Nas entrelinhas

Luiz Carlos Azedo: Governo ganhou, mas pode não levar os precatórios

A PEC dos Precatórios subiu no telhado. Corre risco de ser barrada na segunda votação da Câmara, ou mesmo pelo Senado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O gesto do ex-ministro Ciro Gomes, ao comunicar ao PDT que sua pré-candidatura a presidente da República está suspensa, em razão do adesismo da sua bancada federal na votação da PEC dos Precatórios, teve um efeito saneador em toda a oposição, que votou muito dividida na madrugada de ontem, quando a proposta foi aprovada pela Câmara, em primeiro turno, por uma margem estreita de quatro votos. A votação desnudou as contradições existentes nas bancadas dos principais partidos de oposição, principalmente as relações perigosas com o esquema secreto de distribuição de emendas ao Orçamento comandado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Como sempre acontece nas votações polêmicas, a PEC dos Precatórios foi aprovada na calada da noite, 312 votos a 144. O texto-base da PEC dos Precatórios, a principal aposta do governo para viabilizar o Auxílio Brasil de R$ 400, esconde um butim de R$ 20 bilhões acima do teto de gastos, a serem distribuídos por Lira durante o ano eleitoral, diretamente para prefeituras e instituições ligadas aos parlamentares que participam do seu esquema, sem controle efetivo dos órgãos fiscalizadores sobre a execução desses recursos em bases, digamos, republicanas.

É uma espécie de “mensalão” — o esquema de desvio de recursos públicos montado na Comissão de Orçamentos que foi investigado pela CPI dos Correios —, porém legalizado pelas regras estabelecidas no próprio Orçamento, que cria uma flagrante distorção no processo eleitoral, porque os “amigos do rei” passam a contar com um instrumento de barganha de apoio muito superior aos recursos de financiamento que advém do fundo eleitoral.

Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com Arthur Lira (PP-AL), que disse ao que veio na campanha para presidente da Câmara, com o líder do Centrão, o bloco de partidos que aderiu ao governo quando o “toma lá dá cá” passou a ser a regra do jogo da articulação da base parlamentar do presidente Jair Bolsonaro. Foi a vitória da “pequena política”, do velho fisiologismo e da iminente recidiva do patrimonialismo. Quando o presidente da Casa era o deputado Rodrigo Maia (sem partido), a disputa entre a Câmara e o Palácio do Planalto se dava no âmbito da “grande política”, que havia voltado ao Congresso. Agora, quando a “transa” predomina, a “grande política” foi para o ralo, porque não há mais quem a defenda com a força que a sociedade exige, nem a oposição, ainda mais enfraquecida pelo adesismo de parte de suas bancadas.

A equipe econômica de Paulo Guedes, o ministro da Economia que abriu mão da blindagem fiscal e do controle da inflação, deve até ter saudades dos embates com Rodrigo Maia. Derrotada pela ala política do Palácio do Planalto — os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Fábio Farias (Comunicações) —, a equipe econômica hoje é residual, porque seus principais quadros já se afastaram, com a exceção do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que tem mandato e autonomia.

A PEC abre um espaço no Orçamento de 2022 de R$ 91,6 bilhões, dos quais R$ 44,6 bilhões são decorrentes do limite a ser estipulado para o pagamento das dívidas judiciais do governo federal (precatórios); e R$ 47 bilhões foram criados artificialmente, gerados mudança no fator de correção do teto de gastos, incluída na mesma PEC., que passou a ser calculado de janeiro a dezembro, em vez de junho a junho.

Reação negativa

O Auxílio Brasil, novo programa social do governo, deve tomar cerca de R$ 50 bilhões dessa folga orçamentária; também serão contemplados o ajuste dos benefícios vinculados ao salário-mínimo; a elevação de outras despesas obrigatórias (onde entram as emendas parlamentares ao orçamento); as despesas de vacinação contra a Covid-19; e as vinculações do teto aos demais poderes e subtetos. A divisão exata do espaço liberado pela proposta no teto de gastos só será definida na votação do Orçamento de 2022, o que abrirá outra rodada de barganhas.

O valor do Auxílio Brasil, estimado em R$ 400, também não foi definido na PEC e pode ser aumentado para até R$ 600, como deseja o PT, que votou contra a emenda. A rigor, o auxílio foi criado para substituir o Bolsa Família e está sendo utilizado como pretexto para “furar” o teto de gastos, porque o governo poderia perfeitamente encontrar os recursos para o auxílio cortando outras despesas, não-prioritárias, de um Orçamento de mais de R$ 1 trilhão.

Entretanto, por causa da reação da sociedade e da cúpula dos partidos de oposição, a PEC dos Precatórios subiu no telhado. Corre risco de ser barrada na segunda votação da Câmara, ou mesmo pelo Senado, mais sensível às pautas majoritárias da sociedade. O sinal de que a vaca estranhou o bezerro foi a reação do mercado. Mesmo com a leilão do 5G, da maior importância, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) fechou o dia em queda de 2,09%, aos 103.412 pontos, e o dólar terminou em alta de 0,29%, vendido a R$ 5,606.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-governo-ganhou-mas-pode-nao-levar-os-precatorios/

Luiz Carlos Azedo: O “fogo amigo” do Banco Central e da Petrobras

Desde o Plano Real até hoje, o controle da inflação foi pré-condição para a preservação do poder

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Qualquer que seja o desfecho da votação da PEC dos Precatórios, o governo Bolsonaro já foi desenganado pelo mercado. Sua única alternativa, no contexto atual, seria mudar a lógica da atuação: em vez de reeleição a qualquer preço, equilíbrio das contas públicas e controle da inflação, mesmo com o novo mandato em risco. Vozes mais sensatas diriam a Bolsonaro que a segunda hipótese tornaria sua reeleição menos improvável, mas isso é exigir muito do “estado-maior” do Mito. Nem o ministro da Economia, Paulo Guedes, é capaz de sustentar essa posição.

Na trajetória da economia brasileira, desde o Plano Real até hoje, o controle da inflação foi precondição para a preservação do poder. Foi assim na eleição e reeleição de Fernando Henrique Cardoso, no primeiro e segundo mandatos de Lula e no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Quando a inflação saiu do controle, a vaca foi para o brejo. Hoje, a inflação está tão descontrolada que a ata do Copom, divulgada ontem, sinalizou para o mercado uma taxa Selic de 12%. Cada ponto percentual na taxa de juros tem um impacto de até R$ 40 bilhões na dívida pública.

