Nas entrelinhas

Luiz Carlos Azedo: A última do Bolsonaro

“Temos um governo assumidamente de direita, com uma agenda liberal na economia e conservadora nos costumes”

O presidente Jair Bolsonaro foi eleito no segundo turno por 55,13% dos votos válidos; no primeiro turno, teve 46,03% dos votos. Embora seja presidente de todos os brasileiros, está fazendo a opção de governar apenas para os que votaram nele. Os que optaram por outros candidatos no primeiro turno e votaram nele, no segundo turno, não desejavam a volta do PT ao poder. O petista Fernando Hadadd obteve 44,97% dos votos no segundo turno, ao qual chegou graças aos 29,28% dos votos válidos obtidos no primeiro turno. O PT obteve 15% dos votos a mais no segundo turno, pela razão inversa.

Um candidato de centro, após a eleição, estaria mais empenhado em construir um certo consenso nacional para governar, isolando os extremos. Não é o caso de Bolsonaro. Sua estratégia é manter a fricção direita versus esquerda a qualquer custo e ancorar seu governo nas Forças Armadas, seja recorrendo a oficiais de alta patente para compor o governo e ocupar suas posições mais estratégicas, seja resgatando o velho positivismo que embalou as revoltas tenentistas, a Revolução de 1930 e o golpe militar de 1964. Bolsonaro revela uma estratégia política na qual o povo não é o protagonista, mas seus companheiros d’armas.

Ao discursar na cerimônia de aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais no Rio de Janeiro, num discurso curto e grosso, deu seu recado: “Temos uma missão de mudar o Brasil. Esse foi nosso propósito, essa foi nossa bandeira ao longo de quatro anos andando por todo o Brasil. […] O que eu quero para os senhores, meus irmãos militares. Sou do Exército brasileiro, mas tenho uma formação muito semelhante a de vocês. A minha última unidade foi a Brigada de Infantaria Paraquedista. Eu quero vocês conversando, ouvindo, debatendo uma retaguarda jurídica para que vocês possam exercer seus trabalhos, em especial nas missões extraordinárias da tropa.”

Depois, arrematou: “A segunda missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia e a liberdade. E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Forças Armadas assim o quer”, disse o presidente, arranhando a concordância verbal. Depois do discurso, o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, tentaram reinterpretar o discurso, mas o leite já estava derramado. Bolsonaro se viu obrigado a gravar uma “live” na internet, na qual minimizou o comentário feito na cerimônia militar.

Previdência
Bolsonaro utilizou o argumento para justificar a inclusão dos militares na reforma da Previdência, uma exigência que está sendo feita pelo Congresso para começar a debatê-la, porque a proposta do governo deixou os militares de fora. Chegamos ao ponto que mais interessa. Gregos e baianos, com exceção dos de oposição, sabem muito bem que o país não tem a menor possibilidade de crescer na escala que precisa sem a reforma da Previdência. A desaceleração da economia mundial e a nossa crise fiscal não permitem que isso ocorra, mesmo que a reforma seja meia-boca, descarregando o peso do ajuste nos assalariados para manter os privilégios dos grupos de pressão mais poderosos, como magistrados, procuradores, militares e policiais. O sucesso de Bolsonaro passa por esse rubicão.

Para aprovar a reforma, Bolsonaro depende dos políticos, principalmente do Congresso, cujos 513 deputados e 81 senadores representam a totalidade dos eleitores e não apenas a parcela que votou no presidente da República. Não há a menor possibilidade de aprovar a reforma sem a mobilização de 308 deputados e 54 senadores. A forma como o governo foi organizado não garante esse apoio, ainda mais porque os políticos nomeados para o ministério são representantes de frentes parlamentares com fortes interesses corporativos, que nada têm a ver com a reforma da Previdência.

Não se pode dizer que Bolsonaro não saiba como funciona o parlamento, no qual atuou por quase 30 anos. Na prática, porém, o eixo de sua atuação não vem sendo a articulação política do governo no Congresso: mira a mobilização ideológica de seus apoiadores, entre os quais os militares, dos quais é o “comandante supremo”, como presidente da República. Ninguém se engane com o significado da eleição de Bolsonaro. Temos um governo assumidamente de direita, com uma agenda liberal na economia e conservadora nos costumes. A oposição terá de aprender a conviver com isso. Entretanto, Bolsonaro também não pode ignorar que vivemos num regime democrático, com um Congresso que preza suas prerrogativas constitucionais.

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Luiz Carlos Azedo: A chuva dourada

“A postagem de um vídeo obsceno postado por Bolsonaro virou chacota na imprensa mundial, porém, mobilizou os partidários do presidente”

Desde “Pelo telefone” (Donga), composta em 1916, no quintal da casa da Tia Ciata, na Praça Onze, a relação do samba e do carnaval com os bons costumes e a ordem instituída foi tensa. A letra original do primeiro samba, “O chefe da folia/ Pelo telefone / Mandou me avisar / Que com alegria / Não se questione / Para se brincar”, foi alterada para a versão mais conhecida hoje em dia, “O Chefe da Polícia / Pelo telefone/ Manda me avisar/ Que na Carioca / Tem uma roleta/ Para se jogar”. Composto por Sinhô e gravada em 1928 pelo seu aluno de violão, Mário Reis, e depois por Aracy Cortes e Noel Rosa, o samba “Jura”, mais recentemente gravado por Zeca Pagodinho, nasceu no teatro de revista, com uma letra que insinua o sexo não-convencional: “Jura. Jura de coração/ Para que um dia/ Eu possa dar-te o meu amor/ Sem mais pensar na ilusão/ Daí então dar-te eu irei/ Um beijo puro na catedral do amor.”

No começo dos anos 1970, uma professora primária escandalizou o país ao exibir os seios num baile do Clube Sírio e Libanês, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Era uma época em que as grandes sociedades, como o Clube dos Democráticos e os Tenentes do Diabo, estavam em absoluta decadência, o desfile de escola de samba ainda era na Avenida Presidente Vargas e os blocos de massa, apenas dois, Cacique de Ramos e Bafo da Onça. Quem quisesse brincar na rua os quatro dias de carnaval no Rio de Janeiro teria de ir à Avenida Rio Branco e correr atrás dos chamados blocos de sujo, que se formavam quase espontaneamente.

A Banda de Ipanema, que desfilara a primeira vez em 1965, inspirando o surgimento de dezenas de bandas pela cidade, fez renascer das cinzas o carnaval de rua. Sua musa inspiradora, a atriz Leila Diniz, com seu biquíni bem-comportado, escandalizara a cidade ao exibir na praia o barrigão da gravidez. Criada por Ferdy Carneiro, Albino Pinheiro, Jaguar, Ziraldo, Sérgio Cabral, o pai, e demais integrantes de O Pasquim, a banda reunia os protagonistas do cinema novo e da bossa nova, era um contraponto satírico a inúmeras proibições à cultura feitas pelo regime militar.

