Nas entrelinhas

Luiz Carlos Azedo: Pazuello descobre a pólvora

O SUS pode entrar em colapso, como aconteceu em Manaus, em Santa Catarina, Tocantins, Rondônia, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Paraíba, Maranhão e Sergipe

Há um ano, bem no começo da pandemia da covid-19, se discutia se era uma “gripezinha”, como disse o presidente Jair Bolsonaro, ou uma grave crise sanitária. O então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, insistia que era preciso adotar a política de distanciamento social, para achatar a curva de contaminação e evitar o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto se esperava uma vacina eficaz contra o novo coronavírus. Acabou demitido por contrariar Bolsonaro. O oncologista Nelson Teich, que o substituiu, pediu demissão rapidinho. Bem-mandado, o general de divisão Henrique Pazuello foi nomeado para o cargo.

Naquela ocasião, já se sabia que a pandemia cresceria exponencialmente. Entretanto, incentivados por Bolsonaro, os negacionistas embarcaram na canoa furada da gripezinha, nem mesmo máscaras usavam, e colocavam em dúvida a eficácia das vacinas, que, finalmente, estão chegando, mas em quantidade menor do que a necessária para conter a expansão da doença. Desprezaram o conhecimento e a experiência de sanitaristas, infectologistas e cientistas. O primeiro escalão do Ministério da Saúde foi substituído por um grupo de militares neófitos em saúde pública.

Bolsonaro agiu como aquele rei persa que apostou e perdeu a partida de xadrez. Como recompensa, o seu vizir pediu um grão de trigo no primeiro quadrado do tabuleiro, dois no segundo, quatro no terceiro e assim por diante, dobrando sempre as quantidades. O rei achou a recompensa insignificante, oferecendo joias, odaliscas, palácios, mas o vizir recusou. Só desejava os montes de trigo. Na hora de pagar a aposta, porém, o rei teve uma surpresa muito desagradável. O número de grãos começou pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32 (…) e foi crescendo, 128, 256, 512, 1.024… Quando chegou à última das 64 casas do tabuleiro, era de quase 18,5 quintilhões.

A história foi contada pelo físico norte-americano Carl Sagan (Bilhões e bilhões: reflexões sobre vida e morte, Companhia das Letras, 1998) para chamar a atenção para a importância de se levar em conta os números exponenciais na análise da escala dos mais variados assuntos. É o caso da pandemia de coronavírus, que pode virar uma endemia, se a política de vacinação do governo continuar errática, para não dizer toda errada, como está sendo realizada.

Colapso
Na quarta-feira, chegamos a 250 mil óbitos, com média móvel recorde de 1.129 mortes por dia. Estudo da Fiocruz referente à Semana Epidemiológica 7 de 2021 (período de 14 a 20 de fevereiro) mostra que oito dos 27 estados apresentam sinal de crescimento de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e da covid-19 (95,4% do total de testes positivos), enquanto seis apresentaram tendência de queda. Entretanto, todas as regiões do país estão em risco. Ceará, Santa Catarina e Tocantins apresentam sinal forte (probabilidade maior que 95%) de crescimento na tendência de longo prazo (seis meses). Bahia, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul mostram sinal moderado (probabilidade maior que 75%). Ceará e Paraíba acumulam cerca de seis semanas consecutivas de crescimento, enquanto Tocantins apresenta cinco semanas. Alagoas, Goiás, Maranhão e Rondônia, embora estejam com sinal de estabilidade na tendência de longo prazo, vêm de longo período de crescimento.

Ontem, o ministro Pazuello anunciou que o governo tem três estratégias para enfrentar a pandemia: atendimento imediato em unidades básicas de saúde, estruturação de leitos de UTI e de enfermaria e impulsionamento da vacinação. Ou seja, descobriu a pólvora. Admitiu que a nova cepa do coronavírus, que surgiu em Manaus, já está em várias regiões do país. Citou aumento da contaminação no Pará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Goiás, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Na verdade, os sinais de que o SUS pode entrar em colapso, como aconteceu em Manaus, vêm da escassez de leitos em Santa Catarina, Tocantins, Rondônia, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Paraíba, Maranhão e Sergipe.

Quando Pazuello fala em pronto atendimento nas unidades básicas de saúde, não fica claro qual é o tipo de tratamento. Segundo a revista científica New England Journal of Medicine, a pesquisa Solidarity (Solidariedade) mostrou que medicamentos como hidroxicloroquina, remdesivir, lopinavir e interferon tiveram pouco ou nenhum efeito em pacientes hospitalizados com o novo coronavírus. A pesquisa é organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, no Brasil, conduzida pela Fiocruz. Esse coquetel faz parte do chamado “tratamento precoce”, que era recomendado pelo Ministério da Saúde e foi desaconselhado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS).

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Luiz Carlos Azedo: Emenda Daniel Silveira

Arthur Lira busca uma reaproximação com os 130 deputados que votaram contra a prisão de Daniel Silveira, com os quais havia contado para a sua própria eleição

Com 186 assinaturas, a Câmara discute uma emenda constitucional cujo objetivo é proteger os deputados da prisão em flagrante, com novas regras que visam garantir não a sua imunidade parlamentar, mas velhos privilégios. Articulada pelo novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a proposta pode ser chamada de Emenda Daniel Silveira (PSL-RJ), o deputado falastrão de extrema direita preso por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), por desacatar àquela Corte e seus ministros. É muita ironia, porque a prisão do parlamentar foi mantida pelo plenário da Casa por esmagadora maioria: 364 votos a favor, 130 contra e três abstenções.

Lira quer regulamentar o artigo 53, que trata da imunidade parlamentar e da prisão de deputados e senadores. Na prática, a proposta impede que um parlamentar seja afastado do mandato ou preso por ordem de um único ministro da Corte, como aconteceu com Daniel Silveira. Tecnicamente, somente poderá ser preso em flagrante por crime inafiançável (racismo, tráfico, formação de grupos armados e crimes hediondos), mesmo assim, ficará sob os cuidados da Câmara ou do Senado, porque a proposta estabelece que o deputado ou senador, após a lavratura do auto de flagrante, permanecerá sob custódia da respectiva Casa até o pronunciamento definitivo dos seus pares.

Caso mantida a prisão pelo plenário, como aconteceu com Daniel Silveira, o juízo competente deverá promover, em até 24 horas, a audiência de custódia, oportunidade em que poderá relaxar a prisão, conceder a liberdade provisória ou, havendo requerimento do Ministério Público, converter a prisão em flagrante em preventiva ou aplicar medida cautelar, que precisará ser confirmada pelo plenário do Supremo. Autor da proposta, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) propõe que o afastamento ou a perda de mandato de um parlamentar só possa ser decidido em um processo disciplinar da Câmara: “Nem um juiz nem o Supremo Tribunal Federal nem ninguém do Poder Judiciário pode afastar um representante legítimo do povo das suas funções. Representante que foi escolhido pelo poder maior da nação, que é o povo, não pode ter o seu mandato afastado por uma decisão judicial”, disse.

