Nas entrelinhas

Luiz Carlos Azedo: O barraco no Supremo

“O papel de poder moderador atribuído ao Supremo pela Constituição de 1988 começa a ser solapado pelo desgaste político de decisões intempestivas e polêmicas de seus ministros”

Às vésperas dos recessos legislativo e judiciário e a 11 dias da posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro, duas decisões monocráticas do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello ameaçaram virar o país de pernas para o ar: uma gerou forte reação no Congresso, ao interferir na eleição dos presidentes das duas Casas, acabando com o voto secreto; a outra, revoltou a opinião pública e os integrantes da Operação Lava-Jato, ao revogar as prisões em decorrência de condenações em segunda instância. A liminar abriria as portas dos presídios para 169 mil presos, aproximadamente, entre os quais, condenados por crimes de colarinho branco, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas acabou suspensa pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo.

As decisões de Marco Aurélio desnudaram a fratura que existe no Supremo em relação à Operação Lava-Jato e à execução de penas após a condenação em segunda instância, como é o caso de Lula. Por quatro vezes, nos últimos anos, o Supremo firmou jurisprudência em plenário sobre o tema. Entretanto, houve uma mudança na composição da Corte e o entendimento da nova maioria sobre o chamado “transitado em julgado” é outro. O presidente do Supremo já anunciou que pretende rever essa questão em 2019, mas sinaliza a intenção de encontrar o caminho do meio: uma solução intermediária, que unifique o Supremo, provavelmente restringindo o alcance da aplicação das penas de prisão após condenação em segunda instância.

Ontem, porém, Toffoli foi atropelado por Marco Aurélio, com sua decisão monocrática. O ministro alegou que tentou pautar o tema no plenário do STF durante todo o ano, mas o tribunal não colocou a ação em julgamento. “Achei que não podia encerrar o ano no Judiciário sem tomar uma decisão sobre o assunto”, disse. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu contra a decisão e o presidente do Supremo suspendeu a liminar, antes que o caso virasse uma crise mais grave. Advogados dos presos da Lava-Jato já estavam peticionando a soltura de seus clientes.

Foi uma espécie de batalha de Itararé, mas quem saiu mais desgastado do processo foi o Supremo, onde cada ministro se acha no direito de fazer o que quer e bem entende em termos de interpretação da Constituição. Não há um consenso básico do tribunal sobre temas que exigem um posicionamento claro e unificado de seus integrantes pela repercussão que têm na opinião pública e no processo político. Toffoli tem manifestado a intenção de conciliar as partes no tribunal e preservar o papel de poder moderador atribuído ao Supremo pela Constituição de 1988, mas que começa a ser solapado pelo desgaste político de decisões intempestivas e polêmicas de seus ministros.

Congresso
A outra decisão polêmica de Marco Aurélio foi a interferência na eleição da Mesa do Senado, determinando que seja com base no voto aberto, quando o regimento interno da Casa determina que seja secreto. Houve reação dos presidentes do Senado, Eunício de Oliveira, que não se reelegeu, e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que ontem exercia interinamente a Presidência da República. Nesse caso, a Procuradoria-Geral da República não recorreu, mas o Senado recorrerá. A eleição para presidente da Casa, bem como dos demais cargos diretivos, está prevista para ocorrer no início de fevereiro de 2019, quando o Congresso retomar as atividades.

Marco Aurélio Mello atendeu a pedido feito pelo senador Lasier Martins (PSD-RS), que pleiteou a eleição em votação aberta, com o argumento de que a transparência é exigência para o Poder Público. “Prevalece, como direito inalienável dos cidadãos, a submissão dos atos de exercício de poder, tanto do Executivo como do Judiciário e do Legislativo, à luz meridiana, dogma do regime constitucional democrático. Constitui fator de legitimação das decisões governamentais, indissociável da diretriz que consagra a prática republicana do poder, o permanente exercício da transparência”, disse o ministro.

A decisão tem tudo a ver com a disputa pela Mesa do Senado, na qual é favorito o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que já presidiu aquela Casa por quatro vezes. O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), recém-eleito, se movimentava para construir uma alternativa, mas, desde a descoberta da “caixinha” que havia em seu gabinete da Assembleia Legislativa fluminense, teve que recuar nesse enfrentamento. Marco Aurélio e Renan Calheiros são inimigos figadais.

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Luiz Carlos Azedo: A língua do índio

“O Brasil tem cerca de 600 terras indígenas, que abrigam 227 povos, com um total de aproximadamente 480 mil pessoas. Essas terras representam 13% do território nacional”

Um grito de guerra virou bordão no Centro Cultural da CCBB, onde funciona a equipe de transição do presidente eleito, Jair Bolsonaro: “Selva!” É um cumprimento militar adotado em todas as unidades vinculadas ao Comando Militar da Amazônia (CMA), espalhadas em 62 localidades e envolvendo seis estados e partes do Maranhão e do Tocantins. A saudação simboliza a integração entre oficiais e a tropa formada por caboclos, mamelucos e índios.

Um vídeo produzido pelo próprio Exército brasileiro, nos confins da Amazônia, ilustra a mística: mostra meia dúzia de soldados-índios de diversas etnias se apresentando em sua língua nativa, mas fazendo a saudação em português que virou bom dia e boa noite também no Palácio do Planalto, entre funcionários do governo que fazem parte da mobília do poder e aguardam os novos chefes. A origem da saudação é a Oração do Guerreiro da Serva, de autoria do tenente-coronel Humberto Leal, que vive em Petrópolis, a Cidade Imperial. “Dai-nos hoje da floresta:/A sobriedade para persistir;/A paciência para emboscar;/A perseverança para sobreviver;/A astúcia para dissimular;/A fé para resistir e vencer. /E dai-nos também, Senhor, /A esperança e a certeza do retorno”, diz o principal trecho da oração, que resume o treinamento dos batalhões especiais de selva.

Em São Gabriel da Cachoeira (AM) ou no 5º Pelotão de Fronteira de Maturacá, aos pés do Pico da Neblina, na divisa com a Venezuela e a Colômbia, os soldados índios das etnias tucano, inhangatú, aruac e yanomami são maioria na tropa. Entretanto, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, quando Comandante Militar da Amazônia, notabilizou-se pela crítica à política indigenista tradicional e anteviu a possibilidade de conflitos na região, por causa da Venezuela e da Guiana, entre outros pontos da fronteira. Esse é o xis da polêmica sobre a demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol, uma das maiores terras indígenas do país, com 1.743.089 hectares e 1.000 quilômetros de perímetro. O nióbio é só um pretexto. Mais da metade da área é constituída por vegetação de cerrado, lá chamado de “lavrado”, e uma região montanhosa cujo topo é monte Roraima, marco da tríplice fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela. É impossível, porém, guarnecer a região sem o apoio dos índios.

Recentemente, o Departamento de Estado norte-americano pressionou o governo brasileiro para que mandasse tropas para Guiana, temendo uma invasão venezuelana do país vizinho, o que foi rechaçado pelo governo Temer. Nesse aspecto, o futuro ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional tem razão: a política do governo Bolsonaro vai aumentar a tensão na fronteira com os venezuelanos. A dúvida é se mandaremos nossos soldados-índios para Guiana.