Com o tempo, os bailes nos clubes foram ficando cada vez mais permissivos; os desfiles de escolas de samba mais luxuosos e glamourizados; a folia de rua, mais popular e democrática. O gigantismo da Banda de Ipanema levou ao surgimento de outros blocos na Zona Sul carioca, como o Simpatia é Quase Amor, inspirado num personagem de Aldir Blanc. O carnaval, com sua força transgressora, foi a vanguarda da revolução dos costumes, em curso no mundo ocidental, desde as manifestações de 1968.

Naquela época, tudo acabava a zero hora de Quarta-feira de Cinzas. Apenas dois blocos desfilavam no Rio de Janeiro depois disso: “O que é que eu vou dizer em casa”, que reunia os foliões mais exaltados, que saiam do xadrez da antiga Delegacia de Averiguações, na Avenida Presidente Vargas; e o “Chave de Ouro”, liderado por playboys do Cine Imperator, na Avenida Dias da Cruz, no Meier, subúrbio carioca da Central do Brasil, que promoviam um jogo de gato e rato com os policiais mobilizados para impedir a folia.

Pornografia
Em mais de 100 anos, ninguém conseguiu conter os foliões, a liberação dos costumes nem os excessos dos mais exaltados. O vídeo divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro, a partir de sua conta no Twitter, condenando a festa popular, é o flagrante de um fato isolado, num bloco da Bela Vista, bairro boêmio de São Paulo. As cenas obscenas de um homem urinando na cabeça de um travesti, que havia se masturbado, sobre um ponto de ônibus, porém, não poderiam ser generalizadas, por mais permissivo e erotizado que esteja o carnaval. Muito menos compartilhadas. Pornográfico, o vídeo viralizou nas redes sociais e espantou o mundo, literalmente.

Ontem, Bolsonaro se fez de desentendido e perguntou no Twitter: “O que é golden shower?”. A tradução significa “chuva dourada”, uma prática sexual escatológica. Não se sabe se a autoria foi do próprio presidente ou de seu filho caçula, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, que opera suas redes sociais. A postagem virou chacota na imprensa mundial, porém, mobilizou os partidários do presidente da República, que lidera uma campanha moralista e ganhou as eleições com uma agenda pautada pela defesa da família. A rigor, deveria estar mais preocupado com a reforma da Previdência e a articulação da base governista na Câmara do que com o carnaval.

Viva a Mangueira!!!


Luiz carlos Azedo: A festa imoral

“De onde vem tanta energia? Não é das academias de ginástica, é de certas contradições entre a revolução nos costumes, que a liberdade proporciona, e os preconceitos arraigados e discriminações”

Há muito tempo, não tínhamos um carnaval como o deste ano, em que a alma transgressora dos cidadãos, liberada pela revolução dos costumes, se choca frontalmente com a política oficial, que propõe uma espécie de contrarrevolução cultural. O carnaval é imoral, digamos, assim, no sentido mais conservador e religioso do termo. A propósito dessa contradição, a cultura judaica, tão perseguida, tem muita coisa a nos ensinar. Para o rabino Nilton Bonder, a “alma” seria nada mais que o componente consciente da necessidade de evolução, a parcela de nós capaz de romper com os padrões e com a moral. Sua natureza seria, portanto, transgressora, por não corroborar os interesses da moral.

Um dos exemplos utilizados pelo rabino para explicar a tese, no livro a Alma Imoral, que serviu de roteiro para o monólogo interpretado por Clarice Niskier, de muito sucesso, é justamente a relação corpo-alma. Ao longo dos anos, a cultura afirmou ser o corpo a fonte do imoral e a alma, do moral. O primeiro ato de Adão e Eva como seres conscientes foi cobrir o corpo nu, dando a noção de indecência e imoralidade do corpo, frente ao despertar da alma supostamente moral. No entanto, é justamente o contrário. A alma é imoral e não o corpo.

A tradição tem três eixos: a família, os contratos sociais e as crenças. A primeira foi moldada para atender às necessidades reprodutivas; os segundos, para preservação da vida humana; as terceiras, para respaldar tudo isso no plano ideológico. O processo civilizatório é a transgressão das tradições, ultrapassando-as, geração após geração, mas preserva esses objetivos vitais.

No teatro, Clarice Niskier apresenta o monólogo em estado de nudez real e, ao mesmo tempo, simbólica. A alma desnuda, em conflito com o corpo vestido, coloca em xeque dogmas religiosos. “A psicologia evolucionista aponta o corpo como o gerador da moralidade. É justamente para dar conta de seus interesses de preservação que a moralidade é engendrada. Esta moralidade é oposta às forças transgressoras da alma. Assim, a alma vive do que a sociedade reconhece como imoral”, argumenta o rabino.

Quarta-feira de Cinzas
Toda nudez será castigada, diria Nelson Rodrigues, menos no carnaval. É impressionante o ressurgimento do carnaval de rua em todo o país como uma festa de grandes multidões. Já era uma tradição no Rio de Janeiro, Salvador e Recife/Olinda, mas agora se transformou em megaevento popular em outras cidades, como São Paulo, cujo carnaval já não deve nada a ninguém, e Brasília, cujos blocos tomam conta do Plano Piloto desde a semana passada. De onde vem tanta energia? Não é das academias de ginástica, é da tal alma imoral. E de certas contradições entre a revolução nos costumes, que a liberdade proporciona, e os preconceitos arraigados e discriminações que as pessoas sofrem no cotidiano, pelos mais diversos motivos. O carnaval as liberta.

O antropólogo Roberto Da Matta, há mais de 40 anos, nos demonstrou que o carnaval é um ritual que vira pelo avesso as tradições de nossa sociedade: o povo organiza a festa, os pobres se vestem de nobres, as mulheres aparecem irreverentes e desnudas, troca-se o dia pela noite, a relação com o sobrenatural e o imaginário se materializa nas ruas por meio das pessoas comuns.

“Carnavais, malandros e heróis” também nos mostra porque a festa tem que acontecer, apesar das tragédias recentes, como as de Brumadinho e do Ninho do Urubu. Com seus pierrôs e colombinas, porta-bandeiras e mestres-salas, monstros e palhaços, marinheiros e melindrosas, pinguins e batmans, super-homens e mulheres-maravilha, o carnaval é o abre-alas da crítica social e das mudanças dos costumes. Na Quarta-feira de Cinzas, a festa acaba e tudo volta ao normal, mas é sempre bom parar para pensar no recado dos foliões. Eles mostram o que se passa na alma das ruas.