O texto também limita as operações de busca e apreensão no Congresso e nas residências dos parlamentares, que terão de ser aprovadas pelo plenário do Supremo. Os documentos ficarão acautelados e não poderão ser analisados até a confirmação do plenário do STF, sob pena de crime de abuso de autoridade. Além do caso de Daniel Silveira, os do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com R$ 30 mil na cueca numa operação de busca e apreensão em sua residência, em Macapá, e da deputada Flordelis (PSD-RJ), suspeita de mandar matar o marido, recém-afastada do mandato pelo Tribunal de Justiça fluminense, motivaram a apresentação, a toque de caixa, da emenda constitucional.

Enrolados
Nos bastidores, comenta-se que Arthur Lira busca uma reaproximação com os 130 deputados que votaram contra a confirmação da prisão de Daniel Silveira, com os quais havia contado para a sua própria eleição à Presidência da Câmara. Legislaria em causa própria, pois faz parte do grupo de parlamentares enrolados que respondem a processo no STF. O Palácio do Planalto também atua nos bastidores para a aprovação da emenda constitucional, para compensar o abandono em que deixou Daniel Silveira quando o parlamentar foi preso.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), não esconde que o projeto é uma resposta ao STF: “É uma reação à forma como o Supremo atuou na prisão do deputado Daniel Silveira. Nós não podemos ter presos no Brasil por crime de opinião (…). Eu respeito o Supremo Tribunal Federal, acho que eles agiram ali, num momento ali, numa forma ordenada, corporativa, mas, friamente falando, não tem fundamento para a prisão, como ela foi feita”.

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Luiz Carlos Azedo: Avante para o passado

Há uma evidente contradição entre a retórica do ministro Paulo Guedes e as ideias positivistas e nacionalistas que caracterizam a mentalidade dos militares brasileiros

Onde foi que o Brasil perdeu o rumo? Essa pergunta tem muitas respostas, que variam de acordo com a ideologia do interlocutor. Mas, se olharmos para o passado, veremos na morte do presidente Tancredo, eleito pelo colégio eleitoral em 1985, depois de grandes mobilizações populares em seu apoio, o momento em que um projeto liberal com ampla base política e social foi abortado. O 21 de abril daquele ano, contraditoriamente, foi a morte do projeto liberal. Nunca mais houve no país uma correlação de forças como aquela, que lhe desse sustentação para fazer coincidir a democratização do país com a ultrapassagem do modelo nacional desenvolvimentista, que havia se esgotado.

Vice eleito, José Sarney, oriundo da Arena, ao assumir a Presidência, se viu contingenciado pelo liberalismo social de Ulysses Guimarães e por forças políticas social-democratas, trabalhistas, socialistas e comunistas, à sua esquerda, que derrotaram o Centrão na Constituinte. A sucessão de planos econômicos de seu governo, a começar pelo Plano Cruzado, que resultou na hiperinflação, foi resultado direto do experimentalismo econômico desenvolvimentista, que buscava alternativas para recidiva de um modelo econômico que já tinha dado o que tinha que dar. Em que pese suas críticas ao caráter social da Constituição de 1988, o máximo de liberalismo a que o governo Sarney chegou foi a política “feijão com arroz” do seu último ministro da Fazenda, Maílson da Nobrega.

Outra oportunidade para a agenda liberal foi a eleição de Fernando Collor de Mello, que fez campanha com um programa dessa natureza, mas, tão logo assumiu a Presidência, deu um cavalo de pau e lançou um plano que também naufragou, no qual o confisco da poupança lhe surrupiou o apoio da classe média. Seu legado foi a abertura comercial da economia, que não é pouca coisa, se levarmos em conta a política de reserva de mercado adotada pelo regime militar, desde o chamado “milagre econômico”, na década de 70, do qual herdamos o atual modelo de transporte rodoviário, o atraso tecnológico na área de informática e um sistema de saneamento que não trata o esgoto e multiplica as caixas d’água.

Talvez, a mais engenhosa política econômica de nossa história republicana, desde o Acordo de Taubaté, tenha sido o Plano Real, lançado no governo Itamar Franco, pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que viria a governar o país por dois mandatos. É falsa a ideia de que era um plano neoliberal, disseminada pelo PT até hoje. A própria existência de uma disputa entre social-liberais e desenvolvimentistas no governo tucano é a prova disso. Houve, sim, uma reforma bancária que consolidou nosso sistema financeiro e uma reforma patrimonial que privatizou a maior parte do setor produtivo estatal, em áreas que estavam em obsolescência industrial, como mineração e siderurgia, e de serviços, sobretudo a telefonia, que era um entrave à produtividade da economia. Mesmo se quisesse, não havia como financiar a modernização desses setores.

Social-liberal
A política de “focalização” do gasto social nas camadas mais pobres da população é social-liberal. Foi adotada no governo FHC e mantida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a diferença de escala na transferência de renda, com o Bolsa Família, que beneficiou 50 milhões de pessoas. A guinada nacional-desenvolvimentista na política econômica somente veio a ocorrer no segundo mandato de Lula, sob comando do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e a influência direta da então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o “poste de saias” que sucedeu Lula. A nova matriz econômica surgiu com medidas anticíclicas, para enfrentar a crise do mercado financeiro americano de 2008, mas acabou virando estratégia de desenvolvimento, que fez renascer das cinzas o velho modelo nacional desenvolvimentista, tendo por eixo as empresas estatais, os investimentos em infraestrutura e a política de “campeões nacionais” do BNDES. Os resultados, todos conhecem: a economia entrou em colapso, a inflação disparou, o escândalo da corrupção na Petrobras desmoralizou o governo petista. Dilma acabou apeada do poder pelo impeachment.

O vice Michel Temer, ao assumir o governo, foi o último presidente da República a apresentar um projeto liberal com começo, meio e fim, a chamada “Ponte para o futuro”. Entretanto, não tinha tempo para implementá-lo, diante da recessão e da necessidade de domar a inflação, além da falta de perspectiva política provocada pelas denúncias do procurador-geral Rodrigo Janot, com base na delação premiada da JBS. Quem agarrou a bandeira da agenda liberal com as duas mãos foi Jair Bolsonaro, eleito presidente da República em 2018, com o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, como garoto propaganda. Mas há uma evidente contradição entre a retórica do ministro e as ideias positivistas e nacionalistas que caracterizam a mentalidade dos militares brasileiros.

Essa contradição se tornou cristalina neste episódio de mudança de comando na Petrobras, com a substituição de Roberto Castelo Branco, um executivo civil, pelo general Silva e Luna, prontamente apoiada pelo ex-senador Aloizio Mercadante (PT-SP), por se tratar de um “nacionalista”. É evidente a fritura de Guedes, cada vez mais enfraquecido. Na economia, sempre houve certa convergência entre as concepções nacionalistas dos militares e as ideias anti-imperialistas da esquerda tradicional. Com Bolsonaro no poder, é possível desenhar um cenário para as eleições de 2022 no qual essas forças se confrontarão novamente, como em 2018. Ainda não surgiu um político capaz de articular a agenda liberal e galvanizar o apoio popular, como Tancredo Neves.

