Nas entrelinhas
Luiz Carlos Azedo: Não precisa de oposição
“A tensão entre Bebianno e Carlos Bolsonaro vem desde a campanha eleitoral e já teve um estresse na montagem do governo, por causa da equipe de comunicação do Palácio do Planalto”
Nem bem saiu do estaleiro, o governo já enfrenta uma crise séria, que não foi criada pela oposição, mas em decorrência de eventos de campanha do PSL e do estranhamento entre integrantes do círculo de poder do presidente Jair Bolsonaro. O secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, caiu em desgraça e pode ser defenestrado do cargo, depois de ser publicamente atacado pelo caçula do clã, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, que o chamou de mentiroso pelo Twitter e recebeu o apoio público do pai, numa entrevista de tevê, na qual disse que o ministro poderia “voltar às origens”.
Tudo começou com a notícia de que Bebianno, enquanto exercia a presidência do PSL, teria liberado R$ 400 mil a uma candidata laranja em Pernambuco, o que o secretário-geral da Presidência nega que seja sua responsabilidade. A notícia teve péssima repercussão para a legenda, cuja ruidosa bancada na Câmara passou a ser atacada pelo PT e outros adversários, elevando a tensão na cúpula do governo. Para sair da berlinda, na quarta-feira, Bebianno minimizou o episódio, comentando que havia conversado três vezes com o presidente. Pelo Twitter, Carlos Bolsonaro disse que era mentira, pois, havia 24 horas, estava em companhia do pai, no Hospital Alberto Einstein, em São Paulo, e que o presidente da República havia se recusado a falar com Bebianno por telefone.
Bolsonaro recebeu alta e desembarcou em Brasília com a cabeça de Bebianno a prêmio. O chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tentou pôr panos quentes no assunto e saiu em defesa de Bebianno, assim como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que considerou as acusações precipitadas e lamentou a crise às vésperas de o governo enviar a proposta de reforma da Previdência ao Congresso. Os militares que integram o governo também atuam como bombeiros. Nos bastidores do governo, criticam o envolvimento dos filhos de Bolsonaro nos assuntos palacianos, mas o fato é que todos são políticos com mandato. Por isso mesmo, não está claro se o pai passa a mão na cabeça dos filhos ou se eles recebem orientação para falar pelo presidente da República, que tem um porta-voz exatamente para evitar que isso aconteça.
A tensão entre Bebianno e Carlos Bolsonaro, o filho mais apegado ao pai, vem desde a campanha eleitoral e já teve um estresse na montagem do governo, por causa da equipe de comunicação do Palácio do Planalto, que acabou resultando na nomeação do general Rêgo Barros como porta-voz da Presidência, e do publicitário Floriano Barbosa Amorim Neto para a Secretaria Especial de Comunicação, por indicação de Carlos Bolsonaro. O filho caçula ainda conseguiu transferir o órgão da alçada da Secretaria-Geral da Presidência para a Secretaria de Governo, chefiada pelo general Santos Cruz.
Milícias
A relação entre Bebianno e Carlos Bolsonaro ficou ainda mais tensa por causa da intervenção espetacular do secretário-geral da Presidência no Hospital Federal de Bonsucesso, que denunciou ameaças contra as autoridades do governo encarregadas de investigar a corrupção na instituição. Segundo Bebianno, o esquema seria controlado por milicianos e estava sendo investigado pela Polícia Federal. A entrevista de Bebianno, no próprio hospital, coincidiu com o noticiário sobre a prisão de milicianos no Rio de Janeiro, por envolvimento em grilagem de terra, entre eles, um ex-capitão do Bope, que foi homenageado pelo senador Flávio Bolsonaro (PSC-RJ), mesmo estando preso. A mulher e a mãe do ex-militar são ex-funcionárias do gabinete do senador quando exercia o mandato de deputado na Assembleia Legislativa fluminense. O clã tem notórias ligações eleitorais com os milicianos que atuam no Rio de Janeiro.
Bebianno presidiu o PSL durante toda a campanha, no lugar do titular, deputado Luciano Bivar (PE). Nessa condição, foi responsável pela distribuição dos recursos do fundo eleitoral para os candidatos do partido. Alega que isso foi feito via diretórios estaduais e que não pode ser responsabilizado pela existência de candidatos laranjas. Como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que 30% dos recursos do fundo partidário fossem destinados às mulheres, a Justiça Eleitoral agora investiga os casos em que há grande discrepância entre o volume de recursos recebidos pelas candidatas e a votação recebida, o que é fácil verificar. É o caso da candidata de Pernambuco, que recebeu muitos recursos e obteve votação irrisória. Até a noite de ontem, Bebianno não havia falado com Bolsonaro nem renunciado ao cargo. Entretanto, estava sendo fritado sem dó nem piedade, apesar da turma do deixa disso não ser pequena.
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Luiz Carlos Azedo: Moro e Doria pagam pra ver
“A ‘convivência pacífica’ entre polícia e bandido nos presídio estava possibilitando, frequentes ameaças a promotores e juízes por homicidas confessos, em audiências e julgamentos”
O ministro da Justiça, Sergio Moro, e o governador de São Paulo, João Doria, pagaram para ver a reação do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior facção criminosa do país, ao transferir Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e mais 21 chefões do tráfico de drogas das penitenciárias estaduais de Presidente Venceslau e de Presidente Bernardes, no interior do estado, para os presídios federais de Mossoró (RN), Porto Velho (RO) e Brasília (DF), recém-inaugurado na Papuda. Não existe superlotação nem registro de fugas nesses presídios.
Efetivamente, essa é a primeira ação disruptiva de Moro nos presídios, em comum acordo com o governador João Doria, que alfinetou os antecessores ao dizer que esse tipo de medida já poderia ter sido tomada. Segundo o governo paulista, Marcola e seus comparsas estavam planejando uma fuga do presídio, em razão das propostas de endurecimento de penas e do regime carcerário.
A decisão é muito emblemática por causa da crise ocorrida no Ceará, após a transferência dos chefões do crime organizado dos presídios daquele estado para presídios federais — há mais dois: um em Campo Grande (MS) e outro em Catanduvas (PR) —, que são reservados para presos de alta periculosidade e líderes de facções criminosas.
A transferência da alçada estadual para a federal muda o status quo do tráfico de drogas em São Paulo, porque haverá uma desconexão entre os líderes históricos da PCC e toda a poderosa rede de tráfico de drogas, inclusive para o exterior, existente no estado. Além disso, põe fim à “convivência pacífica” entre polícia e bandido nos presídios, que estava possibilitando, inclusive, frequentes ameaças a promotores e juízes criminais de primeira instância por homicidas confessos, em audiências e julgamentos.