O presidente da República gosta de transferir responsabilidades e terceirizar os problemas. Por exemplo, no caso dos combustíveis, culpava reiteradamente os governadores, por causa do ICMS, que no caso da gasolina e do diesel é arrecadado no destino. Pela regra, o imposto corresponde a um percentual entre 25% e 34% incidente sobre o preço da venda da gasolina e de 12% a 25% sobre o diesel. A alíquota incide sobre o chamado Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) — valor de referência calculado a cada 15 dias, mas as tarifas foram congeladas pelos governadores, enquanto a nova regra proposta pelo governo, o ICMS fixo, calculado com base no preço médio dos combustíveis nos dois anos anteriores, aguarda votação no Senado. A arrecadação não poderia exceder, em reais por litro, o valor da média dos preços ao consumidor final usualmente praticados no mercado, considerado ao longo dos dois exercícios imediatamente anteriores.

Patinhos feios

O congelamento da tarifa pelos governadores escancarou as contradições de Bolsonaro com a Petrobras, que não tem como deixar de acompanhar a alta do preço do petróleo no mercado mundial, que vem impactando fortemente o nosso câmbio. A empresa virou o patinho feio para Bolsonaro. Ele não perde uma oportunidade de criticá-la, por causa da pressão dos caminhoneiros de sua base eleitoral. Agora, parece decidido a vendê-la, apesar da resistência dos militares e dos setores nacionalistas de sua base eleitoral. O presidente da República considera os aumentos de combustível uma espécie de “fogo amigo” da empresa, que é presidida pelo general Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa do governo Michel Temer.

Segundo o general, há uma espécie de “caça ao bode expiatório” pelo preço dos combustíveis. Ele diz que a empresa não controla o preço da gasolina e do diesel. “O fortalecimento do dólar em âmbito global e, em especial, no Brasil, tem alavancado os preços das commodities e incrementado a inflação. Mas essas incômodas verdades não parecem muito apelativas”, argumenta. Durante a reunião do G20, em Roma, Bolsonaro disse ao presidente da Turquia, Recep Erdogan, que a Petrobras era um problema. Também na cidade italiana, voltou a falar em privatizar a Petrobras e anunciou um aumento de combustível em 20 dias, mas acabou desmentido pela direção da empresa.

E o Banco Central (BC)? A Ata do Copom afirma que “questionamentos relevantes em relação ao futuro do arcabouço fiscal atual” resultaram em “elevação dos prêmios de risco” e “das expectativas de inflação”, o que implica “maior probabilidade para cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas”. Mais “fogo amigo”. Para o mercado, isso significa que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, pretende calibrar os juros de acordo com o tamanho do rombo no teto de gastos, mesmo que isso provoque recessão. Será outro patinho feio.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-fogo-amigo-do-banco-central-e-da-petrobras

Luiz Carlos Azedo: Txai Suruí é a minha candidata ao Nobel da Paz de 2022

A jovem Walelasoetxeige Suruí tem apenas 24 anos e confirma a quebra do monopólio da política internacional de chefes de Estado, diplomatas e militares

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Criado em 1901, o prêmio Nobel da Paz não foi capaz de impedir as duas grandes guerras mundiais do século passado, mas contribuiu muito para que a política internacional deixasse de ser monopólio dos chefes de Estado, diplomatas e militares, projetando personalidades que efetivamente contribuíram para que a paz se consolidasse como um valor universal. Ironicamente, seu criador, Alfred Nobel, era um industrial, inventor e fabricante de armamentos sueco. Por sua decisão, um comitê de cinco pessoas indicadas pelo Parlamento da Suécia anualmente escolhe aqueles que se destacaram por trabalhar pela fraternidade entre as nações, pela abolição ou redução de exércitos permanentes e pela paz. Polêmico, nos últimos anos, o prêmio vem sendo destinado a pessoas que enfrentam situações limites em seus respectivos países, como os jornalistas Maria Ressa e Dmitry Muratov, nas Filipinas e na Rússia, respectivamente, os premiados de 2021.

A jovem Walelasoetxeige Suruí, mais conhecida como Txai Suruí, de 24 anos, filha de Almir Suruí, 47, líder dos Povos Suruí de Rondônia, confirma a quebra do monopólio da política internacional. Até então, era conhecida apenas por ambientalistas e outras jovens lideranças indígenas, mas encantou o mundo ao discursar em inglês na abertura da Conferência da Cúpula do Clima (COP26), em Glasgow, na Escócia, para uma plateia que reunia entre outros o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel. Foi a única brasileira a participar da abertura, num inevitável confronto de imagem e objetivos com o presidente Jair Bolsonaro, que gravou uma mensagem e foi passear pela Itália, desprestigiado. Tornou-se uma personalidade mundial na luta contra o aquecimento global. É minha candidata ao Nobel de 2022.

O veterano líder indígena Marcos Terena, um dos fundadores da Aliança dos Povos da Floresta, com Aírton Krenak e Chico Mendes, não se cansa de me falar que as jovens lideranças indígenas são a grande esperança, e que a causa indígena chegará a um outro patamar. “Nós agora temos índios doutores, médicos, advogados, antropólogos, biólogos, cineastas… São lideranças jovens que mantêm suas ligações com as aldeias e respeitam as lideranças mais velhas, somam os antigos saberes aos novos conhecimentos”. Terena foi o primeiro “índio piloto”, viveu os conflitos da tradução de identidade. Quando jovem, era chamado de “japonês” pelos colegas de escola e por seu próprio instrutor de voo. Mas a consciência indígena falou mais alto: “Indígena é potência de saberes. Seu conhecimento é a universidade do mundo”.

Aquecimento

A jovem Txai ainda está no último semestre do curso de direito, mas já atua no departamento jurídico da Associação de Defesa Etnoambiental (Kanindé), em Rondônia. Em Glasgow, na Escócia, enquanto a jovem ativista sueca Greta Thunberg criticava o blablablá sobre o clima dos líderes mundiais, Txai roubava a cena no plenário, ao falar da importância dos povos indígenas na proteção da Amazônia. Na hora, lembrei-me das conversas com Marcos Terena sobre esse encontro de gerações indígenas: “Meu pai, o grande cacique Almir Suruí, me ensinou que devemos ouvir as estrelas, a lua, o vento, os animais e as árvores. Hoje, o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando, ela nos diz que não temos mais tempo”, disse Txai.

Os suruís de Rondônia são 2 mil indígenas, mas são articulados, combativos e plugados nas redes sociais. Ao discursar na COP26, Txai relembrou a morte do seu amigo Ari Uru-EU-Wau-Wau, jovem como ela, que trabalhava registrando e denunciando extrações ilegais de madeira dentro da aldeia onde morava. Segundo Txai, ele foi morto por defender a floresta. “Vamos frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis, vamos acabar com a poluição de promessas vazias e vamos lutar por um futuro e presente habitáveis”, defendeu. Na extensa pauta da COP26, o eixo da discussão é a necessidade de conter o aquecimento global.

