Nas entrelinhas

Luiz Carlos Azedo: A marcha do golpismo

“Até agora, a radicalização política no Brasil foi contida por um movimento pendular da sociedade e da elite política, mas nunca houve uma situação de tanta fragilidade do Congresso e da Suprema Corte”

O cenário eleitoral protagonizado pelos dois líderes nas pesquisas de opinião, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), um pouco pela soberba de ambos, muito pela ideologia, às vésperas do pleito, ganha características cada vez mais disruptivas, que questionam a ordem democrática do país. Na sexta-feira, em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, Bolsonaro disse que não aceita um resultado no qual não seja o vencedor, afirmou que o Plano B do PT é fraudar o resultado das eleições; em Goiânia, com sinal trocado, Haddad disse que, tão logo seja eleito, convocará uma Constituinte exclusiva para redigir uma nova Constituição. São duas propostas golpistas.

A Constituição de 1988, com todos os seus defeitos, é um pacto político construído para que houvesse uma transição pacífica do regime militar à democracia. Foi obra de muitas mãos, entre as quais as de Ulysses Guimarães. Resultou do esforço de políticos que sobreviveram ao autoritarismo e lideraram o MDB na luta contra o fascismo e a tentativa de “mexicanização” do país por meio da antiga Arena. Essa história é bem conhecida, dispensa maiores comentários. O que importa é registrar que as forças que teceram essa transição se exauriram pela morte da maioria de seus líderes, pelo desgaste e fricção da luta política e em razão do desmantelo revelado pela Operação Lava-Jato.

Hoje, o protagonismo está com quem se opôs ao pacto celebrado na Constituição de 1988. De um lado, o PT, cujos fundadores gostariam que a queda da ditadura se confundisse com a tomada do poder, quiçá uma revolução socialista; de outro, as forças que pretendiam institucionalizar o regime autoritário, com a eleição de um presidente civil no colégio eleitoral, no caso, o então deputado Paulo Maluf. Graças à Constituição de 1988, em nenhum momento essas forças conseguiram impor seus desejos às instituições democráticas. As tentativas nessa direção foram frustradas pelo Congresso. A primeira foi com Collor de Mello, que renunciou ao mandato para evitar o impeachment; a segunda, com Dilma Rousseff, que também foi apeada do poder.

Até agora, a radicalização política no Brasil foi contida por um movimento pendular da sociedade e da elite política, mas nunca houve uma situação de tanta fragilidade do Congresso e da Suprema Corte do país desde a redemocratização. As causas são as mais diversas, da crise da democracia representativa e seus partidos à desmoralização de suas principais lideranças em razão dos escândalos nos quais estão envolvidos. Acrescente-se a isso as mudanças em curso no mundo e a sociedade líquida que emerge com as novas tecnologias, as redes sociais e a substituição da verdade pelas falsas narrativas fake news. É nesse contexto que devemos examinar e nos precaver em relação ao que dizem os candidatos que possam afrontar a democracia.

Regras do jogo
Bolsonaro joga suas fichas numa decisão de primeiro turno, mas já anuncia que, para ele, a eleição somente terá validade se for o vencedor no segundo turno. Se isso não ocorrer, não aceitará o resultado. Alega que havia uma decisão do Congresso para que o voto fosse impresso, como a segunda via de um cartão de crédito, e que o Supremo Tribunal Federal (STF) não aceitou a medida. Deduz daí que haverá fraude nas urnas eletrônicas, fato sem precedentes, porque é impossível uma operação dessa envergadura: as urnas são auditáveis, e os votos, computados em cada seção eleitoral, o que exigiria uma rede de cumplicidade gigantesca. A totalização dos votos pode ser checada urna por urna. É impossível rackear todas, simultaneamente, porque funcionam de forma estanque. Esse discurso só tem uma lógica: legitimar uma intervenção militar, a ser comandada pelos generais que compõem seu estado-maior de campanha, o que seria uma quartelada. A proposta de nova Constituição redigida por notáveis, sugerida pelo general Mourão, imposta goela abaixo no Legislativo e no Judiciário, tem tudo a ver com essa visão golpista.

A proposta de Haddad joga lenha na fogueira. Por que convocar uma Constituinte exclusiva quando estamos elegendo os 513 deputados que compõem a Câmara e 54 dos 81 senadores, todos com poder de emendar a Constituição? Eis a razão: o PT não terá maioria no Congresso, cuja renovação não foi maior por causa da contrarreforma aprovadas pelos grandes partidos, tendo um petista como relator. Não pode mudar as regras de composição dos tribunais superiores, cuja maioria dos membros, diga-se de passagem, foi indicada pelos presidentes petistas. Não terá maioria para estabelecer o controle dos meios de comunicação, interferir nas promoções dos oficiais de alta patente das Forças Armadas, restabelecer o monopólio nacional do petróleo, reverter a reforma trabalhista e mudar as regras das eleições. O golpismo da Constituinte exclusiva está na dualidade de poderes com o Congresso, parecida com a que existe hoje na Venezuela, onde o regime autoritário de Nicolás Maduro convocou uma Constituinte popular porque perdeu as eleições para a Assembleia Nacional.

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Luiz Carlos Azedo: Haddad repete Dilma

“O cardápio de medidas populistas e o discurso fácil do petista pode fazer o crédito simplesmente desaparecer e provocar uma crise de financiamento dos negócios, como na Venezuela”

Uma piada de mineiro sobre as diferenças de comportamento entre cariocas, paulistas e gaúchos ilustra o que pensa o candidato do PT, Fernando Haddad, em termos de condução da economia. O carioca costuma valorizar a isonomia nos negócios: “Quanto é que nós vamos ganhar?” O paulista, sua participação nos lucros: “Quanto é que eu vou ganhar?” O gaúcho, porém, estaria mais preocupado com os rendimentos do sócio: “Quanto tu vais ganhar?” A piada fez muito sucesso nos bastidores do governo de Dilma Rousseff, porque a então presidente da República estava mais interessada em arbitrar o lucro das empresas do que com o equilíbrio das contas públicas e os ganhos de produtividade do país. Com perdão da injustiça com os gaúchos, principalmente meus amigos queridos, o candidato do PT repete o comportamento em campanha.

Recentemente, em entrevista na tevê, disse que os bancos ganham muito e que vai reduzir os spreads bancários, que vêm a ser a diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e quanto esse banco cobra para emprestar o mesmo dinheiro. O cliente que deposita dinheiro em conta-corrente, poupança ou outra aplicação faz um empréstimo ao banco, que remunera esses depósitos com juros chamados de taxa de captação; entretanto, quando o banco empresta dinheiro a alguém, cobra uma taxa pelo empréstimo superior à taxa de captação. Haddad quer reduzir os juros a fórceps, como fez Dilma Rousseff, baixando na marra os spreads bancários, cujo valor os bancos atribuem à alta inadimplência e ao depósito compulsório.

A proposta é sedutora, faz parte de um cardápio de medidas populistas e do discurso fácil de campanha, mas pode fazer o crédito simplesmente desaparecer e provocar uma crise de financiamento dos negócios, como a da Venezuela. A reação dos bancos para reduzir a inadimplência será arrochar o crédito de risco, a não ser que o governo reduza os compulsórios e os impostos, que acabam repassados aos clientes, mas isso não faz parte do programa de governo de Haddad, que é expansionista e intervencionista. Ontem, na Serra Gaúcha, por exemplo, anunciou que pretende usar o poder de compra da máquina federal para estimular a indústria nacional. Disse que vai reativar o polo naval gaúcho, localizado em Rio Grande, que na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou mais de 20 mil postos de trabalho, o que somente será possível com uma nova farra com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esqueceu-se de dizer que essa foi a gênese do escândalo da Petrobras, que deu origem à Operação Lava-Jato.