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Luiz Carlos Azedo: O malefício da dúvida

“A proposta de benefício continuado apresentado pela equipe econômica é realmente polêmica e estava na bandeja das negociações com o Congresso”

O presidente Jair Bolsonaro, na entrevista coletiva que deu ontem a jornalistas em Brasília, sinalizou para o mercado que não está tão afinado com a proposta de nova Previdência enviada pelo governo ao Congresso como deveria. O pomo da discórdia é a proposta do chamado Benefício de Prestação Continuada (BPC) para os idosos carentes, que hoje é de um salário mínimo para aqueles que tem mais de 65 anos. Na proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, o benefício seria pago para idosos com mais de 70 anos, antecipada por um benefício de R$ 400 reais a partir dos 60 anos. Bolsonaro também admitiu reduzir de 62 para 60 anos a idade mínima para aposentadoria das mulheres, que a equipe queria que fosse igual à dos homens, 65 anos.

Como sempre acontece nessas situações, a Bolsa de São Paulo fechou em queda de 1,77%, influenciada também pela divulgação do PIB do ano passado, que cresceu apenas 1,1%, e pelo fato de que os indicadores econômicos dão sinais de desaceleração. Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram, em valores correntes, que o PIB em 2018 totalizou R$ 6,8 trilhões, riqueza equivalente a de 2012. Ou seja, o país está estagnado há 7 anos. Não é culpa de Bolsonaro, mas o problema agora é do novo presidente.

Os números são frustrantes em relação ao desemprego, que mantém o patamar do começo de 2018 e teve uma queda do ritmo de geração de vagas. Também caíram as expectativas do comércio e dos serviços. O chamado “instinto animal” dos empresários, para usar uma expressão famosa do ex-ministro Delfim Neto, diante do atual cenário, continua recomendando mais cautela do que audácia na tomada das decisões, o que frustra um pouco as expectativas da equipe econômica. Na prática, o principal sinal de mudança precisa vir da política, com aprovação da reforma da Previdência.

A proposta de benefício continuado apresentado pela equipe econômica é realmente polêmica e estava na bandeja das negociações com o Congresso. Dificilmente seria aprovada, mas a declaração de Bolsonaro tirou o “bode” de sala antes da hora. Ou seja, o governo perdeu poder de barganha nas negociações da reforma de graça, antes mesmo de a comissão especial encarregada de examiná-la ser instalada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Populismo

Análise feita pelo economista Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente, ligado ao Senado, estima que a nova regra de concessão do BPC elevaria as despesas nos primeiros anos (aumento de R$ 2,1 bilhões em quatro anos), mas geraria economias crescentes no período seguinte (somando R$ 28,7 bilhões em 10 anos). “Para que a regra proposta, em 10 anos, fosse neutra em termos fiscais na comparação com a regra atual, o benefício mensal pago aos idosos entre 60 e 69 anos deveria ser de R$ 520,00”, calcula.

A proposta era vista como um ponto fraco da nova Previdência pela oposição, que logo construiu a narrativa de que o governo estava jogando o ônus da reforma sobre os ombros dos mais necessitados, os idosos carentes e portadores de deficiência. Bolsonaro não aguentou a pressão, ainda mais depois da divulgação de pesquisa na qual o índice de aprovação do governo estava abaixo de suas próprias expectativas. O presidente da República tem uma avaliação positiva de 57,5% da população, mas seu governo conta com a confiança de 38,9%, segundo o instituto MDA. A distância entre seu desempenho pessoal e o do governo é de 18,6%. Avaliaram o governo como regular 29% dos entrevistados; como ruim ou péssimo, 19%.

Político com quase 30 anos de experiência na Câmara, Bolsonaro sabe muitíssimo bem o que é uma causa perdida no parlamento, mas era de se esperar mais sangue-frio no tratamento do assunto, porque a forma como sinalizou o recuo, perante o mercado, reforça o perfil de um político populista, com dificuldades para enfrentar temas que possam afetar sua popularidade. Também mostra um tipo de negociador sem estratégia de chegada, o que não costuma ser bom para o governo no Congresso. Entra governo, sai governo, os agentes econômicos são os mesmos, têm interesses permanentes e costumam reagir de acordo com as expectativas criadas pela relação/governo. Como a base governista ainda não se estruturou para a reforma, declarações como as de ontem servem para organizar a oposição.

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Luiz Carlos Azedo: A República de Curitiba

“Com o ex-juiz Sérgio Moro no Ministério da Justiça, a força-tarefa da Lava-Jato terá muito mais apoio financeiro, operacional e político para prosseguir suas investigações”

A expressão República de Curitiba é uma alusão de advogados e políticos à atuação de militares na crise política que levou ao suicídio o presidente Getúlio Vargas. Gregório Fortunato, chefe de sua segurança pessoal, foi o pivô da crise, por ter sido o principal envolvido no atentado ao jornalista Carlos Lacerda, que fazia ferrenha oposição ao presidente da República, após o qual a oficialidade da Força Aérea Brasileira (FAB), reunida no Clube da Aeronáutica, decidiu que o brigadeiro Eduardo Gomes procurasse seus amigos de alta patente da Marinha e do Exército para pedir que o ministro da Guerra, Zenóbio da Costa, exigisse a renúncia de Getúlio. Carlos Lacerda também procurou Zenóbio, mas o ministro rechaçou a proposta.

Coube ao próprio ministro da Aeronáutica, Nero Moura, porém, levar a Getúlio a exigência de Eduardo Gomes de que as apurações fossem conduzidas por um Inquérito Policial Militar (IPM). O IPM foi a instauração da chamada “República do Galeão”, uma referência à base aérea que serviria como sede da investigação do assassinato do major Rubens Florentino Vaz, no atentado contra Lacerda. O major era um dos oficiais da Aeronáutica que se encarregou da segurança de Lacerda, após o líder idealista ter sido ameaçado de morte e agredido por Euclides Aranha, filho do ministro da Fazenda Osvaldo Aranha, no Hotel Copacabana Palace.

A morte de Rubens Vaz colocou os militares no centro da crise política. Após as investigações, que incriminaram Fortunato, os brigadeiros assinariam um manifesto exigindo a renúncia imediata de Getúlio. Marinha e Exército acompanhariam a posição da Aeronáutica. “Não renuncio; daqui só sairei morto, e o meu cadáver servirá de protesto contra essa injustiça!”, respondeu Getúlio, que consumou o ato, um trauma na política brasileira até hoje, em razão da carta-testamento que deixou para a História.

