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Nas entrelinhas: MDB pleiteia três ministérios, um para Simone Tebet

Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense*

A participação do MDB no governo Lula é assunto resolvido. O presidente da legenda, deputado Baleia Rossi (SP), pacificou o partido internamente para que integre a coalizão que está sendo formada com o PT e mais 14 partidos. A ex-candidata à Presidência Simone Tebet será a estrela da legenda no novo governo, com apoio integral das bancadas da Câmara e do Senado, que também estarão representadas na ampla coalizão democrática em formação. O martelo deve ser batido no encontro de Rossi com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Baleia considera Simone Tebet a grande liderança democrática de centro que emergiu da disputa eleitoral, não apenas pela votação que teve no primeiro turno, no qual a chamada “terceira via” foi esvaziada pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Sua atuação no segundo turno, quando se engajou de corpo e alma na campanha do petista, contribuiu decisivamente para levá-lo à vitória. Lula sabe disso.

O excelente desempenho durante os debates entre os candidatos à Presidência e a clareza de suas propostas fizeram de Simone a candidata do MDB com melhor desempenho em disputas presidenciais da História, com 4.915.423 votos — o equivalente a 4,2%. O apoio a Lula no segundo turno não foi por gravidade, mas condicionado à adoção de propostas de seu programa de governo, como o pagamento de uma bolsa de R$ 5 mil para alunos que terminarem o ensino médio. Durante a campanha, Simone se empenhou para transferir o maior número de votos possível para Lula, que obteve apoio de 3,5 milhões de eleitores a mais na segunda votação.

A presença de Simone Tebet no governo Lula, por isso mesmo, muda a natureza da ampla coalizão em formação, que passa a ser claramente de centro-esquerda, independentemente da participação de outras legendas. Mesmo sem a presença do PSDB, que pôs a carroça à frente dos bois ao projetar o governador eleito do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, novo presidente da legenda, como virtual pré-candidato à Presidência da República. É um certo açodamento, porque há um longo caminho a ser percorrido até 2026.

Eleições municipais

A aposta do MDB é construir um forte campo eleitoral de centro democrático nas eleições municipais de 2024, a partir de uma federação formada com Podemos, PSDB, Cidadania e outras legendas. Segundo ele, esse é o caminho para viabilizar candidaturas competitivas no campo de forças que se opõem ao bolsonarismo e apoiam o governo Lula. Não é uma construção fácil. O PSDB derivou para a oposição em razão da aliança entre Eduardo Leite e o deputado Aécio Neves, ex-governador de Minas, que ganhou a queda de braço com o ex-governador paulista João Doria e recuperou sua influência na bancada federal da Câmara.

Além disso, a situação do PSDB é muito delicada em São Paulo, porque o apoio do ex-governador Rodrigo Garcia ao novo governador eleito Tarcísio de Freitas não foi robusto o suficiente para conter a debandada de prefeitos tucanos para o PSD de Gilberto Kassab, que será o braço direito do novo governador paulista.

Até os garçons do Palácio dos Bandeirantes sabiam que o esvaziamento do PSDB paulista seria inevitável, com a ida do ex-governador Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República eleito, para o PSB, e a derrota acachapante de Garcia, que ficou fora do segundo turno. Nesse rastro, deputados do PSDB e outras legendas só não fazem a baldeação por medo de perderem os mandatos.

Orçamento secreto

Independentemente da PEC da Transição, votada ontem no Senado e que ainda precisa ser aprovada pela Câmara, os dias do chamado orçamento secreto estão contados. E não apenas porque a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, que cobra o fim do sigilo sobre as emendas, pôs em votação a ação de PSB, PSol, Cidadania e PV que arguia inconstitucionalidade das chamadas emendas do relator.

Começa a se formar entre as lideranças do Congresso uma opinião majoritária de que as emendas ainda podem gerar muita dor de cabeça para seus autores, devido à farra de distribuição de verbas federais durante a campanha eleitoral e as denúncias de corrupção nos municípios. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já vem conversando com outras lideranças sobre a necessidade de uma alternativa que garanta mais transparência às emendas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-mdb-pleiteia-tres-ministerios-um-para-simone-tebet/

Ações para redução de gases de efeito estufa nos municípios

Catálogo SEEG Soluções, primeiro do gênero, traz guia de políticas públicas que podem ser adotadas já para reduzir emissões de gases de efeito estufa nos municípios

Observatório do Clima

Pelo menos 87 ações práticas podem ser adotadas imediatamente por prefeituras e sociedade Brasil afora para reduzir as emissões de gases de efeito estufa onde elas realmente acontecem: nos municípios. Uma plataforma lançada nesta sexta-feira (20) pelo Observatório do Clima traz uma lista de ações adequadas a cada setor emissor e cada tamanho de cidade.

O SEEG Soluções, disponível para consulta no site do SEEG (seeg.eco.br), foi construído a partir do diagnóstico das emissões dos 5.570 municípios do Brasil realizado neste ano pelo SEEG. As propostas de políticas públicas que a plataforma apresenta foram mapeadas após uma série de oficinas nas cinco regiões do Brasil, que contaram com a participação de uma centena de especialistas – desde gestores municipais até pesquisadores, representantes do setor privado e da sociedade civil.

Cada um dos principais setores e subsetores responsáveis por emissões de gases de efeito estufa na economia brasileira (transporte, energia elétrica, mudança de uso da terra, agropecuária e resíduos) ganhou uma série de fichas descrevendo políticas públicas, tipo de financiamento, prazo de aplicação, impacto em emissões e co-benefícios entre outros aspectos, sempre buscando mostrar exemplos práticos do mundo real.

No setor de energia, por exemplo, foram mapeadas 39 medidas, divididas nos subsetores de transporte e energia elétrica. Uma delas é o estabelecimento de zonas prioritárias de adensamento populacional ao longo de eixos de transporte público, reduzindo emissões nos transportes – o principal responsável pela queima de combustíveis fósseis no Brasil. Não é preciso investimento adicional, já que os planos diretores são feitos com recursos da própria prefeitura, e há co-benefícios na saúde e para a economia das famílias e da cidade. Uma das cidades grandes que já adotam esse tipo de política é Belo Horizonte, que estabeleceu em 2019 um novo plano diretor e em 2015 um plano de desenvolvimento urbano orientado ao transporte coletivo ao longo de seu Anel Viário.

A capital mineira também adota uma outra política, a de limitar o número de vagas de garagem em novos edifícios próximos a eixos de transporte coletivo, a fim de reduzir a competição desleal entre o carro e o transporte público, e também implementou um novo sistema de BRT. Outra medida na área de energia é a instalação de microgeração solar nos prédios públicos, como está sendo feito em Macapá.

No setor de agropecuária, a maior parte das emissões vem do rebanho bovino, o que, somado ao desmatamento, dá ao município de São Félix do Xingu a liderança no ranking de emissões brutas do Brasil, com 29,8 milhões de toneladas em 2018. As soluções já existem e são inclusive financiadas pelo governo federal. Uma das principais é a recuperação de pastagens degradadas, tecnologia integrante do Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC). Entre as cidades que já implementam medidas de redução de emissões na criação de gado está Paragominas, no Pará, por meio do programa Pecuária Verde.

O setor de resíduos, apesar de responder pela menor fatia das emissões nacionais, é uma fonte de emissões extremamente importante para as cidades, em especial as mais populosas, como São Paulo e Rio de Janeiro. Aqui algumas das 19 medidas de redução mapeadas já se fazem sentir no próprio perfil das emissões do setor: apesar de ter o dobro da população, São Paulo emite menos que o Rio (5,45 milhões de toneladas contra 5,6 milhões) porque a capital paulista já adota medidas de mais eficiência no tratamento de lixo e captura metano em aterros sanitários para gerar energia.