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Luiz Carlos Azedo: Guedes foi abduzido

O governo deu uma guinada populista e estatizante para agradar a base eleitoral de Bolsonaro e consolidar o poder dos generais do Palácio do Planalto

A troca de comando na Petrobras — o executivo civil Roberto Castello Branco foi substituído pelo general Luna e Silva na presidência da empresa — provocou uma queda de 21% das ações da companhia, o que representa uma perda no seu valor de mercado que já supera R$ 100 bilhões. Ameaças de troca de comando na Eletrobras e no Banco do Brasil também tiveram muito impacto no mercado financeiro, o que fez a Bovespa cair 5% e o dólar, fechar cotado a R$ 5,45, uma alta de 1,26%, mesmo com o Banco Central (BC) vendendo US$ 1,5 bilhão em linha direta.

O mercado não está só especulando, o que é normal quando há mudanças desse tipo. Está mesmo à beira de um ataque de nervos, porque a situação geral do país é complicada: (1) o Brasil está isolado internacionalmente, na contramão da política de Joe Biden; (2) a segunda onda da pandemia está fora de controle em várias cidades do país, com a média de mortes acima de 1.000 óbitos/dia; (3) a manutenção da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pela Câmara mostrou que o Centrão não apoia Bolsonaro para o que der e vier (os bolsonaristas podem não chegar a 130 deputados); (4) o presidente da Câmara, deputado Artur Lira (PP-AL), em entrevista à Veja, deixou claro que seu acordo com o Palácio do Planalto não incluiu a reeleição de Bolsonaro em 2022.

O governo deu uma guinada populista e estatizante para agradar a base eleitoral de Bolsonaro e consolidar o poder dos generais do Palácio do Planalto, com a militarização da direção das principais empresas estatais. Com isso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, corre o risco de virar um “anão de jardim” na Esplanada dos Ministérios. Ninguém sabe o que Guedes pretende fazer, mas o mercado financeiro o considerou uma figura ornamental nessa troca na Petrobras, ou seja, perdeu a credibilidade. Numa reunião com empresários, ontem, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), indagado sobre eventual saída de Guedes, respondeu com indiferença: paciência. Caso isso ocorra, o Centrão já tem candidato: Rogério Marinho, o ministro da Integração Nacional, que é economista e foi o negociador das reformas trabalhista, no governo Michel Temer, e previdenciária, no primeiro ano de mandato de Bolsonaro.+

Pau mandado
Nos bastidores, Guedes fez chegar a interlocutores que sua aposta é a aprovação da PEC Emergencial. O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC, propõe o fim do piso para a educação e a saúde, o que coloca em risco o recém-aprovado Fundeb e o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS). No substitutivo da emenda constitucional, incluiu a chamada “cláusula de calamidade pública”, com os acionamentos de gatilhos para gastos extraordinários, ou seja, despesas acima do teto de gastos, sem infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal. O ministro Paulo Guedes tem ressaltado a necessidade da votação dessa matéria para viabilizar o auxílio emergencial.

A nomeação do general Luna e Silva, que já foi diretor de Orçamento e Finanças do Exército e ministro da Defesa, não passou pelo ministro da Economia, foi uma indicação dos generais do Palácio do Planalto. Guedes foi abduzido pelos militares, mas minimiza os efeitos da troca de comando na Petrobras e vê a queda das ações como um fenômeno normal no mercado financeiro, no qual sempre atuou. Avalia que a aprovação da PEC pelo Senado será uma conquista mais importante do que os efeitos da intervenção na Petrobras. A equipe econômica também estaria elaborando um novo programa de privatização, que incluiria a criação de um fundo destinado à transferência de renda, o que agradaria o presidente Bolsonaro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), pretende votar a PEC Emergencial na próxima quinta-feira.

O general Luna e Silva terá de convencer os acionistas da Petrobras de que não é um pau mandado do presidente da República, como acontece com o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, que atua na base do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. O problema do governo é que os acionistas da empresa podem entrar na Justiça exigindo indenização da companhia, principalmente os estrangeiros, em razão dos prejuízos causados pela intervenção indevida do governo na política de preços de combustíveis. Com ações na Bolsa de Nova York, a Petrobras já cortou um dobrado com esses acionistas, que processaram a empresa nos Estados Unidos por causa do escândalo do petrolão.

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Luiz Carlos Azedo: O mico da Petrobras

“O melhor negócio do mundo já não é uma refinaria de petróleo, como dizia David Rockefeller. Estamos vivendo uma grande mudança de matriz energética”

Esta quem me contou foi o ex-governador Artur Carlos Gerhardt Santos, que governou o Espírito Santo no começo dos anos 1970 e foi o grande artífice de sua industrialização. Levou para o seu estado indústrias de beneficiamento de commodities que muitos não desejavam, por causa dos riscos ambientais, como a Aracruz Celulose e a Companhia Siderúrgica de Tubarão, razão pela qual o Espírito Santo tem uma economia industrial ligada ao comércio exterior.

A história é a seguinte: quando foi construída a ponte rodoferroviária Florentino Avidos, a primeira ligação entre a ilha de Vitória e o continente, um português empreendedor logo tratou de criar uma linha de lotação, como se chamavam os ônibus da época. Os catraieiros – barqueiros que faziam o transporte de passageiros entre a capital e Vila Velha – fizeram uma greve. “Não tinha a menor chance de dar certo”, disse-me o ex-governador. Hoje, os catraieiros continuam oferecendo seus serviços, até viraram atração turística. Obviamente, para reduzido número de usuários.

A história é singela, mas ilustra o impacto da modernização nos meios de produção e na organização do trabalho, resguardadas as devidas proporções, é claro. E nos remete aos caminhoneiros e à situação da Petrobras, símbolo do nacional desenvolvimentismo e do nosso capitalismo de estado. Por pressão dos caminhoneiros insatisfeitos com a alta de preços dos combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o presidente da Petrobras, Roberto Cunha Castelo Branco, e nomeou para o cargo o general Joaquim da Silva e Luna, ex-ministro da Defesa do governo Michel Temer.

É como se o governador Florentino Avidos, que importou a ponte de ferro da Alemanha em 1927, proibisse a linha de lotação para atender aos catraieiros. Caminhoneiros já derrubaram um presidente da República, protagonizando a crise que facilitou o golpe do sanguinário general Augusto Pinochet no Chile, no qual o presidente Salvador Allende morreu, em 1973. No Brasil, com a greve de 2018, caminhoneiros integraram a vanguarda da campanha de Jair Bolsonaro, que agora é refém da categoria. Recentemente, engavetou a nova lei da cabotagem, que baratearia os transportes de carga e reativaria a indústria naval, por pressão dos caminhoneiros. Bolsonaro teme uma nova greve da categoria como o diabo foge da cruz, porque vê uma conspiração para destituí-lo do cargo instalada no Palácio do Jaburu.

Acontece que a troca do executivo civil por um general sinalizou para o mercado a ruptura com o princípio de não-interferência do governo na política de preços da Petrobras, que é uma sociedade anônima, cujas ações despencaram nas bolsas de Nova York e São Paulo. A perda foi de R$ 28,2 bilhões no valor de mercado, num único dia. O tamanho do prejuízo dependerá dos próximos passos do governo e da competência do novo presidente da empresa, que não é do ramo, como o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. As novas políticas de preços de combustíveis e de desinvestimento da Petrobras não dependem só do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Choque de petróleo
Estamos vivendo um novo choque de petróleo.