Inganhatú

O Brasil tem atualmente cerca de 600 terras indígenas, que abrigam 227 povos, com um total de aproximadamente 480 mil pessoas. Essas terras representam 13% do território nacional, ou 109,6 milhões de hectares. A maior parte — 108 milhões de hectares — está na chamada Amazônia Legal, que abrange os estados de Tocantins, Mato Grosso, Maranhão, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Acre e Amazonas. Quase 27% do território amazônico hoje é ocupado por terras indígenas, sendo que 46,37% de Roraima correspondem a essas áreas. Isso se tornou o grande pomo da discórdia por causa do choque com arrozeiros, pecuaristas, madeireiros e garimpeiros que atuam ilegalmente nas reservas.

Esse choque agora tende a se acentuar, porque o responsável nomeado para responder pelo licenciamento ambiental e as políticas de reforma agrária é o atual presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Nabhan Garcia. Ele vai assumir funções que hoje cabem à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Fundação Palmares, que serão esvaziadas. Sai de baixo. É bom lembrar que as tribos indígenas de hoje são as que resistiram à escravidão e ao extermínio.

» Vídeo de soldados índios: https://www.youtube.com/watch?v=XiimXLxJL-w

E a língua do índio? A música Tu Tu Tu Tu Tu Tupi, de Hélio Ziskind, virou roteiro de um vídeo que faz muito sucesso nas redes sociais. Diz a letra: “Todo mundo tem/um pouco de índio/dentro de si/dentro de si/Todo mundo fala/língua de índio/Tupi Guarani/Tupi Guarani/E o velho cacique já dizia/tem coisas que a gente sabe/e não sabe que sabia/e ô e ô/O índio andou pelo Brasil/deu nome pra tudo que ele viu”. Deu mesmo: jabuticaba, caju, maracujá, pipoca, mandioca, abacaxi, tamanduá, urubu, jaburu, jararaca, jiboia, tatu, arara, tucano, araponga, piranha, perereca, sagui, jabuti, jacaré, Maranhão, Maceió, Macapá, Marajó, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Jundiaí, Morumbi, Curitiba, Parati, Tatuapé (caminho do tatu).

Não é o caso do presidente eleito, Jair Bolsonaro, descendente de italianos e alemães, mas a maioria dos brasileiros tem sangue indígena. Vem daí a simpatia por eles. Mas índio Um dos mitos fundadores do Exército Brasileiro é o índio potiguar Antônio Felipe Camarão (poty, na língua tupi). Em Glicério (SP), onde nasceu o presidente eleito, até meados do século 19 falava-se inhangatú, a língua geral paulista disseminada pelos bandeirantes pelo país afora. Cerca de 73,31% dos 29,9 mil habitantes de São Gabriel da Cachoeira, na Cabeça do Cachorro, onde as Forças Armadas mantêm várias unidades, falam o tucano, o baníua e, principalmente, o nheengatu ( a língua geral da Amazônia, também de origem tupi), que mantém o caráter de língua de comunicação entre índios e não-índios, ou entre índios de diferentes etnias , como os barés, os arapaços, os baniuas, os werekena.

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Luiz Carlos Azedo: Duas éticas

“Na rotina da administração pública, a vontade política do governante não basta, é preciso ter legitimidade nas ações”

Todo governo recém-eleito pode muito, inclusive em relação aos Congresso e ao Supremo, mas não pode tudo. É uma espécie de beabá da relação entre os Poderes e com a sociedade, mas isso não significa que tudo será como antes no quartel de Abranches, como alguns imaginam. Estamos diante de um governo visceralmente diferente de todos os que passaram pela Esplanada dos Ministérios, inclusive o do ex-presidente Fernando Color de Mello, cuja eleição é a que mais se aproxima da de Jair Bolsonaro do ponto de vista eleitoral, com a diferença de que a eleição do primeiro foi solteira e não desarticulou o sistema partidário que depois o apeou do poder.

A eleição de Collor foi beneficiada pela “cristianização” da candidatura de Ulysses Guimarães. Não se pode dizer exatamente o mesmo do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que era um estranho no ninho peemedebista. Mas a adesão de forças políticas por gravidade no segundo turno foi igualzinha. Outra semelhança é a ausência de uma base parlamentar articulada em termos de coalizão partidária. Na política externa, Collor foi multilateralista, enquanto Bolsonaro é “trumpista”; na política econômica, o ex-presidente transformou seu projeto liberal num estelionato eleitoral, por causa do confisco da poupança, enquanto Bolsonaro promete fazer ajuste fiscal de arrombar, para viabilizar seu programa ultraliberal.

O senso comum aponta para um governo conservador na política e nos costumes, assumidamente de direita do ponto de vista ideológico. Essa é a cara do governo nas redes sociais, escolhidas como terreno mais favorável para o embate com as forças derrotadas na eleição. O novo modelo de comunicação do governo reproduz a estratégia vitoriosa da campanha eleitoral, mas será que vai funcionar? Bolsonaro (PSL) anunciou, por exemplo, que realizará uma live semanal no Facebook para comunicar as ações de governo, repercutindo-a no Twitter. Esse é o padrão do presidente norte-americano Donald Trump. Há um certo desconhecimento de que a comunicação do governo é institucional e dela depende a interação com a sociedade no dia a dia.

Segundo Bolsonaro, “o poder popular não precisa mais de intermediação” e graças a isso manterá uma comunicação direta com os eleitores. Embute a ideia de uma democracia plebiscitária, que não respeita a oposição nem as minorias; com sinal trocado, é o mesmo equívoco de setores de esquerda que defendem a democracia direta, ou seja, a substituição da democracia representativa, a subalternização dos demais poderes constituídos da República, principalmente o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o analista político Murilo Aragão, esse modelo pode funcionar muito bem enquanto o governo goza de grande popularidade, mas tende a gerar tensões com os grandes meios de comunicação e o sistema político tradicional.

Orçamento
“A exploração das redes, assim como certas ações de Bolsonaro, como conceder uma de suas primeiras coletivas de imprensa, após ter vencido a eleição presidencial, em cima de uma prancha de surfe, ou aparecer na semana passada vestindo camisa Nike, ou realizar flexões e praticar tiro em visita à sede do Bope, ajudam a manter a imagem de “mito” e de político “antissistema”, avalia Aragão. Na rotina da administração pública, porém, a vontade política do governante não basta, é preciso ter legitimidade nas ações. Ou seja, é absolutamente necessária uma justa relação entre a chamada ética das convicções, que move os políticos, e a ética da responsabilidade, que pauta a alta burocracia, tensão clássica da democracia. Nesse aspecto, há contradições instaladas no governo que podem ser determinantes para sua imagem futura

Talvez o epicentro dessa contradição já esteja instalado no Itamaraty, onde o novo chanceler Ernesto Araújo surpreende os colegas a cada dia. Toda uma geração de embaixadores está aterrorizada com a possibilidade de deixar os postos e amargar um fim de carreira no ostracismo. Mas essa tensão também ocorre no superministério criado para o ex-juiz federal Sérgio Moro, escalado para combater a corrupção na administração pública e enfrentar o problema do crime organizado. A primeira tarefa do novo ministro da Justiça tem maior caminho andado, por causa da Operação Lava-Jato; a segunda é o grande problema, como está patente no caso do Rio de Janeiro, onde o novo governador Wilson Witzel cedeu às corporações e deu status de secretários ao Chefe da Polícia Civil e ao Comandante da Polícia Militar, jogando por terra o trabalho feito pelos generais interventores para reorganizar o sistema de segurança fluminense.