Outro município que aproveita a energia do lixo é Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador. O Aterro Metropolitano Centro, no balneário baiano, construiu uma usina termelétrica para gerar energia a partir do biogás (metano) resultante da decomposição dos resíduos. A energia é jogada na rede elétrica e vendida a empresas.



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Em mudança de uso da terra, responsável pela maior parte das emissões brutas do Brasil e pela quase totalidade das emissões de alguns municípios da região Norte – os dez maiores emissores desse setor estão na Amazônia –, o SEEG mapeou nove soluções. Embora o controle e a fiscalização do desmatamento sejam de competência concorrente estadual e federal, os municípios podem atuar nessa área, promovendo desde arborização urbana até programas de pagamento por serviços ambientais.

Paragominas, no Pará, mais uma vez se destaca por ter uma política municipal de redução de desmatamento. Outra cidade, Extrema, em Minas Gerais, adotou um programa de recuperação de áreas degradadas, compensando produtores rurais em microbacias que demandam maior recomposição a fim de proteger os recursos hídricos.

“A ideia do SEEG Soluções é ser um guia muito prático e fácil de acessar que descreve de forma simples e objetiva ações práticas que podem ser adotadas pelos municípios de acordo com perfil de suas emissões. Para cada setor, a fonte de emissões tem um conjunto de sugestões de ações” afirma Tasso Azevedo, coordenador geral do SEEG.

Clique aqui para explorar as soluções.

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Sobre o SEEG: O Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa foi criado em 2012 para atender a uma determinação da PNMC (Política Nacional de Mudanças Climáticas). O decreto que regulamenta a PNMC estabeleceu que o país deveria produzir estimativas anuais de emissão, de forma a acompanhar a execução da política. O governo, porém, não as produziu no prazo estipulado pelo decreto. Os inventários nacionais, instrumentos fundamentais para conhecer em detalhe o perfil de emissões do país, são publicados apenas de cinco em cinco anos.

O SEEG (www.seeg.eco.br) foi a primeira iniciativa nacional de produção de estimativas anuais para toda a economia. Ele foi lançado em 2012 e incorporado ao Observatório do Clima em 2013. Hoje, é uma das maiores bases de dados nacionais sobre emissões de gases estufa do mundo, compreendendo as emissões brasileiras de cinco setores (Agropecuária, Energia, Mudança de Uso da Terra, Processos Industriais e Resíduos).

As estimativas são geradas segundo as diretrizes do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), com base nos Inventários Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).

Atuaram no SEEG Municípios pesquisadores das ONGs: Ipam e Imazon (Mudança de Uso da Terra), Imaflora (Agropecuária), Iema (Energia e Processos Industriais) e ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade (Resíduos).

O SEEG Municípios é apoiado pela União Europeia, por meio do Instrumento de Parceria da UE e o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha (SPIPA/EU-BMU), pela Climate and Land Use Alliance e pelo Instituto Clima e Sociedade.

Sobre o Observatório do Clima: rede formada em 2002, composta por 68 organizações não governamentais e movimentos sociais. Atua para o progresso do diálogo, das políticas públicas e processos de tomada de decisão sobre mudanças climáticas no país e globalmente. Site: http://oc.eco.br

Fonte: Observatório do Clima
https://www.oc.eco.br/brasil-ganha-1o-catalogo-de-acoes-para-reducao-de-gases-de-efeito-estufa-nos-municipios/


RPD impressa analisa papel dos municípios na segurança pública

Revista impressa editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) terá lançamento virtual no dia 11 de agosto, às 14h30

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

As guardas municipais não esgotam, por si só, o compromisso e a responsabilidade dos municípios para a garantia da segurança pública. As atividades que as cidades podem desempenhar nessa área ainda demandam contornos mais definidos, de acordo com a revista impressa editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e que será lançada, no dia 11 de agosto, em evento on-line, com transmissão a partir das 14h30, no portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade.

Assista!



Com uma coletânea de sete análises inéditas, a revista impressa Política Democrática (56ª edição) “O papel dos municípios na segurança pública”, apresenta reflexões sobre os melhores caminhos para a atuação e participação dos municípios nessa área, considerada vital para a sociedade.

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“O papel dos municípios na segurança pública não se resume à existência das guardas municipais”, afirma o diretor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB) Artur Trindade Costa, organizador da obra, em texto de apresentação. Ele também será coordenador do evento on-line.

Costa, que também é coordenador do Núcleo de Estudos sobre Segurança Pública e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ressalta que alguns municípios desenvolvem políticas sociais de prevenção de violências.


Ouça o podcast

Gestão Cidadã é tema de podcast da Fundação Astrojildo Pereira


“Em alguns lugares, estas políticas foram relativamente bem sucedidas, como Canoas (RS), Diadema (SP) e Lauro de Freitas (BA)”, cita o especialista. De acordo com ele, independentemente da forma como os municípios têm atuado na segurança pública, sua participação se dá num contexto de inexistência de um marco regulatório que defina claramente as atribuições e prerrogativas dos entes federados.

No texto “As guardas na gestão da segurança pública municipal”, um dos publicados no livro, a doutora em Antropologia Ana Paula Miranda lembra que esse tema surgiu, nos anos 1990, como coadjuvante.

“A partir de 2009, com a primeira Conferência Nacional da Segurança Pública (Conseg), o município se tornou protagonista, com a municipalidade sendo reconhecida como uma instância fundamental de cogestão da segurança pública”, disse ela.

Segundo Ana Paula, a publicação do Estatuto Geral das Guardas Municipais não possibilitou um melhor desenho para as instituições, na medida em que se limitou apenas a descrever quais são os “serviços” da segurança pública que um município pode realizar.

O texto “Os municípios e o financiamento da segurança pública no Brasil”, também publicado na revista impressa, aponta que é fundamental refletir que os entes municipais têm enorme expressão no tratamento da segurança pública.

Essa última análise conjunta é da doutora em economia Ursula Dias Peres, que também é professora da Universidade de São Paulo (USP); da doutora em administração pública e diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Samira Bueno e do mestre em gestão de políticas públicas Gabriel Marques Tonelli.

“Seja porque há o reconhecimento de que muitas soluções de políticas públicas implicam ações locais, com foco no território, seja porque diversos municípios passaram a incluir a segurança pública entre suas políticas prioritárias nos últimos anos com a criação de secretarias de segurança urbana, guardas municipais, conselhos comunitários de segurança, dentre outros”, afirmam os autores, no texto.

SERVIÇO
Evento on-line de lançamento da 56ª edição da Política Democrática impressa
Título: O papel dos municípios na segurança pública
Data: 11/8/2021
Transmissão: a partir das 14h30, no portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da Fundação Astrojildo Pereira
Realização: Fundação Astrojildo Pereira

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Roberto Romano: Federação, municípios, morticínio. Tragédia nacional

Temos um povo dizimado pelo poder, que age como conquistador em terra arrasada

Jair Bolsonaro ataca Estados e municípios como inimigos a serem destruídos. Para ele, não existem cidadãos merecedores de respeito nas unidades federativas. Em vez de lutar contra a pandemia, o presidente gera batalhas contra as bases administrativas e políticas do País. Surgem os frutos assustadores: mais de 350 mil brasileiros entregues à tortura da morte sem ar, o que revolta quem sente misericórdia ou segue a ética e a moral.

O ignaro governante reitera – em cena macabra – uma guerra antiga das culturas políticas humanas. Trata-se do choque entre poderes centrais e municípios. Estes últimos eram desconhecidos na Grécia e na Roma primitiva. Ali existiam soberanas cidades-Estado. Na Itália as urbes eram livres para organizar suas práticas internas. Vencidas por Roma e ela ligadas em federação (foedus) dela recebiam em especial a justiça. O prefectus, agente romano, resolvia os casos urgentes, mas o júri reunia habitantes locais, cujas instituições eram mantidas.