Corrupção e desperdício
A menina dos olhos da política de estímulo à indústria nacional dos governos Lula e Dilma foi a empresa Sete de Abril, criada com recursos públicos para fabricação de sondas para a Petrobras. Seu presidente, Pedro Barusco, deu início à série de delações premiadas de executivos e diretores da Petrobras ligados ao escândalo. Espontaneamente, devolveu US$ 100 milhões que havia arrecado de propina, para espanto até dos investigadores. Segundo a Lava-Jato, aproximadamente US$ 70 milhões em propina foram arrecadados pelo PT, agentes públicos da Petrobras e executivos da Sete Brasil em contratos bilionários com os estaleiros Jurong (Aracruz, ES), Brasfels (Angra dos Reis, RJ), Enseada do Paraguaçu (Maragogipe, BA), Ecovix (Rio Grande, RS) e Atlântico Sul (Fortaleza), a maioria hoje em recuperação judicial. O cálculo teve por base 1% de desvios nos contratos dos 21 navios-sondas encomendados pela Sete Brasil a serem fornecidos à Petrobras.

Só a Jurong, que tinha US$ 2,1 bilhões em contratos com a Sete Brasil, pagou US$ 18,8 milhões em propinas. Um dos réus confessou ter recebido pelos menos US$ 3,8 milhões em uma conta no exterior: o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, que disse ao juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara de Curitiba, que dois terços do total arrecadado foram para o grupo político do PT, em uma divisão que teria beneficiado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro José Dirceu e a legenda. Vaccari seria o arrecadador, e Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma Rousseff, o responsável pelo gerenciamento. Vaccari, também réu, ao prestar depoimento, preferiu ficar calado sobre o assunto. Lula e Dirceu negam o fato; Palocci negocia sua delação premiada.

O candidato do PT também se jactou de ter comprado 35 mil ônibus escolares em sua gestão à frente do Ministério da Educação e disse que dará atenção especial ao transporte público, repassando a receita arrecadada pela cobrança da Cide — contribuição que incide sobre o preço da gasolina — para os municípios. Ou seja, pretende resgatar o velho pacto automotivo, que deixou em segundo plano o transporte de massas — metrô, trens, volts — para favorecer a produção de veículos automotores no ABC, berço histórico do PT. Repete outro erro de Dilma, que comprou 3.401 veículos da Volkswagen e da Mercedes-Benz para o Exército, a um custo total de R$ 1,1 bilhão, ou seja, em média, R$ 323,4 mil por viatura. Os modelos comprados são o VW Worker e o Atego. O que foi uma festa nos quartéis no dia da entrega, virou um problema: o 72º Batalhão de Infantaria Motorizada, sediado em Petrolina, que tinha cinco caminhões, por exemplo, agora tem 50 veículos parados, sem recursos para manutenção.

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Luiz Carlos Azedo: Dez dias decisivos

“Para quem acreditou na narrativa do golpe, nada como a teimosia dos fatos para demonstrar que vivemos numa democracia robusta”

O norte-americano John Reed (1887-1920) é um grande mito do jornalismo político. Filho de um milionário de Portland, formou-se em Havard e se tornou repórter. Após aderir às ideias socialistas, resolveu escrever reportagens sobre os movimentos sociais da sua época, o que lhe valeu algumas prisões e o levou ao México, em 1914, para fazer a cobertura da revolução liderada por Pancho Vila, de quem se tornou próximo. Depois, virou correspondente nos campos de batalhas da Primeira Guerra Mundial, nos Países Baixos, na Alemanha, na França, na Romênia, na Bulgária, na Turquia e na Grécia, até chegar à Rússia, o que lhe possibilitou escrever a sua obra mais famosa: Dez dias que abalaram o mundo.

O pequeno livro, narrado no calor dos acontecimentos em forma de crônicas, é a obra seminal da reportagem moderna, considerado pela Universidade de Nova York como um dos 10 melhores trabalhos jornalísticos do século XX. Reed acompanhou de perto a atuação dos principais líderes da Revolução de Outubro, entre os quais Lênin e Trotsky, no curto período de tempo da insurreição que levou os bolcheviques ao poder. Reed chegou a Petrogrado (São Petersburgo) em agosto de 1917 e permaneceu na Rússia até morrer, em 17 de outubro de 1920, em Moscou. Sua narrativa da Revolução Russa lhe valeu um enterro com honras junto às muralhas do Kremlin, onde seu túmulo é visitado, diariamente, por milhares de turistas.

“Jack” Reed, como era chamado, até hoje inspira jovens repórteres. Seus livros renderam dois clássicos do cinema: Outubro (1927) e Viva México! (1931), de Sergei Eisenstein. Em 1981, Warren Beatty dirigiu Reds, no qual conta a vida do jornalista romântico e revolucionário, cujo papel interpretou no filme. Dez dias que abalaram o mundo encheu de esperanças e frustrou gerações ao longo de um século; sua releitura mostra a essência de tudo o que viria a acontecer depois da tomada do poder, inclusive os “vícios de origem” que levaram o modelo socialista ao colapso.

Vivemos num mundo muito diferente daquele que Reed nos relatou em seus livros. Sem dúvida, muito mais conectado do que aquele no qual os acontecimentos eram descritos por meio de cartas e telegramas, fotos e filmes em preto e branco. O que vai acontecer nos próximos dias ninguém sabe. O que se anuncia é um formidável choque de concepções e interesses, num processo eleitoral radicalizado, de desfecho imprevisível quanto ao vencedor. Não é algo que emergiu no processo eleitoral, muito pelo contrário, vem se anunciando desde 2013, quando ficou patente o descolamento entre a sociedade e sua representação política. Até agora, os mecanismos constitucionais existentes foram capazes de absorver essas tensões, inclusive as do impeachment da presidente Dilma Rousseff e as da Operação Lava-Jato.

Transição

O que acontece no Brasil desperta amplo interesse na imprensa internacional. Não é fácil entender muito bem a trama da política brasileira, com seus pontos fortes e fracos. Na abertura da Assembleia Geral da ONU, na terça-feira, chefes de Estado de todo o mundo ouviram o presidente Michel Temer anunciar que passará o poder ao futuro presidente eleito com o país em ordem e a economia funcionando. Para quem acreditou na narrativa do golpe, nada como a teimosia dos fatos para demonstrar que vivemos numa democracia robusta.

Desperta certa inveja entre as nações a realização de eleições livres cujas urnas são apuradas no mesmo dia, sem fraudes, com o povo escolhendo seus representantes pelo voto direto e secreto. Como entender a polarização política protagonizada por um político preso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja candidatura foi impugnada, e Jair Bolsonaro (PSL), um ex-capitão do Exército, que está hospitalizado em razão de uma facada recebida em plena campanha eleitoral, sem que tais fatos não tenham causado uma guerra civil ou um golpe militar? Tudo indica, pelas pesquisas divulgadas ontem, que teremos segundo turno. É um bom sinal, pois isso significa que haverá necessidade de moderação e entendimentos políticos no futuro próximo, ainda que nestes 10 dias que faltam para o primeiro o turno a radicalização persista.