Já houve três:

(1) em 1973, na criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), quando seus países membros limitaram a produção e exportação de petróleo, quadruplicando de US$ 3 para US$ 12 o preço do barril, em resposta à política das “Sete Irmãs”, cinco petroleiras americanas (Chevron, Exxon, Gulf, Mobil e Texaco), uma anglo-holandesa (Shell) e uma britânica (British Petroleum);

(2) em 1979, quando houve a revolução no Irã e sua guerra com Iraque, grandes produtores, o que resultou na redução da oferta de óleo; e

(3) em 1990, na Guerra do Golfo, entre o Iraque e o Kuwait, com as mesmas consequências. Agora, a OPEP e a Rússia resolveram reduzir a produção de petróleo e novamente jogar os preços para cima, o que afeta diretamente a Petrobras. Como não somos da OPEP, temos que jogar no time das “Sete Irmãs” e dançar conforme a música.

Com sede em Viena (Áustria), a OPEP foi fundada por Arábia Saudita, Venezuela, Irã, Iraque e Kuwait. Depois incorporou: Líbia (1962), Emirados Árabes (1967), Argélia (1969), Nigéria (1971), Gabão (1975), Angola (2007), Guiné Equatorial (2017) e Congo (2018). Esses países controlam 78,7% das reservas de petróleo do mundo. Entretanto, o melhor negócio do mundo já não é uma refinaria de petróleo, como dizia David Rockefeller. Estamos vivendo uma grande mudança de matriz energética, em plena recessão mundial provocada pela pandemia de covid-19, que afeta de forma acelerada e profunda o mercado automotivo e, consequentemente, de combustíveis. Não foi à toa que a Ford fechou suas fábricas no Brasil.

No auge da crise do governo Dilma Rousseff, o presidente de uma das “Sete Irmãs” no Brasil queixava-se de que há sete anos não havia leilões do pré-sal, o que desorganizava todo o “cluster” do petróleo, que migra de país de acordo com a intensidade de exploração. “Entre a prospecção e a produção, o ciclo de retorno de investimento no pré-sal leva 20 anos”, explicou. Retirar petróleo em águas profundas custa caro. A Petrobras não tem capital para explorá-lo na velocidade necessária e, em 20 anos, pode até ficar com um mico na mão. Por isso, como aconteceu com os catraieiros, o lobby dos caminhoneiros não tem futuro. Vem aí, rapidinho, o caminhão elétrico.

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Luiz Carlos Azedo: O que está em jogo?

A revogação da prisão do deputado Daniel Silveira ganharia ares de impunidade para um comportamento inaceitável numa ordem democrática, à qual se opõe

O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, manteve a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), aquele que na campanha eleitoral destruiu uma placa de rua com o nome da vereadora Marielle Franco (PSol), assassinada por milicianos do Rio de Janeiro. Na terça-feira, o parlamentar, em live de quase 20 minutos, fez ameaças ao STF e a diversos ministros da Corte, com afirmações caluniosas e atentatórias ao Estado de direito democrático. À noite, foi preso pela Polícia Federal, que cumpriu mandado de prisão em flagrante expedido pelo ministro Alexandre de Moraes.

Ex-policial militar, várias vezes punido por mau comportamento, Silveira deixou a corporação ao se eleger deputados federal na onda bolsonarista, em 2018. Está sendo investigado nos inquéritos que apuram as fake news contra o Supremo e os responsáveis pelas manifestações em favor de uma intervenção militar, sob responsabilidade do ministro Moraes. É suspeito de supostas ligações com as milícias do Rio de Janeiro e de ser um dos líderes dos grupos de extrema-direta que pregam a volta do regime militar.

O pretexto para gravação do vídeo por Silveira foram as declarações do ministro Édson Fachin a propósito do depoimento do ex-comandante do Exército Eduardo Villas-Boas, ao Centro de Pesquisa e Documentação (CPDoc) da Fundação Getulio Vargas (FGV), no qual o general afirma que o texto de seu Twitter sobre o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, em 2018, fora discutido no Alto-Comando do Exército. No vídeo, Silveira também defende a volta do Ato Institucional nº 5, que levou à fascistização do regime militar implantado após o golpe de 1964 , que destituiu o presidente João Goulart.

O vice-procurador-geral da República Humberto Jaques de Medeiros, ontem mesmo, denunciou Silveira por instigar a ruptura institucional e a animosidade entre o Supremo e as Forças Armadas. A decisão unânime do Supremo cria também jurisprudência sobre esse tipo de manifestação, nas redes sociais, que prega a ruptura da democracia e a violência contra seus poderes constituídos. Hoje, haverá audiência de custódia de Daniel Silveira, mas dificilmente sua prisão em flagrante será revogada por Moraes.

A prisão de Silveira pegou de surpresa o Congresso, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira, que recém-assumiu o cargo e já está no epicentro de uma crise política provocada por um de seus aliados. A decisão de Moraes gerou polêmica sobre a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar, principalmente, na Câmara, onde aliados de Silveira protestaram contra a decisão por afinidade ideológica. Outros parlamentares, porém, por convicções políticas e jurídicas, consideram que a prisão em flagrante, nas circunstâncias que se deram, é uma afronta à imunidade parlamentar.

Narrativa fascista
Presidente da Casa, Lira havia convocado uma sessão plenária para discutir a questão hoje à tarde, mas a suspendeu. Em seu lugar, marcou uma reunião de líderes. Tenta, ainda, negociar a conversão da prisão em flagrante em prisão domiciliar, para evitar um confronto entre a Câmara e o Supremo, mas essa possibilidade ontem era muito remota. É prerrogativa da Câmara revogar ou não a prisão de deputado. Por mais que se faça uma discussão técnica na Casa, qualquer decisão será política.

A defesa do instituto da imunidade tem forte apelo entre os pares de Silveira. Muitos já são favoráveis à punição do parlamentar pela própria Casa, onde já foi apresentado, pelos partidos de oposição, um pedido de cassação de mandato, por quebra de decoro parlamentar, na Comissão de Ética da Câmara. Nos bastidores, cresce a avaliação de que a revogação da prisão de Silveira não vale um confronto com o Supremo, que seria muito desgastante para os dois Poderes e a antessala de uma grave crise institucional. A manifestação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), foi no sentido de evitar essa crise.

No sábado de Carnaval, os decretos do presidente Jair Bolsonaro sobre venda de armas, uma espécie de “liberou geral” para quem gosta de andar armado, invadiram as prerrogativas do Congresso e geraram apreensão entre os parlamentares, porque os grupos de extrema-direita que Silveira e outros deputados representam estão se transformando em milícias políticas armadas. A truculência desses grupos, principalmente nas eleições, é uma ameaça à democracia.

Foi essa truculência que Daniel Silveira escalou ao ameaçar os ministros do Supremo, pois já tinha dado mostras desse comportamento em diversos episódios, desde a sua eleição. A revogação de sua prisão, em termos políticos, ganharia ares de impunidade para um comportamento inaceitável numa ordem democrática, à qual Silveira se opõe; legitima uma narrativa política de características fascistas na tribuna da Câmara. A imunidade parlamentar tem outras dimensões, que precisam ser consideradas.