Os elos entre municípios e Roma se retraíam e se estendiam conforme as vicissitudes políticas, econômicas, sociais. Ora o poder se concentrava, ora se espraiava pelas bases federadas. Os municípios conservavam independência na sua organização, a assembleia do povo elegia os dirigentes. “Os magistrados municipais têm sobre os cidadãos o imperium. Todos obedecem à lei votada pelo povo e se inclinam diante dos administradores nas taxas ou nos trabalhos públicos. Em casos extremos o município cede aos poderes centrais e a lei de Roma toma a dianteira” (Mommsen). “Em casos extremos”, sublinhemos.

Após a chamada “guerra social”, quando as cidades italianas exigiram tratamento similar ao concedido a Roma, os municípios se generalizaram. Cito novamente o grande historiador Mommsen: “O município, constituído no interior do Estado e a ele se subordinando, é uma das mais notáveis manifestações políticas e das mais fecundas da era comandada por Sylla. As reformas constitucionais de Sylla definem um Estado cuja base é múltipla, a das comunas locais”. Dentre os municípios do Estado romano temos Olissipo, Lisboa. Aquelas unidades começaram a ruir por causa dos abusos das autoridades locais, abusos agravados pelo aumento sem freios do fisco em vantagem do poder central.

Os esqueletos municipais serviram às cidades europeias na resistência ao moderno absolutismo, cuja tarefa era unificar os Estados monárquicos. Nos século 16 e 17 tudo fizeram as Cortes para arrancar finanças e poderes dos municípios. Hobbes pensa as urbes como ameaça ao poder absoluto e vê como doença “a desmesurada grandeza de uma cidade, quando ela é apta a fornecer para além de seu próprio domínio os números e o pagamento de um grande exército” (Leviatã). A história da centralização estatal passa pela beligerância entre a Corte e os municípios. Tocqueville (O Antigo Regime e a Revolução) revela as táticas do rei: ele arranca das cidades as suas prerrogativas, como a de eleger os próprios magistrados, para revendê-las com lucro aos mesmos municípios. O prefeito assim escolhido, acrescenta Tocqueville, tem poder menor do que o fiscal do Reino. Daí ser possível aquilatar o grau de corrupção do Antigo Regime. Nele tudo se vende, tudo se compra. O Antigo Regime é um imenso Centrão.

Não citei Lisboa por acaso. Quando surge o Brasil os reis europeus – incluído o português – controlam os países, os municípios perdem força. Em nossa terra os municípios existem, mas não há foedus com a Corte, apenas subordinação. Líderes locais são desprovidos de real autonomia, como seus colegas da Europa absolutista. Tal realidade vigora no Império e na República. Maria Sylvia Carvalho Franco (Homens Livres na Ordem Escravocrata) analisa o controle e o parasitismo do poder central em relação às cidades. Impostos são retirados dos cofres municipais e para eles quase nunca retornam. Tal regime faz dos poderes subordinados fontes de recursos para o Executivo do País, sem retorno em obras públicas dignas do nome.

Com documentos a autora mostra aí a fonte brasileira da indistinção entre público e privado, o compadrio político e outras mazelas. Para obter verbas surgem as oligarquias regionais. No Congresso elas vendem apoio ao presidente/monarca. Tal é a gênese do perene Centrão.

As ditaduras do século 20 reforçam o Executivo nacional. Temos uma enganosa Federação a jungir Estados e municípios. Se na Presidência há uma pessoa despótica e desprovida de saberes – jurídicos, políticos, científicos, históricos –, o combate pátrio vira carnificina. Temos um povo dizimado pela virulência do poder, que age, em relação aos municípios, como conquistador em terra arrasada. Os mortos, hoje aos milhares, são enterrados sem justiça.

Se a Federação brasileira não deixar de ser apenas farsa, seguiremos sob o guante de dirigentes que violam os direitos de Estados e municípios, espaço onde vivemos ou morremos. Quem não respeita tal fato da vida pública não merece governar.

*Professor da Unicamp, é autor de ‘Razões de Estado e outros estados da Razão’ (Perspectiva)


Edição temática de revista da FAP reúne análises sobre papel dos municípios na segurança pública

Edição da Política Democrática impressa reúne sete análises aprofundadas sobre o tema

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O papel dos municípios na segurança pública é o tema da 56ª edição da revista Política Democrática impressa (140 páginas), produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada e Brasília e vinculada ao Cidadania. A publicação ainda não está disponível para venda na internet, somente para doação e empréstimo gratuito na Biblioteca Salomão Malina, mantida pela FAP, no Conic, em Brasília.

Em função das regras impostas pelo Decreto nº 41.841 de 26 de fevereiro de 2021, publicado no DODF pelo Governo do Distrito Federal (GDF), que determinou a suspensão de atividades não essenciais por conta do combate à pandemia do novo coronavírus, a biblioteca se encontra fechada por tempo indeterminado, devendo retornar ao seu funcionamento normal assim que for autorizada pelo GDF.

Análises

A edição reúne sete análises aprofundadas sobre segurança pública, produzidas por 12 renomados especialistas na área. O intuito, de acordo com a fundação, é mostrar as principais vertentes e a complexidade do tema para orientar gestores a traçarem políticas públicas do setor em suas cidades, além de levantar o debate com todos os interessados no assunto.

A seguir, veja a relação de artigos e seus respectivos autores:


  • O papel dos municípios na segurança pública: um debate ainda urgente (Haydée Caruso e Carolina Ricardo);
  • Os municípios e o financiamento da segurança pública no Brasil (Ursula Dias Peres, Samira Bueno e Gabriel Marques Tonelli);
  • A Política de Segurança Pública no Município de Betim (MG), no biênio 2015-2016, relato de uma experiência pessoal (Luis Flávio Sapori);
  • Bases teóricas e práticas da Política Municipal de Segurança Cidadã de Canoas-RS (2009 a 2012) (Eduardo Pazinato);
  • As guardas na gestão da segurança pública municipal (Ana Paula Miranda);
  • Cultura policial e guardas municipais: um modelo de análise (Almir de Oliveira Junior e Joana Domingues Vargas);
  • A Senasp e os municípios: o papel da participação social e das guardas municipais na segurança pública (Almir de Oliveira Junior e Joana Luiza Oliveira Alencar)


Além das guardas

De acordo com o diretor do ICS-UnB (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília) e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Arthur Trindade Costa, “o papel dos municípios na segurança púbica não se resume à existência das guardas municipais”.

Costa, que também é coordenador de Núcleo de Estudos sobre Segurança Pública e assina a apresentação da revista, alguns municípios desenvolvem políticas sociais de prevenção de violências. “Em alguns lugares, estas políticas foram relativamente bem-sucedidas, como Canoas (RS), Diadema (SP) e Lauro de Freitas (BA)”, afirma.

Independentemente da forma como os municípios têm atuado na segurança pública, segundo o especialista, a participação deles se dá num contexto de inexistência de um marco regulatório que defina claramente as atribuições e prerrogativas dos entes federados.

Desarticulação

“O resultado disso é uma atuação descoordenada e desarticulada entre municípios, estados e União”, critica Costa, ressaltando que um dos fenômenos mais marcantes das últimas décadas foi o aumento da participação dos municípios na segurança pública.

Entre 2000 e 2015, de acordo com Costa, houve crescimento de 327% no total de gastos com segurança pública, que saltaram de cerca de R$ 1,1 bilhão para R$ 4,5 bilhões. “Entretanto, a participação municipal varia significativamente, de acordo com o estado”, analisa.