O maior desafio do governo Bolsonaro, porém, é a gestão da economia. O Orçamento da União de 2019, estimado em R$ 3,381 trilhões, com previsão de crescimento de 2,5% do PIB e com inflação da ordem de 4,25%, engessa o novo governo. O salário-mínimo será reajustado em 5,45%, chegando a R$ 1.006 em 1º de janeiro. Já a taxa básica de juros (Selic) deve fechar 2019 em 8% ao ano e o dólar, em R$ 3,66, de acordo com a estimativa. A previsão de deficit para as contas públicas foi mantida em R$ 139 bilhões, mesmo patamar de 2018, incluído o reajuste de 209 mil servidores civis ativos e 163 mil inativos em 2019. Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, para mexer nisso aí, tem que aprovar a reforma da Previdência a toque de caixa. É aí que entra a política e a necessidade de cortar na própria carne para dar bom exemplo.

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Luiz Carlos Azedo: A tropa de assalto

“A velha política é muito resiliente, a montagem do novo governo começa a mostrar padrões tradicionais”

Ao emergir do chamado baixo clero da Câmara e chegar ao poder, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, confirmou a tese de que a Presidência da República não é apenas um querer, é destino. Fez uma campanha eleitoral disruptiva e antissistêmica, que derrotou os maiores partidos do país, falando o que maioria dos eleitores queria ouvir. A desmoralização dos políticos pela Operação Lava-Jato e uma facada na barriga que quase o matou, entre outros fatores que estão no terreno da fortuna, não lhe tiram o mérito de político sagaz, que soube agarrar a oportunidade com as duas mãos. Isso é o que Maquiavel chamou de virtù.

O “mito”, porém, está diante da uma realidade inescapável: governar é uma atividade essencialmente política, na qual a fortuna e a virtù se correlacionam; quando mudam as circunstâncias, certos atributos positivos viram negativos. Além disso, a velha política é muito resiliente, contraria a retórica dos que acham que tudo mudará na marra. Não é por outra razão que a montagem do novo governo começa a mostrar padrões tradicionais, entre os quais, o de que a tropa de assalto não serve para a ocupação.

O primeiro a ficar de fora do governo foi o senador capixaba Magno Malta (PRB-ES), que recusou o convite para ser vice de Bolsonaro, mas foi um baluarte de sua campanha. Perdeu a reeleição no Espírito Santo e esperava ter uma vaga na equipe ministerial. Acabou surpreendido pela indicação da pastora Damares Alves, sua ex-assessora parlamentar, para a pasta de Direitos Humanos, Família e Direitos da Mulher. Magno não foi sequer consultado, a advogada teve apoio da bancada evangélica e da ala de mulheres bolsonaristas da Câmara.

Outro comandante da tropa de assalto corre risco de não tomar posse. É Onyx Lorenzoni, o coordenador da equipe de transição e futuro ministro da Casa Civil, que começou a ser fritado pelos militares do governo e pelo próprio Bolsonaro, cujos comentários podem ser interpretados como uma sugestão para o auxiliar cair fora. Na quarta-feira, o presidente eleito disse que vai “usar a caneta” se houver “denúncia robusta” contra o futuro ministro da Casa Civil. Na sexta, Onyx perdeu a cabeça e abandonou uma coletiva. O ministro é alvo de denúncias de executivos da J&F de que teria recebido um repasse de R$ 100 mil por meio de caixa dois em 2012. O fato está sendo apurado pela Procuradoria-Geral da República por determinação do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).

Onyx já assumiu o caso e pediu desculpas, mas não deu informações sobre suposto recebimento de outros R$ 100 mil. Conforme os delatores da J&F, o repasse foi feito em 30 de agosto de 2012 em dinheiro vivo. É, por isso, que o futuro ministro está na frigideira. O chefe de cozinha é o vice-presidente Hamilton Mourão: “Uma vez que seja comprovado que houve a ilicitude, é óbvio que o ministro Onyx terá de se retirar do governo, mas, por enquanto, é uma investigação e ele prossegue aí com as tarefas dele. Nada mais do que isso”, disse o general ferrabrás, ao comentar o mesmo assunto.

Em família

Nada é mais constrangedor, porém, do que o caso de Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito pelo PSL Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente eleito. Ele foi exonerado do gabinete do deputado em 15 de outubro deste ano. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, apontou movimentações bancárias suspeitas na conta de Queiroz de mais de R$ 1,2 milhão, entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2017. O relatório faz parte da Operação Furna da Onça, que prendeu 10 deputados estaduais no Rio e investiga 75 servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Fabrício Queiroz era motorista de Flávio Bolsonaro e ganhava R$ 23 mil mensais. Uma das operações era um depósito de R$ 24 mil na conta da futura primeira-dama, Michelle de Paula Bolsonaro, supostamente em pagamento de um empréstimo. “Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil”, afirmou Jair Bolsonaro, em defesa da mulher. Segundo o presidente eleito, foram 10 cheques de R$ 4 mil.

Outra parte do relatório do Coaf revela saques em espécie no total de R$ 324.774, e R$ 41.930 em cheques compensados. Além disso, o Coaf identificou um grande volume de depósitos e saques inferiores a R$ 10 mil, o que, segundo o relatório, seria para dificultar a identificação da origem e do destino do dinheiro. Nathalia Melo de Queiroz, 29 anos, foi funcionária de Flávio Bolsonaro entre 2007 e 2016; depois, foi nomeada para o cargo de secretária parlamentar de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Recebeu do pai R$ 84 mil. Além de Nathalia, a mulher de Fabrício, Márcia Oliveira de Aguiar, e outra filha dele, Evelyn Melo de Queiroz, trabalharam no gabinete de Flávio. No total, sete assessores fizeram depósitos na conta de Queiroz.

Nathalia foi exonerada do gabinete de Bolsonaro na Câmara dos Deputados em 15 de outubro, mesmo dia em que o pai dela deixou o gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O episódio queima o filme do senador eleito pelo Rio de Janeiro, que chega ao Senado confrontando o ex-presidente da Casa Renan Calheiros (PMDB-AL), velha raposa política, que já empossou três presidentes da República como presidente do Congresso e sobreviveu a todos. Dos filhos de Bolsonaro, Flávio Bolsonaro é o mais experiente e articulado; passa a mão na cabeça do ex-assessor: “Ele me relatou uma história bastante plausível. Garantiu-me que não teria nenhuma ilegalidade nas suas movimentações”. As investigações sobre Queiroz, titular da “caixinha”, mostrarão o que houve.

Em tempo – Vou tirar uma semana de descanso.

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Luiz Carlos Azedo: O lugar dos índios

Além de uma tragédia para os índios, a integração da Funai ao Ministério da Agricultura seria um presente de grego para Teresa Cristina, desviando o foco de sua atuação

O novo governo em formação é uma espécie de “humanograma”, no qual os ministérios que estão sendo extintos são desmembrados e agregados a outras pastas de acordo com o perfil dos novos ministros. Até agora, não há uma reforma administrativa clara, focada na reestruturação do Estado, no enxugamento da área meio e no fortalecimento de atividades-fim. Os critérios ainda são corporativistas ou ideológicos. É o caso da subordinação da Funai ao Ministério da Agricultura, cuja titular é a ministra Teresa Cristina (DEM-MS), anunciada pelo futuro chefe da Casa Civil, Ônix Lorenzoni.