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Luiz Carlos Azedo: Fogo na camisa amarela

Como brincar carnaval diante de um cenário tão macabro? Ir às ruas para uma festa cujo clima depende de aglomeração seria uma espécie de suicídio coletivo

O carnaval sempre foi um momento de inversão de papéis, de questionamento das normas, de fuga do padrão da vida cotidiana e da libertação da repressão. Neste ano, não. Ainda vamos levar algum tempo para ter a verdadeira dimensão do que está ocorrendo, mas, talvez, o carnaval deste ano seja um momento de choque da dura realidade, que é a crise sanitária pela qual o mundo está passando, agravada pela incompetência e pelo negacionismo do governo. Oxalá, no próximo carnaval, a maioria da população esteja imunizada contra a covid-19.

No começo da pandemia, imaginava-se que o carnaval de 2021 seria um dos maiores de todos os tempos, com a população indo às ruas se divertir, superada a peste. Estaríamos vivendo momentos felizes, de muita contestação aos tabus da nudez e da sensualidade, de ironias e críticas escrachadas aos governantes e, como não poderia deixar de ser, ao presidente Jair Bolsonaro. Feminismo, racismo, diversidade, exclusão, os temas caraterísticos do debate contemporâneo, numa sociedade pluralista e democrática, estariam sendo tratados com bom humor e muita sagacidade pelo povo nas ruas, cantando marchinhas e sambas.

Por incrível que possa parecer, o carnaval — essa festa tão desvairada — também é um momento de conscientização da população. É quase impossível na vida de um brasileiro não ter visto um desfile de escola de samba, não ter saído num bloco ou participado de um baile de carnaval no qual não houvesse ruptura ou transformação de costumes. É uma festa muito ambígua, na qual a fuga da realidade funciona como um espelho da sociedade, quando a velha senhora que passa roupa para fora se veste de luxuosa baiana, a madame vira figurante numa ala de escola de samba, o jovem desempregado brilha na bateria, a socialite leva uma bronca do bombeiro hidráulico por atrasar o desfile e o galã da novela arrisca um desengonçado samba no pé, sendo ele mesmo, e não o seu personagem.

O carnaval substituiu o entrudo, que era uma festa embrutecida, na qual o povo tomava as ruas para jogar farinha, baldes d’água, limões de cheiro e até lama e areia uns nos outros. Ou seja, um avanço civilizatório. Roberto DaMatta, o antropólogo estudioso dos foliões e dos malandros, sempre destacou que o carnaval não é apenas um momento de alienação da realidade, é um espaço de transformação dos padrões da sociedade. O Rio de Janeiro, quanta ironia, teve um prefeito que não gosta de carnaval e não conseguiu se reeleger. Temos um presidente da República que também não gosta e que, talvez, se regozije pelo fato de o povo não ter tomado as ruas para fazer troça das autoridades e de si próprio.

Folião de raça
Um dos maiores carnavais de todos os tempos, segundo os historiadores, foi o de 1919, no Rio de Janeiro, ano de estreia do Cordão do Bola Preta, que havia sido fundado em dezembro do ano anterior e, hoje, é o maior bloco do país, arrastando milhões pelo centro do Rio de Janeiro no sábado de carnaval, o que deveria ter acontecido ontem. Aquele foi um carnaval no qual a população comemorou o fim da gripe espanhola, a epidemia que matou 15 mil pessoas somente no Rio de Janeiro. Neste carnaval, a média de óbitos na cidade está em 158 mortes por dia, sendo 234 óbitos e 5,5 mil casos de contaminação nas últimas 24 horas. Já são 551 mil casos no estado.

Não é privilégio de cariocas e fluminenses. No Distrito Federal, a covid-19 matou 4.198 pessoas, de um total de 247 mil infectados; oito vezes mais do que acidentes e homicídios. Em Belo Horizonte, foram 16,5 mil mortes, de um total de 798 mil infectados. Em São Paulo, 55 mil mortes, com 1,9 milhão de infectados. Na Bahia, 10,6 mil mortos para 623 mil infectados. Em Pernambuco, 10,6 mil mortos para 277 mil infectados; no Amazonas, são 9,7 mil mortos para 292 mil infectados. Estamos vivendo a rebordosa das campanhas eleitorais e das festas de fim de ano.

Como brincar carnaval diante de um cenário tão macabro? Agora, com a segunda onda da pandemia, ir às ruas para uma festa cujo clima depende de aglomeração e contato físico seria uma espécie de suicídio coletivo. Por isso, mesmo que a festa seja em casa e nas redes sociais, neste ano, o carnaval não valeu. Melhor ficar em casa, cantar A Jardineira e pôr fogo na camisa amarela, como aquele folião de raça de Ary e Elizeth, na quarta-feira de cinzas.

PS: até quinta-feira!

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Luiz Carlos Azedo: Falta de vacina agrava a crise

No Senado, Pazuello prometeu que 50% da população estará vacinada até junho e mais 50% até dezembro, mas não disse como. O depoimento do general foi sofrível

A campanha nacional de vacinação deveria se chamar operação vaga-lume, porque não tem vacinas suficientes para imunizar a população de forma contínua, no ritmo necessário para conter a segunda onda da pandemia. Há três semanas, ultrapassamos mais de mil mortes por dia; nos últimos sete dias, em média, foram 1.050 mortos. Entre eles, o senador José Maranhão (MDB-PB), de 87 anos, que estava internado no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, e lutou 71 dias contra a doença. O Brasil já ultrapassa a marca dos 9,6 milhões de casos e 235 mil mortes por covid-19.

Ontem, registramos 1.452 mortes em 24 horas, nível equivalente ao auge da crise no ano passado, em julho. Foi nesse contexto que o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, prestou depoimento ao Senado, tentando se explicar sobre suas trapalhadas à frente da pasta, principalmente no caso do colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) em Manaus, por falta de oxigênio, e do atraso na aquisição de vacinas, que, agora, estão fazendo falta na campanha de vacinação. O SUS tem condições de vacinar até 10 milhões de pessoas por dia, por meio de uma grande rede de postos de vacinação e equipes veteranas em campanhas de imunização.

Apenas 4,3 milhões de brasileiros foram vacinados até agora, a maioria, o pessoal da linha de frente do combate ao novo coronavírus e os mais idosos, sendo que 80 mil já receberam a segunda dose. Isso representa apenas 2,4% da população, muito pouco diante da necessidade de vacinar até 70% dos brasileiros para conseguir eliminar a propagação do vírus, o que corresponderia a 146 milhões de pessoas. Por falta de insumos, a produção de vacinas pelo Butantan e pela Fiocruz está numa escala muito baixa e até intermitente, o que acaba desorganizando a vacinação que já estava programada em diversos municípios, por falta de imunizantes. A importação de vacinas prontas e a liberação do imunizante russo Sputnik V, produzido aqui no Brasil por um laboratório privado, continuam a mesma novela.