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El País: Pandemia varre as pequenas cidades do interior levando dor e a busca desesperada por um leito de UTI

Com apenas 28.000 habitantes, Coromandel , no Triângulo Mineiro, registrou em fevereiro duas vezes mais mortes por covid-19 do que no ano passado todo, sobrecarregando leitos de internação de cidades vizinhas maiores. Cenário se repete pelo país, que já tem 17 capitais com UTIs superlotadas

Nilson Braz e Beatriz Jucá, El País

A enfermeira aposentada Luiza Telma da Silva, de 69 anos, sentiu a respiração pesar pela covid-19 justo quando sua cidade encontrava a fase mais dura da pandemia. Coromandel ―um município com pouco menos de 28.000 habitantes localizado no Triângulo Mineiro― registrou somente neste mês de fevereiro duas vezes mais mortes causadas pelo coronavírus do que no resto da pandemia toda: dez pessoas faleceram entre maio de 2020 e janeiro deste ano, enquanto o número de mortes somente nas três primeiras semanas de fevereiro de 2021 chegou a 23. Sem leitos de UTI, a cidade depende historicamente de transferência para outras cidades de referência, em um fluxo que ganhou maior complexidade durante a crise sanitária, quando as cidades maiores também começaram a colapsar. Em 10 de fevereiro, Telma amanheceu com dificuldade pra respirar. Sentia-se fraca, e seus familiares decidiram levá-la ao pronto-socorro. Ela foi então internada e passou a receber suporte ventilatório com oxigênio enquanto esperava por um leito de terapia intensiva. Não deu tempo. Acabou morrendo no mesmo dia, no hospital onde trabalhou durante 10 anos.

Até o fim de janeiro, a cidade do Triângulo Mineiro, contava 473 casos de covid-19. Três semanas depois, o número já era quase três vezes maior, com 1.274 casos. O crescimento acelerado levou o sistema de saúde local ao colapso, já que nem mesmo os leitos de enfermaria da cidade estavam sendo suficientes. Em média, cerca de seis pacientes são transferidos todos os dias a cidades maiores ―como Belo Horizonte, Uberaba, Uberlândia, Divinópolis e Montes Claros― para receber assistência. São desde casos mais graves até aqueles que precisam apenas de atenção especializada ou exames. O problema é que parte dessas cidades, como Uberlândia, por exemplo, também já chegou a um esgotamento em suas redes de saúde. Praticamente já não há mais leitos. Lá, 81 pessoas estão à espera de uma vaga de UTI em hospitais públicos e privados. O Governo de Minas Gerais precisou organizar uma força-tarefa para transferir os pacientes a cidades ainda mais distantes, como a capital Belo Horizonte, que fica a mais de 500 quilômetros de Coromandel.

agravamento da pandemia tem pressionado sistemas de saúde em várias regiões do país. Segundo dados da Fiocruz, publicados pela Folha de S.Paulo, 17 capitais já estão com ao menos 80% de seus leitos de UTI ocupados. Mas, diferentemente do que aconteceu no ápice da crise no ano passado ―que atingiu principalmente as capitais―, agora a interiorização da covid-19 tem levado também cidades médias e pequenas ao colapso. O problema já se repete em várias partes do país. No Rio Grande do Sul, a turística Gramado foi a primeira a identificar a presença da nova variante brasileira do coronavírus e está à beira do colapso. Com leitos hospitalares superlotados, as autoridades municipais colocaram até carro de som nas ruas para alertar sobre a necessidade de manter o distanciamento social. São várias as capitais brasileiras, em todas as regiões, que têm visto a demanda por hospitalizações crescer devido à covid-19. Fortaleza, Salvador e João Pessoa, por exemplo, aumentaram as restrições e determinaram toque de recolher.

Em São Paulo, a pandemia também tem se agravado. A capital bateu o recorde de internações em UTI desde o começo da crise sanitária e afirmou, na última quarta-feira, que se as taxas de internação continuarem a crescer na atual proporção, já não haverá leitos disponíveis no Estado no final do mês que vem. Na última segunda-feira (22), haviam 6.410 pacientes em leitos de terapia intensiva enquanto o recorde na primeira onda foi de 6.257 internados, em julho. Em cidades do interior, como Araraquara, Jaú e Valinhos, a situação também é crítica ―Jaú já tem casos confirmados da nova variante do coronavírus, potencialmente mais transmissível. A estratégia nestes locais tem sido utilizar UPAs (unidades de pronto-atendimento para casos mais leves) para estabilização de pacientes, solicitação de transferências ao Estado e a abertura de novos leitos. Mas com a demanda alta, as novas vagas também são ocupadas rapidamente.

Medidas mais restritivas para frear internações

Na porta do pronto socorro de Coromandel, o pequeno município do Triângulo Mineiro, tem se intensificado a movimentação de pessoas que chegam a esperar horas para tentar informações de seus familiares ou um fazer um aceno a eles antes da remoção para outras cidades. Sob um sol forte, no último fim de semana Daniela Machado Moreira aguardava a transferência da mãe, Maria Aparecida Machado da Silva, de 64 anos, que estava internada há mais de uma semana e seria levada para Uberaba. Daniela contou ao EL PAÍS que todo o atendimento na cidade está comprometido e que só conseguiu ter ideia da gravidade do caso da mãe depois de providenciar, pela rede particular, uma radiografia que apontou um comprometimento de 50% dos pulmões.

“Eles [os médicos] falaram que vão transferir só por segurança, porque lá tem mais condições de fazer mais exames. Mas a gente fica com o coração na mão, porque a gente sabe que essa doença é assim, na mesma hora que está bom, não está. É imprevisível”, afirma Daniela. Ela diz que a família tentava seguir com rigor os cuidados preventivos contra o coronavírus, especialmente porque Maria Aparecida é idosa, e Daniela está tratando um câncer. “Eu não moro com ela. Quando ela começou a ter sintomas, foi no dia da minha terceira [sessão de] quimioterapia. Depois que testou positivo ela ficou dentro de casa. A gente só chegava na varanda, levava comida, só de longe ou por chamada de vídeo”, conta. “Abraço e beijo desde que começou a pandemia a gente não está fazendo. Pensando em preservar ela, porque tem mais de 60 anos”.

Em Coromandel quase todo mundo se conhece, ainda que seja de vista. Por isso a dor da perda e a aflição pelas internações são sentidas por todos. Daniela amparava e era amparada pelos três filhos e pela neta de outros dois pacientes internados: o casal Maria das Dores Vieira Gonçalves, de 70 anos, e Célio Gonçalves, de 71. Só a esposa seria transferida naquele dia, para Belo Horizonte, porque estava dependendo muito do oxigênio e poderia ter o estado agravado. Maria das Dores ainda tomou o cuidado de pedir que não comunicassem o marido para não preocupá-lo. “Nesses casos que envolve saturação de oxigênio não se pode sentir muitas emoções. A gente nem queria que eles se encontrassem aqui no pronto-socorro. Eles têm uma ligação muito forte, são casados há mais de 50 anos”, contou o Célio Rodrigo Gonçalves, um dos filhos do casal, ainda emocionado pelo breve encontro com a mãe antes da transferência.

Maria das Dores e Maria Aparecida são duas das dez pessoas transferidas da cidade em 21 de fevereiro. Nove de Coromandel e uma de Monte Carmelo, cidade que fica a pouco mais de 50 quilômetros de distância, e que precisou da ajuda da cidade vizinha para transferir um paciente por não ter um aeroporto. Na semana passada, o prefeito de Monte Carmelo, Paulo Rocha, chegou a fazer um apelo nas redes sociais pedindo a doação de cilindros de oxigênio vazios, já que os equipamentos disponíveis já não dão conta. A cidade, de 48.000 habitantes, está com uma demanda pelo insumo 10 vezes maior por conta da pandemia, segundo o gestor. E também tem transferido pacientes a cidades como a vizinha Uberaba e a já distante Belo Horizonte pela falta de leitos. O cenário é dramático: o único hospital da cidade para o tratamento da covid-19 mantém a ocupação total dos 16 leitos de UTI que dispõe há cerca de um mês.