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Luiz Carlos Azedo: O eleitor de Bolsonaro

“Bolsonaro vence nas regiões Norte/Centro-Oeste (33%) e Sudeste (31%), mas começa a perder influencia no Sul do país, onde caiu de 38% para 30%. Perde feio no Nordeste para Haddad”

Qualquer que seja o resultado das eleições, a candidatura de Jair Bolsonaro é um fenômeno a ser estudado, por romper velhos paradigmas e afrontar o “politicamente correto”. Apesar do seu caráter disruptivo, do ponto de vista ideológico, frustra o surgimento de uma “nova direita” liberal-conservadora e assinala a recidiva da “velha direita” intervencionista e nacionalista, inspirada no antigo regime militar. Se quisermos traçar um paralelo histórico, somente dois militares governaram o país constitucionalmente: Floriano Peixoto (1891-1894) e Eurico Gaspar Dutra (1946-1950). Eram marechais e chegaram ao poder depois de uma longa carreira militar, ao contrário do ex-capitão do Exército, que trocou a caserna pelo parlamento.

Alagoano de Ipioca, Floriano Peixoto (1839-1895), o Marechal de Ferro, foi o segundo presidente da República, sucedendo Deodoro da Fonseca (1827-1892). Durante o governo provisório, em 1890, foi ministro da Guerra; no ano seguinte, foi eleito vice-presidente. Com a renúncia de Deodoro, assumiu a presidência em 23 de novembro de 1891. No poder, diminuiu os impostos, os preços dos produtos e dos aluguéis, o que lhe garantiu apoio popular, mas governou a maior parte do tempo com o país em “estado de sítio” e descontentou a elite política e econômica, principalmente os liberais e a elite cafeeira. Derrotou a Revolução Federalista (1893-1895), no Rio Grande do Sul, e a Revolta da Armada (1893), rebelião liderada pela Marinha, no Rio de Janeiro, que reprimiu duramente. Ao final de seu mandato, em 15 de novembro de 1894, se afastou da vida pública e passou o poder para o presidente eleito, Prudente de Moraes (1841-1902).

Natural de Cuiabá (MT), Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) governou o país em 1946-1951. Pautado pela Guerra Fria, seu governo foi caracterizado pela perseguição aos comunistas, pela proibição dos jogos de azar e pela aproximação com os EUA. Era ministro da Guerra de Vargas, em 1936. Apesar de defender o apoio às potências do Eixo, Dutra foi o organizador da Força Expedicionária Brasileira (FEB), enviada para lutar na Itália, ao lado dos Aliados, na Segunda Guerra Mundial. Acabou escolhido pela oposição para ser o candidato à Presidência. A deposição de Vargas por um golpe militar assegurou a eleição de Dutra. Foi sucedido por Getúlio Vargas (PTB), que derrotou o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), outro líder militar da época, e Cristiano Machado (PSD), e voltou ao poder consagrado pelas urnas. Até morrer, Dutra manteve influência no Exército, fazendo parte da Arena durante o regime militar.

Os votos
Bolsonaro protagoniza o ressurgimento de uma direita com votos, o que não acontecia desde a eleição de Fernando Collor de Mello, em 1989. Lidera a disputa eleitoral, sobretudo entre os jovens. Está em empate técnico com Fernando Haddad (PT) nas faixas etárias de 35 a 44 anos e acima de 55 anos. Entre os homens, é líder absoluto, com 35%; apesar da grande rejeição, entre as mulheres está empatado com Haddad. Lidera disparado entre os eleitores de maior escolaridade (ensino médio e superior), mas perde feio para o petista, ex-ministro da Educação, no eleitorado de baixa escolaridade. Com exceção dos que têm renda abaixo de um salário mínimo, que votam em Fernando Haddad, provavelmente por causa do Bolsa Família, a liderança de Bolsonaro cresce progressivamente na medida em que aumenta a renda, passando de 26% dos eleitores que recebem de um a dois salários mínimos para 42% dos que recebem acima de cinco salários mínimos.

Em termos geográficos, é avassaladora a vantagem de Bolsonaro nas regiões Norte/Centro-Oeste (33%) e Sudeste (31%), mas começa a perder influencia no Sul do país, onde caiu de 38% para 30%. Perde feio no Nordeste para Haddad, que tem 38% das intenções de votos. Bolsonaro tem 34% de apoio entre os evangélicos e 29% entre outras religiões, mas está ligeiramente ultrapassado por Haddad entre os católicos (25% a 24%). Tem larga vantagem entre os eleitores brancos (33%), ligeira vantagem em relação a Haddad entre os negros e pardos (25% a 24%) e perde entre os demais, também para Haddad, por 28% a 25%.

Apesar de liderar as pesquisas de opinião, a rejeição a Bolsonaro subiu para 46% dos eleitores e chega a 50% entre as mulheres. Esse é o seu calcanhar de Aquiles, que está sendo explorado pelos adversários, principalmente o tucano Geraldo Alckmin, que aposta na desconstrução da imagem de Bolsonaro. Entretanto, quem se aproxima de Bolsonaro é o petista Fernando Haddad. Na pesquisa do Ibope de segunda-feira, que aqui serviu de referência, pela primeira vez Bolsonaro deu sinais de estagnação, permanecendo no mesmo patamar de 28%, enquanto o petista subiu de 19% para 22%. Ciro manteve-se em 11%, Alckmin oscilou de 7% para 8% e Marina, de 6% para 5%. Apesar da volatilidade do cenário eleitoral, a resiliência de Bolsonaro é um fato.

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Luiz Carlos Azedo: A “guerra” familiar

“Ao contrário dos políticos, que depois se entendem, as pessoas comuns esgarçam suas relações pessoais a ponto de deixarem de conversar”

A disputa eleitoral aprofundou as divisões no país, inclusive no âmbito familiar, no qual primos e até irmãos se digladiam como Abel e Caim. Não há um ambiente que não tenha sido contaminado pelo discurso radical a favor ou contra os candidatos que lideram as pesquisas de opinião, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Os candidatos alternativos, principalmente Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), que disputavam uma vaga no segundo turno, com a polarização, entre o mar e o rochedo, estão virando marisco. De certa forma, a pregação do voto útil das lideranças está surtindo um efeito contrário junto aos eleitores, que começam a antecipar a disputa de segundo turno.

Se considerarmos as pesquisas de opinião, quem chegar a 36% de intenções de votos nas pesquisas pode muito bem ultrapassar os 50% mais um dos votos válidos apurados nas urnas e ganhar as eleições no dia 7 de outubro. Como já destacamos em coluna anterior, foi o que aconteceu nas eleições de 1994 e 1998, quando Fernando Henrique Cardoso venceu no primeiro turno. Desde então, o fenômeno não se repetiu, nem com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002 e 2006), nem com a ex-presidente Dilma Rousseff (2010 e 2014), mas pode ocorrer agora, se os candidatos do chamado centro democrático, entre os quais se inclui Ciro Gomes em razão da deriva de tucanos e marinistas em sua direção, continuarem se desidratando na velocidade das últimas semanas.

Na verdade, há um ajuste de contas ideológico no processo eleitoral, estimulado pelo clima emocional que tomou conta das discussões nas redes sociais. Esse processo está se dando de forma anabolizada em razão das redes montadas por Bolsonaro e Haddad, mas é inegável que já se generalizou a partir do endurecimento dos discursos de Ciro, Alckmin e até Marina contra ambos. Em todos os lugares, do botequim à padaria, do trabalho às reuniões familiares, surgem conflitos e discussões acirradas. É um Fla-Flu político com muitas caneladas e tentativas de gol com a mão. A chance de que isso deixe sequelas terríveis no cenário pós-eleitoral não é pequena, porque as tropas de assalto dos candidatos estão dispostas a matar ou morrer. Ao contrário dos políticos, que depois se entendem, as pessoas comuns esgarçam suas relações pessoais a ponto de deixarem de conversar.

