutrinárias estavam muito acirradas, principalmente entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Barroso, que andaram se digladiando em plenário. Entretanto, é um dos ministros que critica a Operação Lava-Jato. Como assumirá o comando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acredita-se que pretenda impor um novo padrão de atuação aos promotores e juízes de primeira instância.
Um sinal dessa tendência foi dado ontem pelo corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, que mandou abrir reclamação disciplinar contra os promotores Wilson Coelho, Marcelo Mendroni e Ricardo Castro, de São Paulo, questionando as denúncias apresentadas contra o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, candidatos do PT e do PSDB à Presidência, respectivamente. Rochadel atendeu ao pedido do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, que questiona a “regularidade da instrução de feitos que possam ter impacto nas eleições de 2018”.
Na Segunda Turma, as posições críticas de Toffoli em relação às prisões preventivas e à execução imediata de pena para condenados em segunda instância resultaram numa maioria favorável à concessão de muitos habeas corpus pelo ministro Gilmar Mendes. Fala-se que Toffoli pretende pôr em julgamento o processo disciplinar que discute a conduta do juiz Sérgio Moro por ter autorizado a divulgação de interceptação telefônica de conversa entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Foi de Toffoli o voto favorável à libertação do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o que ensejou a discussão reservada entre os ministros da possibilidade de conversão da prisão de Lula em domiciliar. Essa medida, porém, teria sido abortada pela confusão criada pela defesa de Lula no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde um desembargador de plantão, durante o recesso, resolveu libertar Lula, mas teve o alvará de soltura cassado pelo presidente daquele tribunal.
Legado
A ministra Cármem Lúcia, que deixa o cargo, enfrentou um dos momentos mais difíceis da Corte, por causa das denúncias contra o presidente Michel Temer. Assumiu a presidência do Tribunal duas semanas após o impeachment da presidente Dilma Rousseff e logo teve que enfrentar rebeliões nos presídios do Norte e Nordeste. Em Manaus, foram 56 mortes. Em Roraima, no maior presídio do estado, 33 presos foram assassinados. Houve 133 mortes nos presídios do país nos primeiros 15 dias de 2017. No mesmo mês, o ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Operação Lava-Jato no Supremo, morreu na queda do avião que o transportava para Angra dos Reis. Estava na iminência de homologar as delações premiadas da Odebrecht e foi substituído pelo ministro Édson Fachin.
Carmem Lúcia deixou como legado na sua passagem pelo comando do Supremo muitas decisões importantes: redução do escopo do foro privilegiado; constitucionalidade da terceirização de atividades-fim por empresas; o direito de transgêneros alterarem seu registro civil sem a necessidade de mudança de sexo; imprescritibilidade de ação de ressarcimento ao erário por ato doloso de improbidade; impossibilidade de condução coercitiva de pessoas investigadas; poder da polícia de firmar acordos de delação premiada; possibilidade de desconto no salário do servidor em greve; desnecessidade da autorização prévia de Assembleia Legislativa para que o governo do respectivo estado seja processado criminalmente; possibilidade de ensino religioso confessional nas escolas públicas; constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória; e constitucionalidade do Código Florestal.
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Nas entrelinhas: Os erros de Lula
“A estratégia eleitoral do PT está centrada na “infalibilidade” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e no culto à sua personalidade”
Uma das características do culto à personalidade é a crença na infalibilidade do líder. Faz parte da estratégia de manutenção do poder e foi utilizada por políticos de todas as tendências, de Adolf Hitler, na Alemanha, e Benito Mussolini, na Itália, a Josef Stálin, na União Soviética, e Mao Tse Tung, na China. Na América Latina, Getúlio Vargas, no Brasil; Juan Domingos Peron, na Argentina; Fidel Castro, em Cuba; e até Augusto Pinochet, no Chile, recorreram ao expediente, que funciona com eficácia nos regimes autoritários, onde não existe liberdade de imprensa e a oposição é duramente reprimida. O problema do culto à personalidade é que os líderes viram uma espécie de “burro operante” quando erram, pois suas principais qualidades aumentam o tamanho do desastre. Bem ao nosso lado, aqui na Venezuela, temos o exemplo do desastre provocado pelo culto a Hugo Chávez, que escolheu a dedo o seu sucessor, o presidente Nicolás Maduro.
A estratégia eleitoral do PT está centrada na “infalibilidade” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e no culto à sua personalidade. A campanha do PT se assenta na ideia de que seu governo foram “anos dourados”, sem levar em conta que seu primeiro mandato se beneficiou de condições excepcionais: estabilidade do Real, que herdou do governo Fernando Henrique Cardoso; expansão da economia chinesa, que alavancou nossas exportações; e o “bônus demográfico”, que reduziu o número de dependentes (crianças e idosos) em relação às pessoas economicamente ativas (com renda) no âmbito familiar. Quando a situação mudou, principalmente depois da crise econômica mundial de 2008, Lula acreditou num canto de cigarra de sua então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff e do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, optando pela “nova matriz econômica” e não pelo ajuste que a situação exigia quanto ao deficit público. Fez o sucessor, mas deu errado: a bolha estourou e veio a recessão do governo Dilma e seu impeachment.
Na retórica petista, o fato de Dilma ter sido apeada do poder e substituída pelo vice-presidente Michel Temer permitiu à legenda varrer para debaixo do tapete todos os seus erros, inclusive os flagrados pela Operação Lava-Jato. O fato de a “ex-presidenta” não ser a candidata em lugar de Lula é a maior demonstração de que é considerada inapetente pela cúpula petista, embora apareça com mais intenções de voto do que outros petistas citados. Tanto que é uma candidata competitiva ao Senado, por Minas, apesar das patacoadas na campanha. Pois bem, se perguntarem para qualquer líder petista qual foi o maior erro de Lula, todos dirão que foi não ser candidato em 2014 e deixar que Dilma disputasse a reeleição. O próprio Lula, para os íntimos, reconhece isso. Publicamente, porém, ninguém fala sobre o assunto. Seria negar a infalibilidade de Lula.
A mesma infalibilidade e o culto à personalidade levaram a cúpula do PT a registrar a candidatura de Lula, que todos sabiam inelegível, por causa da Lei da Ficha Limpa. Esticaram a corda com a Justiça Eleitoral até ontem, quando o partido se viu obrigado a registrar a chapa com o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad na cabeça e Manoela D’Ávila (PCdoB), de vice. Petistas históricos preferiam uma aliança mais ampla, com Ciro Gomes (PDT) na cabeça de chapa, e Haddad na vice. Lula não quis saber de conversa, rechaçou a proposta e manteve sua candidatura até o limite. Alguns acreditam que Lula agiu como um gênio, conseguiu ocupar espaço político como grande injustiçado e, graças a isso, com a indicação de Haddad, poderá levar a legenda de volta ao poder.
Pesquisas
E se não for bem assim? A formalização da candidatura de Haddad em Curitiba, pela Executiva da legenda, foi um ato mixuruca, diante de importância que deveria ter. A pesquisa do Ibope divulgada ontem mostrou que o processo de transferência de votos está sendo mais lento do que se imaginava. Realizada entre 8 e 10 de setembro, ou seja, com os programas do PT fazendo a fusão das imagens de Lula e Haddad, o que agora não é mais possível, Jair Bolsonaro (PSL) subiu de 22% para 26%; Ciro Gomes (PDT) oscilou de 12% para 11%; Marina Silva (Rede) caiu de 12% para 9%; Geraldo Alckmin (PSDB) se manteve com 9%; e Fernando Haddad passou de 6% para 8%. Brancos e nulos passaram de 21% para 19%. Não sabem ou não responderam continua com 7%.