Mais tarde, diante da repercussão negativa, o próprio presidente Jair Bolsonaro disse que a questão não estava ainda decidida e o ministério poderia ir para a pasta da Cidadania, cujo titular ser[a o ministro Osmar Terra. Somente haveria duas explicações para o órgão criado sob a inspiração do Marechal Cândido Rondon não permanecer subordinado ao Ministério da Justiça: a sobrecarga de trabalho do futuro superministro Sérgio Moro ou o fato de a ministra ser de um estado onde há muitos conflitos entre fazendeiros e indígenas.

Desmembrado de Masto Grosso em 1977, pelo então presidente Ernesto Geisel, Mato Grosso do Sul tem 357,1 mil km², com uma população indígena estimada em 74 mil pessoas, das etnias Atikum, Guarani (Ñandeva), Guató, Kadiwéu, Kaiowá, Kamba, Kinikinau, Ofaié e Terena, dentre outras. A maioria vive em pequenas reservas criadas entre 1910 e 1920, como a de Dourados, na qual há uma população multiétnica de aproximadamente 14 mil pessoas em apenas 3.475 hectares. A questão fundiária remonta à colonização da região, intensificada após a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864/1870), com a chegada dos “pioneiros” vindos de diversas regiões do país e do exterior.

Foi graças às alianças com os indígenas da região que Portugal estabeleceu sua hegemonia para além dos limites do Tratado de Tordesilhas, de 1494. Com a Independência, essa aliança se manteve, a ponto de os índios Guató, Kadiwéu e Terena terem um papel decisivo na Guerra do Paraguai, sem o qual o marechal Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, naquela região, não teria organizado uma cavalaria forte o suficiente para enfrentar os paraguaios que ocuparam a região entre 1864 e 1867. Esse apoio valeu a doação de terras na fronteira para os índios, pelo próprio Caxias, quando presidente do Conselho de Ministros do Império, parte das quais, hoje, estão arrendadas pelos próprios índios para produtores de soja.

Além de uma tragédia para os índios, a integração da Funai ao Ministério da Agricultura seria um presente de grego para Teresa Cristina, desviando o foco de sua atuação, ainda mais porque os conflitos com fazendeiros já resultaram em muitas mortes de líderes indígenas, entre as quais, as de Marcos Verona, Kaiowá, 72 anos (Juti, 13/01/2003); Genivaldo Verá, 21 anos, e Rolindo Verá, 23 anos, ambos Guarani (Paranhos, 31/10/2009); Oziel Gabriel, Terena, 35 anos (Sidrolândia, 30/05/2013); Nísio Gomes, Kaiowá, 69 anos (Aral Moreira, 18/11/2011); Marinalva Manoel, Kaiowá, 27 anos (Dourados, 01/11/2014); Simeão Fernandes Vilhalba, Kaiowá, 24 anos (Antônio João, 29/08/2015); Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, Kaiowá, 26 anos (Caarapó, 14/06/2016). Ou seja, quando nada, são crimes como esses que justificariam a permanência do órgão no Ministério da Justiça.

Adeus, Paulo Elisiário!
Faleceu ontem, em Belo Horizonte, o ex-presidente do PPS de Minas Gerais e militante histórico da legenda Paulo Elisiário, em decorrência de complicações de um câncer na próstata, contra o qual lutava havia cerca de cinco anos. Foi vice-presidente do Instituto de Previdência de Minas Gerais (IPSEMG) durante a gestão do ex-governador Antônio Anastasia (PSDB). Com 79 anos, estava internado no Hospital Felício Roxo havia cerca de 30 dias, e o quadro se agravou na última semana. Amigo querido e fiel leitor desta coluna, Paulo Elisiário era um ser humano excepcional, sereno e solidário, de grande sensibilidade política e retidão moral. Deixa viúva Geralda, sua companheira de todas as horas, e os filhos Mariana e Paulo.

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Luiz Carlos Azedo: Aventuras da Lava-Jato

“O indulto de Natal já é jogo jogado. Revela que a maioria no Supremo que pode revogar a jurisprudência das prisões em regime fechado após condenação em segunda instância”

O principal eixo das eleições de 2018 foi a Operação Lava-jato, que sepultou as pretensões de muitos políticos tradicionais e alavancou a vitória do presidente eleito, Jair Bolsonaro, além da eleição de governadores, senadores e deputados que surfaram a onda de ojeriza dos eleitores ao establishment político. A prisão do governador Luiz Fernando Pezão (MDB), na manhã de ontem, no Rio, por determinação do ministro Félix Fischer, a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, é uma demonstração de que a Lava-Jato está revigorada e uma nova ofensiva do Ministério Público Federal está em curso para punir os políticos corruptos.

Aos 63 anos, Pezão foi preso durante a Operação Boca de Lobo, após delação premiada de Carlos Miranda, operador de Cabral, que detalhou o pagamento de mesada de R$ 150 mil para o governador fluminense na época em que ele era vice. Haveria também pagamento de 13º de propina e ainda dois bônus de R$ 1 milhão como prêmio. Raquel Dodge acusou Pezão de ter dado continuidade ao esquema de corrupção que levou à prisão o ex-governador Sérgio Cabral, além de montar um sistema próprio de arrecadação. O vice-governador Francisco Dornelles assumiu o comando da administração estadual e deu uma entrevista na qual disse que a prisão de Pezão foi uma violência.

Os quatro últimos governadores eleitos do Rio de Janeiro já foram presos, mas somente Pezão o foi em pleno exercício do mandato, caso semelhante ao do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda. Sérgio Cabral, Anthony Garotinho e Rosinha Matheus foram presos quando já não eram mais governadores. Dornelles permanecerá no cargo até o fim do ano. O futuro governador Wilson Witzel, que começará sua gestão em 1º de janeiro de 2019, foi eleito na onda de rejeição aos políticos ligados a Cabral, entre os quais o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), que era o favorito na disputa, mas acabou contaminado pelo desgaste dos aliados presos.

Há um verdadeiro pânico no Congresso em relação às investigações ainda em curso, porque muitos políticos que não se elegeram ou ocupam cargos nos governos que estão se encerrando perderão o foro privilegiado. A prisão de Pezão sinaliza que os desdobramentos da Operação Lava-Jato nos estados ainda não se encerraram.

Prisões
É nesse contexto que o julgamento do indulto de Natal de 2017 concedido pelo presidente Michel Temer, em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), passou a ser o centro das atenções em relação à Lava-Jato. A maioria dos ministros, ontem, votou pela manutenção do decreto de indulto, mas um pedido de vista do ministro Luiz Fux, que pleiteou mais tempo para análise do processo, adiou a decisão.

Editado em outubro do ano passado, o decreto estabeleceu que poderia receber o perdão quem cumpriu 1/5 da pena em caso de crimes sem violência ou grave ameaça. Para a Procuradoria-Geral da República, o decreto beneficia presos por crimes de colarinho-branco, como corrupção e peculato. Com a maioria (6 votos a 2) favorável à manutenção do decreto, o ministro Gilmar Mendes propôs a revogação da liminar do ministro Luís Barroso, que sustou o decreto, para permitir a aplicação do indulto.

