Nas entrelinhas
Luiz Carlos Azedo: Eleição de Boric pode virar um El Niño político
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A esquerda venceu as eleições no Chile com a eleição do ex-líder estudantil e jovem deputado Gabriel Boric, de 35 anos, o mais jovem político a presidir o país em toda a sua história. Foi uma eleição marcada pela polarização política, na qual o candidato da Convergência Social, apoiado pelo Partido Comunista chileno, derrotou o ultradireitista José Antônio Kast, do Partido Republicano, um fanático admirador do ex-presidente Augusto Pinochet, o ditador sanguinário que liderou o golpe militar de 1973, no qual o presidente Salvador Allende se suicidou, em meio ao bombardeio do Palácio La Moneda por aviões de caça da Força Aérea chilena. A eleição foi de virada: no primeiro turno, Boric havia ficado em segundo lugar.
A nova situação chilena parece retomar o fio da história interrompido com o golpe de 1973, quando Allende representava o sonho de um socialismo democrático. É como se a história tivesse sido “descongelada” após quase 50 anos. Embora o atual presidente Sebastian Piñera e a socialista Michelle Bachelet tenham protagonizado as disputas políticas direita x esquerda dos últimos 16 anos, ambos são políticos moderados, governaram em aliança com os liberais. Boric se apresentou no primeiro turno como uma candidatura de viés muito esquerdista. Entretanto, moderou o discurso no segundo e se aproximou dos socialistas, liberais e democrata-cristãos para derrotar a extrema-direita.
Gosto da expressão “descongelar” por causa de uma entrevista do filósofo alemão Jürgen Habermas, logo após a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, que marcaram o colapso do chamado “socialismo real” europeu. Habermas comparou a Europa do fim da Guerra Fria a uma fotografia — como aquela de Roosevelt, Stálin e Churchill, em fevereiro de 1945, na Crimeia —, que foi “descongelada” e virou um filme de longa metragem, como se a história anterior à guerra fosse retomada de onde foi interrompida.
“Ninguém me convence de que o socialismo de estado seja, do ponto de vista da evolução social, ‘mais avançado’ ou ‘mais progressista’ do que o capitalismo tardio. (…) São senão variantes de uma mesma formação societária. (…) Temos tanto no leste como no oeste modernas sociedades de classe, diferenciadas em Estado e economia”, disse Habermas à época (Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1989). A história das nações europeias anterior à II Guerra Mundial, de fato, fora “descongelada”, despertando velhos conflitos econômicos e de fronteiras, além de forças políticas muito reacionárias que estavam adormecidas no Leste Europeu, desde a ocupação soviética, principalmente na Hungria, na Ucrânia, na Polônia e na Romênia.
No primeiro turno, Boric foi um duro crítico da democracia chilena pós-Pinochet, que governou com as baionetas de 1973 a 1990. Segundo o novo presidente chileno, a continuidade do modelo liberal deixou as classes média e baixa endividadas, sem condições de arcar com os custos da educação, da saúde e da previdência privada. Sua proposta é um Estado de bem-estar social ao estilo da social-democracia nórdica: Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia. A nova Constituição em elaboração, de certa forma, cria condições para ultrapassagem do modelo econômico neoliberal de Pinochet herdado pelos governos democráticos. Em contrapartida, no primeiro ano de governo, a inflação fora de controle complica muito a execução do projeto de Boric, que também precisa formar uma nova maioria no Congresso.
Polarização política
Em tempos geopolíticos, a vitória de Boric consolida uma guinada à esquerda no Cone Sul, que já havia sido iniciada com a eleição do justicialista Alberto Fernández na Argentina, hoje o mais importante aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região. Também aprofunda o isolamento político do presidente Jair Bolsonaro, crescente desde a eleição do atual presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden. Pode virar uma espécie de El Niño político , o fenômeno atmosférico oceânico que aquece as águas superficiais do Pacífico tropical e provoca alterações climáticas na América do Sul, sobretudo no Brasil, e outras regiões do mundo, com mudanças no regime de ventos e de chuvas.
O principal beneficiado da eleição de Boric é o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, favorito absoluto em todas as pesquisas de opinião, que pode até vencer as eleições no primeiro turno. Em termos econômicos, Lula ainda é uma esfinge. Candidato à reeleição, Bolsonaro tem altos índices de rejeição, desmantelou as políticas sociais do governo, perdeu o controle da economia, mas ainda não se sente derrotado estrategicamente. Aposta as fichas na força bruta do próprio governo, como forma mais concentrada de poder, e no Auxílio Brasil, o novo programa de transferência de rendas para 14,5 milhões de famílias, no valor de R$ 400 mensais; mantém coesa a sua base de apoio de extrema-direita e evangélica e aposta na polarização política, para se beneficiar do antipetismo da classe média e do conservadorismo popular. Mas disso vamos tratar na próxima coluna.
Luiz Carlos Azedo: Guedes perdeu o rumo, mas ninguém tem uma alternativa
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A desaceleração global da indústria e a redução do preço das commodities podem provocar uma tempestade perfeita no Brasil, se a economia brasileira continuar fora de controle e desacelerando. Na prática, o único instrumento disponível para evitar uma explosão dos preços é a alta dos juros. O ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu a credibilidade e a economia está ancorada apenas na política monetária, ou seja, na ortodoxia do Banco Central (BC).
Os números divulgados, ontem, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o Brasil está vivendo uma “recessão técnica”, puxada pelo agronegócio — pasmem! —, que teve uma queda de atividade de 8% no terceiro trimestre de 2021. O PIB variou -0,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior. A Indústria ficou estável (0,0%) e os Serviços subiram (1,1%). No setor externo, tanto as exportações de bens e serviços (-9,8%) quanto as importações de bens e serviços (-8,3%) tiveram quedas em relação ao segundo trimestre de 2021. Mesmo assim, o PIB cresceu 4,0% frente ao mesmo período do ano passado.
É aí que mora o perigo, por causa da falta de compromisso com o equilíbrio fiscal e o auto-engano do governo em relação ao desempenho da economia, haja vista o baluartismo do presidente Jair Bolsonaro nas viagens que fez à Itália e aos Emiratos Árabes. O PIB desse ano deve crescer 5%, mas esse crescimento é relativo ao desempenho da economia no ano passado, quando a recessão foi de -4,1%, a pior retração em 24 anos. Ou seja, estamos diante de um “voo de galinha”, que pode virar um mergulho no mar de incertezas de 2022.
Enquanto a política segue seu curso intangível, sem previsibilidade do que vai ocorrer nas eleições presidenciais do próximo ano, o debate eleitoral que se avizinha, pelas manifestações dos pré-candidatos até agora, não é nada animador. Ninguém tem uma proposta clara para a economia, e as narrativas predominantes, tanto no governo quanto na oposição, são de viés populista, sem nenhum compromisso com o problema fiscal nem uma chave realista para a retomada do crescimento.