Nas simulações de segundo turno, o quadro é o seguinte: Ciro 40% x 37% Bolsonaro (branco/nulo: 18%; não sabe/não respondeu: 4%); Alckmin 38% x 37% Bolsonaro (branco/nulo: 21%; não sabe/não respondeu: 4%); Bolsonaro 38% x 38% Marina (branco/nulo: 20%; não sabe/não respondeu: 4%); Haddad 36% x 40% Bolsonaro (branco/nulo: 19%; não sabe/não respondeu: 5%). A rejeição de Haddad (23%) é maior do que a de Geraldo Alckmin (19%) e Ciro Gomes (17%), contra 24% de Marina e 31% de Bolsonaro. São 26 dias até a eleição, sem que nada esteja decido, exceto o fato de que Lula está fora da eleição. Ou seja, está pagando por seus erros. Ou não?
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Luiz Carlos Azedo: O segundo
“O principal beneficiado com a saída de Lula até agora é o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT)”
O atentado contra o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, pode ter consolidado sua liderança nas eleições. Isso não significa, porém, que uma vitória no primeiro turno seja possível. O realinhamento eleitoral em curso, no qual a novidade é a saída efetiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da disputa, mostra que seria derrotado. Embora a sua substituição pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad esteja prevista só para hoje, nas redes sociais a impugnação da candidatura de Lula já estava influenciando o deslocamento dos seus eleitores para Haddad e outras candidaturas. O principal beneficiado com a saída de Lula até agora é o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT).
Segundo o analista das redes sociais Sérgio Denicoli, da Big Data AP/Exata, desde maio Bolsonaro liderava as citações no Twitter, seguido de perto por Lula. Com a impugnação, o petista começou a perder terreno e abriu mais espaço para Bolsonaro, que conseguiu cinco vezes mais citações do seu principal adversário nas pesquisas no dia em que foi esfaqueado em Juiz de Fora. Entretanto, quem emergiu nesse processo foi Ciro Gomes e não Haddad. Embora Bolsonaro possua quase três vezes (2,8) mais menções do que o candidato do PDT, Ciro já tem três vezes (3,1) mais citações do que o ex-presidente da República.
O domínio de Bolsonaro nas mídias digitais e sua forte presença no noticiário em razão do atentado que sofreu, de certa forma, neutralizaram a desvantagem do ex-capitão em termos tempo de propaganda na tevê e no rádio. “O caminho para o PSL já foi mais tortuoso, pois a visibilidade recente tem estimulado a militância e parece desestimular a atuação de uma esquerda difusa e acuada”, conclui Denicoli.
Para ele, “Ciro Gomes se mostra apto a angariar votos úteis dos que rejeitam Bolsonaro”. Surpreende, no monitoramento das redes sociais, o distanciamento de Haddad e Marina Silva. O primeiro “está preso à imagem de Lula, que o deixa sem personalidade própria”; à segunda, falta “fôlego e conteúdos polêmicos para aparecer mais nas conversações on-line”. João Amoêdo, do Novo, também é mais citado do que Haddad. O mesmo vale para o tucano Geraldo Alckmin, que nunca teve uma forte presença nas novas mídias. O candidato do PSDB aposta muito nos programas de tevê e rádio, pois é o que dispõe de mais tempo para isso.
As pesquisas, porém, parecem confirmar a tese de que o peso do programa eleitoral de tevê e rádio se reduziu. “Os únicos eventos de relevo das televisões têm sido os debates e sabatinas, e muito mais pela repercussão deles nas redes do que pelos programas propriamente ditos. Vivemos uma guerra de narrativas on-line e o fato de Bolsonaro dominar os discursos digitais deu a ele a chancela de uma grande liderança, construída, queiram ou não, fora do tradicional ambiente partidário dominado pelas grandes siglas”, conclui Denicoli, com base em amostragem de tweets geo localizados de 145 cidades do país.
Tensão
A consolidação da base eleitoral de Bolsonaro de certa forma foi antecipada — essa tendência já existia —, graças ao atentado que sofreu. A vitimização do ex-capitão, que continua internado no Hospital Israelita Alberto Einstein, conteve a desconstrução de sua candidatura pelos adversários, que ficaram sem saber direito o que fazer, principalmente o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. Entretanto, o tucano inicia uma recuperação em São Paulo, onde está em segundo nas pesquisas. No maior colégio eleitoral do país, porém, Ciro ultrapassou Marina, que é seguida por Haddad. João Amoedo e Meirelles também cresceram.
A pulverização do eleitorado paulista é um fato relevante na eleição, principalmente para o PSDB e o PT, que são os partidos, historicamente, mais fortes no estado. Ninguém ganha eleição no Brasil quando perde no seu próprio estado. Contribui para a fragilização tanto de Alckmin como de Haddad em São Paulo a disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, que está sendo liderada pelo candidato do PMDB, Paulo Skaf (MDB), em empate técnico com João Doria (PSDB). Márcio França (PSB), candidato à reeleição, está terceiro, com o ex-prefeito de São Bernardo Luiz Marinho (PT) em quarto bem atrás.
Como acontece em toda campanha eleitoral, a primeira semana de horário eleitoral gratuito costuma balizar a estratégia dos candidatos. Nessas eleições, porém, há dois problemas novos: o primeiro, todos já sabiam, a campanha é muito curta para mudanças de estratégia; o segundo, era imprevisível o atentado contra a vida de Bolsonaro, que além de beneficiá-lo, ofuscou tremendamente a estratégia de vitimização de Lula pelo PT.
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Luiz Carlos Azedo: Nosso herói usou o bisturi
“Não se pode subestimar é a gravidade do que aconteceu. O episódio poderá influenciar o resultado das eleições. Bolsonaro já posa sentado, simulando uma arma nas mãos, seu gesto de campanha”
O que não falta nas redes sociais são teorias conspiratórias sobre o atentado a faca contra o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que foi gravemente ferido e está internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Albert Einstein, para onde foi transferido depois de ser operado na Santa Casa da Misericórdia de Juiz de Fora. A Polícia Federal levou o autor da tentativa de homicídio, Adelio Bispo de Oliveira, de 40 anos, de Juiz de Fora para um presídio federal em Campo Grande (MS). O agressor foi indiciado por “atentado pessoal por inconformismo político”, com base na lei de Segurança Nacional, o que alimenta especulações. Ele alegou que deu a facada em Bolsonaro “a mando de Deus” e disse que agiu sozinho, sem ajuda de partido político ou empresa. Policiais federais consideraram o depoimento do suspeito como declarações de uma pessoa conturbada. Sua defesa alega insanidade mental.
Essa é a versão oficial. Nas redes sociais, a turma do Bolsonaro acusa o PT de ser mandante da agressão; militantes petistas divulgam que o atentado foi uma conspiração militar para levar o general Hamilton Mourão à presidência de República. Teorias conspiratórias costumam construir versões que partem do pressuposto de que o mandante do crime seria o grande beneficiado pela sua consumação. A partir daí, um arrazoado supostamente comprovatório serve para construir uma narrativa verossímil. No limite, a esquerda pode imputar à CIA o planejamento de tudo; a direita, a agentes cubanos. Num ambiente eleitoral empesteado pelo ódio político e o radicalismo ideológico, não faltam os que acreditam em ideias malucas. Além disso, o passado político da América Latina condena.