Energia, empoderamento público e da juventude, natureza e uso da terra, ciência e inovação, transporte e cidades, regiões e espaços organizados estão sendo debatidos até o próximo dia 12, por cientistas, ativistas, autoridades governamentais, executivos de empresas da nova economia, mas, nesse debate, a Amazônia tem lugar de destaque. Cerca de 40 lideranças indígenas, de diversos países, estão participando do encontro. O mundo está descobrindo que eles são os verdadeiros guardiões da floresta e têm um papel de destaque na solução dos problemas ambientais. Oficialmente, o Brasil está representado pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que apresentou uma nova meta climática, com redução de 50% das emissões de gases do efeito estufa até 2030.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-txai-surui-e-a-minha-candidata-ao-nobel-da-paz-de-2022

Luiz Carlos Azedo: Quando o conceito é fatal

De agosto/2020 a junho/2021, registramos os maiores índices de desmatamento. SP, GO, MG e MT registraram mudanças impressionantes

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Houve uma mudança muito significativa na conjuntura política. Em primeiro lugar, a ameaça de um golpe de Estado, que deixou o país à beira de um ataque de nervos, desapareceu do horizonte próximo após o 7 de Setembro. Não houve a adesão militar contra o Supremo Tribunal Federal (STF) que o presidente Jair Bolsonaro esperava, as reações das instituições políticas e da sociedade esvaziaram a mobilização golpista. Desde então, o eixo da vida política nacional se deslocou da crise sanitária, cuja crônica política e criminal está no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre a pandemia da covid-19, para a crise da nossa economia, tendo por pano de fundo a antecipação da disputa eleitoral de 2022.

Especialistas em planejamento sabem que um erro de conceito pode ser fatal. Muitas vezes, o erro decorre de um falso diagnóstico; outras, de um conceito errado. A tempestade perfeita pode ser fabricada quando as duas coisas coincidem com uma concepção equivocada, por exemplo, o negativismo em relação à ciência. No caso da pandemia, o erro de diagnóstico foi considerar a covid-19 uma “gripezinha”; o de conceito, apostar na “imunização de rebanho” para manter a economia aquecida. Com isso, buscou-se toda sorte de atalhos para evitar a recessão, que passou a ser o objetivo do governo, em vez de salvar a vida das pessoas. A cloroquina entra nessa história como uma poção mágica. Havia outra solução simples para um problema tão complexo (acreditem, elas também existem) — a vacinação em massa.

Vejam bem, não estamos falando que a produção da vacina não é simples. Sua fabricação é um processo complexo, mas a pesquisa científica intensa resolveu o problema em pouco mais de um ano após a identificação do vírus e seu sequenciamento genético. Estamos falando do conceito — a imunização em massa — já consagrado mundialmente pelas autoridades sanitárias. A erradicação da poliomielite, que foi a doença infantil mais devastadora do século passado, é um excelente exemplo. A pólio era misteriosa e se expandia no verão, com causas desconhecidas. Nos Estados Unidos, a ignorância levou as pessoas a pôr a culpa nos sorvetes; e o preconceito, nos negros pobres e nos imigrantes, principalmente asiáticos.

Mesmo adultos corriam grande risco. O presidente Franklin Delano Roosevelt foi para a cadeira de rodas aos 39 anos, quando contraiu a doença. Cada surto de pólio deflagrava uma quarentena, como acontece agora com a covid-19. Em 1916, em Nova York, houve 8.990 casos, com 2.400 óbitos; em 1952, 57 mil casos, 3 mil mortes e 21 mil crianças com paralisia permanente. Um paciente com pólio no hospital custava US$ 900, quando o salário médio era de R$ 875.

Sem a vacina criada por Jonas Salk e Albert Sabin, estima-se que os Estados Unidos teriam 250 mil pessoas com paralisia, a um custo de US$ 30 bilhões. Não temos projeções de quanto já estamos economizando com a vacinação em massa da população, mas estima-se que o custo da pandemia no Brasil chegue a R$ 700 bilhões, cerca de 10% do nosso PIB, ou o equivalente a 20 anos de Bolsa Família. Ou seja, dá para ter uma noção do prejuízo causado pelo negativismo do presidente Jair Bolsonaro, que até hoje não tomou a vacina.

Aquecimento

Mais difícil de calcular é o prejuízo do negativismo em relação ao aquecimento global. Alguns números podem ser ilustrativos. Até o fim de setembro, somente 22% das verbas destinadas para o combate ao desmatamento e às queimadas foram utilizados pelo governo federal. O governo resolveu economizar o dinheiro do combate ao desmatamento e às queimadas: de R$ 384,9 milhões em caixa para isso, somente foram gastos R$ 83,5 milhões. De agosto do ano passado a junho deste ano, registramos os maiores índices de desmatamento. São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso registraram mudanças climáticas impressionantes. As mais espetaculares foram as tempestades de poeira. Quanto estamos perdendo de investimentos ao “passar a boiada”?

O Brasil já foi muito respeitado por sua política ambiental, agora é pária internacional. Bolsonaro não vai à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), que começa hoje, em Glasgow, na Escócia, embora tenha participado da reunião do G-20 em Roma, na Itália, ontem. Não teria condições de participar de um fórum como esse sem passar constrangimentos.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-quando-o-conceito-e-fatal

Luiz Carlos Azedo: A crise da social-democracia

No Brasil, sob forte influência das ideias positivistas, que aqui sempre muito foram heterodoxas, nunca houve uma tradição social-democrata propriamente dita

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O título da coluna nos remete ao começo de tudo. A social-democracia tem sua origem no século 19, como resultado de um movimento político associado aos sindicatos operários e a ideias marxistas. A sua ascensão ao poder se deu em 1910, na Alemanha, após 20 anos de lutas vigorosas, que garantiram conquistas políticas, como o amplo direito de voto, a liberdade de expressão, de imprensa e de organização, e sociais, como a redução do horário de trabalho, contratos coletivos, educação básica, assistência médica e previdência, na onda da segunda revolução industrial.

Com quase 1 milhão de filiados, a Social-Democracia chegou ao poder ao obter 30% dos votos, tornando-se o principal partido do parlamento alemão, com uma liderança que reunia líderes operários e grandes intelectuais. A Revolução Russa de 1905 e a Revolução Mexicana (1910), além do prestígio de socialistas na França e trabalhistas na Inglaterra, transformaram a Segunda Internacional (a primeira teve vida efêmera) no mais vigoroso movimento político do começo do século XX. Mas veio a Primeira Guerra Mundial e isso pôs tudo a perder, porque os social-democratas alemães e trabalhistas apoiaram a guerra
O nacionalismo implodiu a Segunda Internacional. Na Rússia, o líder bolchevique Vladimir Lênin agarrou a bandeira da paz com as duas mãos e tomou o poder, criando a Internacional Comunista. Após a II Guerra Mundial, a social-democracia voltou ao poder em vários países da Europa Ocidental, enquanto os comunistas, apoiados ampliaram seu poder para o chamado Leste europeu, até o colapso da União Soviética, além da China, de Cuba e do Vietnã, onde permanecem no poder.