Coromandel limitou as atividades comerciais no dia 16 de fevereiro por conta do agravamento da pandemia. “Eu nunca vi isso aqui em Coromandel”, diz Sebastiana Joana da Costa, de 91 anos, pelas grades do portão da garagem de casa. Se a pandemia já vinha mudando a rotina da cidade há um ano, nas últimas semanas estas alterações ganharam novos contornos. Barreiras sanitárias foram posicionadas pela administração municipal nos quatro acessos à cidade. Ali, servidores da saúde e policiais militares param os veículos para aferir a temperatura dos motoristas e passageiros. Pessoas que apresentam febre são orientadas a procurar o pronto-socorro e as orientações como o uso da máscara e o distanciamento social são reforçadas. A situação da cidade motivou a visita do secretário estadual de saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral, que anunciou reforços de um médico intensivista, um infectologista, um enfermeiro, um técnico em enfermagem e um fisioterapeuta para auxiliar os profissionais locais.

Perto dali, uma cidade maior, Uberlândia, também sente forte pressão sobre seu sistema de saúde. No município de quase 700.000 habitantes, 81 pessoas aguardam na fila de espera por um leito de UTI. O assessor técnico da rede de urgência e emergência de Uberlândia, Clauber Lourenço, diz que, no ano passado, houve um pico de infecções mais concentrado em Uberlândia. Agora, a pandemia tem se agravado em toda a região. “Uberlândia está no centro de entroncamento que tem os dois maiores atacadistas do Brasil. Temos uma circulação de pessoas de todo o país, desde caminhoneiros, passageiros de avião, por causa do posicionamento geográfico. Isso prolifera não só o vírus, como até mesmo o risco de termos outras cepas”, diz. Ele também ressalta que o fluxo migratório para a cidade tem um papel forte na pressão sobre o sistema de saúde. “Pessoas procuram os nossos pronto atendimentos. A gente não pode negar o atendimento por não serem de Uberlândia. O atendimento de urgência e emergência tem que ser dado, isso sobrecarregou o nosso sistema”, diz.

Uberlândia ultrapassou 1.000 mortes por covid-19 na última terça-feira (23) e a prefeitura decretou luto oficial de três dias. A cidade tem uma média de 450 novos casos diariamente. O recorde de mortes em um único dia foi de 19 pessoas na última segunda-feira, 22 de fevereiro. Com esses números, a prefeitura optou por decretar toque de recolher das 20h às 5h, a proibição da venda de bebidas alcoólicas em tempo integral por pelo menos 15 dias e a construção de um hospital de campanha nos espaços vazios do Hospital Municipal de Uberlândia. Nada disso alcançou Aveline Roberta Sousa Macedo Veloso, de 34 anos. Ela havia testado positivo para a covid-19 em 6 de fevereiro e, segundo o tio Elias Peres de Macedo, estava sendo acompanhada em casa por falta de leito para internação —Lourenço, assessor técnico da rede de saúde da cidade, justifica que a decisão sobre a internação de pacientes com síndrome respiratória aguda grave é clínica e cabe ao médico. No dia 18, ainda em casa, ela foi encontrada morta. “Não tem essa de ser só com gente com comorbidade, de idade. Chega para todo mundo. E não se consegue internação, ficam protelando, indicam medicamentos sem comprovação nenhuma. Acaba nisso, infelizmente”.


Marcus Pestana: A reinvenção da democracia e o poder local

Amanhã elegeremos os novos prefeitos e vereadores dos municípios brasileiros. Muito papel e tinta têm sido gasto para discutir a crise da democracia representativa no mundo contemporâneo. No Brasil, além das características universais tivemos um processo específico e radical que foi a crise, entre 2014 e 2018, envolvendo simultaneamente recessão, desemprego, impeachment, Lava Jato e a desmoralização do sistema partidário tradicional. O resultado foi uma eleição em 2018 completamente disruptiva, com a eleição de outsiders para a Presidência da República e diversos governos estaduais nas asas da “nova política”.

Pouco a pouco, e as dificuldades dos governadores do Rio de Janeiro, Santa Catarina e Amazonas não nos deixam mentir, fica claro que a “nova política” já nasceu velha. A própria oscilação do governo federal entre o presidencialismo de confrontação e o de coalizão, ao procurar apoio parlamentar do chamado “Centrão”, embaralham os conceitos de novo e velho, ainda mais a partir do esvaziamento da pauta anticorrupção, com a saída de Moro, e da perspectiva econômica modernizante, com a fragilização clara e crescente do antigo Posto Ipiranga, o Ministro Paulo Guedes.

As eleições municipais nunca tiveram carga ideológica elevada. A população é pragmática e quer saber quem é o líder local que pode melhor potencializar as energias presentes na sociedade municipal e ser o melhor gerente para a garantia de serviços públicos de qualidade para todos. Tanto que a polarização entre bolsonarismo versus petismo é totalmente periférica nesta eleição segundo a projeção das pesquisas.

Cada vez mais as pessoas desconfiam de salvadores da Pátria, heróis onipotentes, demagogos irresponsáveis. A democracia é um processo permanente de experiências, decepções, êxitos e aprendizado. Depois da explosão catártica das eleições de 2018, creio que características essenciais como história pessoal, realizações, experiência, competência, capacidade de liderança, aptidão para o diálogo e a negociação, estão sendo revalorizadas. Não se vê a absolutização do novo pelo novo, nem a condenação do “velho” por ser velho, embora algum grau de renovação seja sempre importante.

Tenho convicção enorme que se há algum plano que pode revitalizar a democracia brasileira é o poder local. A grande proximidade entre líderes e gestores e o cotidiano da população é fundamental para a construção de novos modelos de governança pública. Neste nível de governo são possíveis experiências profundas e verdadeiras de participação, transparência e controle social, difíceis de se concretizarem nos planos estadual e federal. É importante fortalecer o orçamento dos municípios. Embora na votação dos royalties do petróleo e do minério tenha estudado profundamente e verificado que não obrigatoriamente as cidades mais ricas têm os melhores indicadores de educação e saúde. Às vezes pequenos municípios pobres têm resultados muito melhores graças à qualidade da gestão local.

Amanhã o destino das cidades brasileiras estará nas mãos da população. Um bom prefeito e bons vereadores são os que podem assegurar a verdadeira construção de uma rede boa e integral de atenção à saúde ou uma escola ativa, vibrante e de qualidade ou uma competente governança do espaço urbano e dos serviços municipais. Portanto, voto é escolha, mãos a obra.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


José Roberto Campos: Não está bom, mas pode piorar

61,5% dos municípios gastaram mais que o piso obrigatório para educação, e 97,4% mais que o piso para saúde

Apesar de pisos constitucionais definidos e obrigatoriedade de gastos, o desempenho da saúde e da educação estão ainda muito longe do aceitável. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu a unificação dos dois limites, ficando a cargo de Estados e municípios decidirem em qual área aplicar mais ou menos. O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC do Pacto Federativo e do orçamento de 2021, sugeriu ir além: acabar com a vinculação de ambas, o que também não desagradaria Guedes, que coleciona discursos sobres os três Ds (desvincular, desindexar, descentralizar).

Dois setores vitais para a população e o futuro, saúde e educação não deveriam ficar à mercê de ideias improvisadas em um ambiente nefasto de corte de gastos e penúria de recursos. Os pisos constitucionais foram uma forma encontrada para tentar resolver duas carências históricas do país. É preciso colocar algo melhor no lugar, e com calma.

A fusão dos pisos de gastos colocaria mais em risco a educação, do que a saúde, conclui estudo recém-publicado do Ipea1. O trabalho, porém, surpreende ao mostrar que municípios e Estados gastam bem mais nas duas áreas do que o mínimo obrigatório constitucional (15% com saúde, 25% com educação).
E não se trata de uma meia dúzia de exceções, mas da grande maioria. “Dos 5.480 municípios do país, 3.368 (61,5%) tiveram aplicação em educação no período 2015-2018 superior a 26,25% (5% a mais do que o piso), sendo 5.334 os que aplicaram acima de 15,75% (também 5% acima do piso) em saúde (97,4%)”, registra o estudo. De maneira geral, as despesas acima do mínimo obrigatório foram maiores em saúde do que em educação nos municípios, e maiores para a educação no caso de Estados e União.