O presidente do STF, Dias Toffoli, pôs em votação a proposta de revogação da liminar, mas, quando o placar estava 5 a 4 a favor da revogação, o próprio Toffoli pediu vista e suspendeu o julgamento. É que o ministro Ricardo Lewandowski, que votou com a maioria a favor do indulto, estava ausente e, nesse caso, o voto de Toffoli poderia levar a um empate. Votaram pela validação do indulto os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Somente Barroso, ministro-relator, e Fachin votaram pela derrubada de parte do decreto.

Embora não tenha sido formalizada, a decisão sinaliza uma tendência do STF a mitigar os efeitos da Lava-Jato, pois o indulto de Natal de 2018 teria como referência a decisão e, segundo os procuradores, poderia beneficiar mais de 20 condenados de colarinho-branco que cumprem pena em regime fechado.

Entretanto, a decisão do STF sobre o indulto de Natal já é jogo jogado. Revela uma maioria que pode revogar a jurisprudência das prisões em regime fechado após condenação em segunda instância, quando o assunto for posto em pauta novamente. Essa polêmica voltará ao Supremo no próximo dia 4, quando será julgado o pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado no caso do tríplex do Guarujá. Ontem, por decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sediado em Porto Alegre, o ex-ministro Antônio Palocci recebeu o benefício da prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, em razão de sua “delação premiada”, na qual denuncia Lula.

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Luiz Carlos Azedo: Surpresa na área social

“As indicações de Osmar Terra e Álvaro Antônio seguem a lógica da articulação de uma base de governo corporativista no Congresso, porém, reforçam os vínculos com parlamentares do PMDB e do PSL”

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, surpreendeu ao escolher o deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) para a área social de seu governo, quebrando outra vez o compromisso de campanha de não incluir na administração ex-integrantes do atual governo, no qual o parlamentar foi ministro de Desenvolvimento Social. Médico com mestrado em Neurociência, Terra foi prefeito de Santa Rosa (1993-1996) e secretário de Saúde do Rio Grande do Sul. Fez parte do grupo de parlamentares que articulou o impeachment de Dilma Rousseff e, na equipe de Michel Temer, ficou responsável por combater fraudes no programa Bolsa Família e rever pensões por invalidez e auxílios-doença pagos pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).

A pasta da Cidadania era pleiteada pelo senador Magno Malta (PR-ES), líder evangélico, que chegou a ser convidado para ser vice de Bolsonaro, preferiu permanecer no Senado, mas não conseguiu se reeleger. Apoiado pelos parlamentares que atuam na área social, a indicação de Osmar Terra relativiza a influência religiosa na área social do governo Bolsonaro. Um fator decisivo para a indicação foi o programa Criança Feliz, de atenção à primeira infância, no qual assistentes sociais auxiliam as famílias a estimular de maneira correta o desenvolvimento emocional e cognitivo dos filhos. Crianças bem cuidadas e estimuladas na primeira infância, que vai da gestação aos seis anos de idade, com base nos fundamentos da neurociência, chegam à escola com maior capacidade de aprendizado e são menos violentas.

Terra também fez um pente fino no Bolsa Família, que identificou milhares de pessoas com renda superior ao exigido pela legislação para receber o benefício. Na mesma linha, desenvolveu um projeto de saída do programa, chamado Progredir, com capacitação profissional e estimulo ao empreendedorismo. Segundo o futuro ministro, o objetivo do programa é dar condições para que as famílias conquistem autonomia e não precisem mais do complemento de renda. Terra anunciou, porém, que o próximo governo cumprirá a proposta de campanha de Bolsonaro de pagar 13º salário no Bolsa Família. “O presidente pediu isso, e vai ser cumprido. Com esse ajuste que se fez, de saírem aqueles que não precisavam do programa, é mais fácil conseguir o recurso do 13º”, disse.

Mais dois ministros foram anunciados ontem: o deputado Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), o mais votado de Minas, será o futuro titular do Turismo. É ligado à bancada evangélica. Já foi filiado a PRP, MDB, PR e, neste ano, migrou para o PSL, partido de Bolsonaro. O atual secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional, Gustavo Henrique Rigodanzo Canuto, funcionário de carreira do Ministério do Planejamento, foi indicado para a nova pasta do Desenvolvimento Regional. É um técnico sem filiação partidária, que terá sob seu comando as atribuições dos antigos ministérios das Cidades e da Integração Nacional.

As indicações de Osmar Terra e Álvaro Antônio seguem a lógica da articulação de uma base de governo corporativista no Congresso. De qualquer maneira, porém, reforçam os vínculos do atual governo com parlamentares do PMDB e do PSL, que andam insatisfeitos com o tratamento que vêm recebendo de Onyx Lorenzoni, o futuro chefe da Casa Civil.

Não há clima
Bolsonaro confirmou ontem que recomendou ao futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que não fosse realizada no Brasil a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 25, marcada para o próximo ano. Em razão disso, o Itamaraty renunciou à postulação de sediar o encontro, evitando maiores desgastes. A Conferência do Clima da ONU discute mudanças climáticas no mundo e como as nações podem trabalhar para reduzir a emissão dos gases do efeito estufa, que provocam a elevação da temperatura no planeta. Bolsonaro pretende promover uma guinada na política ambiental do país: “Não pode uma política ambiental atrapalhar o desenvolvimento do Brasil. Hoje, a economia está quase dando certo por causa do agronegócio, e eles estão sufocados por questões ambientais”, disse, em entrevista coletiva.

Hoje, Bolsonaro deve se encontrar com o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton, no Rio de Janeiro. O presidente eleito declarou que o Brasil aprofundará “relações com o mundo todo”, mas ressaltou a intenção de estreitar as relações com o presidente norte-americano, Donald Trump: “Coisa rara eleger um presidente da República que não é inimigo dos Estados Unidos, que se chama Jair Bolsonaro”, declarou.

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Luiz Carlos Azedo: Blindagem dos negócios

“Militares passaram a controlar as áreas mais suscetíveis a escândalos de corrupção. São setores que sempre foram muito cobiçados por partidos e lobistas”

Depois da blindagem da equipe econômica, que foi escalada pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, as nomeações recém-anunciadas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, sinalizam uma blindagem para o programa de obras, privatizações e concessões do governo, que deverá ficar a cargo do futuro ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo. A escolha do novo ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que responderá pelas áreas de Transportes, Portos e Aviação Civil, vai na mesma direção.

“Vamos intensificar as parcerias em rodovias, ferrovias e aeroportos, tal qual está sendo feito hoje. Isso vai ser intensificado. A ideia é trazer o setor privado para a área de infraestrutura”, disse o futuro ministro, que dirigiu o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Tarcísio de Freitas já acompanha o leilão dos próximos 12 aeroportos, cujo edital foi aprovado, ontem, pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e da Ferrovia Norte-Sul.