A principal causa de revisão das expectativas para o PIB em 2022 é a inflação, que deve obrigar o Banco Central a subir ainda mais os juros, com efeito negativo sobre o consumo das famílias e o investimento das empresas. O mercado financeiro está prevendo uma inflação de 8,4% em 2021. O PIB do próximo ano foi revisado de 1,7% para 1,3%.
Incertezas eleitorais
Mesmo com o novo Auxílio Brasil, viabilizado ontem pela aprovação da PEC dos Precatórios no Senado, a renda das famílias deve crescer 1,5%. A taxa de desemprego deve chegar aos níveis pré-pandemia somente em 2023. Além disso, haverá uma acomodação de preços das commodities, principalmente de minérios, além de redução das exportações para a China. O espetacular crescimento do superavit da balança comercial, que foi de US$ 76,6 bilhões em 2021, deve desacelerar em 2022, ficando em US$ 74,1 bilhões.
É aí que a questão eleitoral ganha contornos dramáticos. O processo eleitoral é um fator de incertezas para a mercado financeiro. Ao mesmo tempo, é a travessia a ser feita, porque um novo governo terá credibilidade para adotar medidas econômicas e tirar a economia da estagnação. O problema é que todos os pré-candidatos estão fugindo do debate econômico; apenas emitem sinais de fumaça, quando indicam um porta-voz econômico — como fez o ex-ministro Sergio Moro ao indicar Affonso Celso Pastore para comandar seu programa econômico — ou lançam propostas que miram muito mais os interesses corporativos do que, propriamente, uma saída da crise — como fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao falar dos preços dos combustíveis e da Petrobras.
O único pré-candidato que tem propostas claras e conhecidas para a economia é Ciro Gomes (PDT). Mas o ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco nas eleições de 1994 não tem a simpatia do mercado financeiro. Com prefácio do Roberto Mangabeira Unger, seu livro Projeto Nacional, o Dever da Esperança propõe a retomada do percurso inaugurado pela Era Vargas e interrompido no início da década de 1980. “O neoliberalismo nos trouxe até aqui. Mas não nos tirará daqui”, avalia. Acontece que o nacional-desenvolvimentismo é considerado um modelo esgotado pela globalização.
Luiz Carlos Azedo: Que falta faz um pouco de harmonia a Dória e Leite
O problema do partido nas eleições de 2022 não é a falta de candidatos
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Com origem no grego, harmonia é um substantivo que significa concordância ou consonância. Na música, faz toda a diferença, porque é a combinação de sons simultâneos e a sucessão de acordes, ao longo de uma melodia. É uma ciência e uma arte. Nas escolas de samba, porém, o cargo de diretor de Harmonia não tem nada a ver com a bateria, que tem um mestre de percussão que manda e desmanda em todos os ritmistas. O diretor de Harmonia cuida do sentido filosófico do termo, ou seja, da paz entre pessoas, da concordância de opiniões e sentimentos dos integrantes da escola.
Não é uma tarefa fácil, pois se trata de respeitar e manter, de forma equilibrada e justa, os interesses das partes do todo. É o diretor de Harmonia, por exemplo, que organiza e arma o desfile da escola de samba na avenida. Quem já viu uma concentração antes do desfile no Sambódromo, tem ideia de como essa tarefa é difícil. BPois não é que o PSDB está como uma escola de samba conflagrada às vésperas do carnaval? O problema do partido nas eleições de 2022 não é a falta de candidatos, é a ausência de Harmonia.
As prévias da legenda para escolha do candidato a presidente da República ameaçam implodir o partido, tamanha a confusão e a confrontação entre os partidários do governador de São Paulo, João Doria — coadjuvado pelo ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Netto —, e o governador do Rio Grande do sul, Eduardo Leite. Concebida para permitir amplo debate político, participação democrática de filiados e mandatários, e uma composição política entre os pré-candidatos, após a apuração dos resultados, para unir o partido, as prévias aprofundaram as divergências. Além disso, foram um vexame organizacional, porque o aplicativo de votação entrou em colapso logo após o início das prévias, no domingo passado.
Ontem, a cúpula da legenda anunciou uma nova rodada de testes de um novo aplicativo, sem ainda definir a data de retomada das prévias. Apenas 8%, dos quase 44 mil votantes previstos, conseguiram confirmar o voto. Há três versões para o episódio: uma seria a falha do próprio aplicativo, desenvolvido por uma universidade gaúcha; outra, a sobrecarga do servidor; a terceira, no terreno das teorias conspiratórias, um ataque de hacker.
Essa hipótese acirra as suspeitas de sabotagem entre os principais protagonistas da disputa. Nos cálculos do grupo de Doria, as prévias já estariam decididas a seu favor, no âmbito dos mandatários da legenda. Para o grupo de Leite, a disputa estaria muito equilibrada e ainda pode ser decidida pelos filiados. Qualquer que seja o resultado, porém, as prévias somente serviram para desgastar os dois governadores, e para ameaçar a própria sobrevivência do PSDB.
Nó apertado
Será muito difícil evitar um racha. Caso Doria vença, a dissidência do ex-governador Aécio Neves e outros caciques da legenda, inclusive de São Paulo, já está contratada. Menos provável, a vitória de Leite implodiria a legenda em São Paulo. Doria e Leite estão sendo atropelados pelo Podemos, com o lançamento da candidatura do ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
Tradicionalmente, paulistas e gaúchos não se bicam. Protagonistas da expansão territorial do país no período colonial, ambos têm tradição de resolver as disputas pela força e colecionam ressentimentos políticos, em razão da Revolução de 1930 e da Revolução Constitucionalista de 1932. Pode ser que a disputa tucana vire uma Batalha de Itararé, aquela que não aconteceu, no município paulista do mesmo nome, na divisa com o Paraná.
Na Revolução de 1930, quando Getulio Vargas partiu de trem para o Rio de Janeiro, esperava-se que ocorresse um grande confronto com as tropas paulistas no local. Mas a cidade acolheu Getulio na estação ferroviária, permitindo sua entrada em São Paulo. O presidente Washington Luís foi deposto em 24 de outubro daquele ano, após a chegada triunfal dos gaúchos ao Rio de janeiro.
Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, porém, Itararé foi uma das frentes de batalha. Os paulistas consideravam que São Paulo estava sendo tratado como terra conquistada, sendo governada por tenentes de outros estados, e sentiam, segundo eles, que a Revolução de 1930 fora feita contra São Paulo. O fotógrafo Gustavo Jansson registrou, em 1934, as ossadas recolhidas no cemitério local como de soldados do 8º Regimento de Passo Fundo (RS), mortos em 32, prova de que houve confrontos entre paulistas e gaúchos, que duraram três dias.
Feito o registro histórico, vem bem a calhar um samba de quadra de Olivério Ferreira, mais conhecido como Xangô da Mangueira, por décadas o diretor de Harmonia da tradicional Estação Primeira. Intitulada A gente com briga não chega lá, diz a canção: “A gente com briga não chega lá/A gente com briga não chega lá/ Afrouxe um pouquinho daí/ Que eu afrouxo um pouquinho de cá/ Vamos afrouxar a corda/ Pra esse nó se soltar/ Quanto mais a gente estica/ Mais o nó vai apertar/ E depois a gente fica/ Com vontade de chorar/ E depois a gente fica/ Com vontade de chorar.”