Os economistas do Ipea foram examinar de perto a argumentação para unificar os dois pisos, que se resume ao fato dela permitir maior eficiência no gasto. Os 25% de despesas obrigatórias com educação seriam uma camisa de força e um desperdício nos locais com menos crianças e jovens. “Se tal hipótese fosse verdadeira, uma análise das aplicações dos municípios em MDE deveria revelar aplicação muito próxima à aplicação mínima (25%). Mas não é isso o que se verifica”, concluem.

Os números mostraram que a fatia dedicada à educação no orçamento dos municípios se situou até 3 pontos percentuais acima do mínimo e os de saúde, de 5 a 7 pontos percentuais acima. Mesmo no Norte e Nordeste houve diferenças de 3 pontos percentuais acima do piso obrigatório para ambas as áreas.

O trabalho constatou que houve fatia “não desprezível” de municípios que aplicaram 30% em saúde e 30% em educação, caso dos que têm até 500 mil habitantes e dos localizados do Nordeste, Sudeste e Sul. “Em síntese, a grande maioria dos municípios analisados (4.480 em 5.480, 81,8%) tem percentual de aplicação superior a 26,25% em educação (piso + 5%). Assim, não parece razoável que tenham aplicado mais do que o mínimo obrigatório em educação se não precisassem realizar despesas adicionais ao piso constitucional”.

Aonde estaria então o maior risco de perdas para os orçamentos de educação e para os da saúde, na fusão dos pisos? Os gastos com saúde são mais inelásticos que os da educação, logo mais resistentes à diminuição de seu papel em políticas públicas e mais visíveis do ponto de vista político-eleitoral. Mesmo assim, embora em menor escala, reduções nesta área podem acontecer.

Para avaliar o grau de risco, os autores separaram os municípios em que haveria maior possibilidade de queda nos gastos com educação - aqueles em que a diferença entre o gasto feito e o mínimo obrigatório é de até 0,7 ponto percentual e as despesas com saúde ultrapassam folgadamente o piso. Usaram critério idêntico para a saúde, com outros percentuais (0,4 e 4,3 pontos percentuais, respectivamente).

Possíveis perdas para a educação com a fusão de pisos ameaçariam 951 de 5.480 municípios, com população de 51,9 milhões de pessoas - 25% da população do país em 2018. Sul e Sudeste somam quase metade dos municípios em questão (455), seguidos pelo Nordeste (342). 41% das cidades nesse caso tem mais de 500 mil habitantes e 32% entre 100 mil e 500 mil habitantes.

Os riscos de diminuição dos gastos com saúde afetariam 97 municípios, mais concentrados no Norte e Nordeste e uma população de 2,24 milhões. Seriam mais atingidas áreas municipais com 20 mil a 50 mil habitantes, que já têm pouca infraestrutura para o atendimento.

As maiores despesas com saúde e educação não significam que seu montante seja suficiente para atender as necessidades. Argentina e Chile gastam quase o dobro per capita do que o Brasil, cujas despesas com educação estão abaixo dos da maioria dos membros da OCDE. Mas é inegável que uma melhoria da gestão nesse quadro de recursos produziria muito mais resultados, como advogam os especialistas.

  1. Gastos em saúde e educação no Brasil: impacto da unificação dos pisos constitucionais. Fabiola Sulpino Vieira, Luciana Mendes Santos Servo, Rodrigo Pucci de Sá e Benevides, Sérgio Francisco Piola e Rodrigo Octávio Orair. Texto para discussão 2596.

*José Roberto Campos é editor executivo do Valor.


Zeina Latif: Menos Brasília?

A posição dos Estados é bastante vulnerável, em parte por decisões equivocadas

As políticas públicas da União, Estados e municípios não são independentes entre si; umas impactam as outras. Sem a devida coordenação, geram desperdícios, ineficiências e perda de bem-estar da sociedade. A ação dos entes da federação necessita de regras que definam a divisão de poder, direitos e obrigações, visando o bem comum. É disso que trata o chamado pacto federativo.

O debate sobre a revisão do pacto federativo é antigo, e gira em torno, sobretudo, de questões fiscais.

A Constituição de 1988 promoveu significativa descentralização da arrecadação federal em favor de Estados e municípios, via transferência de recursos, mas sem redistribuir simultaneamente a responsabilidade sobre os serviços públicos. Com despesas e obrigações crescentes geradas pela Carta, a União reagiu com o aumento da carga tributária. Além disso, ao longo dos anos, promoveu-se o aumento das obrigações estaduais e municipais em gastos sociais, apertando o orçamento destes entes.

Outro sério problema foi que as regras de repasses estimularam a criação de municípios via emancipação de distritos. O resultado foi uma pior alocação de recursos públicos. Atualmente, a principal fonte de recursos de 60% das prefeituras é o Fundo de Participação dos Municípios, segundo a Confederação Nacional dos Municípios.

A posição dos Estados é bastante vulnerável, em parte por decisões equivocadas, em parte por fatores estruturais. O ICMS tornou-se um imposto obsoleto, como ensina José Roberto Afonso. Sua capacidade de arrecadação é decrescente devido às mudanças no setor produtivo, como o maior peso do setor de serviços. Um sério agravante é a chamada guerra fiscal entre os Estados – redução do ICMS para atrair investimentos produtivos. A arrecadação cai há décadas. Uma reforma tributária mudando o regime do ICMS (cobrar no destino sobre o valor agregado) é urgente e essencial na discussão do pacto federativo. Como está hoje, todos perdem.

Esse quadro se agravou na gestão Dilma. O governo federal, equivocadamente, promoveu renúncias tributárias em impostos compartilhados, para estimular a economia. Além disso, estimulou a leniências fiscal dos entes ao autorizar o aumento do endividamento com aval da União e reduzir exigências para receber os repasses. Ainda que deletérios, esses fatores não são a real razão da crise dos Estados, que decorre de decisões equivocadas na contratação de servidores e aumentos de salários acima dos ajustes no setor privado. O maior endividamento não resultou em aumento de investimentos, mas sim em gastos com a folha.

Em grave crise, a maioria dos governos estaduais pressionam por ajuda do Tesouro Nacional.

Não há espaço para transferir mais recursos tributários aos entes, por conta do rombo fiscal da União. Tampouco seria uma decisão sábia até que reformas estruturais mudem a dinâmica dos gastos nos Estados e municípios. Seria água no ralo.

O governo acena com outro tipo de ajuda: garantias da União para novos empréstimos aos Estados, mesmo sem contarem com nota de crédito suficiente para ter direito ao aval. Não parece medida adequada antes de ações concretas para cortes de despesas e aprovação da reforma da Previdência.

Além disso, propõe-se reduzir a rigidez orçamentária eliminando regras constitucionais que regem o orçamento, o que impactaria basicamente gastos com saúde e educação. O debate é necessário, mas o impacto da medida é limitado, não vai salvar ninguém, pois o grande peso no orçamento é a folha de ativos e inativos. O tema é polêmico e será difícil o Congresso aprovar sem um amplo debate.

Acredito que um outro debate deveria ser o de inserir meritocracia nos repasses aos entes. Estados e municípios que fazem boa gestão e têm bons resultados em termos de qualidade do serviço público deveriam ser premiados.