Há um embate de forças que estavam adormecidas desde a eleição de Tancredo Neves. Saudosistas do regime militar acreditam num projeto autoritário de resolução dos problemas nacionais. Renasceram das cinzas depois da reeleição de Dilma Rousseff e encontram ressonância num ambiente social desagregado, violento e sem esperanças. É um cenário muito parecido com o do plebiscito do desarmamento, no qual a “bancada da bala” derrotou toda a elite política e intelectual do país. De outro, temos as forças derrotadas pelo impeachment de Dilma Rousseff, que não demonstraram poder de reação e foram derrotadas nas urnas em 2016, mas agora se reagruparam em razão do desgaste do governo Michel Temer e dos líderes do PSDB envolvidos em escândalos. O carisma do ex-presidente Lula, mesmo estando preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e a memória de seus últimos anos de governo, que registraram altas taxas de crescimento, provocaram uma espécie de efeito Fênix em favor do PT.

Dois Brasis
O problema é que, como em todas as guerras, a primeira vítima é a verdade sobre a situação real do país. Também não existe um projeto que seja capaz de reunificar a nação, profundamente dividida. O Brasil setentrional é vermelho, graças à aliança do PT com as velhas oligarquias nordestinas; o meridional é azul, em razão do descontentamento da classe média e dos setores ligados ao agronegócio. A eleição será decida pelos eleitores da região Sudeste, principalmente São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. As pesquisas de opinião desta semana tendem a confirmar esse cenário. O que pode funcionar como algodão entre os cristais nessa disputa são as instituições políticas e a federação. Embora os dois principais candidatos tenham características centralizadoras e defendam um presidencialismo vertical, há que se considerar que nenhum terá maioria de votos no Congresso, seja no Senado, seja na Câmara, nem controle sobre o Judiciário, Além disso, haverá o contraponto dos governadores eleitos, praticamente todos eles políticos de carreira, alguns dos quais em segundo mandato. São essas forças que poderão mitigar o radicalismo registrado no pleito.

Se a eleição for decidida no segundo turno, o que ainda é mais provável, haverá necessidade de os candidatos derivarem ao centro em busca de alianças e assumirem compromisso com garantias e salvaguardas de caráter democrático. Será uma nova eleição, embora também polarizada, com a diferença de que Bolsonaro será beneficiado pela paridade de meios de comunicação e a recuperação da saúde, o que pode ter reflexo na sua campanha. Em contrapartida, caso se confirme a presença de Fernando Haddad no segundo turno, o candidato do PT tende a ter mais apoio entre as forças políticas. Na sociedade, porém, o ambiente belicoso deixará muitas sequelas, porque muitos não têm clareza de que a alternância de poder e o direito ao dissenso são pilares da democracia.

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Luiz Carlos Azedo: A “fulanização” sem projeto

Bolsonaro (PSL), à direita, e Haddad (PT), à esquerda, que lideram a disputa pela Presidência, representam opiniões radicais formadas a partir das redes sociais

Ao contrário do que muitos imaginam, a criação do sistema de representação proporcional uninominal vigente no Brasil, uma jabuticaba de autoria do gaúcho Assis Brasil, teve como objetivo fortalecer os partidos e não os enfraquecer, como afirmam muitos dos seus críticos. Foi a saída encontrada para mitigar uma característica da política brasileira desde a criação da primeira Câmara Municipal, em São Vicente, já em 1532, no início do período colonial: o fato de que os eleitores votam nas pessoas e não nos partidos, seja nos legislativos seja nos executivos. Não é à toa que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso insiste na tese de que um conjunto de ideias, mesmo majoritárias na sociedade, para conseguir se tornar um projeto político viável, precisa encontrar alguém capaz de “fulanizá-las”.

Foi o que aconteceu com a sua eleição para a Presidência em 1994, no embalo do Plano Real, com um programa cujo eixo era a estabilidade econômica, a reforma administrativa do Estado e as privatizações de empresas estatais nos setores siderúrgico e de telecomunicações, principalmente. Àquela época, o candidato favorito nas pesquisas era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje está preso em Curitiba, em razão do recebimento de vantagens indevidas no exercício da Presidência (corrupção passiva e lavagem de dinheiro). FHC conseguiu “fulanizar” o Plano Real. Por ironia do destino, mais tarde, em 2010, Lula terminou o governo melhor avaliado do que o tucano e hoje isso faz a diferença na hora de “fulanizar” o seu candidato, Fernando Haddad (PT). O mesmo não ocorre com Geraldo Alckmin (PSDB), apoiado por FHC, que goza de enorme prestígio e frequenta as salas de espera dos aeroportos de cabeça erguida, acompanhado apenas da esposa.

Mas voltemos à fórmula de Assis Brasil. O Brasil elege representantes para a Câmara dos Deputados desde 1824, logo após a Independência. Até 1880, durante o Império, o sistema de votação era feito em dois níveis: os votantes elegiam os eleitores (primeiro nível), que, por sua vez, escolhiam os representantes para a Câmara dos Deputados (segundo nível). Em 1881, as eleições para a Câmara dos Deputados passaram a ser diretas. Na Primeira República (1889-1930), três sistemas eleitorais foram utilizados; todos majoritários. O mais duradouro (1904-1930) dividia os estados em distritos eleitorais de cinco representantes; o eleitor podia votar em até quatro candidatos e ainda podia votar no mesmo candidato mais de uma vez, o que facilitava as fraudes em larga escala.

Em 1932, após a Revolução de 1930, novo código eleitoral modernizou o processo: as mulheres passaram a ter o direito do voto; foi criada a Justiça Eleitoral — que ficou com a responsabilidade de organizar o alistamento, as eleições, a apuração dos votos e a proclamação dos eleitos; foram tomadas medidas para garantir o sigilo do voto. Assis Brasil e João Cabral participaram da redação do Código Eleitoral de 1932 e defenderam a introdução do voto proporcional: para Câmara dos Deputados, um sistema misto (com parte dos representantes eleita pelo sistema proporcional), cuja operação era bastante complexa. Mas veio o “autogolpe” de 1937 e Getúlio Vargas suspendeu as eleições, fechou os partidos e o Congresso.

As eleições voltariam em 1945, com o processo de democratização do país. Somente naquele ano, o sistema proporcional proposto por Assis Brasil foi integralmente adotado nas eleições para Câmara dos Deputados e demais casas legislativas, com exceção do Senado, com objetivo de fortalecer os partidos recém-criados, carreando para eles a tradição do voto “fulanizado”. Nas eleições para prefeito, governador, senador e presidente da República, o voto continuou majoritário. O sistema funcionou razoavelmente antes do golpe militar de 1964, que teve outras causas.

Fragmentação
Depois da Constituinte de 1988, o surgimento do financiamento público partidário sem limitações para a criação de partidos, com base no critério de distribuição dos recursos proporcional à composição da Câmara, criou um desequilíbrio terrível na distribuição desses fundos e facilitou a proliferação de legendas, que hoje são 35 com representação no Congresso, situação agravada pelo uso em escala crescente de “caixa dois” nas eleições passadas, conforme revelado pela operação Lava-Jato.

Nesse cenário, os partidos políticos sofreram um grande desgaste, ainda mais agravado pela crise da democracia representativa na sociedade pós-industrial e pela forte influência das redes sociais na formação da opinião pública, à margem dos meios de comunicação tradicionais e dos próprios partidos. Nas eleições deste ano, o fenômeno da “fulanização” da política, que tem tudo a ver com as características da cultura eleitoral do brasileiro (e da velha herança “sebastianista” do salvador da pátria), ganhou novas características. Na reta final do primeiro turno, embora a maioria dos candidatos seja de velhos conhecidos, em razão das crises econômica, ética e política, a eleição se “fulanizou” a partir de narrativas radicais, que aprofundam a fragmentação das forças políticas mais centristas e democráticas, sem que um só candidato consiga unificá-las eleitoralmente.

Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL), à direita, e Fernando Haddad (PT), à esquerda, que lideram a disputa, representam o avanço avassalador de opiniões radicais formadas a partir das redes sociais. Caso não surja um nome alternativo pela via do “voto útil”, como prega o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o eixo da disputa se deslocará do centro para um dos extremos e nova escalada de confrontação ocorrerá no segundo turno, aprofundando a divisão da sociedade em torno de suas lideranças, sem nenhum programa unificador, apenas velhas palavras de ordem. Ou seja, teremos a “fulanização” sem ideias novas e projeto de país.

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Luiz Carlos Azedo: Nada mais a perder

“Ninguém leva o eleitor para votar puxando-o pelo nariz. Os que estão radicalizados são contra o PT e contra Bolsonaro; os que temem essa radicalização, tentarão viabilizar um tertius'”

O candidato a presidente da República do PSDB, Geraldo Alckmin, endureceu o discurso contra Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), que lideram as pesquisas de opinião, numa tentativa de evitar a completa desidratação de sua candidatura na reta final da campanha eleitoral. Fez ataques pesados e diretos ontem aos dois adversários nas redes sociais e no horário eleitoral gratuito, com esperança de conter a ascensão de ambos e evitar um desempenho catastrófico para seu partido e os aliados nas urnas. Uma campanha pelo “voto útil” também foi iniciada por dois intelectuais tucanos, a economista Eliana Cardoso e o cientista político Bolívar Lamounier, que lançaram um manifesto em apoio a Alckmin, dirigido aos demais candidatos do chamado “centro democrático”, para que retirem suas candidaturas.

“Apelamos aos candidatos que compõem o centro democrático para que se unam em torno de um nome com potencial de passar ao segundo turno e quebrar a perigosa polarização que está se configurando entre Bolsonaro e o PT. Apelamos a todos vocês — intelectuais, professores, profissionais liberais, cidadãos em geral — para que se unam a esse nosso esforço, endossando-o e ajudando a divulgá-lo”, explica a economista Eliana Cardoso nas redes sociais. O manifesto propõe uma reunião entre os candidatos: “Para que o eleitor não caia nas mãos de políticos extremistas, os candidatos do centro precisam se unir. A tarefa exige que os candidatos do centro, Alckmin, Marina, Álvaro Dias, Amoedo e Meirelles se encontrem e coloquem seus votos a favor do candidato que entre eles tem a maior chance de evitar uma tragédia. No momento, este nome é Alckmin”, afirmam.

Mais cauteloso, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso divulgou uma carta na mesma direção, mas sem citar nomes. Faz uma avaliação catastrófica do cenário político: “Desatinos de política econômica, herdados pelo atual governo, levaram a uma situação na qual há cerca de 13 milhões de desempregados e um deficit público acumulado, sem contar os juros, de quase R$ 400 bilhões só nos últimos quatro anos, aos quais se somarão mais de R$ 100 bilhões em 2018. Essa sequência de deficits primários levou a dívida pública do governo federal a quase R$ 4 trilhões e a dívida pública total a mais de R$ 5 trilhões, cerca de 80% do PIB este ano, a despeito da redução da taxa de juros básica nos últimos dois anos. A situação fiscal da União é precária e a de vários estados, dramática.”

O ex-presidente da República critica promessas de soluções fáceis para os problemas do país: “Diante de tão dramática situação, os candidatos à Presidência deveriam se recordar do que prometeu Churchill aos ingleses na guerra: sangue, suor e lágrimas. Poucos têm coragem e condição política para isso. No geral, acenam com promessas que não se realizarão com soluções simplistas, que não resolvem as questões desafiadoras. É necessária uma clara definição de rumo, a começar pelo compromisso com o ajuste inadiável das contas públicas”. E vai na mesma linha de um acordo entre os candidatos já no primeiro turno: “É hora de juntar forças e escolher bem, antes que os acontecimentos nos levem para uma perigosa radicalização. Pensemos no país e não apenas nos partidos, neste ou naquele candidato. Caso contrário, será impossível mudar para melhor a vida do povo”, apela.

Cartada final
Fernando Henrique Cardoso afirma que os eleitores estão polarizados entre dois apelos radicais e parecem decididos a pautar seu voto pelo medo. “A decisão do eleitor se explica. Os empregos faltam. As finanças públicas estão sob pressão e a política, podre. Sete cidades brasileiras estão entre as 20 mais violentas do mundo. Nesse quadro o apelo populista é forte”, critica. Segundo o ex-presidente da República, tanto Jair Bolsonaro como Fernando Haddad “representam uma ameaça para o Brasil e para a América Latina.” Velho desafeto dos tucanos, Ciro ficou de fora do chamado à unidade, mas será o desaguadouro natural do “voto útil” se não houver uma reação de Alckmin nas pesquisas.

Dificilmente haverá um reagrupamento dos chamados candidatos do centro democrático a duas semanas da votação. Interesses partidários, idiossincrasias pessoais e compromissos assumidos dificultam uma articulação tão ampla. Mas o discurso da unidade é uma tática eleitoral que pode ser eficiente para Alckmin, combinada ao endurecimento do discurso contra Bolsonaro e Haddad. Na reta final da eleição, ninguém leva o eleitor para votar puxando-o pelo nariz. Os que estão radicalizados são contra o PT e contra Bolsonaro; os que temem essa radicalização, tentarão viabilizar um “tertius”. A jogada tucana é para ocupar essa posição, deslocando Ciro Gomes (PDT), o que não é uma tarefa fácil. Estatisticamente, porém, não é impossível.

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Luiz Carlos Azedo: Ciro contra o arrastão

“O lento e contínuo crescimento de Bolsonaro e a ascensão espetacular de Haddad, à sombra de Lula, fizeram com que seus adversários mudassem de estratégia para evitar uma decisão no primeiro turno”

Terceiro nas pesquisas de opinião, Ciro Gomes (PDT) tenta conter a polarização entre os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) para evitar uma decisão no primeiro turno, que tornaria sua candidatura irrelevante, como a de outros candidatos, se isso vier a ocorrer. O ex-governador do Ceará é o único cuja candidatura não se desidratou, ao contrário do que aconteceu com Marina Silva (Rede), principalmente, e um pouco com Geraldo Alckmin (PSDB), que nunca decolou. Ciro partiu pra cima do petista: “O Brasil não suporta mais um presidente fraco, um presidente sem autoridade, um presidente que tenha que consultar o seu mentor”, afirmou, numa alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ciro revela nas entrevistas os bastidores da sua negociação com o PT. Relata que o ex-presidente Lula mandou vários emissários — entre os quais, Dilma Rousseff, Roberto Requião e Gleisi Hoffmann — com a proposta de que aceitasse ser vice “de araque” na chapa registrada pelo PT e que foi impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Todo mundo sabia, como eu cansei de dizer, que era uma enganação do PT, que não iam deixar o Lula ser candidato”. Segundo ele, Haddad “aceitou desempenhar um papel que o diminui profundamente” para se eleger em cima da popularidade de Lula, como aconteceu com Dilma Rousseff. Ciro irritou-se com as declarações de Haddad logo após a última pesquisa do Ibope: “Ele está se precipitando com uma demonstração a mais de inexperiência ou de arrogância. A ‘petezada’ também costuma cultivar uma certa arrogância, uma certa superioridade. Eu não sei de onde eles tiraram isso, eles já se acham vitoriosos, já se acham no segundo turno”, disparou.