Por isso mesmo, é bom que a Polícia Federal investigue todos os passos de Adelio Bispo, suas conexões telefônicas e financeiras, bem como das duas outras pessoas que supostamente estariam com ele durante o atentado. E que esclareça também como um sujeito pobre de marré, marré conseguiu financiar suas viagens e a assistência jurídica de quatro advogados — é comum a nomeação de vários integrantes de um único escritório numa só procuração, isso não quer dizer que todos vão atuar no caso, e mesmo a defesa gratuita. O que não se pode subestimar é a gravidade do que aconteceu. O episódio mudou os rumos da campanha eleitoral e poderá influenciar o resultado das eleições. Menos mal, porque Bolsonaro sobreviveu e já posa sentado, simulando uma arma nas mãos, gesto característico de sua candidatura. Seu assassinato na campanha eleitoral, qualquer que fosse a motivação, poderia ter desdobramentos gravíssimos. Há exemplos na nossa história.
Catalisadores
O assassinato de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque foi uma das causas da Revolução de 1930, que depôs o presidente Washington Luís. Governador da Paraíba, morreu no Recife, em 26 de julho de 1930, aos 52 anos, com um tiro na cabeça. Naquele ano, fora candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, mas ambos perderam para a chapa governista, encabeçada por Júlio Prestes. Como dizia Gilberto Freyre, no Nordeste “havia os Cavalcanti e os cavalgados”; se fosse Albuquerque, mandava mais ainda. João Pessoa era porta-voz da elite nordestina. Foi morto por um desafeto político, o advogado e jornalista João Dantas, na Confeitaria Glória, no Recife, num encontro quase casual. Ao contrário da versão difundida à época, a motivação do crime foi passional: a casa de Dantas havia sido invadida pela polícia, a mando de João Pessoa, que abjetamente vazou para os jornais cartas íntimas trocadas com a jovem professora Anaíde Beiriz, belíssima, personagem do filme Paraíba masculina, mulher-macho sim senhor, de Tizuka Yamazaki. Dantas foi chacinado na prisão; Beatriz foi marginalizada e se matou, aos 25 anos.
Há outros exemplos de atentados que catalisaram grandes eventos políticos, como o da Rua Toneleiros, contra Carlos Lacerda, no qual foi morto o major Rubens Vaz, cujos desdobramentos resultaram no suicídio de Getúlio, em 1954. Felizmente, Adélio Bispo não logrou seu objetivo. No episódio, o grande herói usou um bisturi: o cirurgião vascular Paulo Gonçalves de Oliveira Júnior largou ao meio o almoço com a família e foi para Santa Casa socorrer Bolsonaro. Localizou o local da hemorragia e evitou a morte do ex-capitão. De acordo com a tabela do SUS, receberá R$ 367,06 pela operação; a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora será reembolsada em R$ 1.090,80, nos revelou a revista Piauí. Heróis salvam vidas!
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Luiz Carlos Azedo: A democracia esfaqueada
“A radicalização e o ódio semeados até agora na disputa eleitoral são o caldo de cultura para que o pior possa acontecer”
Campanhas de massas têm o condão de despertar a paixão dos eleitores, agora numa escala inédita, por causa da tevê, do rádio e das redes sociais. Quando a retórica dos candidatos se radicaliza, mais cedo ou mais tarde, isso se traduz em ações violentas, que atentam contra as regras do jogo democrático. Foi o que aconteceu ontem em Juiz de Fora (MG) com o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que foi esfaqueado na barriga durante uma caminhada no centro da cidade.
Adélio Bispo de Oliveira, de 40 anos, confessou o crime, segundo a PM. Natural de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, foi preso em flagrante e disse à polícia que atacou Bolsonaro “a mando de Deus”, por ter divergências de ideias e pensamentos com ele. A Polícia Federal investiga o criminoso, que já foi filiado ao PSol entre 2007 e 2014. O partido repudiou o atentado, assim como todos os candidatos a presidente da República e as autoridades do país, entre as quais o presidente Michel Temer e a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber.
Segundo a PF e a PM, havia agentes de segurança no momento do episódio, mas a situação ficou fora de controle: Bolsonaro estava sobre os ombros de um correligionário e buscava contato direto com seus eleitores. A primeira reação ao episódio nas redes sociais foi muito ruim: mais radicalização de partidários e adversários de Bolsonaro. Dizia-se que o atentado foi obra da esquerda, de um lado, e que tudo não passava de uma encenação da direita, de outro. As primeiras versões eram todas para pôr mais lenha na fogueira da radicalização.
Bolsonaro foi ferido gravemente, sendo obrigado a sofrer uma colostomia, procedimento que conecta o intestino delgado para uma bolsa fora do corpo, evitando que as fezes passem pelo intestino grosso e possam causar uma infecção no local onde os médicos suturaram a perfuração. A perfuração provocou múltiplas lesões internas, sua recuperação será lenta, mesmo que tudo corra bem com a cirurgia. O episódio vai prejudicar a campanha dele do ponto de vista físico, mas, eleitoralmente, ainda é uma grande incógnita.
Com a saída de Lula da disputa eleitoral, Bolsonaro subiu mais dois pontos. As próximas pesquisas dirão qual será a repercussão do episódio. Na pesquisa do Ibope divulgada na quarta-feira, estava com 22% de intenções votos, contra Marina (Rede) e Ciro (PDT), com 12%; Alckmin, com 9%; e Haddad, com 6%, para citar os que disputam uma vaga no segundo turno. O episódio teve ampla repercussão internacional e acirrou o clima eleitoral, da pior maneira possível. Apesar dos apelos dos demais candidatos e das autoridades, ninguém garante que o clima de radicalização venha a se distender. O “nós contra eles” é recíproco, até porque isso beneficia os interessados na radicalização.
A não aceitação do outro como alternativa de poder é o sentimento que alimenta a radicalização, queiramos ou não. Em circunstâncias normais, faz parte da disputa pelo poder; num ambiente que degenera em violência e atentados à vida, passa a ser uma ameaça ao processo democrático. A regra de ouro da eleição é “quem ganhar, leva”. Não existe outra opção que não seja a aceitação da alternância de poder e o respeito à decisão popular, qualquer que seja. A radicalização e o ódio semeados até agora na disputa eleitoral são o caldo de cultura para que o pior possa acontecer.
Efeito imprevisível
O líder socialista francês Jean Jaurès era um pacifista, apostava na diplomacia para evitar a Primeira Guerra Mundial. Acabou assassinado em um café de Paris, em 31 de julho de 1914, por Raoul Villain, um jovem nacionalista francês que desejava a guerra com a Alemanha. Era uma das vozes que tentavam circunscrever o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austríaco, e sua esposa em 28 de junho de 1914, ao conflito entre a Sérvia e a Áustria. O arquiduque e sua esposa foram mortos a tiros em Sarajevo, capital da Bósnia, por um estudante nacionalista sérvio.