No Brasil, sob forte influência das ideias positivistas, que aqui sempre foram heterodoxas, nunca houve uma tradição social-democrata propriamente dita. O Partido Comunista, fundado por Astrojildo Pereira em 1922, foi obra de nove anarquistas. O Partido Socialista criado por tenentistas, em apoio a Getúlio Vargas, em 1932, fracassou, por razões óbvias.  Somente 1947, sob a liderança de João Mangabeira, viria a ser criado o Partido Socialista Brasileiro, por políticos e intelectuais da chamada Esquerda Democrática.
O PSB se contrapunha aos comunistas, liderados por Luís Carlos Prestes, e aos dois partidos criados por Getúlio Vargas em 1945, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), formado por políticos e líderes ligados aos sindicatos oficiais, e o Partido Social Democrático, constituído por antigos interventores do governo Vargas. Como se vê, nada a ver com a social-democracia, que emergia da II Guerra mundial como uma força política importante em vários países da Europa, que aceitava o capitalismo e atuava para mitigar seus efeitos considerados perversos.

Quem é quem?

A Internacional Socialista defende as liberdades civis, os direitos de propriedade e a democracia representativa, na qual os cidadãos escolhem os rumos do governo por meio de eleições regulares com partidos políticos que competem entre si. Na economia, as teorias do economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) lhe caíram como uma luva, mas foram progressivamente mitigadas por ideias social-liberais. No Brasil, com a reforma partidária de 1979, antes mesmo da redemocratização, houve uma corrida para representar a social-democracia por aqui.

Quem chegou primeiro foi o trabalhista Leonel Brizola, graças às ligações com o líder socialista português Mario Soares, que patrocinou a entrada do PDT na organização internacional, deixando o ex-governador Miguel Arraes e o PSB a verem navios. Entretanto, após a vitória eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Internacional Socialista realizou em São Paulo, em 2003, o seu 22º congresso, o que foi uma espécie de reconhecimento do PT como uma força social-democrata. Recentemente, Lula foi a estrela do Congresso do Partido Socialista-Operário Espanhol, liderado por Pedro Sanchez.

Aquela reunião, porém, fora esvaziada: o alemão, Gerhard Schröder (social-democrata); o britânico, Tony Blair (trabalhista; e o sueco, Göran Persson (social-democrata), todos então no poder, se identificavam muito mais com o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Como o Brasil é um país de ideias fora de lugar, como já disse Roberto Schwarz, ao mostrar como as ideias liberais foram solapadas pela realidade de um país escravocrata e socialmente atrasado, o ideário social-democrata, mesmo enviesado, continua sendo disputado por diferentes partidos. De certa forma, as prévias do PSDB, com a disputa entre os governadores João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, dois políticos liberais, são mais um lance desse tortuoso caminho das ideais políticas no Brasil.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-crise-da-social-democracia/

Luiz Carlos Azedo: Qual é a agenda de Pacheco?

Presidente do Senado é o primeiro pré-candidato de centro a sinalizar um projeto nacional

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas/ Correio Braziliense

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso costuma dizer que a eleição para a Presidência da República precisa ser “fulanizada”, ou seja, é uma disputa entre indivíduos que encarnam alguma coisa e não entre partidos. Traduzindo para a chamada “terceira via”, uma alternativa de poder que se contraponha ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas de opinião, e ao presidente Jair Bolsonaro, que se movimento em função da reeleição, não depende apenas de um nome. Para chegar ao segundo turno, o candidato precisaria encarnar um projeto nacional que se contraponha a ambos.

Na política brasileira, na base da “transa” eleitoral, a “pequena política” obscurece a grande. Quem observa as articulações em curso ainda não consegue identificar um pré-candidato de centro com um projeto robusto para o país. Se sobram candidatos, falta uma plataforma política, muito mais do que uma narrativa. O debate sobre a PEC dos Precatórios, em discussão na Câmara, ilustra bem como há um vazio programático ao centro. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro estão se lixando para o chamado equilíbrio fiscal na campanha eleitoral.

Ministro da Economia, Paulo Guedes detonou sua equipe do Tesouro, para viabilizar o chamado Auxílio Brasil, no valor de R$ 400,00, avaliado pelo Centrão e pelo Palácio do Planalto como um instrumento capaz de recuperar a popularidade de Bolsonaro junto aos eleitores pobres, que derivaram de volta às bases eleitorais de Lula, principalmente no Nordeste. O petista não é bobo e está defendendo que o valor do auxílio seja aumentado para R$ 600. Não será surpresa alguma se a Câmara aprovar esse aumento de 50% na proposta original, como aconteceu com o auxílio emergencial concedido na pandemia. Os deputados também estão correndo atrás de votos.

Muitos analistas de mercado e agentes econômicos arrancam os cabelos com o impacto da medida na economia, por causa da desvalorização do Real e da queda do valor das ações nas bolsas. Entretanto, sempre há ganhadores numa economia capitalista. O setor exportador, por exemplo, ganha muito com isso. Também ganham megainvestidores, que aproveitam a baixa para comprar ações ou mesmo empresas em dificuldades. E “la nave va”…

Desenvolvimentismo
A novidade da semana é o possível lançamento da pré-candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), que amanhã se filiará ao PSD, num grande ato no Memorial JK. Simbolicamente, é o primeiro candidato de centro a sinalizar um projeto nacional, inspirado no governo de Juscelino Kubitschek. No Brasil da década de 1950, como agora, era preciso ousar. JK prometeu 50 anos de progresso em 5 anos de realizações, com pleno respeito às instituições democráticas.

Seu projeto desenvolvimentista, com 30 objetivos, ficou conhecido como Plano de Metas. De última hora, tirou da cartola mais um: a construção de Brasília e a transferência da capital federal. Ao contrário de Pacheco, cuja carreira meteórica tem seu leito no Legislativo, graças ao binômio energia e transportes, Juscelino deixava o governo de Minas (1951-1955) com um perfil desenvolvimentista. Não era um projeto nacionalista, suas diretrizes foram herdadas da famosa Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, que funcionou de entre 1951 e 1953, no governo Vargas.