No Senado, Pazuello prometeu que 50% da população estará vacinada até junho e mais 50% até dezembro, mas não disse como. O depoimento do general foi sofrível, com informações erradas, afirmações não comprovadas e promessas sem amparo objetivo. O esforço dos aliados do governo no Senado para evitar a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde pode fracassar por causa do desempenho de Pazuello. Por mais boa vontade que tenha o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), será muito difícil não instalar a comissão, a não ser que o governo consiga convencer pelo menos quatro dos 31 senadores que assinaram o requerimento a desistirem da CPI.

A CPI da Saúde é uma saia justa para o senador Rodrigo Pacheco. O líder da bancada do MDB, Eduardo Braga (AM), que foi governador do Amazonas, fez duros questionamentos a Pazuello. Disse que alertou o ministro da Saúde pessoalmente, em dezembro, sobre o risco de colapso em Manaus. A morte de senador José Maranhão, que tinha amplo trânsito entre os colegas, aumentou ainda mais o trauma. Pacheco tenta evitar a CPI, mas é cobrado pela oposição, que também o apoiou na eleição, como é o caso do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do requerimento de CPI.

Auxílio
Diante da crise sanitária, o presidente Jair Bolsonaro anunciou, ontem, que pretende prorrogar o auxílio emergencial por mais três ou quatro meses, para mitigar o impacto da pandemia. A falta de vacinas fará com que a crise sanitária se arraste o ano todo, com forte impacto nas atividades econômicas, em decorrência do desemprego e da recessão. Por essa razão, Bolsonaro deseja conceder o abono. Ao contrário do que aconteceu no ano passado, quando sua aprovação popular aumentou, por causa do abono, em janeiro, com o fim do auxílio emergencial, a popularidade dele decaiu.

Ontem, o presidente da República anunciou que pretende prorrogá-lo, provavelmente, com parcelas de R$ 200, mas precisa encontrar uma fonte de receita para não estourar o teto de gastos. Por ora, não há recursos no Orçamento. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já cobrou uma definição do governo. O Centrão e a oposição querem aprovar o abono, mas não a criação de um imposto. Preferem, se for o caso, furar o teto de gastos, porém, a equipe econômica não aceita. O governo também não enxuga seus gastos na Esplanada dos Ministérios.

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Luiz Carlos Azedo: O trem andou

A independência do BC agrada ao mercado, porque garante mais previsibilidade na economia, mas não desenrola a política econômica

A independência do Banco Central (BC) foi aprovada, ontem, na Câmara, por 339 votos a 114, depois de 30 anos de discussão. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), fez da votação uma demonstração de força e uma sinalização para o mercado de que vai retornar à agenda das reformas. A aprovação também é um contraponto à gestão do antecessor, deputado Rodrigo Maia(DEM-RJ), que está sendo responsabilizado por Lira e pelo Planalto pelo atraso na votação das medidas econômicas necessárias para enfrentar a crise. Não é bem assim, a matéria já estava pronta para ser aprovada e contava com ampla maioria. Provavelmente, seria a primeira medida a ser votada caso o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) fosse o eleito.

Na verdade, o que está atrasando a votação das medidas econômicas é a falta de entendimento político entre a turma do Centrão, os militares do Planalto e a equipe econômica em relação à maioria dos assuntos, sem que Bolsonaro tome uma decisão. Por exemplo, a criação do auxílio emergencial, desejo da ampla maioria dos parlamentares, não vai adiante porque toda a Esplanada dos Ministérios se recusa a cortar na própria carne, e a equipe econômica também não quer criar um imposto.

A independência do BC agrada ao mercado, porque garante mais previsibilidade na economia, mas não desenrola a política econômica. Diretores do banco terão mandato de quatro anos, com direito a uma reeleição. Os mandatos não coincidirão com o do presidente da República, que indicará o presidente e demais diretores do BC. Caberá ao Congresso aprovar a indicação e, se for necessário, destituir os diretores do banco.

Em tese, a independência do BC acaba com interferências do Executivo na política monetária. Num regime de metas de inflação, isso garante que a política de juros seja administrada com foco exclusivo na estabilidade da moeda. Alguns analistas acreditam que os juros do mercado futuro, que servem para a rolagem da dívida pública, tenderão a cair com a decisão. A medida é muito criticada pela esquerda e economistas desenvolvimentistas, mas há muitos países governados por partidos de esquerda que têm bancos centrais independentes.

Outro passo importante foi a instalação da Comissão Mista de Orçamento, que estava sendo adiada por causa de uma disputa pelo seu comando entre o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o Centrão. A presidente da CMO é a deputada Flávia Arruda (PL-DF), indicada por Arthur Lira. Com 31 deputados e 11 senadores, a comissão instalada, ontem, vai examinar o Orçamento de 2021; em abril, outra composição será feita, para discutir o Orçamento de 2022. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ao instalar a comissão, descartou a criação de um novo imposto para financiar a prorrogação do abono emergencial.

Doria versus Aécio
A lavagem de roupa suja em público no PSDB continuou ontem. O governador João Doria praticamente deu um ultimato à cúpula do partido para afastar o deputado Aécio Neves (MG), em nota duríssima; Aécio rebateu. Do jeito que vão as coisas, será impossível a permanência de ambos na legenda. O problema é que Doria tem mais poder político, por causa do governo de São Paulo, mas quem tem maioria na cúpula da legenda é o político mineiro.

É impressionante como a disputa pela presidência da Câmara desagregou a legenda. Mostrou para Doria que uma parte considerável da bancada pode ter derivado para a base do presidente Jair Bolsonaro, comprometendo seu projeto eleitoral. A forma como o governador paulista pretende resolver o problema não está clara. Há três hipóteses: (1) forçar os pares a lhe entregar o comando da legenda; (2) sair do partido para ser candidato por outra legenda; (3) desistir da candidatura, tendo Aécio como pivô da tragédia.

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Luiz Carlos Azedo: Doria põe fogo no ninho

“O eixo de gravidade da maioria dos tucanos no Congresso não é o Palácio dos Bandeirantes, é o Palácio do Planalto”

O governador de São Paulo, João Doria, pode ter dado um grande passo em falso para a consolidação de sua candidatura. Nem tanto por exigir do PSDB um claro posicionamento de oposição ao presidente Jair Bolsonaro, uma vez que já se coloca nesse campo, mas porque fez duas exigências para as quais, no momento, ainda não reúne forças suficientes para obtê-las dentro de seu próprio partido: a renúncia do deputado Bruno Araújo (PE), que preside a legenda, e a expulsão do deputado Aécio Neves MG), uma eminência parda nas bancadas da Câmara e até do Senado, onde ainda tem muitos aliados.

Doria fez as exigências num jantar com lideranças tucanas na segunda-feira. Bruno Araújo foi surpreendido pela proposta e não gostou nem um pouco da ideia de passar o comando da legenda para o governador paulista, de quem, inclusive, era aliado. A reação do presidente do PSDB foi defender a realização de prévias, pois o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, tem revelado a aliados que não deseja se reeleger ao cargo e gostaria de disputar a Presidência da República. O líder da bancada na Câmara, Rodrigo Castro (MG), muito menos. É muito ligado a Aécio, que reagiu confrontando Doria diretamente: “O partido não tem dono”.