A Áustria apresentou um ultimato à Sérvia e exigiu uma resposta humilhante dentro de 48 horas. Era aliada da Alemanha, que também declarou guerra à Sérvia, que era aliada da Rússia, que, por sua vez, era aliada da França e da Inglaterra, que também entraram na guerra. Desde 1871, as potências europeias estavam em paz, mas se preparavam para a I Guerra Mundial (1914-1918), que mobilizou mais de 70 milhões de militares, incluindo 60 milhões de europeus. Nove milhões de combatentes foram mortos. Ou seja, um ato individual num ambiente conturbado pode ter efeitos inimagináveis.
As eleições estão sendo polarizadas por candidatos que ideologicamente se prepararam para as eleições como se fossem para uma guerra, esse é o problema. A disputa eleitoral precisa se dar em outros termos, menos belicosos. Não será com declarações de boas intenções que esse clima será revertido, é preciso mudar o discurso de campanha. É improvável que isso ocorra. Se antes era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cuja candidatura a presidente da República foi impugnada, que se passava por vítima de uma suposta armação política, agora Bolsonaro foi vítima de um atentado real à sua vida. Tudo indica que o criminoso era um tresloucado, numa ação individual, mas o fato perturba ainda mais o processo eleitoral e mexe com a emoção dos eleitores. A violência nas eleições precisa ser contida, para o bem da democracia, que também foi esfaqueada.
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Luiz Carlos Azedo: Triângulo de fogo
“Brasil enfrenta a sua maior crise desde 1964 num ambiente de ampla liberdade, com eleições livres e limpas, graças à Constituição de 1988, que até agora sobreviveu a todas as tensões”
Incêndios dependem basicamente da temperatura de ignição. Os outros fatores — oxigênio e material inflamável — estão dados em qualquer situação. O qu e vai distinguir a gravidade do incêndio é a existência de produtos químicos e materiais sintéticos, contra os quais não basta o resfriamento. É preciso cortar o oxigênio e a existência de corrente elétrica, muitas vezes a origem da fagulha que provocou o incêndio. Não, desta vez não se trata do museu que pegou fogo, trata-se das eleições e do desgaste a que estão sendo submetidas as nossas instituições democráticas, principalmente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF), às vezes, em razão de suas próprias contradições internas.
Não faltam interessados na radicalização política e na desmoralização da Justiça, em pleno processo eleitoral, entre os quais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que legalmente está fora da disputa, mas mantém sua candidatura, e Jair Bolsonaro (PSL), que representa a outra face da mesma moeda, ao simbolizar o antipetismo radical e liderar os que defendem uma intervenção militar. Incêndios políticos são provocados por piromaníacos e não faltam exemplos na história. Nero, o imperador romano, foi um deles, embora haja controvérsias sobre o fato de ter provocado o grande incêndio do Circo Mágico, em 14 de julho de 64 d.C., que viria a destruir boa parte de Roma. Deposto, se suicidou em 68 d.C. e deixou como legado uma guerra civil conhecida como o ano dos quatro imperadores, todos generais romanos.
O incêndio do Reichstag, o parlamento alemão, em 17 de fevereiro de 1933, em Berlim, foi o episódio crucial para ascensão do nazismo. Adolf Hitler havia sido empossado chanceler da Alemanha quatro semanas antes e se aproveitou do episódio para incitar o presidente Paul von Hindenburg a aprovar um decreto de emergência que lhe conferiu superpoderes para combater os comunistas. O que aconteceu depois todo mundo sabe: a perseguição se estendeu aos social-democratas e liberais e demais opositores políticos de Hitler: doentes mentais, pacifistas, eslavos e grupos religiosos (tais como as Testemunhas de Jeová), homossexuais, ciganos e, principalmente, judeus. Com a 2ª Guerra Mundial, o Holocausto registrou o extermínio de ao menos 6 milhões de pessoas, a maioria judeus.
Onde mora o perigo
Antes que alguém imagine que a citação é exagerada, vale a pena examinar a disputa política global que se deu nos últimos 100 anos. Nos primeiros 50 anos, entre socialistas, liberais e fascistas, resultou na derrota da extrema direita; nos 50 anos seguintes, com a Guerra Fria, entre socialistas e liberais. No final do século 20, com a desintegração da União Soviética e demais regimes comunistas do Leste europeu, a hegemonia liberal se consolidou na política mundial de tal forma que a tese hegeliana do “fim da história” foi exumada pelo economista norte-americano Francis Fukuyama e parecia ter se comprovado. Eis, porém, que a globalização e o novo “capitalismo de dados”, com a revolução tecnológica, colocam em xeque as democracias representativas do Ocidente, que está em crise no mundo.
Os valores legados pela Revolução Francesa — liberdade, igualdade e fraternidade —, que são a essência da democracia moderna, parece que perderam a funcionalidade. Na corrida mundial para reinventar o Estado nacional, figuras de viés autoritário emergem com força no processo político do Ocidente, a começar pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Assim como Ronald Regan se contrapôs ao antigo regime soviético, Trump elegeu como principal adversário na arena internacional a China, cuja emergência econômica e política se assenta sobre um modelo de capitalismo de Estado integrado à economia mundial e no regime de partido único comunista, que parecia condenado a desaparecer. Entre esses dois polos, equilibra-se uma Europa assustada pela herança de seu próprio colonialismo, a crise humanitária na África e Oriente Médio, e pela agressividade da Rússia de Putin, determinada a restabelecer seu papel no grande jogo da Eurásia e manter seu acesso livre ao Mediterrâneo. Na periferia, os mais bem-sucedidos na modernização derivam da democracia para o autoritarismo.
É nesse contexto que as eleições ocorrem no Brasil, franqueado pela crise do abastecimento e hiperinflação do modelo bolivariano na Venezuela de Nícolas Maduro, e a crise cambial na Argentina, que expõe a vulnerabilidade da política liberal do presidente Maurício Macri. Ao contrário do que muitos afirmam, o Brasil enfrenta a sua maior crise desde 1964 num ambiente de ampla liberdade, com eleições livres e limpas, graças à Constituição de 1988, que até agora sobreviveu a todas as tensões. Devemos lutar para preservá-la e levar a sério a advertência do professor da Universidade de Harvard Steven Levitsky, autor do livro Como morrem as democracias?, que há anos estuda a relação entre populismo e autoritarismo, assim como a construção partidária na América Latina: “Se um candidato, em sua vida, carreira política ou durante a campanha, defendeu ideias antidemocráticas, devemos levá-lo a sério e resistir à tentação de apoiá-lo, ainda que, diante de circunstâncias momentâneas, pareça ser uma opção aceitável”.
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Luiz Carlos Azedo: A alma e o cavalo
“Este é o desafio de Fernando Haddad na campanha eleitoral: se passar por Lula perante os eleitores. Se esforça para isso, mesmo que o preço a pagar seja a perda da própria identidade política”
Para Miyamoto Musashi, o xogum que unificou o Japão, um guerreiro somente está derrotado quando a sua alma também se sente abatida. Enquanto o espírito não estiver derrotado, mesmo prisioneiro, estará disposto a continuar o combate. Entre os presos da Operação Lava-jato, quem traduziu esse ensinamento com precisão foi o executivo da OAS Léo Pinheiro, o delator do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá, ao explicar aos companheiros de cela que a ficha demorou a cair quando foi detido. Somente quando foi obrigado a dividir uma cela no presídio e fazer as necessidades fisiológicas no “boi”, como é chamado o equipamento sanitário das prisões, é que se convenceu da dura realidade de encarcerado comum.