Os estudos indicavam a necessidade de eliminar “pontos de estrangulamento” da economia brasileira: por exemplo, fabricar tratores para mecanizar a nossa agricultura. Quando Lucas Lopes deixou a presidência do BNDE para assumir o Ministério de Fazenda, em agosto de 1958, seu lugar foi ocupado por ninguém menos do que o economista liberal Roberto Campos. Não por acaso a esquerda atacava a sua “política de conciliação” e não queria, de forma alguma, que voltasse ao poder nas eleições de 1965, que acabaram canceladas pelos militares no poder. Mas essa já é outra história.

O Plano de Metas mencionava cinco setores básicos da economia, para os quais os investimentos públicos e privados deveriam ser canalizados. Os mais aquinhoados foram energia, transportes e indústrias de base, num total de 93% dos recursos. Alimentação e educação foram preteridos; Brasília não integrava nenhuma delas. Apesar da inflação, com a industrialização, JK mudou o Brasil.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-qual-e-a-agenda-de-pacheco

Luiz Carlos Azedo: A bagunça na economia

Com a inflação descontrolada, ninguém sabe o resultado da equação “injeção de dinheiro no bolso dos mais pobres e elevação dos juros”, em termos de atividade econômica

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Quem quiser que se iluda. A um ano do pleito de 2022, a política econômica do governo Bolsonaro entrou em acelerado modo eleitoral. Quando falou das pressões da ala política e da incompreensão dos jovens integrantes de sua equipe em relação ao teto de gastos, na entrevista coletiva de sexta-feira, no Ministério da Economia, ao lado do presidente da República, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sinalizou que pretende manipular os instrumentos de que o Estado dispõe para intervir na economia no sentido de construir um cenário favorável à reeleição de Jair Bolsonaro.

É disto que se trata: começou uma corrida maluca para ganhar as eleições, na qual o governo pretende reverter os desgastes de Bolsonaro junto à população de mais baixa renda e, com isso, manter o apoio do Centrão. O carro chefe da estratégia é o Auxílio Brasil, o programa de Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, além de outros benefícios, como o vale gás e o subsídio de R$ 400 para os caminhoneiros abastecerem os tanques de seus veículos. O rombo no teto de gastos, estimado em R$ 86 bilhões, pode chegar a R$ 100 bilhões.

O problema é que os R$ 400 anunciados por Paulo Guedes, R$ 100 a mais do que aceitavam os integrantes da equipe econômica que deixaram o governo, liderados pelo secretário de Tesouro Bruno Funchal, dificilmente serão mantidos pelo Congresso. Não para reduzi-los; pelo contrário, para aumentá-los, podendo chegar a R$ 600, como propôs o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é uma bandeira que a oposição agarrará com as duas mãos, muito provavelmente com o apoio docemente constrangido do Centrão. A conferir!

Cá entre nós, para um governo cujo orçamento é da ordem de R$ 1 trilhão, essa despesa poderia ser feita dentro do Orçamento da União, se o valor equivalente fosse remanejado de outros setores do governo, em vez de obtidos por meio de um calote nas dívidas judiciais, ponto de partida da chamada PEC dos Precatórios, e de uma manobra contábil no cálculo do IPCA, que serve de base para a atualização do teto, que deixou de junho a junho para janeiro a dezembro, ou seja, uma mágica que comprova a teoria de que na política o calendário é relativo. Na economia também, mas o dono do tempo é o mercado.

Estelionato eleitoral
O problema é o “instinto animal” dos agentes econômicos, como diria o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, principalmente de produtores e investidores, porque a manobra não altera positivamente a realidade da economia, da geração de riqueza ao emprego e à renda, pelo contrário. Vejamos:

(1) Dólar – O rombo no teto de gastos pode chegar a R$ 100 bilhões, o que vai provocar mais desvalorização da moeda. O mercado estima que a cotação do dólar chegará a R$ 5,80 em dezembro e ultrapassará R$ 6,20 até as eleições de 2022.

(2) Inflação – No acumulado de 12 meses até setembro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 10,25%. Foi a maior taxa anula desde fevereiro de 2016.

(3) Juros – O Banco Central será obrigado a aumentar ainda mais a taxa básica de juros, atualmente em 6,25% (Selic). Na próxima reunião do COPOM, deve subir 1,25 ponto percentual e chegar a 8,75% ao ano, em dezembro, subindo para 10.5% em 2022.

(4) Crescimento – O crescimento esperado de 1,8% para o PIB de 2022 deu lugar a uma expectativa média de 1%. Há quem fale em 0,5% do PIB.

(5) EUA – O Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) pode subir os juros, hoje na faixa entre 0% e 0,25%, em meados do ano que vem.

(6) China – O PIB chinês cresceu 4,9% no terceiro trimestre de 2021, o ritmo mais lento em um ano, em razão da crise de energia, das interrupções na cadeia de abastecimento, do agravamento das dívidas em seu setor imobiliário e dos surtos esporádicos de Covid-19.

Nesse cenário, o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula emulam propostas de caráter populistas, que tendem a deteriorar ainda mais a situação da economia. Tanto na reeleição de Fernando Henrique Cardoso, com o câmbio fixo, como na reeleição do ex-presidente Lula, com o Bolsa Família, foi possível interferir na economia para favorecer quem estava no poder, porém, numa situação de inflação sob controle. Longe da eleição, com a inflação descontrolada, ninguém sabe o resultado da equação “injeção de dinheiro no bolso dos mais pobres e elevação dos juros”, em termos de atividade econômica. Quem ganhar as eleições, ao assumir, terá que fazer um duro ajuste nas contas públicas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-bagunca-na-economia

Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro subestimou a CPI

Após a conclusão dos trabalhos da Comissão, o melhor que os indiciados terão a fazer será providenciar um bom advogado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Parece que ainda não caiu a ficha para Jair Bolsonaro de que o relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), após ser aprovado pela CPI da Covid, será uma monumental dor de cabeça, não apenas para os demais 65 indiciados pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, que investigou a atuação do seu governo na pandemia da covid-19. Não há outra explicação para as declarações do presidente da República, que minimiza as denúncias e desdenha do trabalho realizado pelos senadores.

As consequências políticas do trabalho da CPI já se refletiam nas pesquisas de opinião sobre o governo, mas, agora, foram estampadas nas manchetes dos jornais de todo o mundo. Bolsonaro nunca esteve tão isolado no plano internacional. Outro sinal de seu enfraquecimento político foi o fracasso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ontem, na votação da emenda constitucional que limitava a autonomia do Ministério Público — não obteve maioria qualificada em plenário e foi derrubada. A reação de procuradores e da opinião pública demonstrou que a ética na política ainda é um valor a ser levado em conta pelo Congresso.