Rever o pacto federativo não é sinônimo de socorrer Estados. Se o lema é “menos Brasília e mais Brasil”, os Estados precisam fazer sua parte, adotando medidas para elevar a arrecadação e conter despesas. Sem isso, vamos continuar a assistir as visitas periódicas dos entes subnacionais à Brasília pedindo ajuda.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Voto distrital misto x distrital puro

Dê a alguém a prerrogativa de falar em seu nome e esse poder será abusado

Fernão Lara Mesquita

 

Lula, Dilma, Temer, o Ministério Público, a PGR, todos dizem que é armação. E é!

Quanto, em cada episódio, dá pra discutir até o fim dos tempos. Dê a alguém a prerrogativa de falar em seu nome e esse poder será abusado. Transforme uma instituição num gatilho e, mais cedo ou mais tarde, para o bem e para o mal, ele será acionado.

A legitimação do poder é a questão essencial da democracia. O melhor a fazer nesse quesito é não delegar nada: só o eleitor põe, só o eleitor despõe. A questão é como montar um sistema que viabilize isso com a necessária agilidade e economia de traumas. Há duas variações. Os sistemas de voto distrital puro com “recall” ou “retomada” de mandatos e o voto distrital misto com governo parlamentarista.

Aos exemplos. A Carolina do Norte elege 13 deputados federais e 170 estaduais. Toma-se o número total de eleitores e se divide pelo número de vagas dos Legislativos municipal, estadual ou federal. Isso dá o tamanho de cada distrito eleitoral. Cada distrito – nas eleições municipais, um bairro ou conjunto de bairros – elege apenas um representante. Como os candidatos só têm de pedir voto naquele distrito, acaba o problema do custo das campanhas e doenças correlatas. Nas eleições estaduais cada distrito (o número de eleitores dividido por 170 neste exemplo) será a soma de “N” distritos municipais. Ou, nas federais, quando o Estado será dividido em 13 distritos, eles serão a soma de “N” distritos estaduais.

Só senadores são eleitos pelo Estado inteiro. A conta, aí, é nacional: o número total de eleitores dividido pelo número total de vagas. Como representam pessoas, e não paisagens, onde houver mais população haverá mais senadores. Os demais representantes em Washington também não são deputados do Estado “tal”, são deputados “do distrito n.º tal do Estado tal”. Cada deputado de cada instância pode, se quiser, saber o nome e o endereço de todos os seus representados. Se alguém morrer ou cair, só haverá eleição para reposição no distrito dele. Nada de suplente.

As fronteiras de cada distrito são redefinidas a cada dez anos com base no censo. A Federal Election Comission é a única que pode legislar sobre financiamento de campanhas. Todo candidato é obrigado a prestar contas até 15 dias depois de receber cada contribuição ou fazer despesas iguais ou superiores a US$ 5 mil. Daí para baixo cada um pode ter a sua regra.

36 Estados adotam o “recall” ou “retomada” de mandato para representantes eleitos. 19 estendem o “recall” a todo funcionário eleito (e todos os que têm por objeto fiscalizar governos ou prestar serviços diretos à população, começando pelos promotores do equivalente ao Ministério Público, são diretamente eleitos).

Na maioria dos municípios nem se vota mais em prefeito. Elege-se uma “diretoria” colegiada (“Council”) de cinco ou seis membros, coordenada por um CEO, com metas a cumprir. Não cumpriu, rua! Só as megacidades têm prefeitos e Câmaras Municipais e, mesmo assim, nem todas. Cada uma faz como quiser. As eleições municipais são apartidárias. Concorre quem quiser, sem pedir ordem a ninguém. As grandes cidades têm até Constituições próprias regulando instrumentos como referendo, recall, leis de iniciativa popular, penas para crimes, gestão de escolas públicas, regras para endividamento, etc. Não estando em confronto com os 7 artigos e 28 emendas da Constituição (aqui a soma é de 330!), valeu.

Todo assunto sensível vindo dos Legislativos ou de iniciativas populares vai a referendo. Entra na cédula da próxima eleição pedindo sim ou não do eleitorado inteiro. Nada de “consultas a movimentos sociais” valendo decisão e outras tapeações do gênero. Voto, sempre, e de todos os afetados, sempre.

Todo e qualquer eleitor – até o morador de rua – pode derrubar seu representante. Basta iniciar uma petição. Não precisa haver razão específica ou crime. Um simples “não me representa” é suficiente. Se conseguir a assinatura de 5% dos eleitores do seu distrito, convoca-se uma votação de todo o distrito para destituí-lo, ou não, e eleger seu substituto. O resto do país pode continuar trabalhando em paz.

O voto distrital puro põe o eleitor mandando diretamente em cada pedacinho do país, o que lhe dá poder, mas não para tudo. Juntando grupos majoritários de pedacinhos do país, ele manda no país inteiro sem, no entanto, ganhar caminhos fáceis para golpes. Tudo tem sempre de ser aprovado passo a passo, na ida ou na volta, por todos os eleitores de cada pedacinho do país.

Agora vamos ao distrital misto. Ele também delimita a área em que cada candidato pode pedir votos. No resto, tudo fica meio como é no Brasil. Você vota diretamente num candidato, mas dá mais um voto ao partido que vai pro candidato que ele puser numa lista lá dele. Você nunca sabe ao certo representante de quem cada deputado é: de um pedaço “X” do eleitorado ou de um grupo dentro de um partido com poder para montar a tal da lista.

Para remover quem se comportar mal tem de parar o país, convocar eleições gerais e votar numa nova mistura de partidos que, somados, deem maioria e elejam um primeiro-ministro. Ou seja, você até pode expulsar o ladrão, mas tem de deixar para a quadrilha a escolha do novo chefe.

A pretexto de baratear o custo da eleição e fazer representar todas as “tendências” da população nas suas mínimas expressões temáticas, o voto distrital misto mantém um monte de partidos e caciques decidindo quem pode ou não se candidatar a quê e legislando sobre tudo dentro e fora da sua casa e até da sua cabeça.

Resumindo: com voto distrital puro com “retomada” e referendo, os políticos deixam de mandar e passam a obedecer. A partir daí você decide quais reformas fazer e quando. Com distrital misto com parlamentarismo, os políticos – índios e caciques – entregam alguns anéis, mas não os dedos com que continuarão te agarrando por todos os lados, especialmente na região do bolso.

Não é por outra razão que 9,99 entre 10 políticos preferem o voto distrital misto. É muito chato ter patrão!

* Fernão Lara Mesquita é jornalista

 


Levantamento mostra que a crise deixada pelo governo do PT tirou R$ 1 trilhão da economia

Um levantamento realizado pela gestora de recursos Rio Bravo Investimentos divulgado na edição deste domingo do jornal “O Estado de S. Paulo” (veja abaixo) mostra que a crise de crédito deixado pelo governo do PT tirou R$ 1 trilhão da economia e aprofundou a recessão econômica no Brasil.

Crise de crédito tirou R$ 1 trilhão da economia e aprofunda a recessão

Com empresas e pessoas altamente endividadas, sem propensão a novos financiamentos, e bancos receosos de verem seus níveis de inadimplência crescer, volume de recursos que gira na economia é hoje equivalente aos níveis de 2012

Alexa Salomão – O Estado de S. Paulo

Nos últimos 12 meses, cerca de R$ 1 trilhão deixou de circular na economia brasileira. Essa montanha de dinheiro equivale aos créditos bancários que foram sendo pagos pelos devedores e não retornaram ao mercado na forma de novos empréstimos, bem como à expansão natural do mercado, que não ocorreu.

Isso significa uma queda de 25% em relação ao que deveria estar circulando se a economia estivesse operando em níveis “normais”. O volume de crédito bancário que gira na economia hoje é equivalente ao disponível em 2012. Para os especialistas, isso mostra que o Brasil vive uma “crise de crédito” e não sairá da recessão se esse nó não for desatado.