Bolsonaro anunciou que somente iniciará obras quando houver recursos no orçamento para concluí-las, mas pretende dar continuidade àquelas que já foram iniciadas e estão paralisadas: “Não podemos abandonar isso, porque custaria muito caro para nós”, disse. Consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Tarcísio de Freitas é engenheiro civil formado pelo Instituto Militar de Engenharia, com pós-graduação em gerenciamento de projetos e engenharia de transportes. Ex-capitão do Exército, foi chefe da seção técnica da Companhia de Engenharia do Brasil na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti.

Com as novas nomeações, os generais que integram a cúpula do governo passaram a controlar as áreas mais suscetíveis a escândalos de corrupção, por envolverem grandes contratos e concessões com empresas privadas. São setores que sempre foram muito cobiçados por partidos e lobistas, que passarão a ser gerenciados pelos militares. Os interesses envolvidos são os mesmos; entretanto, mudaram os gestores e o ambiente, em razão da Operação Lava-Jato.

Indulto de Natal
O procurador Deltan Dallagnol denunciou, ontem, no Twitter, uma “intensa articulação” nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) para liberar o indulto de 2017, concedido pelo presidente Michel Temer, que “perdoava 80% da pena dos corruptos”. Segundo o procurador, se isso ocorrer, Temer poderá fazer a mesma coisa no Natal deste ano. O indulto é um perdão de pena e costuma ser concedido todos os anos em período próximo ao Natal, atribuição do presidente da República.

O julgamento deve continuar hoje, com o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que concedeu liminar (decisão provisória), em março, limitando a aplicação do indulto e aumentou o período de cumprimento para, pelo menos, um terço da pena. Barroso permitiu o indulto somente para quem foi condenado a mais de oito anos de prisão e vetou a concessão para crimes de colarinho-branco e para quem tem multa pendente. O governo recorreu, alegando que Barroso invadiu a “competência exclusiva” do presidente da República ao alterar as regras do indulto fixadas por Temer. O julgamento no STF se limita à validade do decreto editado em 2017.

Um parecer do criminalista Nabor Bulhões, da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil e advogado de Temer na Lava-Jato, defende a constitucionalidade do decreto de indulto de Natal do ano passado, que foi suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal a pedido da Procuradoria-Geral da República. Segundo o parecer, não há inconstitucionalidade na inclusão dos crimes relacionados à corrupção no perdão presidencial, e a intervenção do Judiciário pode representar uma afronta ao princípio da separação de poderes.

Ao editar o decreto, Temer modificou algumas regras e, na prática, reduziu o tempo de cumprimento de pena pelos condenados, o que gerou críticas da Transparência Internacional e da força-tarefa da Operação Lava-Jato. O artigo 84 da Constituição, XII, estabelece que “compete privativamente ao Presidente da República conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos por lei”.

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Luiz Carlos Azedo: A falta de Tancredo

“Bolsonaro tenta implementar uma radical agenda liberal na economia, mas ainda não tem uma base parlamentar que a respalde no Congresso”

“Bolsonaro tenta implementar uma radical agenda liberal na economia, mas ainda não tem uma base parlamentar que a respalde no Congresso”

Uma das causas históricas da crise fiscal que o país atravessa e da radicalização política que estamos vivendo talvez tenha sido a morte prematura do presidente Tancredo Neves, que não chegou a tomar posse, em 1985. Explico: a decorrência natural de sua eleição no colégio eleitoral, amparada por ampla mobilização popular, seria a formação de um governo liberal-conservador, capaz de executar um programa com essas características tanto do ponto de vista econômico quanto social, o que nenhum de seus sucessores até hoje fez.

Provavelmente, a Constituinte de 1988 também teria outras características, pois o processo seria liderado por um presidente eleito e parlamentarista; e não por José Sarney, um vice presidente contingenciado por um partido que ganhou e não levou, mas deu as cartas na elaboração da Constituição, sob comando de Ulysses Guimarães, um democrata radical, que era presidencialista e havia liderado a campanha das Diretas, já!

Tancredo havia participado de todas as manifestações dessa campanha, mas nunca afastou a possibilidade de o PMDB disputar a Presidência no colégio eleitoral, onde a eleição era indireta, caso a emenda Dante de Oliveira não fosse aprovada por maioria absoluta, como acabou acontecendo em 25 de abril de 1984. No final de junho, o PDMB lançou seu nome à sucessão do presidente João Figueiredo. Quatro dias depois, a Frente Liberal, dissidência do PDS, rompeu com o governo, e aderiu à candidatura de Tancredo. Na formação da Aliança Democrática, a Frente Liberal indicou Sarney para a vice-presidência.

Com 480 votos, Tancredo Neves atraiu setores conservadores que até então apoiavam o regime militar e derrotou Paulo Maluf, o candidato do antigo PDS, que obteve apenas 180 votos. O presidente eleito estava gravemente enfermo, porém, escondeu a doença e tentou retardar sua internação para depois da posse, temendo que esta não ocorresse. Um dia antes da posse, marcada para 15 de março de 1985, acabou submetido à uma cirurgia de emergência. José Sarney tomou posse como vice-presidente na manhã do dia 15. Depois de ter sido submetido a sete cirurgias, Tancredo faleceu na noite de 21 de abril. Na manhã do dia 22, Sarney foi confirmado na Presidência, depois de muitas negociações de bastidor entre a oposição e os militares. Na posse, Sarney leu o discurso que Tancredo havia rascunhado:

“Não celebramos, hoje, uma vitória política. Esta solenidade não é a do júbilo de uma facção que tenha submetido a outra, mas festa da conciliação nacional, em torno de um programa político amplo, destinado a abrir novo e fecundo tempo ao nosso país. A adesão aos princípios que defendemos não significa, necessariamente, a adesão ao governo que vamos chefiar. Ela se manifestará também no exercício da oposição. Não chegamos ao poder com o propósito de submeter a Nação a um projeto, mas com o de lutar para que ela reassuma, pela soberania do povo, o pleno controle sobre o Estado. A isso chamamos democracia!”

Reformas
O ministro da Fazenda de Tancredo era seu sobrinho, o ex-secretário da Receita Federal Francisco Dornelles, que foi mantido por Sarney, mas deixou o cargo para ser candidato a deputado federal em 1986. Em vez do ajuste fiscal, da reforma tributária e da desestatização que Tancredo pretendia fazer para combater a inflação, mas provocariam uma recessão, Sarney apostou no sucesso do Plano Cruzado, ao escolher Dílson Funaro para o comando da economia. “Sei que estou colocando a cabeça na guilhotina, mas vou arriscar, porque o povo brasileiro merece que se faça isso”, justificou, lançando o slogan “Tudo pelo social”. A principal medida do pacote econômico, o congelamento de preços por um ano, ganhou apoio imediato da população. Sarney convocou os brasileiros a fiscalizar as metas e os preços dos produtos. O sucesso foi espetacular.

Quando o ano terminou, o Brasil registrava seu menor índice de indigência e de pobreza e um crescimento do PIB de 7,49%. O nível de desemprego chegara a 2,16%. Nas eleições, o MDB venceu de ponta a ponta: elegeu 22 dos 23 governadores, 49 senadores e 260 de 487 deputados federais, a ampla maioria da Constituinte. O plano Cruzado previa reajuste automático dos salários sempre que a inflação alcançasse 20%. Com a economia muito aquecida, porém, houve excesso de demanda. Os juros negativos desestimulavam a poupança e pressionavam o consumo. O congelamento de preços fez a rentabilidade dos produtores cair para perto de zero e os produtos sumiram do mercado. O governo não controlava seus gastos, além de perder grandes quantias de reserva internacional. O plano fracassou enquanto o país discutia sua atual Constituição, que foi promulgada em 1988.