Luiz Carlos Azedo: Ao comparar Merkel a Ortega, Lula baixou a guarda para Moro
Todo o sucesso de seu périplo pela Europa foi zerado pela declaração infeliz
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixou a guarda para seus adversários ao comparar a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, ao presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, ao em entrevista ao prestigiado jornal espanhol El País. Todo o sucesso de seu périplo pela Europa, no qual se encontrou com as principais lideranças do continente, para efeito da sua narrativa de campanha eleitoral, foi zerado pela declaração infeliz.
Lula começou bem: “Todo político que começa a se achar imprescindível ou insubstituível, começa a virar um pequeno ditador. Por isso, eu sou favorável à alternância de poder”, afirmou. No meio do caminho, pisou na bola: “Posso ser contra, mas não posso ficar interferindo nas decisões de um povo. Nós temos de defender a autodeterminação dos povos. Por que a Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder, e o Daniel Ortega não?”
Lula foi contestado pela entrevistadora, que lembrou ao petista que Merkel não mandava prender seus opositores, como Ortega. Lula ainda tentou consertar, mas o estrago já estava feito. Merkel governou a Alemanha por 16 anos, num regime parlamentarista, no qual dependia de resultados eleitorais e das alianças no Congresso para se manter no cargo. Ortega se reelegeu, pela quarta vez sucessiva, depois de mandar prender sete candidatos de oposição e inventar candidatos laranjas.
As alianças de Lula na América Latina, principalmente com Nicolás Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega, na Nicarágua, além da defesa do regime comunista em Cuba, são pontos fracos da candidatura de Lula, porque sinalizam falta de compromisso com a democracia representativa. Provocado por jornalistas, o petista levantou suspeitas sobre suas intenções: “Não é só em Cuba que protestos são proibidos. No mundo inteiro protestos são proibidos. Greves são proibidas. A polícia bate em muita gente, no mundo inteiro, a polícia é muito violenta”, argumentou.
Existe muita ambiguidade nas posições do PT em relação à democracia representativa. O partido fez autocrítica pela esquerda em relação ao governo da presidente Dilma Rousseff, que foi afastada pelo impeachment, o que os petistas classificam como um “golpe de Estado”. Na resolução que analisou as razões do impeachment, o PT defende posições do tipo: não controlamos a mídia, fizemos concessões demais aos aliados do Centrão e à oposição, erramos nas indicações para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Essa postura abre espaço para todos os adversários, não somente ao presidente Jair Bolsonaro. Já vinha sendo atacada pelo candidato do PDT, Ciro Gomes, que representa uma barreira à ampliação das alianças petistas em direção ao centro político. Mas são a narrativa contrária à Operação Lava-Jato e a falta de autocrítica em relação ao escândalo da Petrobras que revelam uma nova ameaça: a pré-candidatura do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. O ex-ministro criticou Lula: “É muito preocupante que não tenhamos clareza nas credenciais democráticas de um candidato à Presidência da República.”
A jornada do herói
O ex-juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, que comandou a Lava-Jato e condenou Lula, voltou dos Estados Unidos, onde trabalhava como consultor num grande escritório de advocacia, e entrou na cena eleitoral com muita força. Moro avança na faixa dos indecisos para ocupar espaços desejados por outros candidatos: o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM); o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); a senadora Simone Tebet (MDB-MS); e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) se enrolaram nas prévias do PSDB e disputam uma partida de soma zero.
No hemisfério das paixões políticas, houve uma mudança de cenário. O choque principal da eleição era entre dois políticos carismáticos com passagens pelo poder, que permitem comparações objetivas sobre suas realizações passadas, e candidatos que se esforçavam por trazer a disputa para o terreno da racionalidade de propostas exequíveis de futuro. Moro pôs em cena o mito da jornada do herói, cujo padrão é aquele da odisseia grega de Ulysses. O herói se aventura de um mundo familiar para terras estranhas e, às vezes, ameaçadoras: a passagem pelo deserto, a tempestade no oceano ou a travessia da floresta escura. Com isso, atrai aqueles que estão se sentindo perdidos e desorientados, mas que podem mudar de vida e se beneficiar se aventurando a segui-lo, por não terem quase nada a perder.
Luiz Carlos Azedo: Um samba antológico pode servir de conselho ao PSDB
Disputa entre tucanos, nas prévias tumultuadas do PSDB, parece reproduzir a crise dos partidos da República Velha
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Impactado pela vitória do MDB em 1974, o presidente Ernesto Geisel iniciou a grande manobra de retirada dos militares da cena política com a chamada “distensão lenta e gradual”. O partido de oposição à Arena (governista) conseguira expressiva vitória nas eleições gerais de novembro daquele ano, conquistando 59% dos votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados, além da maioria das prefeituras das grandes cidades. A sociedade se mobilizava geral: operários, estudantes, artistas, classe média, empresários, profissionais liberais.
Houve uma explosão cultural. O teatro, o cinema, a televisão e a música popular faziam a crônica da mudança de costumes e protagonizavam os gritos de liberdade. É nesse ambiente, em 1976, que o sambista Candeia compôs um dos mais belos sambas de sua geração, gravado inicialmente por Cartola, naquele mesmo ano, mas cujo estrondoso sucesso viria mais tarde, na voz de Marisa Monte, em 1989, que não chegou a conhecer. Candeia morreu muito jovem, aos 43 anos, dois anos depois de sua composição.
Antônio Candeia Filho fora um policial truculento, que ficara paraplégico, após levar cinco tiros de um motorista numa batida policial. A limitação física, inimaginável para um capoeirista, levou-o à profunda depressão. Foi salvo, espiritualmente, pelo candomblé. E pelas rodas de samba da Portela, nas quais se destacou como líder da oposição ao “bicheiro” Carlinhos Maracanã. Dissidente, com Paulinho da Viola e outras bambas, criaria a legendária Quilombo. Seu álbum Axé é um manifesto de negritude, contra o racismo estrutural.
Preciso me encontrar, composta por Candeia a pedido do jornalista e escritor Juarez Barroso, falecido naquele mesmo de 1976, não me sai da cabeça desde domingo, por causa da confusão das prévias do PSDB, nas quais os governadores João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, protagonizam uma intensa guerra interna, coadjuvados pelo ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Neto, que nunca foi tão moderado.
“Deixe-me ir/ Preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Rir pra não chorar/ Se alguém por mim perguntar/ Diga que eu só vou voltar/ Depois que me encontrar/ Quero assistir ao sol nascer/ Ver as águas dos rios correr/ Ouvir os pássaros cantar/ Eu quero nascer/ Quero viver”, diz a letra do samba antológico. É a síntese do drama tucano, que registra uma disputa entre lideranças paulistas e gaúchas, incendiada pelos mineiros, que parece reproduzir a crise dos partidos republicanos da República Velha, tamanha a radicalização e a dificuldade de entendimento entre seus protagonistas.