Plano de fuga
Segundo relatório dos serviços de inteligência da Secretaria de Segurança de São Paulo, os chefões do tráfico estavam preparando uma fuga espetacular, com utilização de aeronaves, veículos blindados, armamento pesado e homens treinados na Bolívia, inclusive estrangeiros, o que foi determinante para a transferência de Marcola e mais 15 chefões. Outros sete foram transferidos porque comandavam as conexões do PCC em 18 estados e outros países, conforme operação realizada no ano passado. Como houve retaliações do tráfico de drogas às medidas anteriormente tomadas pelo governo paulista para isolar os chefões nos presídios de segurança máxima estaduais, a segurança dos presídios federais para os quais estão sendo transferidos também foi reforçada.
A avaliação das autoridades paulistas é de que o PCC não tentará repetir em São Paulo o que houve no Ceará, porque foram pegos de surpresa, estão sem comunicação com os demais integrantes da organização e também enfrentam disputas com outras facções no Rio de Janeiro, no Norte e no Nordeste, não podendo, por isso, se enfraquecer em São Paulo, num confronto direto com as forças de segurança. Ou seja, Moro e Doria apostaram no enfrentamento da maior e mais poderosa facção do tráfico organizado como passo inicial da política de combate à violência e à criminalidade, sem se deixar intimidar por ameaças.
Ordem unida
De volta a Brasília, a primeira tarefa de Jair Bolsonaro no Congresso será restabelecer a ordem na sua tropa de choque. Além do “barata voa” na bancada de deputados federais, que não se entende, o filho caçula do presidente da República, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, resolveu desmentir publicamente o secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que disse, em entrevista, ter conversado três vezes com seu pai sobre o caso da candidata laranja do PSL em Pernambuco, Maria de Lourdes Paixão, que recebeu R$ 400 mil da legenda sem fazer campanha.
Aparentemente, Bolsonaro deu aval ao filho, mas a turma do deixa-disso tenta pôr panos quentes e trata o assunto como coisa banal na política. Não é: trata-se do filho do presidente da República desautorizando publicamente um ministro com assento no Palácio do Planalto. Bolsonaro endossou o filho nas redes sociais e mandou investigar Bebianno.
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Luiz Carlos Azedo: A guerra do leite
“Bolsonaro, para atender os aliados. sinaliza que o ministro Paulo Guedes não tem carta branca em matéria de abertura da economia”
O ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu a queda de braço com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e a bancada do agronegócio em relação à alíquota de importação do leite, o primeiro round de uma série de disputas da equipe econômica com os setores da economia que apoiaram Jair Bolsonaro na campanha eleitoral e querem mais proteção econômica em troca do apoio no Congresso. Segundo o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), o governo deve publicar até amanhã a medida que aumentará o imposto de importação de leite em pó da União Europeia e da Nova Zelândia, compensando o fim da taxa antidumping que era adotada pelo Brasil até a semana passada e foi extinta por Guedes. No Twitter, o presidente Jair Bolsonaro comemorou o aumento do imposto.
A decisão tomada por Bolsonaro para atender os aliados sinaliza que o ministro Paulo Guedes não tem carta branca em matéria de abertura da economia. O decreto deve considerar a antiga taxa antidumping, de 14,8% para o leite da União Europeia, mais os 28% da taxa atual de importação, o que somaria 48%, que era cobrada sobre o leite em pó importado desde 2001. No caso da Nova Zelândia, havia um adicional de 3,9%. O pretexto é compensar os efeitos do dumping, ou seja, a suposta concorrência desleal ao vender para o Brasil um produto abaixo de seu preço de custo, causando prejuízo à produção local.
A decisão contraria a ideia de menos intervenção do Estado na economia e mais liberdade para o mercado, além de ser controversa quanto à importação de leite em pó, que é baixíssima. Não há comprovação de dumping da União Europeia, pois as importações estão na faixa de US$ 1.000 por dia, um valor considerado baixo; não houve importações da Nova Zelândia. O leite em pó importado contribui com apenas 2,4% do consumo nacional. Na verdade, o que existe é o temor de que ambos aproveitassem o fim da alíquota para “inundar” o mercado brasileiro de leite em pó. “Não tenho dúvida de que é preciso abrir a economia, mas essa abertura tem de ser gradual, cuidadosa, para não desmobilizar o setor produtivo nacional”, pondera o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), ex-secretário de Agricultura de São Paulo.
A mudança de rumo gerou tensão no governo. A ministra da Agricultura lidera a reação do agronegócio à redução dos subsídios no crédito agrícola com a mudança do modelo de financiamento em estudos na equipe econômica. Guedes procurou Tereza Cristina pessoalmente, em seu gabinete, na segunda-feira à noite, e despachou o secretário executivo da Economia, Marcelo Guaranys, e o secretário especial de Comércio Exterior, Marcos Troyjo, para uma reunião com a bancada ruralista na manhã de ontem. Já chegaram derrotados, Bolsonaro apoiou a bancada.
Ao atender produtores de leite insatisfeitos com a revogação da taxa antidumping, porém, o presidente da República arranha a credibilidade da abertura da economia, porque põe em dúvida o modelo que será adotado pelo governo. Mesmo na Frente Parlamentar do Agronegócio há questionamentos sobre a eficácia, a médio e longo prazos, do excesso de proteção. Além disso, outros setores econômicos em dificuldade com a concorrência, como as indústrias têxtil e de calçados, começam a atuar no sentido de manter subsídios e fechar a economia.
Previdência
Outro sinal de “devagar com o andor” em relação à política econômica foi a decisão de Bolsonaro sobre a idade mínima para aposentadoria no país. A equipe econômica defendia 65 anos para homens e mulheres; o presidente da República reduziu para 62 anos para homens, e 57 para mulheres, com validade até 2022, no fim de seu mandato. A proposta facilitará a vida do governo no Congresso, mas terá repercussão negativa junto aos agentes econômicos. O projeto de reforma da Previdência somente será finalizado depois de Bolsonaro deixar o Hospital Alberto Einstein, em São Paulo, onde se recupera de uma pneumonia e da operação de retirada da bolsa de colostomia, o que pode acontecer hoje ainda. A equipe econômica quer garantir uma economia de R$ 1 trilhão em 10 anos e criar mecanismos de ajustes automáticos no sistema de previdência, sem necessidade de novas emendas constitucionais. Na versão encaminhada a Bolsonaro, quem ganha mais pagará mais, com alíquotas de 7,5% a 14%.
Paz no Senado
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), fechou acordo com os líderes das bancadas para a composição das comissões permanentes da Casa. O MDB ficará com a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Comissão Mista de Orçamento e de Educação. PSD, Assuntos Econômicos (CAE) e Relações Exteriores (CRE); o PSDB, Desenvolvimento Regional (CDR) e Fiscalização e Controle (CFC); PT, Direitos Humanos; Rede, Meio Ambiente; PSL, Agricultura; DEM, Infraestrutura; Podemos, Assuntos Sociais; PP, Ciência e Tecnologia; PRB e PSC se revezarão na Comissão Senado do Futuro.