Quem não se deu por vencido até agora, entre os condenados da Operação Lava-jato, é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há cinco meses nas dependências da Polícia Federal em Curitiba, o ex-presidente da República não entregou os pontos. Comanda a campanha do PT de sua cela improvisada — uma sala com banheiro, transformada em escritório político —, ditando a estratégia a ser seguida pela cúpula da legenda. Na segunda-feira, por exemplo, Lula se reuniu com o vice Fernando Haddad e comunicou que recorreria da decisão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que impugnou sua candidatura. Ou seja, ainda não desistiu de ser candidato.
Lula aposta no próprio carisma. Deixou isso muito claro para o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, que disputa uma vaga ao Senado, quando o petista de maior prestígio entre os quadros do partido tentou convencê-lo a antecipar sua substituição na campanha, já se vão alguns meses. Nova tentativa foi feita pouco antes da convenção do PT, mas Lula outra vez rechaçou a proposta, com o argumento de que não haveria ninguém com mais prestígio do que ele próprio para unificar o partido e resgatar a base eleitoral histórica da legenda, que estava se dispersando. Os fatos deram razão a Lula, que insistiu na estratégia ao forçar seu registro.
Depois da impugnação da candidatura, nove entre 10 petistas acreditavam que Haddad sairia da conversa com Lula ungido como candidato à Presidência, tendo Manoela D’Ávila, do PCdoB, como vice. Enganaram-se: Lula comunicou ao ex-prefeito e aos dirigentes do PT que se manteria como concorrente, esticando a corda, mesmo sabendo que a sentença do TSE dava um prazo de 10 dias para a legenda oficializar a substituição. Como a curva do petista nas pesquisas é ascendente, a manutenção da candidatura reforça a narrativa da vitimização, agora nos programas de rádio e televisão, cujas regras o PT burla sistematicamente.
Se antes havia uma preocupação com o tempo que restará para fazer a fusão das imagens de Lula e Haddad e a capacidade desse estratagema garantir a transferência de votos de um para o outro, agora o temor é com os riscos de se inviabilizar o registro da nova chapa, cujo prazo se encerrará no próximo dia 11. Lula não é maluco: força a barra nos tribunais porque acredita que seu prestígio eleitoral pode alterar de tal maneira a correlação de forças na eleição que a substituição pura e simples levará Haddad para o segundo turno. Mesmo entre os adversários, essa possibilidade é considerada.
Kagemusha
Quando a substituição ocorrer, a dúvida é se a alma de Lula vai vestir a armadura e montar no cavalo, como aquele personagem do filme Kagemusha, a Sombra do Samurai, de Akira Kurosawa. A história se passa no século XVI, durante a guerra civil no Japão. Em 1572, Shingen Takeda (Tatsuya Nakadai) marcha em direção a Kyoto, cujo controle decidiria o destino da nação; Nobunaga Oda (Daisuke Ryu) e Ieyasu Tokugawa juntam-se para impedi-lo. Takeda cerca o forte de Tokugawa, o castelo Noda, durante dois anos. No meio desta guerra, um ladrão comum, por causa da semelhança surpreendente com Takeda, é escolhido para se fazer passar por ele, enquanto o verdadeiro chefe de clã fica a salvo.
Entretanto, Takeda resolve presenciar a tomada do castelo e é gravemente ferido. Ordena que seus conselheiros mais íntimos mantenham segredo sobre o fato e, caso morra, o ladrão tome seu lugar. Kagemusha, o sósia, é treinado para isso. Durante três anos, após a morte de Takeda, é tratado por todos, inclusive pelo filho do samurai e sua amante, como se fosse o verdadeiro chefe do clã. Poucos generais sabem a verdade, pois é importante que amigos e inimigos acreditem que Takeda esteja vivo.
Este é o desafio de Fernando Haddad na campanha eleitoral: se passar por Lula perante os eleitores. Se esforça para isso, mesmo que o preço a pagar seja a perda da própria identidade política. O ex-prefeito era visto como um petista diferente, mais ilustrado e afável, capaz de cair no gosto da classe média paulista, o que realmente aconteceu na campanha eleitoral de 2012 para a Prefeitura de São Paulo. Mas o encanto se quebrou por causa da Lava-Jato e do mau desempenho administrativo, que o levou à derrota ao concorrer à reeleição em São Paulo. Haddad reproduz o discurso raivoso do PT e toda a retórica de vitimização de Lula; ao fazer isso, porém, afasta os eleitores não petistas que precisaria atrair caso chegue ao segundo turno.
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Luiz Carlos Azedo: A história à deriva
“Em pleno processo eleitoral, a identificação das causas reais do incêndio do Museu de nada servirá para evitar o embate político que já se estabeleceu entre governo e oposição”
O Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, cujo acervo foi quase completamente destruído por um incêndio na noite de domingo, era o retrato da relação do Brasil com a sua cultura. Entrou na pauta das eleições da pior forma possível: como nova tragédia nacional, que comoveu o mundo da cultura e, principalmente, o povo do Rio de Janeiro. Por causa das linhas de trens e de metrô, era muito visitado por estudantes de todas as idades e pelas famílias de cariocas dos subúrbios da Central do Brasil e da Leopoldina, para os quais era uma janela para o mundo da História Natural e das civilizações antigas.
A existência do museu se deve, em primeiro lugar, à transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, entre 1808 e 1821, com a vinda de Dom João VI e sua família para o Brasil, acompanhado de mais de 10 mil pessoas, entre serviçais, religiosos, militares e a nobreza, fugindo do exército de Napoleão Bonaparte, o imperador francês. O antropólogo e jornalista australiano Patrick Wilcken, no livro Império à deriva, descreve essa mudança de forma magistral, no contexto da política europeia da época. O choque cultural que ela provocou, porém, é narrado com riqueza de detalhes por Laurentino Gomes, no livro 1808.
Laurentino Gomes é autor de uma trilogia que inclui 1822 — Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado, sobre a Independência; e 1889 – Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República do Brasil, que narra o colapso do regime imperial escravocrata. É dele, “depois de uma noite mal- dormida”, o comentário mais crítico sobre o incêndio na Quinta da Boa Vista:
“Abandonado, desleixado, com um acervo rico, porém esquizofrênico, pouco acolhedor para quem se animassem a visitá-lo, o Museu Nacional era um símbolo do que nos tornamos nos últimos anos: uma caricatura do que gostaríamos de ser e nunca fomos”, criticou. O prédio da Quinta da Boa Vista foi palco de grandes momentos da história do Brasil Imperial. Segundo Laurentino, tinha vocação para Museu Histórico, mas virou Museu de Ciências Naturais. “O acervo era confuso e pouco didático, entregue aos malcuidados de funcionários e curadores burocráticos, sem inspiração e entusiasmo”, critica.
Para o historiador, era um símbolo do toma lá dá cá na política brasileira: o prédio original foi um presente de um grande traficante de escravos a D. João no dia da chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. Elias Antônio Lopes era “um dos homens que mais se enriqueceria e ganharia títulos e honrarias nos 13 anos da Corte portuguesa no Brasil.” De fato, a coleção do museu começou como um projeto que se inspirava nas casas reais europeias. D. Pedro II era neto do rei português João VI e de Francisco II, último monarca do Sacro Império Romano-Germânico, sobrinho de Napoleão Bonaparte e primo dos imperadores Francisco José I da Áustria e Maximiliano do México.