Prévias do barulho
O que poderia ter sido uma inédita demonstração de democracia interna e construção de consensos, com escolha de uma candidatura em bases democráticas, virou um furdunço, no sentido pejorativo do termo. Não vai ser fácil encontrar uma saída pactuada, depois do colapso de domingo no sistema de votação por aplicativo para os filiados da legenda, com direito a 25% do colégio eleitoral.
Qualquer resultado, se não houver boa vontade do perdedor, pode ser deslegitimado e fragilizará o candidato à Presidência da República escolhido pela legenda. Parece que Doria está levando a melhor e tem um acordo de bastidor com Virgílio; Leite, denunciando jogo bruto, dá sinais de que está para tomar o seu rumo, como na bela canção de Candeia.
O PSDB nasceu de uma costela do MDB, quando o falecido governador paulista Orestes Quércia se assenhorou da legenda, durante o governo do presidente José Sarney. Tornou-se nacional quando Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, venceu as eleições de 1994, na onda do sucesso do Plano Real. Até então, era forte em São Paulo, em Minas, no Paraná e no Ceará; residual no Rio de Janeiro, na Bahia, no Rio Grande do Sul e no Pará.
Eleito, FHC conteve o crescimento do partido, por causa de sua aliança com o PFL. Na sua sucessão, isso teve um preço. Além disso, José Serra fez uma campanha descolada do governo que o apoiava e ainda foi cristianizado em Minas. Desde então, a hegemonia dos políticos paulistas na legenda sempre teve um custo para as suas alianças no plano nacional, por causa das disputas regionais.
Luiz Carlos Azedo: É bom ficar de olho nas eleições chilenas
O Chile oscila entre um governo parecido com o de Allende ou saudosista de Pinochet
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Os paradigmas da esquerda latino-americana são a Comuna de Paris (1871), a Revolução Russa (1917), a Revolução Chinesa (1949), a Revolução Cubana (1959) e a Guerra do Vietnã (1955 a 1975). A Revolução Inglesa (1640-1688), a Independência dos Estados Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1779-1789), revoluções burguesas que deram origem à democracia representativa, não são referências para seus objetivos. A esquerda também não estuda os contragolpes que puseram um ponto final nas revoluções. Isso exigira um mergulho nos próprios erros. É mais fácil denunciar os golpistas, com a narrativa do tipo “não existe derrota quando se vai à luta”.
Na América do Sul, no cenário de guerra fria, o golpe militar que destituiu o presidente João Goulart, em 1964, foi o ponto de viragem da geopolítica continental. Entretanto, o caso mais paradigmático foi o brutal golpe no Chile, do general Augusto Pinochet, em 1973, no qual o presidente socialista Salvador Allende se matou, em meio ao bombardeio do Palácio La Moneda pelos militares golpistas. No rumo de um inédito “socialismo democrático”, Allende atraia as atenções mundiais.
O golpe no Chile levou o líder comunista italiano Enrico Berlinguer a rever toda a estratégia do Partido Comunista Italiano, propondo um “compromisso histórico” com a democracia-cristã, tendo a “democracia como valor universal”. Em 1978, um acordo negociado por Berlinguer com o ex-primeiro-ministro e presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro, poria fim à grave crise governamental. Entretanto, enfrentava oposição do Vaticano, da Máfia, dos Estados Unidos, da OTAN, da União Soviética e dos extremistas de direita e de esquerda.
Cinco dias após a conclusão do acordo, no dia 16 de março, quando se dirigia à solenidade de posse do novo governo confiado ao democrata-cristão Giulio Andreotti, que se opusera à aliança com os comunistas, Moro foi sequestrado em Roma, numa ação que resultou na morte de cinco homens de sua escolta. O grupo terrorista Brigadas Vermelhas assumiu o sequestro e executou Moro, no dia 7 de maio.
Radicalização
A chamada Concertación (Coalizão de Partidos pela Democracia), que governou o Chile por quatro governos, aprendeu com a queda de Allende e se inspirou no “compromisso histórico”. Foi uma aliança entre o “humanismo cristão” e o “humanismo laico”, que possibilitou programas de governo exequíveis em termos econômicos e sociais, embora a chamada “agenda identitária” fosse o pomo da discórdia entre o Partido Socialista de Chile (PS), o Partido Democrata Cristiano de Chile (DC), o Partido por la Democracia (PPD), o Partido Radical Social-Democrata (PRSD) e agremiações menores.
Os democratas cristãos Patrício Aylwin (1990-1994) e Eduardo Frei (1994-2000), o liberal Ricardo Lagos (2000-2006) e a socialista Michele Bachelet (2006-2010) se revezaram na Presidência. Depois de 2010, se formou uma nova coalizão, a Nueva Mayoria, que incluiu partidos da esquerda, como o Partido Comunista de Chile, a Izquierda Ciudadana e o Movimiento Amplio Social, além dos partidos de centro-esquerda que foram parte da Concertación. Os liberais foram excluídos. A coalizão governou o Chile entre os anos 2014 e 2018.
Derrotada por Sebástian Piñera, pela segunda vez (a outra foi em 2010), essa aliança foi considerada esgotada. Entretanto, o programa liberal do novo governo não deu as respostas que a sociedade aguardava. Um processo de impeachment e o forte movimento de oposição obrigaram Piñera a convocar uma Constituinte, na qual a esquerda vem tendo protagonismo. No domingo, esse protagonismo se consolidou, sob a liderança do ex-dirigente estudantil e deputado Gabriel Boric, candidato da Frente Ampla de Esquerda e do Partido Comunista, em confronto com o ultradireitista José Antônio Kast, do Partido Republicano (pinochetista).
Houve um colapso do centro político. Um terceiro candidato, Franco Parisi, fez campanha do Alabama, nos Estados Unidos. Sem pôr os pés em Santiago, deslocou do segundo lugar Sebástian Sichel, o candidato do presidente Piñera, e Yasna Provoste, da ex-Concertación. Os ex-presidentes Ricardo Lagos, Eduardo Frei e Michelle Bachelet também foram derrotados. No segundo turno, o Chile oscila entre um projeto parecido com o de Allende e um presidente saudosista do general Pinochet, alinhado com o presidente Jair Bolsonaro.
Luiz Carlos Azedo: Disputa autofágica entre tucanos dificultará alianças futuras
O racha no PSDB está escrito nas estrelas, qualquer que seja o vencedor
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
As prévias do PSDB são uma novidade na política partidária brasileira, inclusive por concederem um protagonismo inédito aos filiados e mandatários da legenda, que sempre resolveu suas disputas por meio de acordos de cúpula costurados pelas suas lideranças históricas, entre as quais o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o senador José Serra (SP) e o senador Tasso Jereissati (CE). No domingo, serão as bases partidárias — filiados, vereadores e prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores e governadores — que escolherão o candidato tucano à Presidência, entre os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e o ex-prefeito de Manaus Artur Virgílio (AM). Mas é uma disputa fratricida, que dificultará sua unificação e a atração de aliados tradicionais nas eleições de 2022.