Strike

Nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) está instalada uma crise envolvendo os principais protagonistas da Operação Lava-Jato, entre os quais, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, relator do escândalo da Petrobras, e o presidente da Corte, Dias Toffoli. Moro deixou a 13ª Vara Federal da Curitiba, mas legou aos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba uma montanha de provas e pistas para investigações dos principais envolvidos no escândalo da Petrobras e suas 60 ramificações até agora. A força-tarefa havia sido contida pelo desmembramento das investigações, que foram redistribuídas aos juízes federais de diferentes estados. Mas a prisão do ex-diretor Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, suspeito de ser operador financeiro do PSDB, colocou em xeque a permanência de Gilmar Mendes como juiz natural do caso. Quem responde pelas decisões do Paraná é o ministro relator Edson Fachin.

Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou contra uma reclamação apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) por Paulo Preto, antes mesmo que o ministro Gilmar Mendes intimasse a PGR sobre o pedido. O engenheiro argumenta que ele não poderia ser investigado pela Lava-Jato no Paraná, uma vez que os fatos a seu respeito já estão sob análise da força-tarefa paulista da operação. O impasse pode ser um novo divisor de águas para a Operação Lava-Jato, que tem uma lista de políticos na fila para serem presos, principalmente os que perderam as eleições e a imunidade parlamentar, ou seja, o direito de serem julgamos pelo STF.

Com Sérgio Moro no Ministério da Justiça, a força-tarefa da Lava-Jato terá muito mais apoio financeiro, operacional e político para prosseguir suas investigações. A lista de políticos que estão sob investigações é graúda e pode pôr de joelho o Congresso, inclusive na discussão da reforma da Previdência, que fere interesses das principais corporações envolvidas nas investigações.

Estão citados: Aécio Neves (PSDB-MG), deputado e ex-senador; Edison Lobão (MDB-MA), ex-senador; Eduardo Cunha (MDB-RJ), ex-deputado, preso na Lava-Jato; Eduardo Paes (DEM-RJ), ex-prefeito do Rio de Janeiro; Eunício Oliveira (MDB-CE), ex-senador; Fernando Pimentel (PT-MG), ex-governador de Minas Gerais; Flexa Ribeiro (PSDB-PA), ex-senador: Geddel Vieira Lima, ex-ministro, atualmente preso; Índio da Costa (PSD-RJ), deputado; Jacques Wagner (PT-BA), senador e ex-governador; Sérgio Gabrielli, o ex-presidente da Petrobras; José Serra (PSDB-SP), senador e ex-governador; Lindbergh Farias (PT-RJ), ex-senador; Marco Maia (PT-RS), ex-presidente da Câmara; Marcelo Nilo (PSB-BA), deputado; Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara; Rosalba Ciarlini (PP-RN), ex-governadora do RN; Sérgio Cabral (MDB-RJ), ex-governador do Rio de Janeiro; Valdemar Costa Neto (PR-SP), ex-deputado; e Vital do Rêgo, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).

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Luiz Carlos Azedo: A força de Bolsonaro

“Bolsonaro cobrou apoio do Congresso para aprovar a reforma da Previdência: “Nós contamos com o patriotismo e o entendimento do Parlamento”

Dois meses após tomar posse e às vésperas do debate sobre a reforma da Previdência no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro tem uma avaliação positiva de 57,5% da população e seu governo conta com a confiança de 38,9%, segundo pesquisa do instituto MDA divulgada ontem pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT). A distância entre seu desempenho pessoal e o do governo, da ordem de 18,6%, corrobora as avaliações de que precisa descer do palanque e cuidar mais da gestão para atender as expectativas da população. Avaliaram o governo como regular 29% dos entrevistados; como ruim ou péssimo,19%.

Em palestra para empresários, em São Paulo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi ao xis da questão: “A sociedade pós-eleição gerou muita expectativa do governo do presidente Bolsonaro de que nós teríamos aí um novo país. Só que as mudanças não são tão rápidas em um país democrático”. A pesquisa mostra as prioridades da população: saúde (42,3%); segurança (34,3%); educação (31,6%); corrupção (29,2%); emprego (23,7%); economia (14,3%); combate à pobreza (13,3%); meio ambiente (1,5%); saneamento (1%); energia (0,9%); transporte (0,8%). São demandas objetivas, que não se encaixam no discurso de ordem ideológica.

Em compensação, Bolsonaro leva grande vantagem na comparação com os antecessores: para 55,4%, seu governo é melhor do que o de Michel Temer; para 55,9%, do que o de Dilma Rousseff. Lula e Dilma, porém, estavam melhor no começo de seus governos: 56,6% e 49,2%, respectivamente. Já o governo Temer tinha apenas 11,3%. O grande desafio do novo governo é corresponder ao otimismo popular gerado pelo resultado das eleições: 51,3% avaliam que o emprego vai melhorar; 51,2%, a saúde; 47,2% a educação; 53,3%, a segurança pública; e 48,3%, a corrupção. Todas essas tarefas do governo estão a cargos de ministros civis e dependem da aprovação da reforma da Previdência para ter mais recursos, com exceção do combate à corrupção. É aí que entra a política, como deixou claro Maia na conversa com empresários.

Patriotismo
Ontem, na posse do general Silva e Luna na presidência da Itaipu Binacional, Bolsonaro cobrou apoio do Congresso para aprovar a reforma da Previdência: “Nós contamos com o patriotismo e o entendimento do Parlamento para que nós possamos ter uma reforma da Previdência. Porque, caso contrário, economicamente o Brasil é um país fadado ao insucesso”, disse. A reforma precisa ser aprovada por pelo menos 308 dos 513 dos deputados, e por 49 dos 81 senadores e só vai começará a andar na Câmara quando o governo encaminhar ao Congresso as propostas relativas à Previdência dos militares, com os quais o ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda não chegou a um acordo.

O apoio ao governo Bolsonaro e à reforma da Previdência, entretanto, é robusto na Câmara. Segundo pesquisa da Arko Advice, 39,4% dos deputados avaliam como positivo o governo; 60,55% consideram a relação entre o Executivo e o Legislativo como ótima ou boa; 68,8% são favoráveis à reforma da Previdência; e 34% acham que será aprovada até junho. Mas a situação se complica quando se discutem os detalhes. A idade mínima de aposentadoria apresentada pelo governo — 62 anos para mulheres e 65 anos para os homens —, por exemplo, divide opiniões na Câmara: apenas 37,6% concordam com a proposta.