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Luiz Carlos Azedo: O trilema das reformas
“O problema nesse cenário está na resistência das corporações e dos segmentos empresariais que não suportam a concorrência”
O economista Claudio Porto, fundador da Macroplan, batizou de trilema os cenários possíveis para o Brasil a médio prazo. Como aperitivo, faz uma comparação entre o que aconteceu no Brasil e na China nos últimos 40 anos, com base num resumo de Jorge Caldeira, no livro História da Riqueza no Brasil (Estação Brasil). Quando foi lançado o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), na década de 1970, o regime militar apostou no mercado interno e na construção de uma economia autossuficiente em todas as áreas, uma visão autárquica e baluartista de país. Deu errado. A China apostou na globalização, no comércio exterior e na complementariedade. Resultado, em 1979, no final do governo Geisel, em dólares de 2010, o Brasil tinha um PIB de 926 bilhões e a China, de 327 bilhões; em 2017, o PIB do Brasil chegou a 2, 3 trilhões e o da China saltou para 10,1 trilhões.
As causas desse nosso desempenho estão diagnosticadas: economia fechada, com baixa produtividade e muita insegurança; desigualdades muito altas, com 12 milhões de desempregados e 30 milhões abaixo da linha de pobreza; e sistema educacional de baixa qualidade, com o Brasil em 66º lugar entre 73 países no PISA (Programme for Internacional Stuident Assessment), atrás de todos os países da América Latina, com exceção do Peru e da República Dominicana. A grande preocupação de Porto é uma recidiva do padrão de desenvolvimento da década de 1970, cujo resultado seria a retomada do crescimento com agravamento das desigualdades.
Para quem acompanha a política em Brasília, esse cenário não deve ser subestimado, porque pode resultar da convergência de variáveis que estão fortemente presentes no governo Bolsonaro e no atual Congresso. As variáveis positivas são o avanço das reformas liberais no plano fiscal e previdenciário, com ampliação das concessões e parcerias público-privadas. São fatores negativos: manutenção do “capitalismo de laços” e restrições aos privilégios das corporações de caráter parcial ou meramente simbólico, com restrições às políticas sociais e intervencionismo econômico. Trocando em miúdos, nesse rumo, a economia pode crescer sem inflação e baixa produtividade, a taxas entre 2,2% e 1,6% ao ano, com queda na renda média das famílias na base da pirâmide.
Há mais dois cenários possíveis. O melhor é a globalização inclusiva, cujo maior obstáculo aparente hoje é a nova política externa. Além de ajuste fiscal estruturante, desregulamentação, privatizações e parcerias público-privadas, o Brasil precisa de um ambiente de segurança pública e jurídica, mais foco na educação básica, proteção social aos vulneráveis e uma política trabalhista que possibilite investimentos e gere mais empregos. Assim, poderia crescer em 4% e 3,4% ao ano. O problema nesse cenário está na resistência das corporações e dos segmentos empresariais que não suportam a concorrência.
O pior cenário é o pacto perverso do populismo com o corporativismo, que tenta conciliar as demandas da população com as das corporações. Nesse cenário, as reformas serão mitigadas no Congresso, com soluções de curto prazo para a crise fiscal, inclusive na reforma da Previdência. Esse é um horizonte de crescimento próximo do zero, depois de mais um voo de galinha.
Boechat, 66 anos
Conheci Ricardo Boechat em Niterói, no começo dos anos 1970, quando fui trabalhar no jornal O Fluminense e estudar ciências sociais na Universidade Federal Fluminense. Ele era repórter da coluna do Ibrahin Sued, no jornal O Globo. Éramos jovens militantes do antigo PCB e compartilhamos, em 1975, a angústia de ver nossos “assistentes” presos e a gratidão de saber que nenhum deles — nem José Otto de Oliveira nem Aírton Albuquerque Queiroz, respectivamente, de quem recebíamos o jornal clandestino Voz Operária — havia nos denunciado. Graças a isso, pudemos prosseguir nossas vidas profissionais.
Nos cruzávamos, às vezes, na barca Rio-Niterói, até o dia em que Boechat resolveu comprar uma moto e atravessar a ponte por meios próprios. Por causa da minha vida cigana, nosso último encontro foi na redação do jornal O Globo. Ele era colunista e eu, que trabalhava na sucursal de São Paulo, de passagem pelo Rio de Janeiro, fui à redação visitar Ali Kamel, que me resgatou para a grande imprensa, e lá o reencontrei, como a outros velhos amigos comuns, entre os quais meu xará Luís Carlos Cascon, então chefe de reportagem, também de Niterói. Depois, tivemos apenas algumas conversas por telefone. Boechat era tudo isso que os amigos estão falando. Destaco, porém, três qualidades do seu caráter: a coragem, a integridade e o amor ao próximo. Mando aqui meus pêsames para Veruska, sua mulher, colega jornalista que conheci em Vitória, e para os demais parentes e amigos. Força aí!
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Luiz Carlos Azedo: O coração das trevas
“O Brasil é violento, ao contrário do que desejaria o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. A banalização da morte é uma realidade, mesmo quando causa comoção popular”
O mais famoso dos romances do ucraniano Joseph Conrad (1857-1942), todos escritos em inglês, tem apenas 150 páginas e foi publicado em 1902, a primeira vez em três fascículos: O coração das trevas (Companhia das Letras), que serviu de inspiração para o filme Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola. A bordo da escuna Nellie, o capitão Charles Marlow aguarda uma maré vazante no Rio Tâmisa para seguir viagem e começa a divagar sobre a história da Inglaterra e seu papel na África. Nesse contexto, conta sua viagem pelo rio Congo em busca do enigmático Sr. Kurtz, um traficante de marfim, no interior daquele continente.
Marlow se depara com atrocidades e brutal exploração da população local, vive um choque entre os valores civilizatórios das missões europeias e seus reais interesses mercantis na África. Os fins justificariam tudo; o bem se torna um disfarce do mal. O livro é uma visão da condição humana na sua travessia inversa, da civilização para a barbárie. No filme, entretanto, Coppola não adaptou o livro, se inspirou nos personagens e nos temas que Conrad aborda, mudando o contexto para a guerra do Vietnã, na fronteira com o Camboja.
Interpretado por um obeso Marlon Brando, Kurtz é um coronel do Exercito norte-americano que enlouqueceu, desertou e vive em uma fortaleza na selva. Martin Sheen interpreta o obstinado capitão Willard, designado pelo alto-comando do Exército dos Estados Unidos para eliminar o coronel Kurtz, que se tornara um problema. No começo do filme, em cena antológica, Robert Duvall comanda um ataque aéreo contra civis vietnamitas ao som da Cavalgada das Valquírias, de Wagner. Tanto o livro quanto o filme foram libelos contra a banalização da violência e a lógica de que os fins justificam os meios.
O Brasil é uma sociedade violenta, ao contrário do que desejaria o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. A banalização da morte é uma realidade, mesmo quando causa grande comoção popular. A tragédia de Brumadinho, com151 mortos e 157 desaparecidos, é um exemplo. Não deveria ter ocorrido, se a tragédia de Marina tivesse servido de alerta para as autoridades e para a Vale, mineradora responsável pela barragem do Córrego do Feijão. Os fins justificaram os meios para os executivos da empresa. A morte de 10 garotos no Ninho do Urubu, o centro de treinamento do Flamengo, no Rio de Janeiro, é outro exemplo dessa lógica perversa. Os alojamentos não tinham alvará de funcionamento nem autorização dos bombeiros. O sonho dos garotos não justifica a ganância de empresários e a ambição de dirigentes esportivos.