O racha no PSDB está escrito nas estrelas, qualquer que seja o vencedor. Nas últimas semanas, o governador João Doria fez uma ofensiva partidária que o levou a quase todos os estados e promoveu uma disputa, homem a homem, na qual até os vereadores de pequenas cidades foram abordados pessoalmente por seus emissários. Por isso, agora, é o favorito, mas não por larga margem. Muitas lideranças tucanas apoiam Eduardo Leite, que teria até 37% dos votos já assegurados nas prévias.
Arthur Virgílio, uma liderança histórica, dá sinais de que reserva para si o papel de pacificador do partido. Nem Doria nem Leite decolaram nas pesquisas eleitorais, o que acirra o conflito. A dissidência do ex-governador Geraldo Alckmin, cada vez mais próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fragiliza Doria. O ponto forte do governador gaúcho, Eduardo Leite, é o fato de ser uma novidade na cena nacional e ter apoio de lideranças tucanas tradicionais, inclusive em São Paulo. Player na disputa interna, o deputado Aécio Neves (MG), por exemplo, que apoia Leite, já ensaia uma dissidência séria, após as prévias, arrastando a seção mineira em outra direção, caso Doria seja o escolhido.
O governador paulista é um obstinado. Tanto na eleição para a Prefeitura de São Paulo quanto na disputa do Palácio dos Bandeirantes, Doria largou bem atrás dos concorrentes. Em 2015, era uma novidade na política, com um perfil muito mais liberal do que social-democrata, na verdade, um outsider na política tradicional. Ficou dois anos na prefeitura da capital e, depois, disputou o Palácio dos Bandeirantes, embarcado na onda que levou Bolsonaro ao poder, como a maioria dos candidatos tucanos, o que explica a ambiguidade das bancadas do PSDB no Congresso em relação ao governo Bolsonaro.
Pandemia
Com a pandemia, Bolsonaro e Doria se digladiaram diariamente, por causa da política de isolamento social e das vacinas, o que desgastou a imagem de ambos na opinião pública. Bolsonaro apostou na “gripezinha” e na “imunização de rebanho” e quebrou a cara. Doria adotou a política de isolamento social e resolveu o problema da produção de vacinas, mas acabou desgastado por causa da “chatice” de suas entrevistas coletivas, apesar das advertências de tucanos mais escolados nessas disputas.
Resultado: apesar de ser o grande artífice da vacinação em massa no Brasil, com milhões de brasileiros beneficiados pelo imunizante produzido pelo Instituto Butantan, a CoronaVac, até agora, Doria não conseguiu capitalizar eleitoralmente esse feito. Chamado de “coxinha” pelos petistas e “calça apertada” pelos bolsonaristas, virou um “chato” para muitos eleitores. Agora, tenta resgatar a imagem de bom gestor para alavancar sua candidatura presidencial. Nada disso, porém, o abala. Doria acredita que sua candidatura se imporá pela competência administrativa e pelo posicionamento claramente liberal, como nas duas eleições que venceu.
Eduardo Leite é suave, sai do Sul com um discurso liberal na economia e identitário nos costumes; conversa com todo mundo e tem no portfólio uma gestão fiscal competente, num estado estrangulado por antigas dívidas. Caso vença as prévias, terá mais facilidades para fazer alianças e disputar os votos do Sul do país, a base mais robusta de Bolsonaro. Mas seu caminho não será tão livre como antes, por causa da candidatura do ex-ministro Sergio Moro (Podemos). A tendência de Leite, caso perca as prévias, não é concorrer à reeleição. Tentará fazer o sucessor e se preparar para 2026. Sua ambição é a Presidência, mesmo que a candidatura seja adiada.
Luiz Carlos Azedo: Viagem de Bolsonaro agrada eleitores e mira em investidores
O presidente aproveitou o périplo para reforçar sua agenda interna e agradar sua base com declarações polêmicas
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A viagem das Arábias do presidente Jair Bolsonaro para atrair investidores mirou tanto a sua base eleitoral quanto os petrodólares com os quais o ministro da Economia, Paulo Guedes, imagina financiar a retomada do crescimento da economia no próximo ano, diante de previsões catastróficas dos analistas internacionais, inclusive os da prestigiada revista The Economist, que “erra todas”, segundo o nosso Posto Ipiranga.
No domingo e na segunda-feira, Bolsonaro participou do fórum Invest In Brasil, em Dubai, promovido pela Apex-Brasil, e visitou o pavilhão da Embraer na Dubai Airshow, evento do setor aeroespacial, e o pavilhão do Brasil na Expo 2020, onde a numerosa delegação brasileira festejou a viagem, com a primeira-dama Michele roubando a cena. Dubai é um emirado novo-rico, aberto para o mundo para não depender de uma atividade econômica sem futuro, o petróleo, e criar uma economia baseada no comércio internacional e no turismo, atividades que respondem hoje por 95% da sua economia.
Com o dinheiro do óleo, descoberto na região em 1966, voou do século 18 para o século 21 em apenas uma geração, nas asas da melhor companhia aérea da atualidade. Com um dos mais importantes hubs aeronáuticos do Oriente Médio, tornou-se um centro financeiro e de negócios que atrai executivos e milionários de todo o mundo, devido à segurança e às atrações turísticas de altíssimo luxo. É uma cidade-estado de população global (83% são estrangeiros), com um único dono, Sua Alteza Shaikh Mohammed bin Rashid Al Maktoum, conhecido como Shaikh Mo.
Ontem, a comitiva presidencial viajou para o Bahrein, onde Bolsonaro participou da inauguração da embaixada brasileira na capital do país, Manama, ao lado do rei Hamad bin Isa al-Khalifa, cujo clã Bani Utbah capturou o Bahrein de Nasr Al-Madhkur, em 1778, e desde então governa o arquipélago do Golfo Pérsico. O Brasil deve se tornar o seu principal fornecedor de minério de ferro, superando a China e os Estados Unidos. Somos o quarto destino das exportações brasileiras no Oriente Médio, atrás de Arábia Saudita, Turquia e dos Emirados Árabes Unidos. No meio do Golfo Pérsico, suas 33 ilhas, juntas, não chegam à metade da cidade de São Paulo.
Foi a primeira nação a descobrir e explorar petróleo no Oriente Médio, na década de 1960. Sua exploração é responsável por 60% das exportações do Bahrein e por 18% do Produto Interno Bruto nacional. O país também investe na diversificação da economia, com a promoção da atividade industrial e de serviços financeiros, sendo o segundo produtor de alumínio do mundo, responsável por 16% das exportações do Reino no ano passado. O país também se destaca na produção de aço. Já foi colônia portuguesa, persa e britânica, famosa por seus pescadores de pérolas. Hoje é um “case” da economia pós-petróleo. Dos seus 1,5 milhão de habitantes, 25% são paquistaneses, afegãos, indianos, norte-americanos e britânicos.