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Luiz Carlos Azedo: A cabeça de Maduro

“A crise venezuelana estava se transformando no epicentro da disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que ocorre desde a guerra fria”

A queda do presidente da Venezuela, Nícolas Maduro, é uma espécie de troféu para a nova política externa do governo Jair Bolsonaro. Traduziria no plano internacional a ruptura política que sua eleição representou. Ocorre que a política externa brasileira, desde o barão do Rio Branco, é uma política de Estado. Quando tudo parecia que a disjuntiva entre uma coisa e outra era um fato consumado, a realidade começou a se impor com toda a força à nossa diplomacia. O Brasil meteu a colher na política interna da Venezuela como nunca antes, pero no mucho. Os militares cuidaram de jogar um balde de água fria na estratégia de confronto com Maduro.

Há razões para isso. O Brasil não está preparado para uma guerra de verdade e não tem uma cultura militar intervencionista. Uma coisa é mobilizar as Forças Armadas e a população para se defender de uma agressão. Outra coisa, muito diferente, é participar de uma intervenção militar ou mesmo apoiá-la num país vizinho. A paz nas nossas fronteiras da Amazônia foi uma conquista diplomática, não foi um estatuto estabelecido militarmente, com exceção do Acre. Os militares sabem muito bem disso, assim como o Itamaraty, mas parece que foi preciso o vice-presidente Hamilton Mourão, que foi adido militar brasileiro na Venezuela, explicar aos parceiros da nova diplomacia do chanceler Ernesto Araújo que nosso alinhamento aos Esta- dos Unidos tem um limite.

Ontem, durante o encontro do Grupo de Lima, em Bogotá (Colômbia), Mourão afirmou que o governo brasileiro defende uma solução “sem qualquer medida extrema”. O Grupo de Lima foi criado em 2017, por iniciativa do governo peruano, com o objetivo de pressionar Maduro a restabelecer a democracia na Venezuela. Além de Brasil e Peru, Argentina, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Chile, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá e Paraguai integram o grupo: “O Brasil acredita firmemente que é possível devolver a Venezuela ao convívio democrático das Américas sem qualquer medida extrema que nos confunda com aquelas nações que serão julgadas pela história como agressoras, invasoras e violadoras das soberanias nacionais”, disse Mourão.

Em termos geopolíticos, para ser bem claro, a crise venezuelana estava se transformando no epicentro de uma disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que historicamente ela ocorre desde a guerra fria. Há muito petróleo em jogo, como no Oriente Médio, e também uma espécie de simetria com os casos da Ucrânia e da Síria, onde a Rússia teve seus interesses estratégicos ameaçados pelos Estados Unidos. A guerra comercial com a China põe mais lenha na fogueira. Para os adversários de Trump, a crise venezuelana é uma espécie de feitiço contra o feiticeiro.

Intervenção
Os militares brasileiros não estão nessa, não vão riscar um palito de fósforo perto de um barril de pólvora. Pode ser que Maduro caia mais rapidamente do que se imagina, mas o fato é que ele tem todas as condições de se manter no poder por mais tempo com o apoio das Forças Armadas venezuelanas e a ajuda da Rússia e da China, a não ser que haja uma intervenção militar norte- americana que arrase suas instalações e tropas militares.

Qual seria a repercussão disso nos demais países do continente? Seria a volta da política de “Big Stick” do presidente Theodore Roosevelt, como corolário da Doutrina Monroe, segundo a qual os Estados Unidos deveriam exercer a sua política externa como forma de deter as intervenções europeias.

Por ironia, o canal do Panamá, construído para consolidar a hegemonia norte-americana, hoje serve aos interesses comerciais chineses, que ainda pretendem construir na Nicarágua um canal três vezes maior, com 80km, ao custo de US$ 40 bilhões (cerca de R$ 85 bilhões), aproximadamente quatro vezes o PIB nicaraguense. A escalada intervencionista protagonizada pelos Estados Unidos, a partir da ajuda humanitária articulada pelo “presidente interino” Juan Guaidó, que atravessou a fronteira para a Colômbia com objetivo de liderar a entrada de caminhões com alimentos e kits de primeiros socorros, é uma jogada de alto risco. Se foi um erro ou não, só saberemos quando tentar voltar, mas o fato é que a maioria dos generais está com Maduro.

O caminho para superação do problema não é a intervenção militar. É a negociação política no plano internacional e no plano interno, com a convocação de novas eleições e uma anistia geral. O comprometimento com a corrupção e o tráfico de drogas por parte dos líderes militares da Venezuela são um complicador para qualquer acordo que não lhes garanta a uma certa impunidade. É aí que está o grande entrave à saída de Maduro, por mais que sua cabeça tenha sido posta a prêmio

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Luiz Carlos Azedo: Eu ganho, tu perdes

“Os mais pobres, principalmente idosos e deficientes, perderão mais; os trabalhadores do setor privado em geral. Entretanto, os privilégios serão reduzidos no setor público”

Com a Nova Previdência, a perda das gerações futuras será geral. A proposta apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro é ampla e dura. Isso significa que a reforma é um erro? Não, Sem ela, o país entrará novamente em colapso e, aí sim, haverá inexoravelmente a perda de direitos adquiridos dos aposentados e pensionistas. Como não mexe no passado nem no presente, tem chances de ser aprovada. Quem pagará a conta dos privilégios e do rombo fiscal são as gerações futuras. Os privilégios, historicamente, aqui no Brasil, fazem parte dos “direitos adquiridos”. Mas essa é a última oportunidade de uma reforma da previdência que não mexa nesses direitos. Se não for feita agora, a solução será à grega ou à lusitana.

Estamos transferindo essa conta aos nossos filhos e netos. Todo mundo perderá igual? Não, perderão mais os trabalhadores do setor privado, que estão sujeitos ao regime geral; porém, a reforma reduz bastante os privilégios dos servidores públicos da União, estados e municípios. Militares manterão a aposentadoria pelo último salário e os inativos, os aumentos da ativa, mas também perderão: terão que servir por mais tempo e as pensionistas passarão a pagar contribuição, da qual eram isentas. Professores vão se aposentar com 60 anos. Policiais civis, federais e agentes penitenciários terão idade mínima de 55 anos, com tempo de contribuição de 30 e 25 anos. Anistiados da ditadura militar terão que pagar a Previdência, além de terem suas pensões revistas.

O servidor que ingressou no serviço público antes de 2013 e não fez opção pela aposentadoria complementar paga 11% sobre o salário. Com a reforma, as alíquotas serão diferentes para cada faixa de remuneração, como o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Além da alíquotas progressivas, a reforma permite à União, aos Estados e aos municípios criarem contribuições extraordinárias para enfrentarem o rombo nas contas estaduais e municipais.