Os bárbaros
Também no Rio de Janeiro, já são sete os mortos em consequência do temporal que atingiu a cidade na noite de quarta-feira: dois na Avenida Niemeyer, três em Barra de Guaratiba; um na Rocinha e outro no Vidigal. A prefeitura do Rio gasta menos do que deveria na contenção de encostas e nada faz para conter a ocupação de áreas de risco. Os contratos de poda de árvores deveriam passar por uma boa auditoria. As tragédias de Brumadinho e Mariana derrubam a narrativa de que as licenças ambientais atravancam o progresso do país; o mau tempo no Rio de Janeiro, como em outras localidades, também joga por terra as teorias de que não existem alterações climáticas.
Voltemos à alegoria de Conrad. Nela, os burocratas glorificam os negócios da companhia, mas não se arriscam a viver nos confins da África. Não é muito diferente do que acontece por aqui. Mas o risco que corremos é ainda maior: podemos ir aos poucos para o coração das trevas, sob a lógica de que os fins justificam os meios. É o caso, por exemplo, do combate ao tráfico de drogas. A advertência do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (“Não ande de fuzil, você vai morrer!”), por exemplo, está sendo implementada. A comunidade do Fallet-Fogueteiro, em Santa Teresa, no Centro do Rio, amanheceu na sexta-feira com 13 pessoas mortas, depois de confronto com agentes do Comando de Operações Especiais (COE). A operação envolveu o Bope e o Batalhão de Choque. Os traficantes estavam reunidos numa casa de fundos da comunidade na Rua Eliseu Visconde. Dois baleados foram levados ao Souza Aguiar; três traficantes em fuga foram presos numa van escolar. O padrão de combate aos traficantes do Rio de Janeiro será esse aí, com aplausos da opinião pública. Diria Marlow, depois de um apelo aos sentimentos altruístas: “Exterminem todos os bárbaros!”. É o horror!
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Luiz Carlos Azedo: Febre e pneumonia
“Bolsonaro não seguiu o protocolo médico ao pé da letra, porque não se desligou do cargo para tratar somente da saúde. Insistiu em reassumir a Presidência dois dias depois da operação”
A recuperação do presidente Jair Bolsonaro está mais complicada do que se imaginava. Segundo a equipe médica do Hospital Alberto Einstein, uma tomografia de tórax e abdome mostrou “boa evolução do quadro intestinal e imagem compatível com pneumonia”. O boletim médico também registrou febre na noite de quarta-feira. Bolsonaro passou por uma cirurgia para retirar uma bolsa de colostomia e refazer a ligação entre o intestino delgado e parte do intestino grosso, em 28 de janeiro, sequelas da facada que levou em Juiz de Fora na campanha eleitoral.
Voltamos assim ao tema da necessidade de separação entre o paciente e o presidente, que já abordamos aqui na coluna. A verdade é que Bolsonaro não seguiu o protocolo médico ao pé da letra, porque não se desligou do cargo para tratar somente da saúde. Insistiu em reassumir a Presidência dois dias depois da operação, quando deveria deixar a função a cargo do vice-presidente, Hamilton Mourão, por mais que isso incomode aos seus partidários ciumentos. No fundo, é uma grande bobagem, porque a situação em que se encontra, lutando para restabelecer a saúde, reforça o “mito”; isto é, ao mesmo tempo, deifica e humaniza sua imagem.
Segundo o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, foram feitos exames viral e bacteriano, e descartaram o viral. “Trata-se de uma causa bacteriana”, disse, ou seja, há uma infecção a ser combatida. Por isso, os médicos trataram de reforçar a dose de antibióticos. Bolsonaro não sente dor, continua com uma sonda nasogástrica e um dreno no abdome. Recebe alimentação parental e líquidos por via oral; faz exercícios respiratórios e caminha pelos corredores. É um paciente que está em recuperação, que precisa de cuidados especiais, mas não corre risco de vida.
Também não corre o menor risco político, apesar das teorias conspiratórias em relação a Mourão. A oposição não tem interesse que o vice substitua Bolsonaro, simplesmente porque prefere um político na Presidência; um general, não. Os demais generais que já mandam no governo não pretendem trocar um ex-capitão com 30 anos de experiência parlamentar e grande popularidade, eleito por voto direto, por um colega eleito de carona. O que existe nos bastidores do governo é uma disputa entre a turma do bom senso, que prefere um ambiente de negociação com o Congresso e diálogo com a sociedade, e a tropa de choque de Bolsonaro, que ascendeu ao governo e ainda não desceu do palanque eleitoral.
Apoio condicionado
Enquanto o presidente permanece hospitalizado, o governo vai bem, obrigado, na relação com o Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está alinhado com as reformas e mantém diálogo fácil com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na Presidência do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) é um aliado de primeira hora. A propósito, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, surpreendeu a oposição com o movimento de reaproximação com a ala derrotada do MDB no Senado, ao pedir que Alcolumbre sondasse o senador Fernando Bezerra (MDB-PE) para saber se o político pernambucano aceitaria ser o líder do governo na Casa. Aceitou de pronto.
O reequilíbrio nas relações do Palácio do Planalto com o MDB no Senado segue a velha receita da política de conciliação; o partido já se reposiciona para negociar seu apoio com o Palácio do Planalto. Essa aproximação deve se consolidar com a indicação de um deputado do MDB para a liderança do governo no Congresso. O mais cotado é o deputado Alceu Moreira (RS), gaúcho e líder ruralista.
O ponto fora da curva é o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), que sofre com o fogo amigo. Pisou na bola ao convocar uma reunião de parlamentares do “apoio consistente” e do “apoio condicionado”, ou seja, da oposição. Os grandes partidos da base do governo não foram à reunião. Estreante na Câmara, lida com um problema que não é novo. A negociação da reforma da Previdência está sendo feita diretamente entre o ministro Paulo Guedes e o presidente da Casa, Rodrigo Maia, mais ou menos como aconteceu com o Plano Real, quando o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, passou a negociar diretamente com o presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA).
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Luiz Carlos Azedo: Lula sabia, diz Gabriela
A nova condenação reabre a discussão sobre os rumos da legenda, que o ex-presidente comanda da prisão, por intermédio da deputada Gleisi Hoffman (PT-PR)
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre pena em Curitiba por ter sido condenado em segunda instância no caso do triplex de Guarujá, foi condenado ontem a mais 12 anos e 11 meses de prisão pela juíza Gabriela Hardt, da 13ª. Vara Federal de Curitiba (que substituiu o atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, no cargo), no caso do sítio de Atibaia, também em São Paulo. Segundo a magistrada, Lula era próximo do ex-presidente da OAS José Aldemário Pinheiro Filho e “tinha ciência do ‘caixa geral’ de propinas mantido entre a empresa e o Partido dos Trabalhadores”.