Sem constrangimentos
Hoje, Bolsonaro chega ao Catar, um emirado absolutista e hereditário comandado pela Casa de Thani desde meados do século XIX. O xeque Hamad bin Khalifa Al Thani destituiu seu pai, Khalifa bin Hamad al Thani, em 1995, com um golpe de Estado. O presidente fará um passeio de moto em Doha, cuja arquitetura futurista é de tirar o fôlego. A agenda oficial inclui uma visita ao estádio Lusail, construído para a Copa de 2022. Os jornalistas, por mudanças nas regras sanitárias de véspera, foram proibidos de entrar no emirado.
O Catar foca os investimentos em setores não energéticos, porém, o petróleo e o gás ainda representam mais de 50% do PIB do país, cerca de 85% das receitas de exportação e 70% das receitas do governo. Suas reservas de petróleo, estimadas em 15 bilhões de barris, podem durar mais 37 anos. As de gás natural, cerca de 26 trilhões de metros cúbicos, representam 14% das reservas totais do mundo, a terceira maior reserva do planeta. O país exporta petróleo e derivados para China, Coreia do Sul, Japão e Índia. Importa aviões, carros, helicópteros e turbinas a gás de Reino Unido, França, Alemanha e China.
Ao contrário do que aconteceu na viagem à Itália, onde enfrentou protestos populares, Bolsonaro não passou por constrangimentos nesses emirados, que reprimem duramente a população, mas são “cases” de modernização autoritária. Aproveitou a viagem para reforçar sua agenda interna e agradar sua base conservadora, com declarações polêmicas sobre a situação da economia brasileira, o desmatamento da Amazônia, as provas do Enem e o aumento dos servidores, anunciado para legitimar a aprovação da PEC dos Precatórios no Senado. A estratégia serviu de contraponto à viagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Europa, cujo ponto alto foi seu discurso no Parlamento Europeu, onde foi aplaudido de pé.
Luiz Carlos Azedo: Moro é o candidato da centro-direita frustrada com Bolsonaro
Desde sua saída do governo, Moro vem tendo a sua imagem desconstruída por sucessivas decisões do STF e pelos adversários da Lava-Jato
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A filiação do ex-ministro da Justiça Sergio Moro ao Podemos, partido que se posicionou o tempo todo para recebê-lo como candidato a presidente da República, mira o espectro eleitoral das forças de centro-direita do país, frustradas pelo mau desempenho administrativo de Bolsonaro e as alianças com os partidos do chamado Centrão: PP, PL e Republicanos, principalmente. Seu discurso na cerimônia de filiação, ontem, em Brasília, deixou isso muito claro e tende a galvanizar apoios dos eleitores decepcionados com Bolsonaro e certos setores da sociedade que apoiavam incondicionalmente a Operação Lava-Jato, como os militares. Sua pré-candidatura cria mais problemas para Bolsonaro do que para os partidos de oposição, no primeiro turno; caso chegue ao segundo turno, será outra história.
“Chega de corrupção, chega de mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha. Chega de querer levar vantagem em tudo e enganar a população”, bradou Moro, ao assinar sua ficha de filiação. Mais claro do que isso, impossível. Mirou nos dois principais adversários, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião olimpicamente, e o presidente Bolsonaro, que parece ser seu adversário principal no primeiro turno. Moro deixou a 13ª Vara Federal de Curitiba, onde era o juiz titular, para ser ministro da Justiça de Bolsonaro. Deu tudo errado.
“Eu olhava que o sistema político iria se corrigir após a Lava-Jato, que a corrupção seria coisa do passado e que o interesse da população seria colocado em primeiro lugar. Isso não aconteceu”, disse Moro, para justificar sua filiação ao Podemos e a pré-candidatura quase explícita: “Embora tenha muita gente boa na política, nós não vemos grandes avanços. Após um ano fora, eu resolvi voltar. Não podia ficar quieto, sem dizer o que penso, sem tentar, mais uma vez, com vocês, ajudar o Brasil. Então, resolvi fazer do jeito que me restava, entrando na política, corrigindo isso de dentro para fora.”
O ex-juiz não esconde as mágoas com Bolsonaro: “Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria apenas uma farsa. Nunca renunciarei aos meus princípios e ao compromisso com o povo brasileiro. Nenhum cargo vale a sua alma”, disse. Desde sua saída do governo, Moro vem tendo a sua imagem de juiz competente e íntegro desconstruída, a primeira por sucessivas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), a segunda pelos adversários políticos da Operação Lava-Jato, da qual foi artífice e é o principal símbolo, que o acusam de parcialidade.
Concorrência
A entrada de Moro no Podemos, partido que tem 10 deputados federais e nove senadores, presidido pela deputada Renata Abreu (SP), mexe com a tabuleiro eleitoral de 2022, porque potencialmente ocupa um quadrante à direita que seria fundamental para a reeleição de Bolsonaro. Podemos é um partido independente em relação ao governo no Senado, mas nem tanto na Câmara. Moro é ligado ao senador Álvaro Dias (PR), ex-candidato à Presidência pela legenda, que articulou sua filiação.
Sua candidatura é contingenciada por Bolsonaro, que hoje tem o apoio de menos de 25% do eleitorado, à direita. Também o é pelos pré-candidatos da chamada “terceira via”, Henrique Mandetta (DEM), Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Simone Tebet (MDB-MS) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), além dos dois postulantes à Presidência que disputam as prévias do PSDB, os governadores João Doria (SP) e Eduardo leite (RS), todos mirando o chamado centro democrático, e do candidato do PDT, Ciro Gomes (CE), mais à esquerda.
A filiação de Moro ao Podemos encerra um ciclo político antissistema, que surgiu nas manifestações contra o governo de Dilma Rousseff, em 2013; prosperou com a campanha por seu impeachment, após sua reeleição em 2014; mandou recados para todos os partidos nas eleições municipais de 2016; e culminou com a eleição de Bolsonaro, em 2018. A anunciada filiação do presidente da República ao PL, partido de Valdemar Costa Neto (SP), no próximo dia 22, e a articulação de sua federação governista com o PP e o Republicanos consolidam um bloco político de direita no poder, no âmbito do sistema partidário existente, que ganha até mais nitidez programática.
Moro seria o herdeiro natural desse sentimento antissistema, que procurou capitalizar no seu discurso, mas o Podemos, o Novo e o MBL, que apoiam, já estão no leito natural da política eleitoral: o Congresso e o seu sistema partidário. A consolidação de sua candidatura vai depender muito mais do poder de alavancagem do apoio popular à Lava-Jato do que de suas alianças, que serão restritas devido aos ressentimentos dos políticos tradicionais com sua atuação naquela operação.