O levantamento foi feito pela gestora de recursos Rio Bravo Investimentos, com base nas variações do estoque de crédito monitorado e divulgado pelo Banco Central. O curioso é saber o que motivou o levantamento. O economista da Rio Bravo, Evandro Buccini, ficou incomodado porque os indicadores de confiança na economia permaneciam otimistas, mas os índices sobre a situação atual não melhoravam. E pior: a recessão se aprofundava.

“Fomos checar as componentes do nosso modelo, que traça cenários, e nos deparamos com essa queda no crédito. Está explicado: sem crédito, sem dinheiro, a economia não vai mesmo reagir”, diz. Segundo Buccini, a partir desse dado, fica mais claro que, apesar de União, Estados e municípios estarem com sérios problemas nas contas públicas, que precisam ser sanados, o fiscal não é cerne da recessão.

O que vem corroendo a economia é o que a literatura econômica chama de “credit crunch”, crise de crédito. No caso do Brasil, originada e realimentada pela explosão das dívidas. A economista Zeina Latif, da XP investimentos, há meses alertava para essa questão e lembra que o enrosco tem duas pontas. De um lado estão devedores enforcados.

Cerca de 22% do orçamento familiar está comprometido com o pagamento de juros de dívidas e praticamente metade das empresas tem geração de caixa inferior às suas despesas financeiras. Ou seja: os tomadores de crédito precisam digerir altas concentrações de dívidas. De outro lado estão os bancos, que já renegociaram débitos, ainda temem o calote e não querem – nem podem – correr o risco de emprestar mais em meio a uma recessão sem prazo para terminar.

Trata-se exatamente do que parece ser: um círculo vicioso, que só vai se encerrar com o pagamento das dívidas. Quando Zeina falou na primeira reunião do Conselhão, em Brasília, que a “lua de mel” com o mercado estava em risco, e o governo precisava ser mais ágil para reanimar a economia, tratava, em parte, dessa questão.

“Apesar de o fiscal exigir atenção, também temos uma crise de crédito que pode até evoluir para risco de insolvência (termo financeiro que significa risco de os devedores darem calote)”, diz ela. O minipacote anunciado na semana passada, se for efetivado, pode dar alívio, mas está longe de resolver o problema, diz Zeina.

Tempo

Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, dedicou um recente artigo no Estado sobre o tema e reforça: “O diagnóstico sobre as causas da recessão estava errado: o Brasil sofre com uma crise de crédito. Todos estão muito endividados: famílias, empresas, municípios, Estados e, inclusive, a União.”

Ela lembra que o tempo de digestão de altas concentrações de dívidas pode ser longo e penoso. O que acelera o alívio é uma eventual intervenção dos governos. Guardando-se as devidas proporções, Monica lembra que os Estados Unidos viveram um “credit crunch” com o estouro da bolha imobiliária, em 2008. A diferença é que lá os bancos foram arrastados, o que não ocorreu aqui, pelo menos até agora.

Para sair dela, o governo americano gastou US$ 850 bilhões para socorrer bancos e empresas, mais US$ 4 trilhões com o “quantitative easing”, programa de aquisição de títulos soberanos lastreados em hipotecas, e derrubou o juro a 0,25% – até a semana passada. A economia americana agora entra nos eixos – oito anos e US$ 5 trilhões depois. “Sem chance de o Brasil, neste momento, fazer algo minimamente parecido”, diz Mônica.


Fonte: pps.org.br


Marco Aurélio Nogueira: A governança democrática das cidades

Conceito sugere que se deve governar as cidades com os olhos na realidade e compartilhando decisões com os cidadãos.

Em tempos de política em crise, de debate público empobrecido e partidos desorientados, é de saudar a iniciativa do Partido Popular Socialista (PPS) de publicar as resoluções principais de uma Conferência Nacional por ele organizada sobre as cidades brasileiras.

A Conferência – realizada em Vitória (ES) nos dias 19-20 de março de 2016 – representou a culminância de um amplo processo de debates e discussões entre militantes políticos e especialistas que se estendeu por vários meses em diferentes cidades do país. A publicação oferece aos cidadãos um rico painel da vida urbana e dos problemas das cidades brasileiras, assim como sugere um roteiro para a organização de uma agenda que os enfrente.

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O documento, editado em livro, pode ser acessado para download aqui.

Nele, são apresentadas análises e sugestões sobre Saúde, Educação, Finanças, Mobilidade Urbana, Segurança e Cultura. O texto não é acadêmico. Seu objetivo é fornecer elementos para a gestão técnico-política das cidades brasileiras, sendo direcionado para administradores municipais, vereadores e ativistas, mas também para o cidadão de modo geral, maior interessado na questão. O material, porém, recusa a ideia de ser visto como um “modelo” ou um “manual” a ser aplicado indistintamente. Não se vê como um “pacote” de propostas, mas como material de reflexão. É o que de fato se destaca, ainda que, por ser documento partidário, seja inevitável que se façam recomendações operacionais, que poderão ser traduzidas em termos políticos e eleitorais. Não há porque fazer ressalvas a este aspecto, assumido desde logo pelos organizadores.

Na parte propriamente analítica, o texto procura jogar luz sobre o estado atual das cidades brasileiras, especialmente das maiores, que conhecem um cenário de grandes transformações e mudanças mas permanecem amarradas a um quadro de exclusões e desigualdades expressivas, bolsões de segregação social, crise financeira e graves problemas ambientais.

Tal esforço de compreensão apoia-se no conceito de governança democrática: é preciso governar as cidades com os olhos na realidade (local, nacional, global) e nas possibilidades concretas de atuação, mas é preciso fazer isso compartilhando decisões com a cidadania. Como diz o texto de apresentação, “é preciso que haja organização política de interesses e capacidade de elaboração, mesmo que parcial, mas substantiva, de projetos de reforma e de transformação da realidade”.

Trata-se de um ponto importante, nesta nossa época em que detonar os governos e refutar a política se tornaram mania compulsiva, presente até mesmo na conduta de vários candidatos às prefeituras, que se apresentam como “gestores” e não como “políticos”, propondo-se a governar a partir de uma racionalidade administrativa superior que excluiria os cidadãos e se afirmaria sobre eles.

O documento do PPS critica com firmeza a “concepção verticalizada da ação política e de governo”, que vem de cima para baixo e implica uma orientação de caráter “gerencial”, autoritária, que pouco ajuda a que se fortaleça a vida democrática. Tal crítica é o ponto central do documento, dando sentido às sugestões que são apresentadas para as diferentes áreas da gestão municipal.

Não se trata, portanto, para o PPS, de simplesmente governar, apresentar planos e “propostas de governo”. É preciso fazer vibrar a atuação política (cívica) dos cidadãos, organizados em maior ou menor medida. Um governo democrático deve se propor sempre a ativar a cidadania, “empoderá-la”.  Dadas as circunstâncias atuais, precisa se dispor a ser um governo-em-rede, aberto ao diálogo, à interação entre os atores, à participação da sociedade. Governo mais horizontal que vertical, apoiado mais na colaboração que na decisão unilateral.  Um governo-dínamo, seria possível dizer: organizador da capacidade de ação da sociedade tendo em vista a cidade como construção coletiva.

É uma perspectiva nada fácil de ser assimilada ou traduzida em termos práticos, mas boa para ser incorporada como plataforma de reflexão e de atuação. O PPS, como seria de esperar, vê nela a materialização de seu esforço para qualificar o reformismo que o tipifica e para consolidar seu lugar no campo da esquerda democrática, dando vazão a uma política de caráter progressista e democrático.

Faz isso de maneira laica, sem apelos ideológicos rebarbativos ou promessas finalísticas de uma nova sociedade que nasceria de uma ruptura radical. A preocupação explícita é enfrentar em termos políticos realistas algumas questões concretas da vida urbana, de forma a publicizá-las e a convertê-las em parâmetro para a atuação cívica e as lutas que tiverem lugar nas cidades.


Fonte: politica.estadao.com.br