A juíza, que na primeira audiência com Lula foi desafiada por ele e o advertiu de que seu comportamento poderia se tornar um problema, concluiu que o ex-presidente se beneficiou do esquema de propina da Petrobras: “É fato que a família do ex-presidente Lula era frequentadora assídua no imóvel, bem como que usufruiu dele como se dona fosse. Inclusive, em 2014, Fernando Bittar alegou que sua família já não o frequentava com assiduidade, sendo este usado mais pela família de Lula”, afirma na sentença.
A juíza determinou o confisco do sítio de Atibaia e rechaçou os argumentos da defesa de que não existiriam provas contra Lula: “Foram ouvidas mais de uma centena de testemunhas, anexados dezenas de depoimentos produzidos em feitos correlatos como prova emprestada, deferida realização de prova pericial, anexados diversos documentos, sendo nítido que a produção probatória é farta”. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, a Odebrecht e a OAS custearam R$ 850 mil em reformas na propriedade. Já o pecuarista José Carlos Bumlai fez o repasse de propina ao ex-presidente no valor de R$ 150 mil.
O processo não tratou da propriedade do imóvel, mas das reformas que foram feitas nele. Como os valores do terreno e das benfeitorias se equivalem, a juíza determinou a venda do sítio e devolução da diferença entre o valor das benfeitorias e o valor pago pelo imóvel aos proprietários, Fernando Bittar e sua esposa, após o trânsito em julgado do processo. A reforma do sítio de Atibaia foi feita a pedido de Lula, que acompanhou o arquiteto responsável, Paulo Gordilho, na visita ao sítio e aprovou o projeto.
Foram realizadas diversas benfeitorias no sítio, mas consta da denúncia somente o valor pago à empresa Kitchens: R$ 170 mil. A obra foi realizada de forma a não ser identificado quem executou o trabalho e quem foi o beneficiário; os pagamentos feitos pela OAS à Kitchens foram em espécie, para não deixar rastros. “Não houve ressarcimento à OAS dos valores desembolsados pela empresa em benefício de Lula e de sua família”, destaca a sentença. Também foram condenados, a penas menores, Léo Pinheiro, José Carlos Bumlai, Emílio Odebrecht, Alexandrino Alencar, Carlos Paschoal, Emyr Dinis, Roberto Teixeira, Fernando Bittar e Paulo Gordilho. Odebrecht teve a pena suspensa por causa do seu acordo de delação premiada.
Inelegibilidade
A juíza Gabriela Hardt decretou a interdição de Lula para o exercício de cargo ou função pública pelo período equivalente ao dobro da pena estabelecida, ou seja, 24 anos, o que significa seu afastamento definitivo de qualquer projeto eleitoral próprio. A nova condenação fragiliza as articulações para que Lula saia da cadeia, quando nada para cumprir pena domiciliar, com tornozeleira eletrônica. Se for referendada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, com sede em Porto Alegre, dificilmente voltará a ter qualquer protagonismo político.
Embora o ex-presidente da República seja ainda a maior liderança do PT, que inclusive realiza uma campanha de solidariedade internacional e tem como principal palavra de ordem o “Lula livre”, a nova condenação reabre a discussão partidária sobre os rumos da legenda, que hoje gravita em torno do prisioneiro, que comanda o partido detrás das grades, por intermédio da deputada Gleisi Hoffman (PT-PR), atual presidente da agremiação. Entretanto, dirigentes petistas já defendem a necessidade de o partido encontrar um outro eixo de atuação, para evitar seu isolamento. O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que foi candidato a presidente da República e teve grande votação no segundo turno, é a liderança de maior expressão eleitoral, mas o quadro político histórico mais importante do PT no Congresso é o senador Jaques Wagner, ex-governador da Bahia.
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Luiz Carlos Azedo: O valor da reforma: R$ 1 trilhão
Maia tem compromisso com a reforma, mas advertiu Guedes de que o governo precisa se esforçar para votá-la em dois meses”
O ministro da Economia, Paulo Guedes, depois de encontro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que a proposta de reforma da Previdência que o governo Bolsonaro pretende encaminhar ao Congresso poderá representar uma economia aos cofres públicos de R$ 1 trilhão. Guedes também conversa com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Faz articulações junto ao Congresso e ao Judiciário para negociar a tramitação do projeto, que ainda depende de aprovação de Jair Bolsonaro. Guedes disse que o governo fez simulações sobre o tempo mínimo de contribuição e também sobre a idade mínima, mas ainda depende de o presidente bater o martelo.
Guedes esteve também com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, na noite de segunda-feira. A conversa foi sobre o risco de judicialização da reforma, que não é pequeno. O governo quer blindar a reforma na Corte. Também trataram da situação dos estados, cuja crise fiscal gerou várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade, que deverão ser julgadas no próximo dia 27 de fevereiro. O ministro da Economia quer desafogar financeiramente os estados, que estão quebrados e podem complicar o cenário econômico; em contrapartida, espera o apoio dos governadores para que a reforma inclua estados e municípios.
O giro do ministro de Guedes também tem por objetivo evitar que a reforma esbarre numa ampla coalizão institucional, como aconteceu em outras tentativas. Corporações poderosas atuam no Congresso e no Judiciário contra a reforma, que atinge privilégios do setor público. A reforma do ex-presidente Michel Temer estava pronta para ir a plenário, mas não foi adiante depois das denúncias feitas contra ele pelo ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com base na delação premiada do empresário Joesley Batista, do grupo JBS. Enfraquecido, o seu governo não teve como garantir a base necessária para aprovação da reforma. Agora, a situação é completamente diferente, com um governo recém-eleito e com alta taxa de aprovação popular.
Corporações
A articulação da base do governo na Câmara e no Senado para aprovação da reforma, porém, ainda é muito incipiente. Maia tem compromisso com as reformas e pode se empenhar nessa direção, mas advertiu Guedes de que o governo precisa se esforçar para votá-la em dois meses. Como exige emenda à Constituição (PEC), precisa do apoio mínimo de três quintos dos deputados (308 dos 513) para ser aprovada e enviada ao Senado. “O nosso problema é garantir, em dois meses, que a reforma da Previdência tenha 320, 330 deputados a favor. Esse é o desafio”, disse Maia. Quem conhece o Congresso sabe que esse prazo é muito curto.
Maia destacou que o governo precisa esclarecer bem o teor das propostas, com um bom plano de comunicação, para evitar que a opinião pública fique confusa. Caso a Câmara aprove a proposta até maio, o Senado teria condições de sacramentar a reforma até julho. A pressa dificulta a mobilização dos setores contrários à reforma. Os servidores públicos fazem uma oposição muito mais eficiente à reforma do que os trabalhadores do setor privado, cujos sindicatos estão em crise por causa do fim do imposto sindical. Como as corporações estão incrustadas no aparelho de Estado, principalmente a alta burocracia, o poder de fogo de algumas categorias é muito grande e concentrado, ao contrário da mobilização difusa dos trabalhadores do setor privado. Daí a importância, por exemplo, de os militares serem incluídos na reforma. O núcleo fundamental da base eleitoral do próprio presidente da República (militares, policiais, policiais militares, promotores e juízes) não apoia a reforma.