Luiz Carlos Azedo: Suspensão das emendas secretas foi um chega pra lá em Lira
Para Arthur Lira (PP-AL), agora, a única saída é dar transparência às emendas e pagar para o ver o resultado nas eleições
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Embora não tenha encerrado o julgamento até o fechamento da coluna, por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão provisória da ministra Rosa Weber (foto) que suspendeu as chamadas “emendas de relator” ao Orçamento da União, conhecidas como orçamento secreto, que estão sendo anabolizadas com aproximadamente R$ 20 bilhões pela PEC dos Precatórios. É jogo jogado, mesmo que o julgamento venha a ser interrompido. Tecnicamente, garantiram a maioria os seguintes ministros: Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes.
Foi um chega para lá no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que, na segunda-feira, solicitara uma audiência ao presidente do Supremo, Luiz Fux, para pressionar a Corte. Lira agiu como um velho “coronel” de Arapiraca (AL) a intimidar o juiz da comarca. Ao contrário das emendas individuais, que seguem critérios bem específicos e são divididas de forma equilibrada entre todos os parlamentares, as emendas de relator não seguem regras transparentes, são destinadas de forma arbitrária, no bojo de articulações de bastidor com propósitos eleitorais, sem fiscalização, o que também facilita superfaturamentos e desvios de recursos públicos. Arapiraca, reduto eleitoral do ex-senador Benedito Lira (PP), atual prefeito, e seu filho, que hoje preside a Câmara, foi o município mais contemplado com verbas federais.
A PEC dos Precatórios foi aprovada em primeira votação na semana passada, mas ainda restam emendas a serem apreciadas, além do segundo turno de votação (por se tratar de emenda constitucional, precisa ser aprovada duas vezes, na Câmara e, depois, no Senado).
Para obter 312 votos, quatro a mais do que os 308 necessários para modificar a Constituição, Lira contou com apoio de aliados nos partidos de oposição, o que provocou forte constrangimentos para suas lideranças nacionais, como Ciro Gomes, pré-candidato a presidente do PDT, que peitou os 15 dos 24 deputados que votaram a favor da PEC.
No PSDB, foram 22 dos 31 deputados, o que constrangeu os governadores de São Paulo, João Doria; e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que disputam as prévias da legenda para escolha do candidato tucano à Presidência. Houve reação da cúpula dos partidos, que pressionaram as respectivas bancadas a mudarem de posição. Se não houver ajustes na PEC, por meio de destaques, a emenda constitucional pode morrer na praia.
Um dos ajustes, por exemplo, foi a manutenção da chamada “regra de ouro”, que impede o governo de contrair dívida para pagar despesas correntes, como salários de servidores e benefícios previdenciários, além de outros gastos da máquina pública, que era um tremendo trem da alegria embarcado na PEC.
Ancoragem
Ou seja, o governo só pode fazer novas dívidas para pagar dívidas antigas ou fazer investimentos, que podem depois se refletir em crescimento da economia e em aumento da arrecadação. Não pode ficar rolando dívidas de custeio e pessoal com novas dívidas, como se fazia antigamente, farra que acabou com a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada no final do governo de Fernando Henrique Cardoso. O xis da questão na PEC dos Precatórios é o rombo no teto de gastos, oficialmente estimado em R$ 86 bilhões, mas que pode chegar a R$ 100 bilhões, segundo estimativa dos especialistas em contas públicas. O teto de gastos ancora o equilíbrio das contas públicas, com reflexos em toda a economia.
O governo fez uma manobra no cálculo do teto, que era de junho a junho e passou a ser de janeiro a dezembro, e deu um calote no pagamento das dívidas judiciais da União, para criar do nada a folga fiscal de R$ 86 bilhões. Em termos de geração de riqueza, esses recursos não existem; a alternativa mais eficaz seria cortar despesas supérfluas de custeio e pessoal, o que seria perfeitamente possível em se tratando de um orçamento de R$ 1 trilhão.
O pano de fundo de tudo isso são as eleições. O maior interesse do governo é viabilizar recursos para o programa de Bolsonaro que vai substituir o Bolsa Família, herança do governo Lula, que deixou de existir, além de outros benefícios, com propósitos eleitorais, como o vale gás e o subsídio de R$ 400 para os caminhoneiros.
Acontece que o Centrão também quer uma parte do “extra teto” para contemplar aliados políticos e redutos eleitorais. É um jogo desesperado, que pode virar uma rajada no próprio pé: mais inflação, juros mais altos, dólar mais caro, menos crescimento e menos empregos. Para Arthur Lira (PP-AL), agora, a única saída é dar transparência às emendas, ou seja, revelar seus acordos de bastidores, e pagar para o ver o resultado nas eleições, inclusive em Alagoas.
Em tempo: Mesmo derrotado no Supremo, que deve concluir o julgamento hoje, na Câmara, com os destaques, Lira conseguiu aprovar a PEC dos Precatórios em segunda votação, por 323 votos a 172, ou seja com mais votos do que na primeira. A PEC agora segue para apreciação do Senado.
Luiz Carlos Azedo: Lira pressiona Fux para liberar emendas secretas
Encontro foi considerado constrangedor e inoportuno nos meios jurídicos
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), esteve ontem com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, para discutir a PEC dos Precatórios. Na véspera da sessão extraordinária do plenário virtual da Corte, que se inicia hoje, e que vai referendar ou não a liminar da ministra Rosa Weber, que suspendeu a execução das chamadas “emendas do relator”, o encontro foi considerado constrangedor e inoportuno nos meios jurídicos.
Lira também marcou para hoje a segunda votação da PEC, que foi aprovada na primeira por 312 votos a 144, com uma estreita margem de quatro votos em relação ao mínimo de 308 exigido por uma emenda constitucional.
Rosa Weber determinou a suspensão do pagamento das “emendas do relator” porque fazem parte de um orçamento secreto, sem transparência nem fiscalização dos órgãos de controle. Em liminar, a ministra determinou que a execução seja paralisada até a conclusão do julgamento pela Corte de uma ação apresentada pelo PSol, pelo PSB e pelo Cidadania, que deve terminar amanhã. Se houver um pedido de vista, o julgamento será suspenso. As chamadas “emendas do relator” são relativas aos Orçamentos de 2020 e 2021 e servem de instrumento de controle do governo sobre sua base e também para cooptação de integrantes dos partidos de oposição, sem que ninguém tenha que assumir publicamente o toma lá dá cá.
Outra ação sobre o mesmo tema no Supremo é de iniciativa do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ), que pede a suspensão da tramitação da PEC dos Precatórios, em razão de suposta irregularidade na aprovação em primeiro turno, ao se permitir que deputados pudessem votar a distância. Antes da segunda votação do mérito, a Câmara ainda precisa votar 11 destaques, o que pode levar ao adiamento da segunda votação para amanhã. Tanto Lira como o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), se empenham para mobilizar a base governista, principalmente os deputados do chamado Centrão. Também tentam neutralizar as pressões dos dirigentes dos partidos de oposição sobre seus deputados infiéis.