A última pesquisa do Ibope mexeu com a estratégia de campanha de Ciro e dos demais candidatos. Jair Bolsonaro (PSL) subiu de 26% para 29%. Fernando Haddad (PT) passou de 8% para 19%. Ciro Gomes (PDT) se manteve com 11%. Geraldo Alckmin (PSDB) caiu de 9% para 7% e Marina Silva (Rede), de 9% para 6%. Brancos e nulos caíram de 19% para 14%. Não souberam ou não opinaram se manteve em 7%. O lento e contínuo crescimento de Bolsonaro e a ascensão espetacular de Haddad, capturando os votos do ex-presidente Lula, que liderava as pesquisas, fizeram com que todas as campanhas levassem em conta o que parecia improvável: uma decisão logo no primeiro turno.

Desvantagem
Isso aconteceu na eleição de 1994, na qual Lula parecia imbatível. Apuradas as urnas, embalado pelo Plano Real, Fernando Henrique Cardoso obteve 54,3% dos votos válidos, seguido pelo petista, com 27,1%. Enéas Carneiro chegou em terceiro lugar, com 7,4% dos votos, à frente de tradicionais políticos nacionais, como Orestes Quércia, que obteve 4,4%, e Leonel Brizola, com 3,2%. A 18 dias da votação, não se pode descartar o imponderável na eleição, inclusive uma inversão de posições entre Haddad e Bolsonaro. A reação de todas as campanhas foi no sentido de conter a polarização. Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin (PSDB) também passaram a combater o voto útil, que foi um tiro no pé das respectivas campanhas.

Apesar de liderar as pesquisas, Bolsonaro está em posição delicada, pois continua hospitalizado, o que anula a vantagem estratégica que tinha: a campanha de massas nas ruas, com poder de mobilização muito superior ao dos concorrentes, até que recebeu a facada em Juiz de Fora (MG) que o tirou do corpo a corpo com os eleitores. Hoje, está confinado num quarto de hospital. Mantém-se de forma monocórdica no noticiário dos telejornais, mas boletins médicos não ganham eleição, ainda mais agora, que passaram de dois para um por dia. Bolsonaro continua vivíssimo nas redes sociais, graças a pequenos comentários e fotos tiradas no hospital, mas o seu vice não ajuda. O general Hamilton Mourão se pronuncia nas palestras como quem dá instrução à tropa, situação na qual não existe contestação. Quando fala alguma bobagem, como a declaração sobre as mães e as avós que cuidam das respectivas famílias sem os maridos, os adversários deitam e rolam. Bolsonaro tem seu próprio passivo para administrar. Seu maior problema é a rejeição, que está em 42%, muito alta para quem quer ganhar a eleição, ainda mais no primeiro turno.

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Luiz Carlos Azedo: A fraude e o golpe

“Com as urnas eletrônicas, ninguém até hoje comprovou fraudes em resultados eleitorais cujos votos são apurados no mesmo dia da votação, em todo o território nacional”

Se tem uma coisa pela qual o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, deveria agradecer é a existência de urnas eletrônicas. Essa é a maior garantia de que poderá vir a assumir a Presidência da República se essa for a vontade da maioria dos eleitores. Graças a elas, a eleição nos mapas de apuração das seções eleitorais controladas por oligarquias políticas, que era mais comum do que se imagina, inclusive durante o regime militar, acabou definitivamente. E o Brasil se tornou a democracia de massas com o sistema eleitoral mais eficiente que se conhece no mundo. Critica-se o Congresso, os partidos, o voto proporcional, o abuso do poder econômico, a manipulação midiática, os cambaus. Mas ninguém até hoje comprovou fraudes em resultados eleitorais cujos votos são apurados no mesmo dia da votação, em todo o território nacional, principalmente para o Executivo.

No domingo, o candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, em transmissão ao vivo pelo Facebook, disse que as eleições 2018 podem resultar em uma “fraude” por causa da ausência do voto impresso. Questionou o Supremo Tribunal Federal (STF), que em junho deste ano, por oito a dois, derrubou a adoção do voto impresso nas próximas eleições, que havia sido aprovado na minirreforma eleitoral de 2015, pelo Congresso Nacional. Ontem, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, defendeu a confiabilidade das urnas eletrônicas: “Temos 22 anos de utilização de urnas eletrônicas. Não há nenhum caso de fraude comprovado. As pessoas são livres para expressar a própria opinião, mas quando essa opinião é desconectada da realidade, nós temos que buscar os dados da realidade. Para mim, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, as urnas são absolutamente confiáveis.”

Rosa Weber lembrou que, em 2014, foi feita uma auditoria requerida pelo PSDB, que não identificou nenhuma irregularidade. “Nós abrimos para possibilidade de auditagem de maneira geral (…) Nas últimas eleições presidenciais houve uma desconfiança, o partido que no caso não saiu vencedor, expressou, requereu e o TSE abriu todos os dados e depois de um ano se constatou que de fato não havia nada”, garante. O questionamento feito pelos tucanos serviu para demonstrar duas coisas: primeiro, que não houve fraude na reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff; segundo, que as urnas eletrônicas são auditáveis, ou seja, é possível conferir se o resultado divulgado corresponde à votação.

A coversa de Bolsonaro lembra a trajetória de levantes militares e tentativas de impedir a posse de presidentes eleitos que marcaram a história do Brasil no século passado. A maior virada de mesa foi na Revolução de 1930. A chamada política café com leite, pela qual mineiros e paulistas se revezavam no poder, foi rompida nas eleições de 1930 pelo presidente Washington Luiz, que indicou o governador de São Paulo, Júlio Prestes, como candidato à Presidência. Líderes do partido Republicano Mineiro se uniram ao Partido Republicano e ao Partido Libertador do Rio Grande do Sul, ao Partido Democrático de São Paulo e ao Partido Republicano da Paraíba para criarem a Aliança Liberal, que lançou a candidatura de Getúlio Vargas, o então governador gaúcho.

Radicalismo
Júlio Prestes venceu as eleições com quase 1 milhão de votos contra 737 mil de Getúlio. Entretanto, em 26 de julho, antes da posse do presidente eleito, o governador da Paraíba, João Pessoa, candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio, foi assassinado no Recife. Embora o crime tenha sido passional e não político, ao contrário da narrativa difundida na época, esse foi o estopim para a Revolução de 1930. Getúlio ficou 15 anos no poder, graças ao “autogolpe” de 1937, quando implantou o Estado Novo e uma nova Constituição de inspiração fascista, conhecida como “Polaca”.

Atualmente, vivemos o maior período de estabilidade política da história republicana, apesar dos impeachments de Collor de Mello, em 1992, e de Dilma Rousseff, em 2016. Nesse aspecto, a narrativa do golpe que embala a campanha do PT é das mais nefastas, porque fragiliza as instituições democráticas e abre espaço, aí assim, para um golpe de Estado de verdade.

O que está acontecendo nas eleições brasileiras, no momento, é uma radicalização do processo político direita versus esquerda, protagonizada pelo candidato do PSL, Jair Bolsonaro, e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que da cadeia conseguiu catapultar seu substituto, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, para o segundo lugar nas pesquisas de intenções de voto. Se não houver mudança de cenário nas próximas semanas, os dois disputarão o segundo turno no dia 28 de outubro. As declarações de Bolsonaro, ao aventar a possibilidade de fraude nas eleições, têm duas possibilidades: a primeira, é aprofundar a polarização política na esperança de decidir a eleição no primeiro turno, forçando uma espécie de “voto útil” antipetista, ou seja, uma típica jogada eleitoral; a segunda é mais grave, seria a construção de uma narrativa para impedir a posse do seu adversário, caso perca a eleição no eventual segundo turno, em razão do seu isolamento político, mesmo sendo o mais votado no primeiro.

