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Luiz Carlos Azedo: Um olho no Lula, outro no Moro
Ao decidir depor presencialmente no inquérito que apura sua suposta interferência na PF, Bolsonaro faz um cálculo político
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Como aquele sujeito que frita o peixe com um olho na frigideira e outro no gato, o presidente Jair Bolsonaro informou, ontem, ao Supremo Tribunal Federal (STF) que pretende depor presencialmente no inquérito que apura a denúncia do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, ao renunciar ao cargo, de que estaria interferindo politicamente na Polícia Federal. O STF estava para julgar se Bolsonaro poderia prestar depoimento por escrito nesse caso, mas o ministro Alexandre de Moraes informou ao presidente da Corte, Luiz Fux, que o presidente da República havia mudado de posição.
O inquérito que investiga supostas interferências de Bolsonaro fora aberto após as denúncias de Moro, mas as investigações foram intensificadas em agosto, por determinação de Moraes. O caso é uma das razões do estresse de Bolsonaro com o STF, principalmente depois que o então relator do caso, ministro Celso de Melo, defendeu o depoimento presencial do presidente. A Advocacia-Geral da União havia recorrido dessa decisão, mas mudou de posição. A AGU afirma que Bolsonaro “manifesta perante essa Suprema Corte o seu interesse em prestar depoimento em relação aos fatos objeto deste inquérito mediante compare-cimento pessoal”. Segundo Moro, Bolsonaro tentou interferir em investigações da PF ao cobrar a troca do chefe da Polícia Federal no Rio de Janeiro e ao exonerar o então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, indicado pelo ex-ministro. Bolsonaro sempre negou.
Ocorre que Moro divulgou troca de mensagens com o presidente da República sobre o assunto e revelou o teor da discussão entre ambos na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020, cujos vídeos foram tornados públicos por decisão de Celso de Mello. “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro e oficialmente não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f*** minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”, dissera Bolsonaro na reunião.
Imagens fortes
A mudança de postura do Bolsonaro tem um cálculo político, não é apenas uma tática jurídica. Primeiro, o plenário do Supremo poderia exigir o depoimento presencial, porque o voto de Celso de Mello, antes de se aposentar, é muito robusto. Segundo, o ambiente é favorável, depois da carta que divulgou em 8 de setembro, desculpando-se pelas declarações contra os ministros Moraes e Luís Roberto Barroso, e o próprio Supremo. Terceiro, talvez a razão mais importante, Bolsonaro precisa produzir imagens vigorosas para a campanha eleitoral, que se contraponham a Moro, que dá sinais da intenção de se candidatar à Presidência, e também ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
As imagens da reunião ministerial e de Moro denunciando a suposta interferência de Bolsonaro são muito fortes, do ponto de vista do marketing político. Estão na memória da opinião pública e desgastaram muito o presidente. São tão impactantes que Moro, mesmo debaixo de críticas e morando nos Estados Unidos, continua pontuando bem nas pesquisas de opinião.
De igual maneira, também são muito fortes as imagens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao depor perante Moro, no caso do tríplex do Guarujá, quando negou todas as acusações e sustentou sua inocência. São imagens que precisam ser confrontadas por Bolsonaro, não no cercadinho da saída do Palácio da Alvorada, ou nos palanques de suas viagens pelos estados. Tem que ser um cenário no qual também possa aparecer como vítima de falsidades e injustiças.
Do ponto de vista eleitoral, a situação de Bolsonaro não é boa. Sua imagem continua derretendo. Na pesquisa de opinião da Quaest entre quem ganha até dois salários mínimos, para 58% a avaliação é negativa, 22% acham o governo regular, enquanto para 17% o saldo é positivo. A reprovação cai para 49% entre os que ganham mais de cinco salários. Nessa faixa, 26% o consideram regular e 24% têm opinião positiva. Bolsonaro não pode mais se dar ao luxo de se posicionar sem levar em conta o impacto eleitoral de suas atitudes e declarações.