Acervo
Uma parte do acervo se deve ao interesse de D. Pedro II pelas ciências e seu esforço de reconhecimento pela nobreza europeia. Na década de 1870, o imperador brasileiro fez duas grandes viagens à Europa, Oriente Médio, África e Estados Unidos, o que acabou influenciando as características do acervo que Laurentino chama de “esquizofrênico”. Há que se considerar que o colonialismo estava no auge e o saque ao patrimônio histórico das antigas civilizações orientais e mediterrâneas pelas potências da Europa estava em pleno curso. A outra parte é fruto da pesquisa arqueológica e antropológica dos pesquisadores abnegados do próprio museu, que completavam a coleção.
O museu comemorou em junho seu bicentenário. Recebia 150 mil visitantes por ano e era um importante centro de pesquisa e estudo, porque estava integrado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desde 1946. Sua biblioteca possuía 537 mil livros, incluindo 1.560 obras raras, como um exemplar de História natural (Plínio, o Velho), de 1410. Um dos acervos mais atingidos é o do departamento de paleontologia, com mais de 26 mil fósseis, incluindo o esqueleto de um dinossauro descoberto em Minas Gerais e inúmeras espécies extintas, como preguiças gigantes e tigres-dentes-de-sabre. Sua coleção de antropologia biológica incluía o mais antigo fóssil humano descoberto no Brasil, conhecido como “Luzia”, que sobreviveu a 12 mil anos, mas não ao descaso oficial com a cultura.
No dia 6 de junho, a direção do Museu Nacional e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assinaram um contrato que prevê investimento de R$ 21,7 milhões para o plano de revitalização do prédio histórico, seu acervo e espaços de exposição. Mas já era tarde, pois o mais trivial — a manutenção da rede elétrica e armazenamento adequado de produtos químicos — não foi feito. As investigações sobre o incêndio provavelmente apontarão uma multiplicidade de fatores de risco, do cupim nas madeiras à falta de equipe de combate a incêndio.
Em pleno processo eleitoral, a identificação das causas reais do incêndio de nada servirá para evitar o embate político que já se estabeleceu entre governo e oposição. A direção da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é controlada por uma aliança de partidos de esquerda — PSOL, PCdoB e PCB —, enquanto os ministérios da Cultura e da Educação estão sob comando de aliados do presidente Michel Temer. Embora o PT tenha exercido o poder de 2002 a 2016, estudantes e dirigentes universitários culpam Temer pelo sucateamento do museu. Entretanto, a manutenção do museu deveria ter sido uma prioridade no orçamento da universidade, poderia remanejar verbas e fazer contratos emergenciais para isso, em vez de criar novas despesas. Depois do incêndio, isso nem se discute.
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Luiz Carlos Azedo: A hora da verdade
“Lula utiliza os prazos e os ritos da Justiça Eleitoral para consolidar a narrativa de que está sendo vítima de uma perseguição política cujo objetivo seria impedir sua volta ao poder pelo voto”
Uma sessão extraordinária do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidirá hoje se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se apresentará ou não na tevê e no rádio como candidato a presidente da República do PT, até que seu caso seja definitivamente julgado pela Corte. A advogada do petista Maria Cláudia Bucchianeri alega que Lula tem esse direito, ao contrário do entendimento da Procuradoria-Geral da República, que pretende barrar a presença dele na propaganda eleitoral gratuita. Decisões recentes do TSE estão sendo utilizadas como argumento em favor do petista, cuja candidatura tem mais de uma dezena de pedidos de impugnação.
Lula é considerado inelegível com base na Lei da Ficha Limpa, porque foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, no caso do tríplex de Guarujá, que foi investigado pela Operação Lava-Jato. Segundo a defesa de Lula, o artigo 16-A da Lei 9.504/1997 garante que “o candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.”
Mesmo sabendo que está inelegível e preso nas dependências da Polícia Federal em Curitiba, Lula manteve sua candidatura a presidente da República e foi registrado pelo PT, numa estratégia ousada e, até agora, bem-sucedida, pois graças a isso se manteve na mídia e lidera com folga todas as pesquisas de opinião. Se conseguir se apresentar no horário eleitoral, essa estratégia será coroada de êxito, pois permitirá a fusão de sua imagem como a do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, vice na chapa do PT e já escalado para substituí-lo como candidato, quando Lula for efetivamente impugnado pela Justiça Eleitoral. A chicana jurídica é uma jogada de marketing político, para garantir a transferência de votos, já que Haddad está mal colocado nas pesquisas eleitorais quando seu nome entra no lugar do de Lula.
Lula utiliza os prazos e os ritos da Justiça Eleitoral para consolidar a narrativa de que está sendo vítima de uma perseguição política cujo objetivo seria impedir sua volta ao poder pelo voto. Toda a propaganda eleitoral do PT se baseia nessa tese, porém Lula está sendo condenado por envolvimento no maior esquema de corrupção já registrado no país. A aposta petista é de que não há condição de o TSE julgar seu pedido de registro ainda hoje, o que lhe permitirá estrelar os programas do PT de rádio e televisão que começam amanhã. Pelo calendário eleitoral, seu caso precisa ser julgado até o dia 17 de setembro; seriam duas semanas de propaganda no ar, tempo mais do que suficiente para colar a imagem de Haddad na de Lula e fortalecer a narrativa de vitimização do ex-presidente da República.
Jacobinos
A estratégia de Lula serve de guarda-chuva para todos os candidatos do PT que estão enrolados na Operação Lava-Jato. Não por acaso, ontem, o jornalista e professor da ECA-USP Eugênio Bucci, que foi presidente da EBC, comparou o caso de Lula ao de Georges Jacques Danton (1759-1794), um dos líderes da Revolução Francesa, inspirado no filme Danton, o Processo da Revolução, de 1983, do polonês Andrzej Wajda, que reconstituiu o julgamento do revolucionário francês. “Por que é preciso me matar? Só eu posso responder. Devo morrer porque sou sincero. Devo morrer porque digo a verdade. Devo morrer porque assusto. Eis as razões que levam ao assassinato de um homem honesto”, discursa Danton na cena mais dramática do filme, para concluir: “Eu não desaparecerei. Não! Eu falo! E falarei até o fim! Pois sou imortal! Sou imortal, porque sou o povo! O povo está comigo!”.
As narrativas de Lula e Danton são semelhantes, mas o contexto é muito diferente: Lula não está às vésperas de perder a cabeça numa guilhotina. Em 1791, no decorrer do processo revolucionário iniciado em 1789, Danton apoiou os jacobinos, foi procurador da Comuna de Paris e ministro da Justiça no período do Terror. Fez parte do Comitê de Salvação Pública, órgão executivo da República, responsável pela política estrangeira e por assuntos militares, até romper com o líder jacobino Maximilien de Robespierre. Foi julgado e condenado pelo Tribunal Revolucionário, devido a uma acusação de traição preparada por Saint-Just. O período do Terror (de setembro de 1793 a julho de 1794) terminou com a queda e a prisão de Robespierre, que implantou o terrorismo de Estado, período no qual foram realizadas 16.594 execuções oficiais. Estima-se que mais de 65 mil pessoas foram assassinadas pelos jacobinos. Robespierre e Saint-Just acabaram depostos pelo golpe do Termidor e também foram guilhotinados.