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Luiz Carlos Azedo: A violência das paixões

“A crise da democracia representativa e dos partidos políticos tradicionais não se restringe ao fracasso de suas elites políticas. É também uma crise dos valores liberais nas sociedades democráticas”

Com base na trilogia de Alexei Tolstoi, escritor do chamado “realismo socialista”, a série O Caminho dos Tormentos, da Netflix, narra a saga de duas irmãs aristocratas, um oficial do Exército russo e um engenheiro que se torna oficial do Exército Vermelho. Com locações e figurinos irretocáveis, a produção russa de 2017 mostra os horrores da guerra civil na Rússia (1917 a 1924), em meio ao ódio de classe, às paixões ideológicas e toda sorte de oportunismo e sectarismo políticos. Da derrocada da autocracia russa à consolidação dos bolcheviques no poder, houve um banho de sangue trágico, que esfacelou famílias e destruiu amizades.

Talvez essa história fosse diferente se uma carnificina ainda maior não tivesse ocorrido: a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), na qual a Rússia se engajou ao lado da Sérvia, da França e da Inglaterra, a chamada Tríplice Entente, contra a Alemanha, Itália e Império Austro-Húngaro, que formavam a Tríplice Aliança. Houve uma estupidez política sem tamanho de toda a elite europeia, encerrada no que a historiadora Barbara Tuchman, em seu livro, chamou de “Torre do Orgulho”. O mundo vivia a euforia da chamada Belle Époque (Bela Época), um período de grande progresso econômico e tecnológico; ao mesmo tempo, a exaustão do colonialismo e fortes tensões políticas e sociais.

O revanchismo latente na França e na Alemanha por causa da região da Alsácia-Lorena, que os franceses haviam perdido para os alemães na Guerra Franco-Prussiana, precisou apenas de um estopim para degenerar em gigantesca carnificina: o assassinato de Francisco Ferdinando, príncipe do império austro-húngaro, enquanto fazia uma visita a Sarajevo, região da Bósnia-Herzegovina, por um jovem terrorista sérvio. Insatisfeito com as atitudes tomadas pelo governo contra o criminoso, o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia em 28 de julho de 1914. Ao fim do conflito, o saldo de mortos chegou a 10 milhões. A Alemanha acabou derrotada e perdeu não somente a Alsácia-Lorena, como todas as suas colônias, no Tratado de Versalhes, e ainda teve que pagar pesadas indenizações de guerra.

Em 1914, a Alemanha era governada pelo poderoso Partido Social-Democrata Alemão, que aprovou os créditos de guerra, o que provocou um tremendo racha na chamada II Internacional, que reunia a esquerda europeia. O Partido Trabalhista britânico e o Partido Socialista francês, ambos marxistas, seguiram o mesmo caminho e aderiram à guerra. O Partido Socialista Operário Russo (bolchevique), sob a liderança do revolucionário russo Vladimir Lênin, um dos personagens secundários da série russa, porém, seguiu outro caminho: defender a paz, fazer uma insurreição com apoio dos soldados insatisfeitos e tomar o poder. Tudo o que ocorreu depois na política foi consequência da 1ª Guerra Mundial, a começar pela radicalização política que levou ao poder Mussolini, na Itália, e Hitler, na Alemanha, os dois grandes derrotados no conflito.

Ambos foram derrotados na Segunda Guerra Mundial, mas a divisão entre comunistas e social-democratas se manteve na Europa por causa da “guerra fria”. Com a dissolução da União Soviética e o colapso do chamado “socialismo real” no Leste Europeu, essa divisão perdeu completamente o significado histórico. O mesmo processo de globalização e revolução tecnológica que levou à derrota o comunismo europeu, levou de roldão o Estado de bem-estar social na Europa ocidental. A grande obra social-democrata do pós-guerra entrou em colapso. O Ocidente passou a viver a hegemonia do pensamento liberal.

A melhor saída
Vivemos um período de paz maior do que os anos da Belle Époque (1871-1914), apesar dos conflitos localizados e do terrorismo religioso na Eurásia e na África. A globalização e a revolução tecnológica, porém, com o esgotamento do Estado de bem-estar social, engendraram um agravamento das desigualdades e desequilíbrios regionais, principalmente na relação Norte-Sul. Essa é a raiz da crise humanitária e da emergência de movimentos racistas, xenófobos e fascistas na Europa. E também do fortalecimento de tendências autoritárias em regimes democráticos como respostas a essas contradições, como acontece na Venezuela, no Egito, na Turquia, nas Filipinas, em Israel, na Rússia e até nos Estados Unidos, que reage à expansão da China comunista, um misto de capitalismo de Estado e ditadura.

A crise da democracia representativa e dos partidos políticos tradicionais no Ocidente não se restringe ao fracasso de suas elites políticas. É também uma crise dos valores liberais — igualdade, fraternidade e liberdade — nas sociedades democráticas, contraditória com a exacerbação da liberdade individual. O processo de radicalização política em curso nas eleições brasileiras não está fora desse contexto, muito pelo contrário. Suas raízes ideológicas e políticas, historicamente, estão datadas, vêm lá da 1ª Guerra Mundial: a busca de soluções para os problemas econômicos e sociais do desenvolvimento por uma via “prussiana” ou “jacobina” é uma tentação, como se a tomada do poder fosse a solução para tudo. O mundo mudou, está cada vez mais veloz e integrado. As velhas fórmulas não dão conta da realidade de uma sociedade “líquida”. Mesmo assim, a democracia ainda é a melhor saída para as crises.

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Luiz Carlos Azedo: O grande déjà vu

 “As mudanças no mundo colocaram em xeque a democracia representativa e os programas socialdemocrata e liberal, o que alimenta projetos autoritário e/ou populista de volta ao passado”

A três semanas das eleições, começam a se definir as alternativas reais de poder à esquerda e à direita na disputa pela Presidência da República, num processo de polarização e radicalização política que parece irreversível. A única possibilidade de barrá-lo seria o reagrupamento dos eleitores de centro em torno de uma candidatura mais robusta, o que parece cada vez mais difícil, em razão do esgarçamento político provocado pela disputa acirrada entre os candidatos que disputam essa fatia do eleitorado.

Na pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira, estava delineado este cenário: mesmo fora da campanha, hospitalizado, Jair Bolsonaro (PSL) atingiu 26% das intenções de voto, uma variação positiva de dois pontos, fruto da inércia de sua atuação nas redes sociais e, obviamente, do atentado à faca do qual foi vítima; o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), no vácuo do prestígio eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso, cresceu mais três pontos, confirmando o êxito da audaciosa estratégia petista, chegando ao mesmo patamar de Ciro Gomes (PDT), ambos com 13% dos votos.

Além de Ciro Gomes, tentam chegar ao segundo turno Geraldo Alckmin (PSDB), que oscilou de 10% para 9%; e Marina, que caiu de 11% para 8%, ou seja, a metade das intenções de voto que tinha em agosto (16%). João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB) e Álvaro Dias (Podemos), todos com 3%, completam a fragmentação do eleitorado de centro. Esses candidatos somam 23% dos votos, ou seja, o suficiente para levar um nome de centro ao segundo turno. Se adicionarmos os 13% de Ciro, teríamos uma fatia de 36% dos eleitores que rejeitam Bolsonaro e Haddad, ou seja, um candidato a um passo da vitória, como aliás mostram as simulações, até com folga. O esgarçamento das relações políticas entre esses candidatos, porém, dificulta a convergência de seus eleitores em direção ao centro no primeiro turno; é mais fácil os eleitores se dividirem em dois blocos e embarcarem na nefasta radicalização esquerda versus direita, no segundo turno.