A contribuição ordinária passará a ser de 14%, mas será qualificada de acordo com a faixa de salários. Será reduzida em 6,5 pontos percentuais para a faixa da remuneração de até um salário mínimo; para a faixa de um salário mínimo a R$ 2 mil, em cinco pontos percentuais (9%); de R$ 2 mil a R$ 3 mil, dois pontos percentuais (12%); de R$ 3 mil a R$ 5.839,45, não haverá redução. Para a faixa da remuneração de R$ 5.839,46 até R$ 10 mil, a alíquota de 14% será aumentada em 0,5 ponto percentual (14,5%); de R$ 10 mil até R$ 20 mil, em 2,5 pontos percentuais (16,5%); de R$ 20 mil a R$ 39 mil, 5 pontos percentuais (19%). Acima de R$ 39 mil, o acréscimo será de 8 pontos percentuais ( 22%).

Quem ganha mais continuará ganhando: os servidores públicos; já no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) do setor privado, as alíquotas atuais variam de 8% a 11% sobre o salário de contribuição; com a incidência progressiva, variarão de 7,5% a 14%, dependendo da faixa de renda. O teto continuará muito abaixo da aposentadoria média dos servidores. A reforma busca reduzir essas desigualdades, mas elas sobreviverão. A prioridade do governo não é nivelar por baixo, é garantir uma arrecadação extra de R$ 33,6 bilhões nos próximos quatro anos e de R$ 173,5 bilhões, em dez anos.

Mais pobres

Entretanto, os mais pobres, principalmente idosos e deficientes, perderão mais. A pessoa, ao chegar aos 65 anos, poderia receber o benefício de um salário mínimo. Agora, esse valor será atingido só com 70 anos. Para compensar, haverá um auxílio de R$ 400. Com o fim do abono para quem ganha dois salários mínimos, ao adotar essa medida, o governo economizará R$ 41,4 bilhões em quatro anos. No caso do RGPS, isso compensará a mudança de alíquotas, que reduzirá a arrecadação em R$ 10,3 bilhões nos próximos quatro anos e em R$ 27,6 bilhões, em dez anos.

Tudo isso, porém, pode ser mitigado pelo Congresso. Os trabalhadores do setor privado, com sindicatos falidos e desemprego em massa, têm muito pouco poder de pressão contra a reforma, porque perderam a capacidade de mobilização. Já o lobby das corporações, principalmente das carreiras de Estado, policiais federais, policiais militares, auditores fiscais, promotores e magistrados, e, em especial, os militares das Forças Armadas, têm enorme poder de barganha. É aí que a reforma enfrentará mais dificuldades e pode sofrer reveses, mas isso, aparentemente, está “precificado” pelo mercado: nesse caso, o resultado será mais um ciclo de crescimento com aumento de desigualdades.

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Luiz Carlos Azedo: Quem matou Marielle?

“Há provas suficientes de que o crime foi meticulosamente planejado e executado por profissionais. Não foi por outra razão que o ex-secretário de Segurança Richard Nunes responsabilizou as milícias”

A Polícia Federal realizou ontem, no Rio de Janeiro, uma operação para cumprir oito mandados de busca e apreensão relacionados às investigações do caso Marielle Franco, a vereadora do PSol assassinada numa emboscada, com o seu motorista, Anderson Gomes. O alvo das operações foram os policiais envolvidos nas investigações do caso que, até hoje, não foi elucidado, embora o então secretário de Segurança Pública, general Richard Nunes, tenha, à época, anunciado que as apurações haviam chegado muito perto dos envolvidos. As medidas foram autorizadas pela Justiça Estadual após serem submetidas ao Ministério Público do Rio de Janeiro, mas estão sendo determinadas pelo procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

A origem da investigação é um longo depoimento do miliciano Orlando de Curicica a dois procuradores federais, no Presídio Federal de Mossoró, no qual contou que o responsável pela Divisão de Homicídios, Giniton Lages, esteve no presídio de Bangu para ouvi-lo e queria que confessasse que matou Marielle a mando do vereador carioca Marcelo Siciliano, do PHS. Ambos foram acusados por um policial militar considerado a peça-chave da investigação feita pela Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro. No longo depoimento, Orlando acusa a testemunha de ser um miliciano que se desentendeu com ele, disse ter respondido ao delegado Giniton Lages que não tinha envolvimento com o caso e que o delegado teria pedido então para ele acusar o vereador Marcelo Siciliano. “Fala que o cara te procurou, pediu para você matar ela, você não quis, e o cara arrumou outra pessoa. Mas que o cara que pediu para matar ela”, teria dito o delegado. Orlando também descreveu como atuam as milícias no Rio de Janeiro.

No jargão das investigações criminais, não existe crime de mando sem um “bode”. Isto é, alguém que possa ser incriminado por um crime porque teria algum tipo de desavença ou disputa com a vítima. No caso Marielle, há provas suficientes de que o crime foi meticulosamente planejado e executado por profissionais. Não foi por outra razão que o general Richard chegou a responsabilizar as milícias: “Era um crime que já estava sendo planejado desde o fim de 2017, antes da intervenção”, disse à época. “Ela estava lidando em determinada área do Rio controlada por milicianos, onde interesses econômicos de toda ordem são colocados em jogo.”

Quebra-cabeças
No começo das investigações, houve uma operação rocambolesca para prender os supostos responsáveis pela morte de Marielle. Policiais foram despachados para a Zona Oeste do Rio; Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense; Petrópolis, na Região Serrana; Angra dos Reis, na Costa Verde; e até Juiz de Fora, em Minas. Em Angra, os policiais ficaram encurralados por traficantes na comunidade do Frade e precisaram da ajuda de policiais militares e de um helicóptero para sair do cerco. Em Juiz de Fora, PMs pararam a equipe para checar quem eram os homens armados que estavam circulando pela cidade, em carros descaracterizados. O delegado Giniton Lages comandou o show.

Na operação de ontem, um dos alvos foi o PM que testemunhou contra Orlando Curicica; outro, o delegado federal Helio Khristian Cunha de Almeida, o primeiro a ter contato com a testemunha, levada a ele pela advogada Camila Moreira Lima Nogueira, também investigada. Após um encontro na Urca, eles decidiram apresentar o PM ao então chefe da Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa, que encaminhou todos para a Delegacia de Homicídios. Em janeiro passado, cinco pessoas foram presas em uma operação contra as milícias, entre elas o major Ronald Paulo Alves Pereira, suspeito de comprar e vender imóveis construídos ilegalmente na Zona Oeste do Rio, além de crimes relacionados à ação da milícia nas comunidades de Rio das Pedras, Muzema e adjacências, como agiotagem, extorsão de moradores e comerciantes, pagamento de propina e utilização de ligações clandestinas de água e energia. O ex-capitão Adriano da Nóbrega, que está foragido, é outro envolvido no caso.