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Luiz Carlos Azedo: O xis do problema
“A radicalização e o ódio na campanha eleitoral contrariam a cultura de conciliação da política brasileira. O medo dessa confrontação pode ter um peso decisivo nas eleições”
Para a maioria dos analistas, o principal problema do Brasil hoje é a crise fiscal, que desorganiza as contas públicas. A solução desse problema deveria ser o centro do debate entre os candidatos a presidente da República, mas não é isso o que acontece, porque não há uma percepção popular acerca do seu significado para a vida das pessoas. Não existe uma associação clara entre o fato de o governo gastar mais do que arrecada, em particular a Previdência, e a resposta aos problemas do dia a dia da população. Por essa razão, os candidatos que focam as campanhas nessa discussão não sensibilizam a grande massa do eleitorado, apenas os agentes econômicos e setores mais esclarecidos da população.
As prioridades do eleitorado estão em outra agenda, que podemos identificar num tripé. A primeira é o desemprego, que desestrutura as famílias, pois atingiu uma escala crônica, chegando a 13 milhões de vítimas no país. Na região metropolitana de São Paulo, atingiu 17% no mês de julho, mesmo percentual do mês anterior, segundo a Fundação Seade e o Dieese. Em julho de 2017, a taxa foi de 18,3%. O contingente de paulistas desempregados é estimado em 1,8 milhão de pessoas. Estamos falando de São Paulo, a cidade que historicamente representou uma espécie de “sonho americano” no Brasil. Talvez, isso explique as dificuldades que o candidato tucano Geraldo Alckmin esteja enfrentando no próprio terreno.
A taxa de desemprego pouco variou no município de São Paulo (de 16,3% para 16,2%), diminuiu na região leste, que inclui Guarulhos e Mogi das Cruzes (de 19,7% para 19,0%), e subiu na região sudeste e cidades do Grande ABC (de 17% para 18,2%). Além disso, o rendimento médio real dos ocupados caiu em 1,6%, e o dos assalariados, em 1,4%, passando a equivaler a R$ 2.089 e R$ 2.157, respectivamente. É óbvio que esses números são consequência da forte recessão ocorrida no governo Dilma Rousseff e das dificuldades de retomada do crescimento num ambiente de desajuste fiscal, mas essa percepção é obscurecida pelo desgaste sofrido pelo governo Michel Temer em razão da Operação Lava-Jato.
Vem daí a segunda prioridade: o combate à corrupção. A Lava-Jato, como já se sabia, se tornou um vetor importante da campanha eleitoral, com forte influência no posicionamento dos eleitores. Mesmo considerando a campanha feita pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a operação, para caracterizá-la como um instrumento de perseguição política, essa variável continua fortíssima. De certa forma, o ex-presidente conseguiu romper essa barreira em termos eleitorais, mas ela é intransponível juridicamente, pois Lula estará preso e terá sua candidatura impugnada.
A terceira prioridade é violência, que está relacionada ao desemprego, à desestruturação das famílias e à corrupção. É aí que o deputado Jair Bolsonaro (PSL) nada de braçada, com seu discurso a favor do endurecimento da repressão policial, em defesa da família unicelular patriarcal e de soluções mágicas para a crise econômica. Seu principal assessor econômico, Paulo Guedes, se propõe zerar o deficit público em um ano, com um programa de reforma administrativa e privatização radical dos ativos públicos, que seriam transferidos para um fundo de resgate da dívida pública.
Bom senso
A grande dificuldade que todos os demais candidatos estão enfrentando no processo eleitoral para superar a polarização Lula versus Bolsonaro decorre do fato de que ambos exploram, com sinal trocado, o senso comum do eleitor. Como se sabe, o senso comum é uma visão de mundo disseminada de forma desordenada e assistemática, quase sempre alicerçada em ideias religiosas e nos costumes, contra a qual é muito difícil se opor. A não ser que entre em cena o chamado “bom senso” em relação à solução objetiva dos problemas. Por exemplo, é um senso comum culpar o governo Temer pelas altas taxas de desemprego; em contrapartida, é uma questão de bom senso limitar os gastos pessoais à capacidade de endividamento das famílias.
Assim, a percepção de que o mesmo critério adotado para equilibrar as finanças domésticas deve ser usado nas contas públicas seria uma questão de bom senso, uma espécie de ovo de Colombo, mas não é. A corrupção, os privilégios e os desperdícios de recursos públicos impedem essa compreensão. Tanto Lula como Bolsonaro apostam em concepções arraigadas da população, alicerçadas no senso comum (não é à toa que uma parcela do eleitorado de ambos se confunde), mas há o outro lado da moeda: a radicalização política e a disseminação do ódio ideológico na campanha eleitoral por ambos contrariam a cultura de conciliação da política brasileira. O medo dessa confrontação pode vir a ter um peso decisivo nas eleições em favor de uma candidatura mais moderada, identificada com o eleitor mais preocupado em defender sua família do desemprego, da violência e da desestruturação.
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Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro sub judice
Bolsonaro corre risco de se tornar inelegível e ficar fora da disputa presidencial. O ex-capitão do Exército é acusado do crime de racismo
A interrupção do julgamento de Jair Bolsonaro (PSL), em pleno processo eleitoral, por crime de racismo, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), é mais um fator de instabilidade do quadro político. Tumultua o processo eleitoral, já bastante perturbado pelo registro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso e inelegível. A aceitação ou não da denúncia era para ter sido decidida ontem, mas o ministro Alexandre de Moraes pediu vista do processo. A votação está 2 a 2. Bolsonaro — que se encontra em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás de Lula — corre risco de se tornar inelegível e ficar fora da disputa presidencial. O ex-capitão do Exército é acusado do crime de racismo em palestra no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, em abril de 2017. Segundo a Procuradoria Geral da República, o deputado teria usado expressões de cunho discriminatório, incitando o ódio e atingindo vários grupos sociais.
Na ocasião, Bolsonaro disse que se eleito presidente não destinará recursos para ONGs e para reservas indígenas ou quilombolas. “Onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza embaixo dela. Temos que mudar isso daí. (…) Eu fui num quilombo, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gastado com eles”, disse. Também fez declarações muito machistas: “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens; a quinta, eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”. Para o Ministério Público Federal (MPF), suas declarações incitaram ao “ódio” e configuram conduta “ilícita, inaceitável e severamente reprovável.”
O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, minimizou as declarações e encaminhou a votação contra o recebimento da denúncia. Em seu voto, afirmou que as declarações não se configuram falas discriminatórias, estão dentro dos limites da liberdade de expressão e também protegidas pela imunidade parlamentar. Foi acompanhado pelo ministro Luiz Fux. Quem abriu a divergência na Corte foi o ministro Luís Barroso, a favor da aceitação da denúncia. “Aqui me parece inequivocamente claro um tipo de discurso de ódio que o direito constitucional não admite”, disse. Segundo Barroso, o uso de expressões como “arroba” para se referir aos negros quilombolas pode configurar o crime de racismo. Foi apoiado pela ministra Rosa Weber, que empatou o julgamento. Rosa Weber é a atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A suspensão do julgamento surpreendeu. As expectativas eram de que a denúncia não seria aceita, apesar de a Primeira Turma ser apelidada de “Câmara de Gás” nos bastidores do Supremo. O ministro Alexandre de Moraes alegou que tinha um voto longo e pediu vista do processo. Caso a nova denúncia seja aceita, Bolsonaro será réu em três processos. Já há um pedido de impugnação da candidatura de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), porque o candidato do PSL é réu em duas ações penais por suposta incitação ao estupro. Os advogados de Bolsonaro alegam que a Lei da Ficha Limpa prevê os casos de inelegibilidade por condenação em estâncias superiores, em nenhum dos quais o candidato estaria enquadrado.