Bolsonaro e Haddad protagonizam um grande déjà vu (eu já vi), expressão francesa que descreve a reação psicológica da transmissão de ideias de que já se esteve em algum lugar ou viu alguma pessoa. Isso não significa necessariamente que se tenha vivido a experiência. Segundo a neurociência, o cérebro possui a memória imediata, responsável, por exemplo, pela capacidade de repetir imediatamente um número de telefone e logo esquecê-lo; a memória de curto prazo, que dura algumas horas ou dias, mas pode ser consolidada; e a memória de longo prazo, que dura meses ou até anos, como a aprendizagem de uma língua. O déjà vu ocorre quando há uma falha cerebral: os fatos que estão acontecendo são armazenados diretamente na memória de longo ou médio prazo, sem passar pela memória imediata, o que nos dá a sensação de já haverem ocorrido.

Memória regressiva
Na eleição, politicamente, essa sensação é alimentada pela narrativa dos candidatos Bolsonaro e Haddad. O primeiro resgata a memória do regime militar, que somente os eleitores com mais de 50 anos efetivamente vivenciaram. Declarações recentes do vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, agravam essa sensação, porque ele defende um “autogolpe”, caso Bolsonaro assuma a Presidência e parece ter a fórmula pronta para isso: uma Constituição feita por notáveis, ou seja, outorgada, como as de 1824, de D. Pedro I; e a de 1937, do Estado Novo, da ditadura de Getúlio Vargas. Não vamos nem relembrar os atos institucionais do regime militar.

As declarações de Haddad também fomentam essa sensação, pois ele pretende fazer a roda da história andar para trás e recomeçar tudo outra vez, a partir do governo Lula, o que é no mínimo uma grande desonestidade intelectual. Promete altas taxas de crescimento e de geração de emprego, ao mesmo tempo em que pretende revogar o teto de gastos, a reforma trabalhista e não mexer na Previdência. Para isso, propõe varrer para debaixo do tapete os escândalos do “mensalão” e da Petrobras. E culpa o PSDB pelo fracasso do governo Dilma Rousseff, como se a disparada dos preços, o desemprego de 11 milhões de trabalhadores e a recessão de 4% de queda do Produto Interno Bruto não fossem responsabilidade de quem exercia o poder.

Da mesma forma, porém, as forças políticas de centro não podem responsabilizar Bolsonaro e Haddad pela situação em que se encontram, em particular o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que até agora não demonstrou capacidade de representar a grande massa de eleitores que não desejam a radicalização política. Os escândalos desnudados pela Operação Lava-Jato atingiram também o PSDB, que se tornou uma legenda tóxica como o PT, mas sem a militância e um líder carismático como Lula. Além disso, há que se considerar o fato de que as mudanças em curso no mundo colocaram em xeque os fundamentos da democracia representativa e os programas socialdemocrata e liberal. Essa fragilidade programática, de certa forma, dificulta a ampla aliança de forças de centro e alimenta a sensação de volta ao passado, o déjà vu nacional-desenvolvimentista, autoritário e populista, proposto por Bolsonaro e Haddad.

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Luiz Carlos Azedo: O estelionato eleitoral

“Quem vencer as eleições estará contingenciado pela dura realidade fiscal. Se não levá-la em conta, jogará o país numa nova recessão”

Enquanto avança a disputa entre os candidatos a presidente da República, o fosso entre as expectativas criadas junto aos eleitores e as possibilidades efetivas de atendê-las se aprofunda. Surgem soluções mágicas para o desemprego, o endividamento das famílias, a violência e a ineficiência dos serviços públicos na educação e na saúde, mas muito pouco se fala sobre os cinco anos de deficit fiscal e o ajuste a ser feito, necessariamente, por quem ganhar a eleição, inclusive a reforma da Previdência que aumente a idade mínima e unifique as aposentadorias de servidores públicos e demais trabalhadores. Ou seja, vem aí mais um estelionato eleitoral.

O reflexo imediato das incertezas quanto à crise de financiamento do Estado brasileiro é a alta do dólar, que alcançou o maior valor da história do real: ontem, fechou negociado a R$ 4,19. A corrida pela moeda norte-americana é influenciada pelo cenário internacional desfavorável aos países emergentes. A guerra comercial e a alta dos juros protagonizada pelos Estados Unidos fazem a festa para os especuladores. E as promessas mirabolantes dos candidatos para seduzir os eleitores não ajudam a acalmar o mercado. Quem vencer as eleições estará contingenciado pela dura realidade fiscal. Se não levá-la em conta, jogará o país numa espiral de inflação alta e nova recessão. A maior prova disso é a lenta recuperação da atividade econômica no governo Temer, que está associada diretamente ao deficit fiscal. O atual governo conseguiu controlar a inflação e sair da recessão, mas não obteve taxas de crescimento capazes de resolver o problema do desemprego. O deficit fiscal de R$ 159 bilhões previsto para este ano barra o crescimento.

Vejamos, por exemplo, as promessas de campanha do candidato do PT, Fernando Haddad, que anuncia um cenário de bonança. O petista promete retomar o fio da história a partir do governo Lula, que registrou crescimento de 7,5% em 2010. Isso somente foi possível porque a economia estava anabolizada pela superoferta de crédito, pelas isenções fiscais e pelos subsídios das tarifas de energia e combustível. A tentativa de manter essa rota foi chamada de “nova matriz econômica” e levou o país ao colapso no governo Dilma Rousseff. Além disso, as condições favoráveis àquele regime de pleno emprego deixaram de existir: a forte expansão da economia mundial foi interrompida com a crise do mercado financeiro de 2008, o superavit fiscal herdado do governo de Fernando Henrique Cardoso foi canibalizado, e o bônus demográfico, que aumentou a renda média das famílias com a redução do número de dependentes, foi abduzido pela crise da seguridade social.

Haddad anunciou, ontem, a proposta de zerar as dívidas dos consumidores, macaqueando a proposta do candidato do PDT, Ciro Gomes, que prometeu limpar o nome de todos os endividados no SPC. Promete a retomada da “nova matriz econômica” do programa do PT. Ao mesmo tempo, sinaliza para o mercado que pretende convidar para o Ministério da Fazenda o economista Marcos Lisboa, um dos críticos da política de Dilma Rousseff, que fez parte da equipe do ministro Antonio Palocci no começo do governo Lula. Haddad faz campanha como se fosse sósia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, nos bastidores, manda recado para o mercado financeiro de que pretende adotar a tática do violino: segurar o governo com a esquerda para tocar a política econômica com a direita.

Teto de gastos
Presidente do Insper, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia, Marcos Lisboa foi professor da Universidade de Stanford e diretor-executivo e vice-presidente do Itaú-Unibanco de 2006 a 2013. Fez duras críticas ao governo Dilma em 2015: “A causa imediata da grave crise é o desequilíbrio fiscal e a tendência de aumento da dívida pública, que significa risco para a sustentabilidade das contas públicas nos próximos anos. As razões desse desequilíbrio não se resumem apenas às escolhas de política econômica dos últimos anos, ainda que essas escolhas o tenham agravado. O gasto público no Brasil apresenta uma tendência de crescimento maior do que o da renda nacional, decorrente de diversas regras legais e da transição demográfica. A população idosa cresce 4% ao ano, enquanto a população em idade ativa cresce apenas 1% ao ano, implicando a necessidade de aumento contínuo da carga tributária para preservar os benefícios previdenciários previstos”.

Para Marcos Lisboa, reverter a trajetória de crescimento do gasto passa pela reforma da Previdência, com adoção de observadas nos países desenvolvidos e a eliminação dos regimes especiais. O economista defende regras de vinculação dos gastos públicos ao aumento da renda nacional e ao aumento da produtividade, o que requer uma extensa agenda de reforma das políticas públicas adotadas no governo Lula e a manutenção da lei do teto de gastos. É difícil acreditar que venha a ser ministro da Fazenda de um eventual governo petista, a não ser que Haddad faça mesmo uma ruptura com as políticas que vem defendendo na campanha eleitoral.

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