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Luiz Carlos Azedo: Cerco ao ninho tucano

“A acusação mais pesada é de que Paulo Vieira recebia dinheiro do setor de propinas da Odebrecht para financiar campanhas políticas, chegando a movimentar cerca de R$ 100 milhões nas eleições de 2010”

A chamada 60ª fase da Operação Lava-Jato, na qual policiais federais de Curitiba foram a São Paulo para cumprir 12 mandados de busca e apreensão e prender Paulo Vieira de Souza, ex-diretor de engenharia da Dersa, a estatal que cuida das obras viárias do governo paulista, é a abertura de um novo ciclo das investigações, cujo foco é o PSDB paulista. No ano passado, Paulo Vieira foi preso duas vezes em outro processo, que apura desvio de dinheiro das desapropriações do Rodoanel, mas estava em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.

O procurador da Lava-Jato Deltan Dallagnol comemorou a operação: “Vejo tweets receando que o Ministro Gilmar Mendes solte Paulo Preto mais uma vez em liminar. Isso é impossível debaixo da lei. O relator desse caso no Supremo não é ele, e sim, o Ministro Fachin”. Ou seja, a investigação saiu da esfera da Justiça Federal em São Paulo e voltou para Curitiba, que responde ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. É uma demonstração de que a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba foi fortalecida com a eleição do presidente Jair Bolsonaro e a nomeação do juiz federal Sérgio Moro, que deixou a magistratura, para o Ministério da Justiça.

A mudança de eixo se deu graças à delação premiada do empresário e operador financeiro Adir Assad e de ex-executivos da Odebrecht que, supostamente, revelaram como funcionava o esquema de financiamento eleitoral do PSDB em São Paulo. Além de prender Paulo Vieira de Souza, suspeito de ser um operador de propinas do PSDB, também cumpriu mandados em endereços ligados ao ex-senador tucano Aloysio Nunes Ferreira. A acusação mais pesada é de que Paulo Vieira recebia dinheiro do setor de propinas da Odebrecht para entregar a executivos da Petrobras e financiar campanhas políticas, chegando a movimentar, na campanha de 2010, na qual foi candidato o senador José Serra (PSDB-SP), cerca de R$ 100 milhões.

“Adir Assad revelou que Paulo Preto possuía cerca de R$ 100 milhões a R$ 110 milhões no Brasil em espécie. E esse dinheiro estava condicionado em dois endereços: numa residência em São Paulo e também num apartamento que, segundo revelado por Adir Assad, era o local onde Paulo Preto tinha um bunker para guardar as propinas”, disse o procurador da República Roberson Pozzobon. Paulo Vieira sofre pressões para aceitar um acordo de delação premiada com a força-tarefa de Curitiba.

Aniquilamento
A operação pôs os tucanos paulistas em estado de alerta. Representa uma ameaça de cerco e aniquilamento do principal reduto na legenda, que conseguiu eleger João Doria governador do estado, cuja administração os tucanos controlam desde 1995. O governador paulista se elegeu em litígio com as lideranças tradicionais da sigla, inclusive seu padrinho Geraldo Alckmin, e não tem compromisso com o passivo ético da legenda, profundamente abalada pela Lava-Jato em Minas, Paraná e Goiás. Em nota, o partido negou vínculo com Paulo Vieira e sustentou que todos os recursos recebidos foram doados de maneira legal e declarados à Justiça Eleitoral.

A “invasão” de São Paulo pela República de Curitiba, como está sendo chamada, criou também grande mal-estar no Supremo Tribunal Federal (STF), por causa dos ataques ao ministro Gilmar Mendes, relator da Lava-Jato em São Paulo. O comentário de Dellagnol passou a ideia de que o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato em Curitiba, teria autorizado a operação Ad Infinitum, deflagrada por ordem da juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba. Em tese, o juiz natural do caso é o ministro Gilmar Mendes, que anda indignado com o fato de suas movimentações financeiras terem sido monitoradas pela Receita Federal.

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Luiz Carlos Azedo: Arrivederci, Bebianno!

“A embaixada em Roma foi a última oferta feita pela turma do deixa-disso ao ministro Gustavo Bebianno, então secretário-geral da Presidência, para que deixasse o cargo sem estrilar”

O Palazzo Pamphilj, sede da embaixada do Brasil em Roma, no bairro Parioni, é um luxo. Localizado na Piazza Novona, começou a ser construído em 1630 pela poderosa família Pamphilj, à qual pertenceu o papa Inocêncio X. Em 1644, ganhou estruturas projetadas pelos arquitetos Girolamo Rainaldi e Francesco Borromini, que trabalhou também na construção da Basílica de San Pietro. E foi decorado com afrescos de Pietro da Cortona. Na reforma feita em 2000, restauradores brasileiros descobriram afrescos do século XVII, de Andrea Camassei, Gaspar Dughet e Giacinto Brandi. Mas a grande atração ainda é a Galeria Cortona, cujo teto tem um afresco de 33 m de Pietro Cortona, concluído em 1654. Com 12 portas de acesso, a galeria tem vista para a Piazza Navona e a famosa Fontana del Moro.

O núcleo originário do Palácio, na Praça Pasquino, foi adquirido em 1470 por Antônio Pamphilj, procurador fiscal da Câmara Apostólica, cujo filho, Angelo, casou-se com Emilia Millini, rica aristocrata romana. O dote dela incluía diversas casas na Praça Navona, o que possibilitou a junção das propriedades. A família Pamphilj morou no Palácio até meados de 1700, quando a última descendente, Anna Pamphilj, casou-se com Giovanni Andrea III Doria e se transferiu para outra luxuosa residência, na Via deI Corso. Desde então, as dependências do Palácio Pamphilj foram alugadas para intelectuais, cardeais e diplomatas. O grande salão do primeiro andar, consagrado ao compositor Pier Luigi da Palestrina, foi palco de apresentações da Academia Filarmônica Romana, depois de restaurado pelo arquiteto romano Andrea Busiri Vici. No andar térreo, havia lojas, garagens, oficinas de restauração e armazéns diversos.

Em 1920, parte do Palácio foi alugada ao governo brasileiro pela Princesa Orietta Doria Pamphilj. Em 1960, o contrato foi transformado em ato de venda. O embaixador do Brasil em exercício, Hugo Gouthier de Oliveira Gondim, foi o responsável pela compra, por 900 milhões de liras, o que gerou muita polêmica no Brasil e na Itália. No ano seguinte, foi concluída a restauração completa do Palácio, em conformidade com a orientação da Superintendência das Belas Artes da Itália, o que custou mais 350 milhões de liras. Desde então, é um dos postos mais cobiçados do Itamaraty.