O relatório não ficará barato para os indiciados. Resultará em processos administrativos, civis e criminais, em razão da continuidade das investigações, que ficarão a cargo da Polícia Federal, da Receita Federal, da Corregedoria Geral da União (CGU), do Tribunal de Contas da União (TCU) e, principalmente, da Procuradoria-Geral da República (CGU). No caso de Bolsonaro e seus ministros, o relatório pode acabar no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, órgão ligado à ONU e que julga crimes contra a humanidade e acusações de genocídio. Renan desistiu da imputação de genocídio a Bolsonaro, mas pesou a mão em outras nove acusações, entre as quais crimes de epidemia com resultado de morte, infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime, falsificação de documentos particulares, charlatanismo e prevaricação. As mais graves, porém, são crime contra a humanidade e crime de responsabilidade.

Os crimes contra a humanidade estão previstos no Estatuto de Roma, uma convenção internacional que prevê esses crimes como ataques generalizados e sistemáticos contra a população civil. O Brasil é signatário da criação do Tribunal Penal Internacional e autoriza que aquela Corte julgue alguém que cometeu um crime contra a humanidade no território nacional. Os crimes são imprescritíveis e a pena de prisão pode ser de até 30 anos. Previsto na Constituição, o julgamento por crime de responsabilidade, porém, é político, pelo Congresso, e pode resultar na perda de mandato e suspensão de direitos políticos do presidente da República.

No colo de Aras
Após a conclusão dos trabalhos da CPI da Covid, o melhor que os indiciados terão a fazer, inclusive Bolsonaro, será providenciar um bom advogado, porque a batalha para se livrar das acusações contidas no relatório de Renan será longa e pode ser inglória. Desprezar as conclusões da CPI não é mais possível. O procurador-geral da República, Augusto Aras, por exemplo, após a aprovação do relatório, não poderá se omitir em relação às denúncias apresentadas, sob pena de prevaricar.

Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), a propósito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.331-DF, consolidou o art. 3o da Lei 10.001/2000, que confere prioridade aos processos e procedimentos decorrentes de relatórios das CPIs. Segundo entendimento da Corte, as Comissões de Inquérito são um mecanismo de controle da máquina pública, de competência fiscalizatória do Congresso.

O procurador-geral da República é obrigado a comunicar ao Congresso, semestralmente, o andamento dos procedimentos administrativos e processuais instaurados em decorrência das conclusões da CPI, “sob pena de sanções administrativas, civis e penais”. Trocando em miúdos, Aras terá que dar andamento às acusações, o que representa a maior saia justa, porque é um aliado de Bolsonaro, que o indicou para o cargo, mas, ao mesmo tempo, estará sob forte pressão do Senado.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-bolsonaro-subestimou-a-cpi

Luiz Carlos Azedo: Escorregão na pauta ética

Reduzir o poder dos procuradores e contingenciar a autonomia do Ministério Público é um sonho de consumo dos políticos enrolados na Justiça

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Autor da Proposta de Emenda à Constituição 005-a, de 2021, que trata da composição do Conselho Nacional do Ministério Público, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) atravessou a rua para escorregar numa casca de banana. O pior é que pode arrastar na queda o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar da zona de conforto em que se encontra nas pesquisas de opinião. Se tem uma coisa que ainda pode atrapalhar a volta do PT ao poder, na garupa de Lula, é a pauta ética, um cavalo encilhado para levar ao segundo turno um candidato de centro, uma vez que essa bandeira saiu das mãos do presidente Jair Bolsonaro e está ao léu.

O CNMP é o órgão responsável por julgar procuradores e promotores. Nos últimos anos, por causa da Operação Lava-Jato, foi cenário de embates entre os procuradores da força-tarefa de Curitiba e os “garantistas” do mundo jurídico, uma ampla frente de advogados, juristas, magistrados e até procuradores preocupados com os dribles a mais dos chamados “tenentes de toga”, na expressão do cientista político Luiz Werneck Vianna. Chefe da força-tarefa de Curitiba e líder lavajatista, ao lado do então juiz federal Sergio Moro, Deltan Dallagnol chegou a ser punido com pena de censura por ter feito um post dizendo, antes das eleições para a Presidência do Senado, em 2019, que se Renan Calheiros vencesse a disputa, dificilmente o Brasil veria a aprovação de uma reforma contra a corrupção.

“Muitos senadores podem votar nele escondido, mas não tem (sic) coragem de votar na luz do dia”, afirmou, no auge do apoio popular à Lava-Jato. Deltan também foi condenado a indenizar o senador alagoano, que hoje é o relator da CPI da Covid, em R$ 40 mil. Antes disso, já havia sido punido com uma advertência por ter criticado ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, o processo administrativo disciplinar de Deltan, pelo controverso PowerPoint de apresentação de denúncia que colocava o ex-presidente Lula no centro de uma organização criminosa, foi adiado 42 vezes antes de ser julgado e acabou prescrevendo.

A proposta aprovada pela comissão especial da Câmara propõe a redistribuição de vagas do CNMP. A Câmara e o Senado passarão a indicar quatro conselheiros, sendo um deles o vice-presidente, e outro, o corregedor. Outro ponto polêmico do texto permite que membros do conselho revisem atos funcionais de procuradores e promotores. Hoje, os membros do Ministério Público podem ser punidos pelo órgão, mas seus atos só podem ser modificados por decisão judicial. Na composição atual, o MP tem oito de 14 membros na corte — três membros do MP dos estados, quatro do MP da União e o procurador-geral da República, que preside o CNMP.

Pacto perverso
O projeto pôs em pé de guerra os “tenentes de toga”. Na sexta-feira, oito subprocuradores-gerais da República divulgaram manifesto contra a PEC, caracterizada como um “sombrio instrumento de opressão e intimidação de seus membros”. Ontem, foram realizadas manifestações em todo o país. Mais de 3 mil integrantes do Ministério Público assinaram documento que pede a rejeição integral da emenda à Constituição.

“A proposta de assento aos próprios ministros dos tribunais superiores no Conselho Nacional do Ministério Público desvirtua as funções dos ministros de tais tribunais, pois a eles confere ‘superpoderes’ de atuação natural jurisdicional nas cortes em que atuam, de conselheiros no CNJ e também no CNMP, em evidente desequilíbrio do sistema de justiça, com violação do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) previsto pelo Poder Originário Constituinte”, afirmam.