Partilha
As negociações para composição da Mesa e das comissões do Senado estão num impasse. Com a vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), que quebrou a regra da distribuição de cargos de acordo com a proporcionalidade entre as bancadas, o MDB pleiteou a primeira vice-presidência e o comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O grupo vitorioso, porém, exigiu que a legenda derrotada escolhesse um cargo ou outro. Além disso, ameaça levar a presidência da CCJ o a voto se o MDB indicar o senador Renan Calheiros (MDB-AL). O PT quer a presidência da Comissão de Relações Exteriores (CRE), mas também não há acordo; o ex-presidente Collor de Mello, que já ocupava o cargo, reivindica a recondução. As decisões serão tomadas hoje.
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Luiz Carlos Azedo: Jogo começa sem Bolsonaro
“Bolsonaro afina o discurso do governo com as verdadeiras prioridades do país. Entretanto, ainda não entrou em campo para articular a base de apoio às reformas”
O ano legislativo começou com o governo pautando o Congresso em dois temas essenciais para o sucesso de Jair Bolsonaro como presidente da República: a reforma da Previdência e a política anticrime organizado. No primeiro caso, houve vazamento de uma proposta de aumento do tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos, que foi desmentida e desagradou o ministro da Economia, Paulo Guedes, que ainda não fechou a proposta oficial do governo com o próprio Bolsonaro; no segundo, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, apresentou as propostas de endurecimento das penas e do regime carcerário, além da criminalização do caixa dois eleitoral e de combate a corrupção, aparentemente já sincronizadas com o presidente da República, que declarou guerra ao crime organizado na sua mensagem ao Congresso.
Nenhuma das duas reformas (a previdenciária e a penal) terão andamento fácil. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adiantou que pretende submetê-las a amplo debate na Casa. A eleição de Maia, no primeiro turno, com 334 votos dos 513 deputados, foi relativamente tranquila, na sexta-feira passada, mas sinaliza também uma liderança compartilhada com setores do governo e da oposição. Com toda certeza, deixará as propostas decantarem nas comissões especiais antes de levar a plenário para votação. Maia é um defensor da reforma da Previdência, que considera vital para o país, mas não vai submeter a proposta à votação sem uma maioria consolidada; sabe que uma derrota na largada pode custar a própria reforma. Também é a favor do endurecimento das penas, mas não será algoz de seus colegas no caso do caixa dois eleitoral, pois a Câmara ainda é uma casa de alguns condenados à forca. O mais provável é que o preço da nova lei seja uma anistia ao caixa dois, do tipo “quem comeu, comeu; agora não come mais”.
A situação no Senado, nesse aspecto, é um pouco mais confusa, embora a vitória surpreendente de Davi Alcolumbre (DEM-AP), também no primeiro turno, deva ser computada como um gol de placa do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que jogou todo o seu prestígio e arriscou o próprio cargo para derrotar o ex-presidente da Casa Renan Calheiros (MDB-AL), com uma maioria bem apertada: 42 votos de 81 senadores. O novo presidente do Senado também foi eleito com votos da oposição: PSDB, Rede, PDT, PSB e PPS. Ou seja, para aprovar as reformas, quando chegarem ao plenário, precisará negociar um acordo amplo, inclusive com o MDB e o PT, os grandes derrotados na disputa pelo controle da Mesa do Senado.
O paciente
Bolsonaro afina, pouco a pouco, o discurso do governo com as verdadeiras prioridades do país, como ficou demonstrado na mensagem que enviou ontem ao Congresso. Entretanto, ainda não entrou em campo para articular a base de apoio às reformas. Pretendia sair do hospital amanhã, mas teve complicações estomacais pós-operatórias e um pouco de febre, o que é um sintoma de que a retirada da colostomia e a ligação do intestino grosso ao intestino delgado, sequelas da facada que levou durante a campanha eleitoral, foram realmente uma operação bem mais complexa do que se esperava. Os médicos recomendaram mais sete dias de repouso; a instalação de um gabinete presidencial no hospital, como queriam os assessores do presidente, está fora de cogitação.
Enquanto Bolsonaro se recupera, o governo opera em marcha lenta, e há uma tendência natural a fragmentar sua atuação, via ministérios cada vez mais autárquicos. Hoje, o vice-presidente Hamilton Mourão presidirá mais uma reunião do conselho de ministros, atraindo os holofotes da imprensa e os ódios de seus desafetos no próprio universo bolsonariano. O guru da ala mais conservadora do governo, o filósofo Olavo de Carvalho, faz ataques sistemáticos ao general nas redes sociais. Ontem, militantes de seus grupos de apoio estenderam uma faixa pedindo para Mourão calar a boca. A ciumeira tem dois ingredientes: uma teoria conspiratória, de que o vice estaria de olho no cargo do titular; e o incômodo com certas declarações de Mourão, politicamente mais moderadas ou até mesmo em contraponto com a agenda dos costumes de Bolsonaro, como seu comentário sobre o aborto, que qualificou como uma decisão que cabe à mulher.
Nada, porém, abala o otimismo do mercado. Ontem, a Bolsa de São Paulo fechou seu pregão com alta de 0,74%, atingindo 98.588 pontos, novo recorde de fechamento, apesar da queda das ações da Vale, em razão da tragédia em Brumadinho (MG). Esse otimismo é alimentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe, que sinalizam um programa de reformas liberais, entre as quais a da Previdência. Qualquer reversão dessa expectativa pode ter reflexos negativos na economia, onde o ambiente de negócios está sendo aquecido, mas os investimentos, principalmente em infraestrutura e capital fixo, ainda vão demorar. Ou seja, o Congresso precisa fazer a sua parte para a economia realmente deslanchar.
Luiz Carlos Azedo: O cavalo do cão
“A eleição de Alcolumbre fortaleceu o DEM e o chefe da Casa Civil, Onix Lorenzoni, que passaram a controlar o Senado. Ou seja, o presidente Jair Bolsonaro foi o grande vitorioso”
As duas sessões para eleição do novo presidente do Senado revelaram os lados da moeda do novo ciclo legislativo que se abre: na sexta-feira, a tumultuada condução dada pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-RJ) subverteu as regras do jogo para escolha dos presidentes dos Poderes, com a adoção do voto aberto; ontem, a Casa voltou à calma, sob a presidência do velho senador José Maranhão (MDB-PB), que restabeleceu o voto secreto, seguindo determinação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Essa contradição entre o “novo” e o “velho” pautará as relações na Casa durante a legislatura. Mesmo assim, Alcolumbre foi eleito no primeiro turno, com 42 votos, depois que Renan Calheiros (MDB-AL), ao perder o favoritismo, renunciou. Não deu zebra na eleição; para usar uma expressão do grande derrotado, deu cavalo do cão.