A agenda liberal foi retomada em 1989, quando o presidente Collor de Mello foi eleito pelo voto direto, mas seu governo também fracassou, por erros na condução da economia, falta de articulação política e crise ética provocada por uso de caixa dois. Agora, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, muito conservador nos costumes, tenta implementar uma radical agenda liberal na economia, mas ainda não tem uma base parlamentar que a respalde no Congresso. Por recomendação médica, e não por teimosia, como foi o caso de Tancredo, adia para depois da posse uma cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia que utiliza desde quando recebeu a facada em Juiz de Fora (MG), em plena campanha eleitoral. A operação estava prevista para 12 de dezembro, dois dias após a sua diplomação. Os médicos do Hospital Albert Einstein constataram “inflamação do peritônio e processo de aderência entre as alças intestinais” que poderiam complicar a cirurgia. Como não se lembrar de Tancredo?

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Luiz Carlos Azedo: Tropa de choque aflita

“O futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, está sendo acusado de escantear o PSL e favorecer o DEM. Bolsonaro precisou acalmar a própria bancada”

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, precisou passar na reunião das bancadas do PSL na Câmara e no Senado, ontem, para apagar um princípio de incêndio por causa do descontentamento do seu próprio partido com a nomeação de três ministros do DEM em áreas politicamente estratégicas do futuro governo: a poderosa Casa Civil, que coordenará a articulação política e ficará a cargo de Onyx Lorenzoni, e os dois titulares da área política indicados até agora, o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), na Saúde, e a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), na Agricultura. A senadora Soraya Thronicke, eleita pelo PSL no Mato Grosso do Sul, puxou o coro de descontentes, porque ficou sabendo da nomeação de Tereza Cristina pela imprensa.

Na Câmara, o foco de descontentamento vem de Goiás: o deputado Delegado Waldir lançou sua candidatura a presidente da Câmara e pleiteia o apoio da bancada do PSL, que é a segunda da Casa, com 52 parlamentares. Foi preciso que a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), aliada incondicional de Bolsonaro, saísse em defesa do futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que está sendo acusado de escantear o PSL e favorecer o DEM na montagem do governo. Ela minimizou o desagrado: “Foi uma reunião em que alguns parlamentares apresentaram certo descontentamento, certo desconforto”, declarou.

Bolsonaro justificou as nomeações com o argumento de que as indicações de Mandetta e Tereza Cristina não foram feitas pelo partido, mas por frentes parlamentares que eles representam, da saúde e do agronegócio, respectivamente. O fato de ambos serem do DEM e do Mato Grosso do Sul, segundo o presidente eleito, foi mera coincidência. O problema é que o DEM, com apenas 29 deputados eleitos para a próxima legislatura, ocupa postos estratégicos do governo. Atrás somente do PT, que elegeu 56 parlamentares, o PSL pretende filiar deputados dos partidos que não atingiram a chamada cláusula de barreira e se tornar a maior bancada da Câmara. Atualmente, tem apenas oito deputados, ou seja, a grande maioria da bancada é formada por estreantes.

O deputado Major Olímpio, eleito senador por São Paulo, defende uma posição mais agressiva do PSL na Câmara, confrontando o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que pleiteia a reeleição. Para isso, pretende lançar a candidatura de Luciano Bivar, presidente do PSL, ao comando da Câmara. Se isso ocorrer, será uma saia justa para Bolsonaro, que publicamente vem anunciando a intenção de manter distância da disputa no Legislativo. Ontem mesmo, manifestou essa posição em conversa com um dos concorrentes de Maia, o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), vice-presidente da Câmara. A indicação do advogado Gustavo Bebianno para a Secretaria-Geral da Presidência também pode acalmar um pouco o PSL. Um dos conselheiros de Bolsonaro, ele exerceu a presidência interina do partido durante a campanha eleitoral e conquistou a confiança do presidente eleito.

Com apenas quatro senadores, o PSL não tem a menor chance de disputar a Presidência do Senado. A tendência é fazer uma composição com o senador Renan Calheiros (MDB-AL), mas esse acordo pode ser uma espécie de anticlímax na estratégia parlamentar de Bolsonaro, que fez uma campanha contra o sistema político e renegou o chamado “presidencialismo de coalizão”. Característica de todos os governos formados desde a redemocratização, o loteamento da Esplanada dos Ministérios entre os partidos da base fez do MDB, do DEM e do PP os fiadores da estabilidade dos governos no Congresso, na base do toma lá dá cá, ou seja, da distribuição de cargos e verbas em troca de apoio para votação de matérias de grande interesse do governo. Um compromisso de campanha de Bolsonaro é mudar essa relação, daí a estratégia de composição com as frentes parlamentares. Entretanto, o apoio desses parlamentares está relacionado às agendas corporativas que defendem; o problema é que isso não significa apoio a todas as propostas do governo, como a reforma da Previdência, que enfrenta o lobby das corporações.

Militares
O futuro ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, anunciou, ontem, os novos comandantes militares:
Antônio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica, é gaúcho, foi comandante da Base Aérea de Brasília, diretor-geral do Departamento de Ensino da Aeronáutica e adido de Defesa e Aeronáutico nas embaixadas do Brasil na França e na Bélgica. Atualmente, é o comandante-geral de Pessoal da FAB.
O general Edson Legal Pujol, futuro comandante do Exército, é colega de turma de Bolsonaro. Foi comandante Militar do Sul, secretário de Economia e Finanças, chefe do Centro de Inteligência do Exército, e instrutor na Academia Militar das Agulhas Negras. Comandou a Força de Paz Minustah, no Haiti, e atuou como observador militar da ONU em El Salvador.
O almirante Ilques Barbosa Júnior, paulista, é o chefe do Estado-Maior da Armada (EMA), foi comandante do 1º Distrito Naval, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha e diretor de Portos e Costas.

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Luiz Carlos Azedo: O DEM volta ao poder

Novo ministro da Saúde, Mandetta foi indicado pelo governador eleito de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), com apoio da frente parlamentar da setor.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, anunciou ontem que o novo ministro da Saúde será o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), o terceiro integrante do DEM a ocupar o primeiro escalão do governo. Os outros dois são o poderoso futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), e a igualmente poderosa próxima ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS). Ambos são do mesmo estado, mas representam segmentos diferentes. O novo ministro foi indicado pelo governador eleito de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM),com apoio da frente parlamentar da saúde, enquanto a ministra representa o agronegócio de exportação dos estados produtores do Sul do país.

A indicação sinaliza dois movimentos de Bolsonaro: de um lado, fortalece a participação do DEM no seu governo, que passa a ser o seu principal e mais experiente partido aliado; de outro, enfraquece a posição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é candidato à reeleição e, aparentemente, não conta com o apoio de Bolsonaro. O DEM contará com 29 deputados, enquanto o PSL, de Bolsonaro, elegeu 52 integrantes da Câmara.