Perde-perde
A embaixada em Roma foi a última oferta feita pela turma do deixa-disso ao ministro Gustavo Bebianno, então secretário-geral da Presidência, para que deixasse o cargo sem estrilar. A proposta anterior, uma diretoria na Itaipu Binacional, outro cargo muito cobiçado, também foi recusada. Ao presidente da República, Jair Bolsonaro, não restou alternativa a não ser encerrar a novela e exonerar o ministro, com os agradecimentos de praxe. A última conversa entre ambos, na sexta-feira passada, havia tornado a situação insustentável. No fim de semana, um festival de plantações na mídia, de ambos os lados, com troca de ameaças e farpas, inviabilizou as negociações de bastidor. Nas conversas com interlocutores, o ministro mostrava-se inconformado; nas declarações lacônicas à imprensa, mandava recados para Bolsonaro.

A turma do deixa-disso evitou um fogaréu ainda maior, mas era um jogo de perde-perde. Não se sabe qual seria o maior desgaste, a permanência de Bebianno, que daria veracidade à suposta tutela do presidente pelos militares, ou uma saída barganhada, na qual fosse nomeado embaixador brasileiro na Itália, o que passaria a impressão de que haveria algo a temer. Seria maior ainda o desgaste do governo, que estava na defensiva desde quando Bolsonaro deixou o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e voltou a Brasília, convencido pelos filhos Carlos (vereador), Eduardo (deputado federal) e Flávio (senador) de que Bebiano era uma espécie de quinta-coluna no Palácio do Planalto.

Previdência
O governo quer virar o jogo e retomar a sua agenda, como foi esboçado na entrevista do porta-voz da Presidência, Rêgo Barros, ao anunciar a exoneração e, logo depois, várias medidas administrativas sobre Brumadinho, portos e aeroportos, para mostrar que a vida do governo segue seu curso. A grande aposta é a ida do presidente Jair Bolsonaro ao Congresso, amanhã, para apresentar a reforma da Previdência, que prevê idade mínima de aposentadoria de 65 anos para homens e de 62 anos, para mulheres, ao fim de um período de transição de 12 anos. A proposta de emenda à Constituição (PEC) começará a tramitar pela Câmara dos Deputados. Volta a ser a prioridade, depois de quase uma semana de uma crise política que teve combustão espontânea, no círculo mais próximo do presidente da República.

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Luiz Carlos Azedo: Sargento de milícias

“O colapso dos esquemas de corrupção política tradicionais fortaleceu o poder político das milícias fluminenses, que agora rondam o Palácio do Planalto”

O romance Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, publicado integralmente em 1854, é um manual da picardia característica dos cariocas e fluminenses. Faz uma espécie de “fusion” identitária entre classe média e as camadas populares do Rio de Janeiro, na qual traça o arquétipo da malandragem. Foge das características do romantismo brasileiro da época, porque seu personagem principal, Leonardo, é um cara muito esperto, que se torna sargento graças à proteção de seu padrinho, Major Vidigal. Não é um herói nativista ou patriótico, capaz de servir de paradigma de nobres costumes para construção da identidade nacional, como outros personagens da literatura da época.

Como retrata a vida no Rio de Janeiro por ocasião da chegada de D. João VI e da corte portuguesa, em 1808, foge à regra das histórias baseadas no cotidiano das elites cortesãs, embora também faça a crítica do comportamento delas. É uma mistura de romance picaresco e crônica dos costumes, cuja originalidade e importância aumentam com o tempo, porque mostra características identitárias que se afirmaram como permanentes ao passar dos anos. Coube ao acadêmico Antônio Cândido destacar a importância literária do romance escrito em forma de folhetim e publicado originalmente no Correio Mercantil, entre 1852 e 1853.

No ensaio Dialética da malandragem, um marco da crítica literária no Brasil, Antônio Cândido mostra que o romance de Manoel Antônio de Almeida estabelece um nexo entre a ordem e a desordem, a primeira representada pelo Major Vidigal; a segunda, por Leonardo, mas ambos oscilam entre um polo e outro: ordem e desordem se articulam solidamente, mas “o mundo hierarquizado na aparência se revela essencialmente subvertido, quando os extremos se tocam”. Manuel Antônio de Almeida não faz juízo de valor sobre os personagens, cujas ações certas e erradas se misturam. Na sua obra, como na vida, o bem e o mal se contrabalançam a todo instante.

Entre o bem e o mal

É nesse universo que os extremos são mitigados um pelo outro. Não existe moral no livro, somente as ações e resultados. A leitura do romance ajuda a compreender a complexidade do problema das milícias do Rio de Janeiro, quando nada porque sua origem são as entranhas da força policial criada por Dom João VI logo após chegar ao Brasil, para manter a ordem na nova sede de seu império. Não há rebelião política ou guerra na história do Brasil, desde 1809, na qual a Polícia Militar do Rio de Janeiro não tenha estado presente.

O outro lado da moeda é o achaque, a contravenção e a venda de serviços de proteção por elementos ligados ou oriundos da Polícia Militar fluminense. No caso do Rio de Janeiro, o colapso dos esquemas de corrupção política tradicionais, que operavam na administração direta e nas estatais, momentaneamente, fortaleceu o poder político das milícias, que agora rondam o Palácio do Planalto. Predominantemente formadas por ex-policiais militares, operam na economia informal, principalmente na prestação de serviços de toda ordem: do transporte de van ao gatonet, do fornecimento de gás à cobrança de agiotas, da proteção aos bicheiros à partilha do tráfico de drogas, da receptação de cargas coligadas ao contrabando, da grilagem de terra aos condomínios irregulares, dos serviços de segurança às execuções. Não existe protesto de título em cartório nessa economia informal, a cobrança de dívidas é feita à bala. Não é à toa que os índices de investigação de homicídios são baixíssimos. As milícias do Rio de Janeiro são hoje uma tremenda força política e eleitoral, cujo poderio não deve ser subestimado.

Trairagem

O secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, perdeu o cargo porque teria vazado informações e fotos sobre as relações do clã Bolsonaro com o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, acusado de ser um chefão do “Escritório do crime”, grupo de extermínio das milícias do Rio de Janeiro sob investigação do Ministério Público Federal (MPF). Bebianno é aliado de Paulo Marinho, primeiro suplente de Flávio, que caiu em desgraça antes da posse, e do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, quem mais tentou mantê-lo no cargo. No Palácio do Planalto, há muita teoria da conspiração na suposta traição de Bebianno a Bolsonaro.

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