O que houve foi uma rebelião. O Senado havia aprovado o voto aberto para eleição, por 50 votos a favor contra dois, decisão que indicava os rumos das coisas, mas contrariava o regimento da Casa e a liminar de 9 de janeiro do próprio Toffoli, que determinava a realização de votação secreta para a eleição. Diante dessa decisão, MDB e Solidariedade fizeram três pedidos ao STF: assegurar a validade do regimento interno da Casa que prevê a eleição de forma secreta; anular a votação da “questão de ordem”, submetida ao plenário pelo senador Davi Alcolumbre, que tratava da votação aberta aos cargos da Mesa; e reconhecer que candidatos à Presidência do Senado Federal não possam, em nenhum momento, presidir reuniões preparatórias. Alcolumbre, realmente, havia exorbitado na condução.
Toffoli, em liminar assinada na madrugada de ontem, anulou as decisões de Alcolumbre e restabeleceu o voto secreto: “Declaro a nulidade do processo de votação da questão de ordem submetida ao plenário pelo senador da República Davi Alcolumbre, a respeito da forma de votação para os cargos da Mesa Diretora. Comunique-se, com urgência, por meio expedito, o senador da República José Maranhão, que, conforme anunciado publicamente, presidirá os trabalhos na sessão marcada”, determinou o ministro.
Impasse
O impasse se deu por causa da disputa entre o DEM e o MDB pelo controle do Senado, com o ministro-chefe da Casa Civil, Onix Lorenzonni, operando fortemente para eleger Davi Alcolumbre. A candidatura de Renan Calheiros (MDB-AL), que pleiteava o quinto mandato, nunca foi pacífica nem no seu partido. Simone Tebet (MDB-MT) havia recebido cinco votos dos 13 da bancada. Além disso, Renan enfrentou forte reação de senadores veteranos com os quais já tinha antigas desavenças, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), com quem quase trocou tapas na sessão. Major Olímpio (PSL-SP) e Álvaro Dias (Podemos) retiraram suas candidaturas, assim como Simone Tebet, que era candidata avulsa, todos declarando votos para Alcolumbre. Collor de Mello (PTB-AL), Reguffe (DF-sem partindo), Coronel Angelo (PSD-CE) e Esperidião Amin (PP-SC) mantiveram as candidaturas. A correlação de forças havia mudado no Senado, com os novos senadores em sintonia com as redes sociais.
A primeira votação foi um vexame: apareceram 82 votos para 81 senadores. Foi preciso realizar outra votação, para evitar a implosão da sessão, que passou por outros tumultos. A aliança heterodoxa entre o líder da Rede, Randolfe Rodrigues (AP), autor do requerimento do voto aberto, e Alcolumbre, decisiva para a vitória no primeiro turno, não surgiu ontem, vem das eleições no seu estado, onde ambos caminham juntos há várias eleições, numa disputa com o grupo do ex-presidente José Sarney (MDB). A defesa do voto aberto, com amplo respaldo da opinião pública, referendou a aliança, em nome da renovação da liderança da Casa, independentemente de ideologias. Somente o PT se manteve firme na aliança com Renan, que reproduz os acordos entre os senadores dos dois partidos nos estados do Nordeste. Entretanto, quando Flávio Bolsonaro (PSC-RJ) revelou seu voto em Alcolumbre, Renan tomou consciência de que seria mesmo derrotado e resolveu sair da disputa.
Qualquer que fosse o resultado da eleição, o processo ocorrido no Senado esgarçaria igualmente as relações do governo com o MDB; porém, a vitória de Alcolumbre fortaleceu o DEM e o ministro-chefe da Casa Civil, Onix Lorenzoni, que passaram a controlar o Senado. Ou seja, o presidente Jair Bolsonaro, embora tenha se declarado neutro, foi o grande vitorioso no embate. É uma situação muito diferente da Câmara, onde Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi reconduzido pela terceira vez ao comando da Casa, com 334 votos, eleito no primeiro turno, numa votação secreta e muito tranquila — apesar da grande renovação que houve na Casa, que começa a legislatura em ambiente de entendimento, pacificada.
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Luiz Carlos Azedo: A força da conciliação
“Sejam quais forem os presidentes da Câmara e do Senado, vão ter de operar a velha aliança entre liberais e conservadores. O presidente Jair Bolsonaro quer mudar as regras do jogo, ma non troppo”
A linha de força da disputa pelo comando da Câmara e do Senado é a velha política de conciliação, uma herança do Segundo Império, que se impôs na política nacional historicamente, como uma forma de resistência das forças políticas que controlam o Estado brasileiro. Mesmo depois da proclamação da República, na qual o positivismo se disseminou como ideologia dominante, a conciliação pautou a hegemonia no parlamento brasileiro. Não será diferente agora, depois do tsunami eleitoral que levou o presidente Jair Bolsonaro ao poder: o novo governo terá de conviver com a política tradicional. O nepotismo, o fisiologismo e o patrimonialismo estão sendo mitigados pela Operação Lava-Jato.
Um velho político conservador do Império, Honório Hermeto Carneiro Leão (1801-1856), o Marquês de Paraná, foi o pai da criança. A maioria dos políticos ouviu falar dele nos bancos escolares, mas é um sobrenome que até ontem frequentava o nosso parlamento, como outros representantes do velho patronato brasileiro. Renan Calheiros (MDB-AL) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), no Senado e na Câmara, favoritos na disputa pela Presidência das duas casas, respectivamente, são legítimos representantes dessa tradição política enraizada no Nordeste brasileiro e no Rio de Janeiro. Seus principais desafiantes, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Fabinho Ramalho (MDB-MG), deslocam o eixo de poder para a Região Norte e para Minas Gerais. Os demais candidatos não têm a menor chance na disputa; os dois estão sendo estimulados pelo Palácio do Planalto, no primeiro caso, ostensivamente; no segundo, com mão de gato.
Carneiro Leão era um político do Regresso Conservador, que não conseguiu conter a Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul) nem evitar a eclosão da Sabinada (Bahia), da Balaiada (Maranhão) e da Cabanagem (Pará). A consequência foi a antecipação da maioridade de D. Pedro II, um golpe contra a Constituição articulado pelos liberais: “Queremos D. Pedro II / Embora não tenha idade / A nação dispensa a lei / Viva a Maioridade!” Por isso mesmo, não houve imediato retorno à normalidade. Em 1841, o chamado Gabinete da Maioridade foi substituído pelo Gabinete Palaciano, de tendência regressista, que reformou o Código de Processo Criminal e restaurou o Conselho de Estado, símbolo do despotismo monárquico. Em 1º de maio de 1842, a Câmara Legislativa, de maioria liberal, foi dissolvida.