Divergências
Há uma polêmica aberta no Supremo com relação ao fato de réus poderem exercer a Presidência da República. Em 2016, a maioria do STF considerou que réus em ação penal não podem substituir o presidente da República — ou seja, têm direito de figurar na linha sucessória, mas não podem assumir a chefia do Executivo. A decisão teve por objetivo impedir que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha assumisse a Presidência interinamente. O plenário, porém, não respondeu se um presidente da República pode tomar posse na condição de réu. Há controvérsias quanto à aplicação dessa decisão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que a Constituição determina que um presidente eleito não pode ser julgado por atos cometidos antes do exercício do mandato. O mesmo não se aplicaria, entretanto, a parlamentares que respondem a processo no Supremo, caso de Bolsonaro.
A questão está no rol das decisões intempestivas e até casuísticas do Supremo. Ao pedir vista do processo e interromper o julgamento, o ministro Alexandre de Moraes anunciou que faria um voto longo. Pode ser um voto esclarecedor e definitivo ou mais um voto ambíguo e casuístico, que aumente as dúvidas em relação ao processo. Há duas questões em jogo: a primeira é impor um limite à misoginia, ao racismo e à incitação ao ódio; a segunda, as condições em que um réu pode ser impedido de disputar a Presidência da República. Ambas são relevantes para as regras do jogo democrático e podem conter o acirramento ânimos e a radicalização política no pleito deste ano.
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Luiz Carlos Azedo: A escolha errada
A recessão do governo Dilma foi um desses momentos em que o país andou para trás. Ao final de 2016, a economia havia encolhido quase 8% em dois anos
Um país de dimensões continentais como o Brasil não costuma andar para trás. Seu progresso tem uma inércia poderosa, que empurra o país para frente em situações difíceis, como aconteceu, por exemplo, no governo Sarney: em plena hiperinflação, todos os indicadores sociais avançaram. Por isso mesmo, previsões catastrofistas não costumam se confirmar. No governo Dutra, após a redemocratização de 1945, a esquerda dizia que o país havia entrado num processo de “atraso progressivo”, porém, a industrialização avançava. Àquela época, muita gente acreditava que não haveria industrialização com “latifúndio e dominação imperialista”; deu-se exatamente o contrário, a industrialização avançou com o capital estrangeiro; a monocultura de exportação possibilitou a modernização do campo. Entretanto, quase 70 anos depois, uma parte da esquerda ainda acredita nisso.
Nos momentos em que o país retrocedeu ou se estagnou, as escolhas políticas erradas foram deliberadas, para privilegiar determinados grupos de interesse. Foi o que aconteceu no longo reinado de Dom Pedro 2º, por exemplo. Em 1800, o Brasil contava com uma população de 4,4 milhões de habitantes, um pouco menos que os Estados Unidos, que tinham 5 milhões. O porte das duas economias era semelhante. Por causa da escravidão, com o tempo, a distância se tornou abissal. A renda per capita do norte-americano triplicou entre 1820 e 1900, passando de 1,3 mil para 4 mil dólares, cinco, sete vezes a do brasileiro. A população norte-americana, com o fim da escravidão, saltou de 35 milhões, em 1865, para 63 milhões em 1890, 4,5 vezes maior que a brasileira. A renda per capita cresceu 55%. A produção agrícola representava apenas 22% do valor da produção, enquanto a indústria atingia 41%.
Ou seja, enquanto os Estados Unidos faziam a sua revolução industrial, o Brasil fazia tudo para manter a escravidão. De 1820 a 1890, a nossa renda per capita subiu apenas de 670 para 704 dólares anuais. Nesse período, a renda da Argentina subiu de 1,3 para 2,7 mil dólares; e a de Portugal chegou 1, 4 mil dólares. São escolhas políticas que determinam o futuro das nações. Basta olhar aqui para o lado, a Venezuela, a maior potência petrolífera do continente, mergulhada no autoritarismo político, no caos econômico, no paramilitarismo e na corrupção. O governo de Campos Sales, por exemplo, promoveu uma das maiores recessões da história, deliberadamente, porque o presidente da república e seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, eram contra a industrialização e se aliaram às velhas forças retrógradas do Império, que queriam manter seus privilégios.
A crise econômica em que o Brasil mergulhou durante o governo Dilma Rousseff foi um desses momentos em que o país andou para trás. Ao final de 2016, a economia havia encolhido quase 8% em dois anos. A última vez que algo parecido havia acontecido fora no biênio 1930-31, em meio à Grande Depressão, quando a geração de riquezas diminuiu pouco mais de 5%. Dilma assumiu o Planalto em 2011, herdando um crescimento econômico de 7,53% no ano anterior, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva alardeando que o Brasil foi o último país a entrar e o primeiro a sair da crise internacional. O discurso triunfalista se baseava numa política de expansão do crédito e de aumento do salário real que não tinha lastro no aumento da produtividade e na ampliação do deficit público, e nas demandas de commodities de alimentos e minérios geradas pela expansão da economia chinesa, além do chamado bônus demográfico, que reduziu o número de dependentes em relação à população economicamente ativa e com renda.
Nova matriz
Dilma aprofundou as políticas de Luiz Inácio Lula da Silva e adotou outras, que chamou de “nova matriz econômica”. O tripé formado por metas de inflação, superavit primário e câmbio flutuante, herança do governo de Fernando Henrique Cardoso, seguido à risca pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro mandato, foi substituído por intervenções mais acentuadas na taxa de juros e nos preços administrados; por reforços na proteção à indústria nacional, em especial a automotiva; e pela ampliação das desonerações tributárias e do crédito subsidiado a empresas. A maior recessão da história brasileira nasceu da obsessão de Lula, de Dilma e do PT pelo crescimento a qualquer custo.
A população somente se deu conta do problema quando veio a onda de desemprego e o endividamento em massa. As medidas anticíclicas adotadas no fim do governo Lula, que tinham por objetivo combater a recessão, tornaram-se permanentes. Ainda que a economia tenha crescido quase 4% no primeiro ano do governo, Dilma continuou elevando gastos e abrindo mão de arrecadação. Com orçamento engessado por vinculações e indexações, várias delas criadas nas administrações petistas, um governo mão aberta dependeria de crescimento econômico alto e ininterrupto para conseguir pagar suas contas. Não foi o que aconteceu.
O controle de preços tirou dinheiro do Tesouro e de estatais. A crise da zona do euro e o fim do superciclo das commodities se somaram à desaceleração. Sem reformas para elevar a produtividade, esgotou-se o crescimento anabolizado por consumo e endividamento. O país mergulhou na recessão e no desemprego em massa, a inflação disparou, em meio a escândalos de corrupção, entre os quais o da Petrobras. O governo não conseguiu cumprir suas metas fiscais, recorreu a malabarismos contábeis e adiou sistematicamente pagamentos bilionários devidos a bancos públicos, prática que ficou conhecida como “pedalada fiscal” e serviu de pretexto ao impeachment. Dois anos depois, o ex-presidente Lula, seu eventual substituto, o ex-prefeito Fernando Haddad, e a própria Dilma, disputam as eleições como se nada disso tivesse ocorrido. Prometem repetir os mesmos erros.
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