O ninho foi incendiado por Doria, mas a divisão interna já estava patente na disputa pelos comandos da Câmara e do Senado. No primeiro caso, por muito pouco a bancada não se retirou do bloco encabeçado pelo líder do MDB, Baleia Rosssi (SP), que foi derrotado por Arthur Lira (PP-AL). Foi preciso que Doria e até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso interviessem nas articulações, porque a maioria da bancada estava com o candidato do Centrão. No segundo, cinco dos oito senadores tucanos apoiaram Rodrigo Pacheco (DEM-MG) contra Simone Tebet (MDB-MS). Ou seja, o eixo de gravidade da maioria dos tucanos no Congresso não é o Palácio dos Bandeirantes, é o Palácio do Planalto.

Repete-se no PSDB uma situação muito parecida com a do DEM, que se alinhou com o presidente Jair Bolsonaro na eleição das Mesas do Senado e da Câmara, com a diferença de que os tucanos já têm uma candidatura própria. Desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso, os candidatos paulistas à Presidência do PSDB enfrentam dificuldades internas fora do estado, principalmente em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. No caso de Doria, essa dificuldade é ainda maior porque o governador paulista não tem nenhuma experiência parlamentar, ou seja, não conhece o Congresso. Além disso, há contenciosos entre os estados nos quais São Paulo fica num certo isolamento, principalmente em matérias financeiras e tributárias.

Doria disputava uma aliança com o DEM com o presidente Jair Bolsonaro e o apresentador Luciano Huck, que também tentava atrair a legenda para sua candidatura, inclusive com a possibilidade de a ela se filiar. Os recentes episódios na Câmara fizeram com que ambos despertassem desse sonho. Doria, agora, tenta atrair para o PSDB o vice-governador Rodrigo Garcia, que deve assumir o governo e se candidatar à reeleição. Isso resolveria o problema do descolamento do DEM em São Paulo, facilitando, também, a acomodação dos tucanos paulistas. O governador paulista também tenta atrair o deputado Rodrigo Maia (RJ), que anunciou sua saída do DEM com duras críticas ao ex-prefeito de Salvador (BA) ACM Neto, presidente da legenda. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM), é outro assediado por Doria.

Rodrigo Maia e Eduardo Paes são atores importantes no quadro político nacional, mas precisam de um partido para ter protagonismo. O primeiro tem pressa em se reposicionar, para não sair do jogo; o segundo, não tem a mesma urgência, pois não pretende se candidatar em 2022. Além do PSDB, as principais opções para Maia são o PSL, com a saída dos parlamentares ligados a Bolsonaro, e o MDB, que precisa se reestruturar no Rio de Janeiro. Corre por fora o Cidadania, caso se confirme a filiação de Luciano Huck.

Comitê de imprensa
Oscar Niemeyer, Carlos Castelo Branco, Ari Cunha, Tarcísio Holanda e Jorge Bastos Moreno, para não estender a lista, certamente estariam engrosssando o coro de protestos contra o despejo do comitê de imprensa da Câmara do local que historicamente lhe foi destinado, ao lado do plenário, para facilitar o acesso recíproco de jornalistas e deputados a ambos os espaços. O “ato administrativo” do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), obviamente, é uma retaliação política à cobertura da imprensa durante a sua campanha eleitoral, na qual se consolidou uma imagem negativa.

A exposição que todo presidente da Casa tinha ao atravessar o Salão Verde da Câmara era sempre um rito democrático: ao transitar do gabinete para o plenário, mesmo cercado de seguranças, era abordado por jornalistas, parlamentares, lobistas e cidadãos. Provavelmente, o espaço do comitê de imprensa será reconfigurado, com novos banheiros, amplo gabinete, salas reservadas e novas cortinas, para impedir os olhares indiscretos de quem chega pela chapelaria e avista o espaço inteiramente livre no qual os jornalistas trabalham em suas bancadas. Muitas vezes, eram os últimos a deixar a Câmara, depois de sessões que entravam pela madrugada.

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Luiz Carlos Azedo: A resiliência de Moro

Fora do debate político e dedicado à advocacia, Moro voltou ao noticiário devido à divulgação das gravações de suas conversas com os procuradores da Lava-Jato

Moro: Esse documento em que a perícia da PF constatou ter sido feita uma rasura, o senhor sabe quem o rasurou?

Lula: A Polícia Federal não descobriu quem foi? Não? Então, quando descobrir, o senhor me fala, eu também quero saber.

Moro: O senhor não sabia dos desvios da Petrobras?

Lula: Ninguém sabia dos desvios da Petrobras. Nem eu, nem a imprensa, nem o senhor, nem o Ministério Público e nem a PF. Só ficamos sabendo quando grampearam o Youssef.

Moro: Mas eu não tinha que saber. Não tenho nada com isso.

Lula: Tem, sim. Foi o senhor quem soltou o Youssef. O senhor deve saber mais que eu (referindo-se ao escândalo do Banestado).

Moro: Saíram denúncias na Folha de S. Paulo e no jornal O Globo de que…

Lula: Doutor, não me julgue por notícias, mas por provas.

Moro: Senhor ex-presidente, você não sabia que Renato Duque roubava a Petrobras?

Lula: Doutor, o filho quando tira nota vermelha, ele não chega em casa e fala: “Pai, tirei nota vermelha”.

Moro: Os meus filhos falam.

Lula: Doutor Moro, o Renato Duque não é seu filho.

Moro: Tem um documento aqui que fala do triplex…

Lula: Tá assinado por quem?

Moro: Hmm… A assinatura tá em branco…

Lula: Então, o senhor pode guardar por gentileza!

O diálogo cortante acima, quase um repente, é o resumo do depoimento do réu Luiz Inácio Lula da Silva ao então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, que circula nas redes sociais com o mesmo significado de quando ocorreu: um duelo verbal entre o ex-presidente da República e o líder da Operação Lava-Jato. É divulgado como uma peça de desconstrução de Moro, que, de acusador passa a acusado, na polêmica entre os advogados de Lula e os antigos integrantes da força-tarefa de Curitiba que desmantelou o esquema de corrupção na Petrobras. A Pesquisa XP/Ipespe, divulgada ontem, porém, mostra que o bombardeio contra o ex-juiz, do ponto de vista da opinião pública, pode ter errado o alvo. Moro aparece como o mais bem colocado nas simulações de segundo turno sobre a eleição para a Presidência da República de 2022.

Pesquisa
O governo Bolsonaro vem em queda nas pesquisas desde setembro, sendo avaliado como “ruim ou péssimo” por 42% dos entrevistados, ante 40% em janeiro. Trinta por cento o veem, hoje, como “bom ou ótimo”. No mês passado, eram 32%. Mais da metade (53%) dos brasileiros avalia como “ruim ou péssima” a atuação do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia, que, no Brasil, matou 231 mil pessoas desde março do ano passado. A pesquisa divulgada ontem indica que a percepção negativa sobre o presidente tem piora contínua desde outubro, quando o indicador estava em 47%.