Levantamento feito pelo site Jota mostra que a média de apoio ao governo entre os 112 deputados que aprovaram a PEC na primeira votação é de 88,6%; entre os 144 deputados contrários, a taxa de adesão é de 47,3%. Essa infidelidade nas bancadas de oposição criou constrangimentos para a cúpula do PSB, PDT, PSDB, principalmente. A primeira reação veio do pré-candidato à Presidência do PDT, Ciro Gomes, que anunciou a suspensão de sua candidatura e exigiu um reposicionamento da bancada do PDT: 15 dos 24 deputados votaram a favor da PEC. No PSDB, foram 22 dos 31 deputados; e no PSB, 10 dos 32 integrantes da bancada.
Orçamento paralelo
Havia uma maioria no Congresso comprometida com o teto de gastos, mas tudo mudou com Lira no comando da Câmara. Aliado de Bolsonaro e líder do “baixo clero”, o presidente da Casa não está nem aí para o equilíbrio fiscal, seu foco é a distribuição das emendas secretas ao Orçamento, cumprindo os acordos que fez na eleição com os colegas de Câmara e o Palácio do Planalto. Com o controle do Orçamento, Lira mantém ampla maioria na Câmara, mas o apoio ao governo na Casa vem decaindo por várias razões, a principal é o enfraquecimento eleitoral de Bolsonaro, principalmente no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. O ministro da Economia, Paulo Guedes, jogou a toalha, apesar de a equipe econômica considerar o teto de gastos a âncora fiscal do governo.
Na PEC dos Precatórios, o rombo no teto de gastos, oficialmente estimado em R$ 86 bilhões, pode chegar a R$ 100 bilhões. O maior interesse do governo é viabilizar recursos para o Auxílio Brasil, o programa de Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, além de outros benefícios, como o vale-gás e o subsídio de R$ 400 para os caminhoneiros abastecerem os tanques de seus veículos.
O mercado reagiu negativamente porque os analistas de contas públicas sabem que é possível obter esses recursos num Orçamento de mais de R$ 1 trilhão cortando despesas supérfluas, a começar pelos gastos secretos com cartões de crédito da Presidência (o mau exemplo vem de cima). Já o interesse de Lira são as “emendas do relator” ao Orçamento, que correspondem a R$ 20 bilhões em verbas destinadas a prefeituras e instituições ligadas aos parlamentares de sua base, sem nenhuma transparência e controle, o que a ministra Rosa Weber considera inconstitucional.
Luiz Carlos Azedo: Precatórios, ética e segurança jurídica
Emenda constitucional dos precatórios legitima ilegalidades flagrantes e gera grande insegurança jurídica
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara representou o alinhamento da Casa com o presidente Jair Bolsonaro e, também, a recidiva de velhas práticas políticas bastante conhecidas e estudadas. Três clássicos da nossa literatura política que nos dão a dimensão do atraso: Raízes do Brasil (Editora Globo), de Sérgio Buarque de Holanda; Coronelismo, enxada e voto (Companhia das Letras), de Vitor Nunes Leal; Os Donos do Poder (Editora Globo), de Raymundo Faoro.
Buarque nos mostrou, em 1936, o peso do colonialismo ibérico, da escravidão e do compadrio na formação de uma elite política patrimonialista, personalista e despótica; em 1948, Nunes Leal desnudou as relações de poder na base do “é dando que se recebe”, da Presidência aos estados, nos quais o coronelismo garantia existência de “currais eleitorais”, através de favores e da intimidação nos grotões do país; já em 1958, além das raízes lusitanas do nosso patrimonialismo, Faoro também demonstrou como o poder público é utilizado em benefício privado.
Há um choque permanente no Congresso entre o moderno, protagonizado pelos setores liberais e social-democratas, e o atraso, representado pelo chamado “baixo clero”, o conjunto de parlamentares fisiológicos e patrimonialistas, do qual o presidente Jair Bolsonaro é egresso. Na Constituinte, o “Centrão” representou a aliança de lideranças conservadoras e reacionárias com esse “baixo clero”. Destrinchar esse jogo nas votações nem sempre é fácil, porque há conservadores que querem a modernização do país, ainda que por uma via elitista, e setores transformistas de esquerda, com retórica nacional-libertadora e estatizante.
Antes, o chamado Centrão dominara a Casa no governo Itamar Franco, com o deputado Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), de 1993 a 1994, que não cometeu nenhum grande desatino; e no governo Lula, com Severino Cavalcanti (PFL-PE), em 2005, em razão de uma disputa interna na base governista. Cavalcanti renunciou ao cargo, em setembro do ano seguinte, após denúncia de que exigira propina de R$ 10 mil mensais de um concessionário de cantina na Câmara.
Agora, a ascensão de Lira foi possível devido à mudança na composição da Câmara, na onda da eleição do presidente Jair Bolsonaro, e aos desgastes do deputado Rodrigo Maia (DEM) no comando da Câmara. Expoente da velha oligarquia de Alagoas, Lira é um dos caciques do PP, ao lado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI), e do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PR). Recebeu apoio maciço do “baixo clero” e contou com o jogo bruto do Palácio do Planalto, temeroso de que o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado por Maia, viesse a abrir um processo de impeachment.
Julgamento
A moeda de troca de Lira são os recursos do Orçamento da União, proveniente das emendas parlamentares, e os cargos do governo federal. Entretanto, parte de sua base de apoio é formada por deputados dos partidos de oposição, seduzidos na surdina por verbas e cargos. Lira mantém na gaveta mais de uma centena de pedidos de impeachment e aprovou uma Lei Orçamentária na qual o relator controla, sozinho, quase R$ 20 bilhões em emendas secretas. Cobrando lealdades, Lira conseguiu aprovar, por uma margem de quatro votos, a chamada PEC dos Precatórios, que dá um calote no pagamento das dívidas judiciais e aumenta o teto de gastos do governo em quase R$ 100 bilhões, a pretexto de conceder o Auxílio Brasil.
Na sexta-feira, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão integral e imediata da execução dessas “emendas do relator”, até que seja julgado o mérito das ações que questionam a prática no Congresso Nacional. Estima-se que esses recursos correspondam a quase R$ 20 bilhões. A relatora determinou, ainda, que sejam tornados públicos os documentos que embasaram a distribuição desses recursos (identificados apenas pela rubrica RP 9). Além do fisiologismo, saltam aos olhos as inconstitucionalidades na votação da emenda constitucional (deputados votaram do exterior, inclusive). Decisões que buscam legitimar ilegalidades flagrantes geram grande insegurança jurídica e institucional para cidadãos, empresas e investidores.
A liminar foi concedida em ação impetrada pelo PSOL, pelo PSB e pelo CIdadania. Também estabelece que todas as demandas de parlamentares voltadas à distribuição de emendas do relator-geral do orçamento, independentemente da modalidade de aplicação, sejam registradas em plataforma eletrônica centralizada, mantida pelo órgão central do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal, em conformidade com os princípios constitucionais da publicidade e da transparência. Terça-feira e quarta, o plenário do Supremo julgará a questão.