Reduzir o poder dos procuradores e contingenciar a autonomia do Ministério Público é um sonho de consumo dos políticos enrolados na Justiça. Está em linha com as recentes mudanças na legislação sobre improbidade administrativa, patrocinada pelo Centrão, sob a liderança do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Sua aliança com o PT na agenda contra a Lava-Jato foi uma jogada de mestre. Eleitoralmente, porém, com o perdão do trocadilho, esse pacto perverso pode ser uma roubada.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-escorregao-na-pauta-etica/?fbclid=IwAR2IKNPnX3DJpY8XWDsp16Q64oZaMZvBYXT2MoIsqxHNY4jkDSncJwyHH2U

Luiz Carlos Azedo: Sem chance de dar certo

O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Há três contingências do governo Bolsonaro que colocam em xeque sua continuidade. A primeira tem a ver com a política externa; a segunda, com a política propriamente dita; a terceira, com a economia. São situações criadas pelo próprio presidente da República, não por seus adversários. Decorrem de estratégias erradas. Vejamos: (1) a aposta na política ultraconservadora do presidente Donald Trump, com a eleição do democrata Joe Biden para a Presidência dos Estados Unidos, deixou o presidente Jair Bolsonaro sem um grande aliado no Ocidente e na contramão da política mundial, que é globalista; (2) a retórica golpista e a agenda ultraconservadora provocaram seu crescente isolamento político; (3) e a entrega do Orçamento da União ao Centrão inviabilizou a agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes. O resto são consequências.

O isolamento internacional do Brasil, ao contrário do que gostaria Bolsonaro, somente serviu para tornar o Brasil ainda mais dependente da China, nosso principal parceiro comercial. Não seria um grande problema, se a economia chinesa não sofresse os sobressaltos de uma economia capitalista, embora seu regime político seja uma ditadura comunista. No momento, o mercado financeiro internacional vive a expectativa de uma implosão da bolha imobiliária chinesa, de consequências imprevisíveis. A Sinic Holdings Group é mais recente empresa imobiliária chinesa em vias de dar um grande calote, aumentando a tensão criada pela gigante Evergrande, que atravessa momentos difíceis e tem uma dívida de US$ 300 bilhões (R$ 1,6 trilhão).

A Sinic comunicou à Bolsa de Hong Kong que espera não conseguir pagar um título de US$ 250 milhões com vencimento em 18 de outubro, o que pode gerar inadimplência cruzada, pois a empresa tem US$ 694 milhões em títulos e sofreu uma queda de 97% no valor de suas ações. A Modern Land (China) Co., outra incorporadora sediada em Pequim com US$ 1,35 bilhão de títulos em circulação, está pedindo três meses para quitar uma nota com vencimento em 25 de outubro. A Xinyuan Real Estate Co., que tem US$ 760 milhões de títulos, está propondo o que a Fitch Ratings considera uma troca de dívida problemática com vencimento na sexta-feira. A alta do preço do petróleo e a chamada crise dos contêineres, que corresponde a um apagão logístico, também são fatores que repercutem fortemente na desvalorização da moeda brasileira.

Calote e inflação

Na política, a situação é complicada porque a agenda econômica do Centrão não é a mesma do ministro da Economia, Paulo Guedes. A reforma administrativa subiu no telhado, ainda mais porque todo o pessoal do setor de segurança pública, com exceção dos policiais militares, rebelou-se contra a reforma. Policiais federais, policiais rodoviários, agentes penitenciários e policiais civis, que faziam parte da base bolsonarista, estão se insurgindo contra a reforma e fazem forte lobby no Congresso, como os demais servidores civis. Sem cortes nas despesas de pessoal, a opção do governo seria contingenciar as emendas ao Orçamento da União, que estão fora do controle do Executivo e são imexíveis. Quem controla esses investimentos em obras e serviços é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Com isso, o cobertor ficou muito curto para o governo aprovar o Auxílio Brasil, programa social no qual o presidente Bolsonaro aposta sua reeleição. A alternativa de calote nos precatórios (PEC 23) para financiar o programa que substituirá o Bolsa Família também enfrenta forte resistência.O engenhoso relatório do deputado Hugo Motta constitucionaliza o calote, ao ficar um limite anual para os precatórios e sentenças judiciais. O restante entraria na lógica do “devo, não nego; pago quando puder”, segundo o economista Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente(IFI), mantido pelo Senado. O limite proposto no relatório está baseado no valor pago em 2016 (R$ 30,7 bilhões) corrigido pela inflação. Assim, o pagamento de 2022 será de R$ 40,5 bilhões, em vez de R$ 89,1 bilhões.

Uma folga de R$ 48,6 bilhões no teto de gastos em 2022, para financiar a reeleição de Bolsonaro, não passa despercebida e impune pelo mercado. Além de gerar insegurança jurídica, ao virar a mesa nas regras do jogo entre o governo e seus credores, tem impacto direto na inflação, que voltou como nunca antes desde o lançamento do Plano Real. Os números são terríveis: 1,16% em setembro, 6,90% no ano e 10,25% em 12 meses. Luz, ovos, café, carne, frango e açúcar subiram de 20% a 47%. O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-sem-chance-de-dar-certo/

Luiz Carlos Azedo: Terrivelmente boicotado

Grupo de senadores tem defendido que Bolsonaro desista da indicação de Mendonça e escolha outro nome para o STF

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (igreja evangélica pentecostal), acusou os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, e das Comunicações, Fábio Faria, de boicotarem a indicação do ex-ministro da Justiça e ex-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF). Aliado de Jair Bolsonaro, desde o fim de semana Malafaia vinha ameaçando denunciar os ministros. Mendonça é pastor da igreja presbiteriana Esperança, em Brasília. Indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para o STF é uma promessa de campanha do presidente da República.

Para aumentar o desconforto de Mendonça, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, ontem, arquivou o mandado de segurança requerido pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO), para impor ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que pautasse a sabatina de Mendonça. Nunca um candidato ao STF passou por tanto desconforto no Senado. Alcolumbre recebeu a indicação em julho do ano passado e a mantém na gaveta, apesar de todas as pressões, por razões que ainda não são de todo conhecidas.

Sabe-se que o ex-presidente do Senado está insatisfeito com Bolsonaro desde as eleições passadas, quando seu irmão, Josiel Alcolumbre, seu primeiro suplente no Senado, perdeu a disputa para a Prefeitura de Macapá. Mesmo com o apoio do então prefeito Clécio Luís (sem partido) e do governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), foi derrotado pelo médico Dr. Furlan (Cidadania), ex-deputado apoiado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede). Alcolumbre atribuiu a derrota à demora do governo federal em restabelecer a energia no Amapá, que sofreu um “apagão” às vésperas das eleições.


Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Anderson Riedel/PR
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Pablo Jacob
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
previous arrow
next arrow
 
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Anderson Riedel/PR
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Pablo Jacob
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
previous arrow
next arrow

Plano B

Há mais coisas entre o paraíso e o Senado, porém. Um grupo de senadores tem defendido a tese de que Bolsonaro deveria desistir da indicação e escolher outro nome para a vaga de Marco Aurélio Mello, que se aposentou. Preferem o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, que teria amplo apoio, inclusive na oposição. Alagoano e adventista, Martins foi um dos nomes que chegou a ser considerado por Bolsonaro, porque contaria com a simpatia do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), aliado do Palácio do Planalto, e também de parlamentares do MDB, partido com a maior bancada no Senado — principalmente o senador Renan Calheiros (AL), seu conterrâneo, relator da CPI da Covid.