Mesmo assim, Bolsonaro continua sendo líder absoluto na pesquisa estimulada, com 28% de intenções de votos. Moro (sem partido) e Lula/Haddad (PT) têm 12%; Ciro Gomes (PDT), 11%. Estão embolados num empate técnico. A mesma coisa com Luciano Huck (sem partido), 7%; e Guilherme Boulos (PSol), 6%, num segundo grupo. João Doria (PSDB), com 4%; João Amoedo (Novo), 3%; e Henrique Mandetta (DEM), com 3%, vêm no terceiro empate técnico. Numa disputa de segundo turno, porém, o único que derrota Bolsonaro nas simulações é o ex-juiz Sergio Moro, com 36% contra 32%. Os demais resultados são favoráveis a Bolsonaro: 41% a 36% contra Lula/Haddad; 39% a 37% contra Ciro; 37% a 33%, Huck; 37% a 30%, Doria; e 42% a 31%, contra Boulos.

Fora do debate político, pois resolveu se dedicar à advocacia, Moro voltou ao noticiário devido à divulgação das gravações de suas conversas com os procuradores da Lava-Jato, liberada pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja Segunda Turma deve validar a legalidade do compartilhamento de dados da Operação Spoofing com a defesa do ex-presidente Lula.

A Polícia Federal apreendeu mensagens de Telegram trocadas entre integrantes da Lava-Jato, nas quais há evidências de que o então juiz Sergio Moro e procuradores da República, especialmente Deltan Dallagnol, coordenaram suas ações para condenar o ex-presidente da República. Moro e Dallagnol negam a não-conformidade, que pode levar à anulação da condenação de Lula no caso do triplex de Guarujá. Desconstruído como juiz, porém, Moro cresce como candidato à Presidência, quanto mais apanha dos petistas.

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Luiz Carlos Azedo: Um candidato no telhado

Huck parece realmente disposto a largar o mundo do entretenimento e ingressar na política. Mas a aposentadoria do Faustão pode mudar suas perspectivas na TV Globo

Desculpem-me o trocadilho com a inspiradora história do leiteiro Tevje e sua família, na pequena aldeia russa de Anatecka, um conto de autoria de Scholem Aleichen, o grande escritor ídiche, a língua falada pelos judeus da Europa Central e Oriental. Com sua esposa Golde, ele tenta criar as filhas Tzeitel, Hedel, Chava, Shprintze e Bielke na melhor tradição judaica. Tevje e sua canção “Se algum dia eu ficasse rico” bombaram na estreia do musical “Um violinista no telhado” (Anatevka) na Broadway, em setembro de 1964.

Foi um verdadeiro espanto à época, porque o musical era em ídiche, uma mistura de alemão, hebraico e línguas eslavas, e lotou as sessões do Teatro Imperial da Broadway. O título original da adaptação é Fiddler on the roof (Um violinista no telhado). “Parece loucura, não é? Mas no nosso lugarejo Anatevka é assim. Cada um de nós é um violinista no telhado. Ficamos aqui, porque Anatevka é a nossa terra natal. E o que traz equilíbrio à nossa mente pode ser resumido numa palavra: tradição”, esclarece o protagonista da peça. Dirigido por Norman Jewison, com roteiro de Joseph Stein, a versão para o cinema, lançada em 1971, também fez grande sucesso e ganhou quatro Oscar: fotografia, som, direção de arte e trilha sonora.

O filme, uma comédia dramática, é boa pedida para o domingão. Religioso, Tevje imagina que suas cinco filhas deverão pouco a pouco seguir o caminho em direção ao “porto seguro” do casamento. Pobre, tenta, com a ajuda de sua mulher, Golde, casar a filha mais velha com o açougueiro Lazar Wolf, bem mais velho rico e endinheirado. O casamento de conveniência é frustrado pela personalidade teimosa da filha Zeitel, que se apaixona pelo pobre alfaiate Mottel. Para desespero do casal, a segunda filha se apaixona pelo estudante revolucionário Perchik, tomando a decisão de segui-lo até a Sibéria, para onde ele havia sido banido pelo regime czarista. Como se não bastasse, a terceira filha, Chava, ultrapassa os limites da tolerância de Tevje, ao casar-se com o cristão Fedja, o que o pai considera uma traição. Entretanto, um pogrom iminente no vilarejo no qual conviviam judeus e cristãos ortodoxos, força Tevje, Golda e suas duas filhas mais novas a emigrar para os Estados Unidos.

Caldeirão

Na política, quem subiu no telhado nas eleições de 2018, quando o cavalo passou arreado, e nunca mais desceu, foi o apresentador Luciano Huck. Jovem, rico, bem-informado, carismático, bem assessorado — o ex-governador Paulo Hartung e o economista Armínio Fraga são seus principais conselheiros —, o comunicador conhece o Brasil de ponta a ponta e tem perfil de filantropo, sinceramente empenhado em melhorar a vida das pessoas. No seu caldeirão, conseguiu a proeza de fundir o entretenimento despretensioso com o fomento do empreendorismo. Aos interlocutores, Huck tem revelado o desejo de se candidatar à Presidência da República. Tem seus motivos: acredita que pode atrair para a política jovens lideranças da sociedade, vê nela uma maneira de melhorar a vida das pessoas no atacado e não deseja passar toda a vida repetindo o que já faz, embora seu programa de tevê tenha acompanhado a metamorfose da vida pessoal de seu criador.

Nos últimos meses, Huck parecia realmente disposto a largar o mundo do entretenimento e ingressar na política. Seguia um roteiro mais ou menos previsível. Em junho, teria que deixar a TV Globo, por exigência da própria empresa. Como todo outside da política, com base na legislação eleitoral, teria até 4 de abril de 2022 para escolher um partido. Obviamente, escolheria o que lhe oferecesse mais garantias de legenda e melhores condições políticas para concorrer. Mesmo assim, ainda teria até 15 de agosto para registrar a candidatura. O problema é que, na política, o tempo não é igual para todos. Huck precisa descer do telhado.

O DEM se colocava como boa alternativa, saiu das eleições fortalecido das municipais, tinha um núcleo dirigente jovem e uma imagem de partido liberal consolidada. Entretanto, alinhou-se com o presidente Jair Bolsonaro e catapultou o principal interlocutor de Huck na legenda, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (RJ), para fora do partido. O PSDB, cada vez mais liberal e menos social-democrata, também não é alternativa, embora o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso goste de Huck, porque o governador João Doria (SP) dá demonstrações efetivas de que vai disputar a Presidência da República.

Restam o Cidadania, com três senadores e sete deputados, cujo presidente, o ex-deputado Roberto Freire, é um entusiasta de sua candidatura, e o Podemos, liderado pela deputada Renata Abreu, com nove senadores e 10 deputados, que namorava o ex-juiz Sérgio Moro, que optou pela advocacia empresarial. Os dois partidos, como a família de Tejve, correm risco de diáspora; precisam de um candidato para chamar de seu e, com isso, ultrapassar a cláusula de barreira. Entretanto, podem ficar a ouvir o violinista no telhado, porque a aposentadoria do apresentador Faustão abriu a possibilidade de Huck se tornar o dono das tardes de domingo na TV Globo.

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