Isso provocou revoltas nas províncias de Minas Gerais e São Paulo contra o Gabinete Palaciano. Houve choques militares em São Paulo; em Minas Gerais, os liberais, denominados de luzias, advogavam que a luta era em prol da “Constituição do Império”e defendiam a descentralização. A última revolta provincial, entretanto, eclodiu em 7 de novembro de 1848, em Pernambuco: a Revolução Praieira, duramente reprimida. A consolidação do Segundo Reinado se deu somente a partir de 1848, graças aos ministros da Justiça, Eusébio de Queiróz; de Estrangeiros, Visconde do Uruguai; e da Fazenda, o Visconde de Itaboraí, que mandaram e desmandaram até 1862, o que possibilitou a aprovação da Lei Eusébio de Queiróz, da Lei de Terras, do Código Comercial e a centralização político-administrativa da Guarda Nacional.
Luzias e saquaremas
O Marquês do Paraná, em 1853, para evitar conflitos políticos que remontassem aos anos de 1830 e 1840, resolveu acalmar as ruas e buscar uma aproximação com os liberais. Para convencer membros do Partido Liberal a aderir ao Gabinete da Conciliação, promoveu uma ampla reforma eleitoral, aprovada em 1854, com o voto distrital, que favoreceu a eleição de representantes de minorias políticas; e as incompatibilidades, que impediam a eleição de funcionários públicos nos distritos onde exercessem suas funções. Nas eleições de 1856, houve uma renovação de 67% dos políticos, o chamado Renascer Liberal. A política de conciliação é muito criticada desde aquela época. O deputado Holanda Cavalcanti, liberal pernambucano, dizia que “não há nada mais parecido com um saquarema do que um luzia no poder”.
A chamada “modernização conservadora” se ancorou nessa prática parlamentar; quando os políticos não deram conta do recado, houve rupturas institucionais: 1889, 1930 e 1964. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para justificar sua aliança com o que chamava de “atraso”, mandava seus ministros lerem Um estadista no Império, de Joaquim Nabuco, o mais ardoso defensor da “ponte de ouro” entre liberais e conservadores, para que entendessem sua conturbada relação com o falecido senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), o grande líder conservador do Senado. De certa forma, com sinal trocado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu a estratégia, em aliança com o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Dilma Rousseff quis mudar as regras do jogo e foi apeada do poder, como o ex-presidente Collor de Mello. Sejam quais forem os presidentes da Câmara e do Senado, vão ter de operar a velha aliança entre liberais e conservadores. O presidente Jair Bolsonaro quer mudar as regras do jogo, ma non troppo; tem um vice costeando o alambrado.
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Luiz Carlos Azedo: A lição de Brumadinho
“A narrativa de que a legislação e a fiscalização ambientais são um entrave ao desenvolvimento não é somente falsa, é um erro de conceito, assim como achar que o aquecimento global é cascata”
Erros de conceito custam caro para qualquer estratégia empresarial. Costumam causar desastres irreparáveis, como os de Mariana e Brumadinho. O poder da Vale nos estados onde atua, como Minas, Pará, Maranhão e Espírito Santo, além do poderoso lobby que sempre manteve junto ao governo federal, ao Congresso e ao próprio Judiciário, foi exercido de forma permanente para reduzir custos com medidas de segurança e de controle de impacto ambiental. Prefeituras de todas as áreas onde atua vivem perdendo as quedas de braço com a empresa, que prefere fazer políticas compensatórias de caráter social e urbano do que investir mais pesado na redução de danos ambientais. Agora, a casa caiu.
O plano para “descomissionar” todas as suas barragens construídas pelo método de “alteamento” ã montante é uma confissão de culpa e o reconhecimento de que houve erro de conceito na forma como a empresa resolveu tratar os dejetos de suas atividades de mineração, que poderiam ser reaproveitados utilizando tecnologias mais modernas. “Todas as barragens da Vale apresentam laudos de estabilidade emitidos por empresas externas, independentes e conceituadas internacionalmente”, alega a companhia. As represas que desmoronaram, porém, também tinham esses laudos. No caso de Brumadinho, seus responsáveis já estão até presos.
Qual é a razão de tais medidas não terem sido adotadas antes? A própria Vale fornece uma pista. Estima-se que serão gastos R$ 5 bilhões para a desativação das barragens, ao longo dos próximos três anos. A empresa está sendo obrigada, por medida de segurança, a suspender as operações de Abóboras, Vargem Grande, Capitão do Mato e Tamanduá, no complexo Vargem Grande, e as operações de Jangada, Fábrica, Segredo, João Pereira e Alto Bandeira, no complexo Paraopeba, incluindo também a paralisação das plantas de pelotização de Fábrica e Vargem Grande. Deixarão de ser produzidos 40 milhões de toneladas de minério de ferro ao ano, dos quais 11 milhões de toneladas de pelotas.
A Vale pretende redirecionar a produção para outras regiões do país — cada vez mais, as suas atividades de mineração se deslocam de Minas/Espírito para o Pará/Maranhão — e aproveitar todos os trabalhadores da empresa, mas qual será o impacto na economia das cidades mineiras e capixabas, em termos de arrecadação e geração de emprego e renda? Com certeza, será muito negativo. O caso de Brumadinho, nesse aspecto específico, é muito pedagógico, pois reflete um erro de conceito da empresa em relação ao reequilíbrio de suas atividades com o meio ambiente e o entorno social. Há outros erros correlatos, mas o principal talvez seja a subordinação da agenda ambiental aos interesses da produção e da lucratividade financeira da empresa, custe o que custar, embora isso esteja em contradição com a missão definida no planejamento estratégico da própria: “Transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável”.
Narrativas
Brumadinho também pôs de pernas para o ar a narrativa do novo governo sobre a questão ambiental, que se tornou uma agenda emergente. Os trabalhos no Congresso serão reabertos amanhã, mas nos corredores da Câmara e do Senado, ontem, já se articulavam uma comissão especial de inquérito para investigar a Vale e outra comissão, mista, isto é, em conjunto com o Senado, para investigar milhares de barragens existentes no país, muitas delas sem licenciamento sequer. Não se deve demonizar a mineração, que é uma atividade essencial para a economia do país, mas há que se repensar o modus operandi das companhias: o custo da tragédia de Brumadinho será muito maior do que aquele que se teria se tivesse adotado medidas efetivas. O saldo dessa tragédia, até agora, é de quase 100 mortos e mais de 250 pessoas desaparecidas. O impacto na opinião pública das operações de resgate é mundial e já mobiliza os organismos internacionais e acionistas da própria Vale.
Mariana é um exemplo do poder do lobby da Vale junto aos governos, ao Congresso e ao Judiciário no sentido de não honrar suas responsabilidades ambientais e sociais; a empresa simplesmente se recusa a pagar as multas aplicadas e é um dos atores mais poderosos no sentido de desmoralizar os órgãos de controle ambiental e seus técnicos. A narrativa de que a legislação e a fiscalização ambientais são um entrave ao desenvolvimento não é somente falsa, é um erro de conceito. Mais ou menos como achar que o aquecimento global é uma cascata dos seus pesquisadores, quando as alterações climáticas estão aí mesmo, alterando a rotina das pessoas e provocando catástrofes naturais pelo mundo. O Brasil não está fora disso.
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