Uma das críticas de Malafaia a Ciro Nogueira deve-se ao fato de ter se aproximado de Calheiros, “o cara que quer destruir Bolsonaro por interesses políticos”, segundo o líder religioso. No domingo, no Guarujá (SP), Bolsonaro perdeu a paciência com Alcolumbre: “Quem não está permitindo a sabatina é o Davi Alcolumbre (…) Teve tudo o que foi possível durante os dois anos comigo e, de repente, ele não quer o André Mendonça. Quem pode não querer é o plenário do Senado, não é ele. Ele pode votar contra. Agora, o que ele está fazendo não se faz. A indicação é minha”, disse.

“Se ele quer indicar alguém para o Supremo, pode indicar dois. Ele se candidata a presidente no ano que vem e, no primeiro semestre de 2023, tem duas vagas para o Supremo”, desafiou Bolsonaro. É muita ironia: a indicação de um ministro para o STF por ser evangélico é fruto de uma mentalidade teocrática, isto é, de uma concepção religiosa de Estado, porém, a não realização da sabatina monstra claramente que as regras do jogo laico estão prevalecendo no Congresso. Os ministros citados por Malafaia — Ciro Nogueira, Flávia Arruda e Fábio Faria — são os principais operadores políticos do governo. Bolsonaro não tem força para demitir esses três sem desarticular completamente sua base parlamentar.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-terrivelmente-boicotado

Luiz Carlos Azedo: As almas mortas e a montanha

Milhões de pacientes passaram pelas enfermarias. O que mudou no modo de vida e na forma de pensar dessas pessoas?

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

“Diga- me, mãezinha, têm morrido camponeses seus? — Nem me fale paizinho — dezoito homens! Disse a velha com um suspiro. — E tudo gente boa que morreu, bons trabalhadores. É verdade que nasceram outros depois, mas o que valem? É tudo criançada; mas o fiscal chegou, mandando pagar a taxa por alma, da mesma forma. Os homens estão defuntos, mas eu tenho que pagar como se estivessem vivos.”

No livro Almas mortas, o escritor ucraniano Nikolai Gogol ironiza a servidão russa na época do czar Pedro, o Grande, que resolveu cobrar impostos sobre todas as almas. Cobrava até de quem não era católico, apesar de não ser nada religioso. Os proprietários de terras eram obrigados a pagar os impostos pelo número de servos, inclusive os que haviam morrido. Pável Ivánovitich Tchítchicov, o personagem central do romance, resolve ganhar dinheiro com isso.

Charmoso, educado, sagaz e boa pinta, usa de convencimento para enganar pequenos proprietários. Aproveita-se da burocracia russa ineficiente, e do regime de servidão e da miséria, para hipotecar almas como se todas estivessem vivas e, com isso, obter lucro. Se o proprietário vende uma alma, para Tchitchicov, o vendedor não perde nada. Pelo contrário, ele economiza no imposto que teria que pagar e ainda ganha uma quantia em rublos. Quanto ao comprador, essas almas mortas passarão a fazer parte do seu patrimônio.

O plano de Tchitchicov é simples. Ao comprar almas mortas a partir de pequenos proprietários de terra, esses servos permanecem em livros dos fazendeiros até o próximo recenseamento e, muito embora mortos, são tributáveis. Ao comprá-los, aliviam a carga fiscal dos proprietários. Seu plano é instalar esses servos mortos nas listas fiscais de uma propriedade distante, em que ele vai, então, ser capaz de obter uma hipoteca generosa do governo e sair com uma pequena fortuna. Certos aspectos da pandemia de covid-19 aqui no Brasil lembram o romance de Gogol.

Ultrapassamos a marca de 600 mil mortes por covid-19, mantendo, porém, uma média de 500 óbitos por dia. Na sexta-feira, quando atingimos esse patamar, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, deu uma entrevista coletiva minimizando o fato, para destacar que: (1) o governo está empenhado em viabilizar a terceira dose da vacina contra a covid-19 e (2) um número muito maior de pessoas diagnosticadas com a doença se recuperou. De fato, cerca de 20,6 milhões de pessoas tiveram covid-19 e sobreviveram; no momento, 285.032 estão enfermas.

O trauma coletivo
A forma burocrática da entrevista e a falta de empatia do ministro estão em linha com a política sanitária do governo federal. Contaminado na viagem do presidente Jair Bolsonaro à ONU, mesmo sem sintomas, teve que fazer três semanas de quarentena em Nova York, para voltar ao Brasil. Sua desastrosa atuação durante a pandemia também está sendo investigada pela CPI do Senado. Os senadores deverão concluir seus trabalhos nas próximas semanas e, segundo o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), as consequências serão inquéritos civis e criminais, a serem conduzidos pelo Ministério Público, a Polícia Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU). O relator proporá a demissão do ministro Queiroga e/ou a abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, por crime de responsabilidade. Estamos no Brasil, a um ano das eleições, e o nosso país, como dizia o maestro Antônio Carlos Jobim, não é para principiantes: nada de demissão nem impeachment.

Nossa realidade vai além das obras de ficção. Muita incompetência e espertezas macabras foram desnudadas pela CPI da Saúde, porém, nada se aproxima tanto da história de Gogol como o caso macabro da Prevent Sênior, empresa que se especializou no atendimento de idosos, em cuja estratégia de tratamento, além do “kit cloroquina”, nos casos graves, segundo denúncias de médicos e pacientes, os “cuidados paliativos” seriam uma espécie de eutanásia não consentida, para dizer o mínimo. O trauma coletivo da pandemia no Brasil é irreversível, principalmente para os familiares e amigos desses 600 mil mortos por covid-19.

Graças ao SUS, milhões de pacientes passaram pelas enfermarias dos hospitais, alguns com longas internações. O que mudou no modo de vida e na forma de pensar dessas pessoas? O escritor alemão Thomas Mann, cuja mãe era brasileira, ao descrever as polêmicas entre pacientes num sanatório de Davos, nos Alpes suíços, fez um mosaico do que estava acontecendo na Europa à beira da I Guerra Mundial. N’A montanha mágica, a tuberculose muda a noção de tempo durante a internação, enquanto a vida segue o curso trágico da História e médicos charlatães oferecem aos ricos pacientes falsas opções de cura. Naquela época não existia a penicilina; hoje, temos também as vacinas contra a covid-19.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-as-almas-mortas-e-a-montanha