Outro aspecto que deve ser considerado é o fato de que o primeiro ministério ligado à área social ficou a cargo de um político. Mandetta responde a processo por improbidade administrativa. É investigado por suposta fraude em licitação, tráfico de influência e caixa 2 em um contrato para implementar um sistema de informatização na saúde em Campo Grande, no período em que foi secretário. Bolsonaro minimizou a situação: “Tem uma acusação contra ele (Mandetta) de 2009, se não me engano, e não deu um passo o processo ainda. Ele nem é réu ainda. O que está acertado entre nós? Qualquer denúncia ou acusação que seja robusta não fará parte do governo”, afirmou Bolsonaro.

Como sempre acontece nesses casos, a vida do deputado passou a ser escaneada pela imprensa, como ocorreu também com a ministra Teresa Cristina e o próprio coordenador da transição, Onyx Lorenzoni. Mandetta nega ter cometido irregularidades. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou um prejuízo de cerca de R$ 6 milhões em pagamentos indevidos por serviços não executados na implantação do sistema de Gerenciamento de Informações Integradas da Saúde (Gisa), que custou quase R$ 10 milhões entre recursos federais e municipais. Segundo o futuro ministro, que deixou o cargo em 2010, a denúncia foi feita por adversários políticos. “O projeto sofreu uma ruptura por parte da prefeitura que entrou em 2013. Foram demitidos todos os técnicos, ficou sem condições de continuidade por interrupção administrativa. Renovaram o convênio e não renovaram o contrato”, justifica.

Lava-Jato
Bolsonaro diz que, se for comprovado um caso grave, o ministro sob investigação será demitido. A sinalização de que poderá cortar na própria carne, se for necessário, foi dada ontem pela permanência de Wagner Rosário à frente da pasta da Transparência e Controladoria-Geral da União, cargo que já ocupa no governo Michel Temer. Ex-militar, sua escolha foi técnica, com o aval do futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, com quem deverá trabalhar em estreita colaboração.

A pasta continuará ligada à Presidência, porque desempenha o papel de controlar e combater a corrupção dentro dos órgãos federais. Rosário já tem um diagnóstico das áreas que precisam de mais atenção. Ex-aluno do Colégio Militar do Distrito Federal, Rosário estudou na Academia Militar das Agulhas Negras, é ex-oficial do Exército e tem mestrado em combate à corrupção pela Universidade de Salamanca.

A propósito, o ex-juiz federal Sérgio Moro escolheu o novo diretor-geral da Polícia Federal (PF): o delegado Maurício Valeixo, atual superintendente da PF no Paraná. A delegada da PF Érika Marena, atualmente Superintendência da PF no Sergipe, assumirá o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça.

 

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Luiz Carlos Azedo: O enxugamento da Petrobras

Para Castello Branco, futuro presidente da estatal, a empresa precisa intensificar a exploração e a extração de petróleo, porque, em algumas décadas, o combustível “perderá relevância”

A indicação do economista Roberto Castello Branco para a presidência da Petrobras, confirmada ontem pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, consolidou o poder do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, na equipe econômica e sinaliza que nenhuma empresa estatal está a salvo de enxugamento e fora do programa de privatizações. “É uma indicação do Paulo Guedes. Eu estou dando carta branca a ele. Tudo que é envolvido com economia é ele que está escalando o time. Eu só, obviamente, e ele sabe disso, estamos cobrando produtividade. Enxugar a máquina e buscar, realmente, fazê-la funcionar para o bem-estar da nossa população”, disse Bolsonaro.

O futuro presidente da estatal, que é formado em Chicago, como Guedes, já anunciou que a empresa vai focar sua atuação nas áreas de exploração e extração de petróleo. Para Castello Branco, a Petrobras precisa intensificar a exploração e a extração de petróleo, porque, em algumas décadas, o combustível “perderá relevância”, ou seja, será substituído por outras fontes de energia. Também defende que a empresa, que praticamente monopoliza o refino, venda suas refinarias. Não adiantou se pretende privatizar a BR Distribuidora, mas esse é o espírito da coisa. O atual presidente da empresa, Ivan Monteiro, que também estava cotado para presidir a Petrobras, talvez seja indicado para comandar o Banco do Brasil.

A indicação de Castello Branco encerrou uma queda de braços entre Guedes e o grupo de militares encabeçado pelo vice-presidente eleito, Hamilton Mourão, e o general Augusto Heleno, futuro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pelo controle da estatal. Ícone do desenvolvimentismo brasileiro e fruto da maior campanha nacionalista da história do país, “O petróleo é nosso”, a Petrobras sempre foi uma linha divisória do nosso patriotismo, explorada em sucessivas campanhas eleitorais. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, alavancou sua campanha à reeleição contra o tucano Geraldo Alckmin, acusando-o de pretender privatizar a estatal e o Banco do Brasil.

A Petrobras, porém, foi alvo do maior escândalo de corrupção investigado pela Operação Lava-Lato, o que levou à prisão diversos executivos da empresa. Ontem mesmo, a juíza substituta Gabriela Hardt condenou o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque em uma ação da Lava-Jato pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e dissimulação de produto de crimes. Duque foi condenado a três anos e quatro meses apenas, e não a 6 anos e 8 meses, porque colaborou com a Justiça. Segundo as investigações, era o principal quadro ligado ao PT na operação de caixa dois da Petrobras. A juiza Hardt é a mesma que interrogou o ex-presidente Lula na semana passada.

Também foram condenados João Bernardi Filho e Julio Gerin de Almeida Camargo, a 5 anos e 6 meses de reclusão, mas ambos têm acordo de delação premiada e cumprem penas acordadas com o Ministério Público. Renato Duque e João Bernardi Filho participaram de um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro para favorecer a empresa italiana Saipem na contratação de obras da Petrobras. Bernardi, que era representante da Saipem, ofereceu e prometeu o pagamento, em 2011, de vantagem indevida a Renato Duque em troca da obtenção pela Saipem de um contrato para a instalação do gasoduto submarino de interligação dos campos de Lula e Cernambi com a Petrobras.

Haddad
A propósito, ontem, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) virou réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, após o juiz Leonardo Barreiros, da 5ª Vara Criminal da Barra Funda, aceitar denúncia do Ministério Público com base em delações feitas na Operação Lava-Jato. Além de Haddad, cinco pessoas viraram rés na ação, incluindo o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o doleiro Alberto Youssef. De acordo com a denúncia, entre abril e maio de 2013, Ricardo Ribeiro Pessoa, presidente da empreiteira UTC Engenharia S/A, recebeu um pedido de Vaccari da quantia de R$ 3 milhões para pagamento de uma dívida de campanha de Haddad nas eleições de 2012.

O ex-prefeito de São Paulo e candidato derrotado do PT à Presidência da República nega as acusações. Segundo a denúncia, o valor serviria para o pagamento de uma dívida de campanha do então prefeito de São Paulo Fernando Haddad com gráfica do ex-deputado estadual do PT Francisco Carlos de Souza, o Chicão. João Vaccari Neto, segundo a acusação, representava e falava em nome de Haddad. A denúncia é uma pedra no sapato do petista, que obteve 47 milhões de votos (44% do total) no segundo turno das eleições presidenciais. Com Lula preso, Haddad seria o principal líder da oposição a Bolsonaro, mas sua transformação em réu, sem direito a foro especial, limitará sua capacidade de atuação.

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