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RPD || Paulo Baía: O Brasil não respeita o sagrado ventre de um sorriso
Imagem de Marielle Franco vai sendo apagada para que o esquecimento recaia sobre o crime, escreve Paulo Baia em seu artigo. “Um crime político com endereço para qualquer uma que se aventure a desafiar as oligarquias da cidade do Rio de Janeiro”
Eu, Marielle Franco, mulher, preta, favelada, eleita vereadora pela cidade do Rio de Janeiro, levei quatro tiros no dia 14 de março de 2018.
Era a expressão de alegria. Nosso país não suporta uma mulher com um sorriso largo e sincero. Aberto e franco. O Brasil é o país da misoginia. Marielle subverteu não só pelas origens pobre e negra, mas também por seu currículo, seu brilhantismo profissional e acadêmico. Sua subversão maior era o sorriso escancarado. Brasil que estupra mulheres indígenas e pretas. Sou filho e neto de tais mulheres. Desejo suas vozes ouvidas. O Brasil não respeita o ventre de um sorriso.
Eu, Marielle Franco, fui assassinada no dia 14 de março de 2018, levei três tiros na cabeça e um no pescoço por um carro que me encurralou no Estácio. Como a música de Luiz Melodia: Se alguém que matar-me de amor, que me mate no Estácio, Bem no compasso, bem junto ao passo, Do passista da escola de samba, Do Largo do Estácio, O Estácio acalma o sentido dos erros que faço, Trago, não traço, faço, não caço, O amor da morena maldita domingo no espaço, Fico manso, amanso a dor, Holiday é um dia de paz... Os assassinos dispararam com uma submetralhadora. Queriam me executar para calar as minhas vozes: mulher, preta e favelada.
Eu já quero ser a segunda voz dela. Quero ser aquele que escuta. Como um velho, menos analista e mais antropólogo.
Peço permissão à ancestralidade feminina escravizada e violada nesse nosso torrão, a terra como Gaya, para ouvir Marielle. Desejo falar do lugar do feminino. Embora não possa incorporar o lugar de fala exclusivo dela. Desejo reunir forças para poder realizar esta homenagem. Somos seres simbólicos. É deles que marcamos o nosso compasso neste chão árido, seco, desértico e que machuca feito pelas dores de muitas mulheres. A terra é a simbologia mais antiga do feminino. Ela gira em torno do sol. E Marielle foi apagada antes de terminar a sua própria gira carregada de brilho e cheia de potência em defesa das mulheres faveladas. Das pretas. Ela lutava contra a perpetuação de um movimento de opressão cometido há séculos contra os pretos desde a colonização - a eterna escravidão que nos assombra cotidianamente.
Marielle era a terra fértil que ria e celebrava. Poderia uma mulher rir e celebrar? Sacralizar o riso, o corpo e a força do feminino é o meu desejo neste artigo. Tanto já foi dito a respeito de sua morte, sobre os assassinos, quem mandou matar que até hoje, no dia 02 de abril de 2021 (data que o autor escreveu o artigo), ainda não sabemos quem mandou executá-la. Os dias passam. O tempo corre. E a imagem vai sendo apagada para que o esquecimento recaia sobre este crime político.
Eu, Marielle Franco, fui assassinada, os tiros vieram de repente com força e não restou tempo para reação, caí morta, perdi a minha vida em meio à barbárie.
Permaneço preso ao ensaio antropológico e mágico. Feito um ritual de despedida e com o desejo de que sua morte não tenha sido em vão como tantas outras. O momento mais forte veio com a lavagem do chão cheio de sangue. No local onde a mataram no Estácio. Foi uma limpeza feita com ervas. E tambores. Marielle era a terra fértil que ria e celebrava o direito de vida dado a todos pela constituição de 1988, promulgada após a redemocratização. Nossa miscigenação é o fruto de estupros coletivos e continuados de mulheres indígenas e negras por séculos. É o machismo reprodutor assassinando mulheres vandalizadas e matáveis. Pai perverso e assassino de filhos mestiços pretos, quase pretos. Marielle é o retrato perfeito de séculos de violações aos corpos femininos.
Eu, Marielle Franco, fui morta de forma brutal sem direito à defesa. Nasci com a marca da exclusão e com a certeza de que deveria permanecer calada, distante do jogo político feito entre homens misóginos e racistas. A política feita para poucos que lutam por seus negócios embolados aos prazeres espúrios. E certamente com muitas garotas de programa em suas festinhas regadas a comida, bebidas, entre outras coisas.
Permaneço no meu ritual vivenciando uma eterna despedida de um antropólogo que se despe e veste a roupa do cientista político para dizer que a morte de Marielle foi o fim de um sonho e um crime político com endereço para qualquer uma que se aventure a desafiar as oligarquias da cidade do Rio de Janeiro.
Eu, Marielle Franco perdi a voz, mas renasço em todas as mulheres pretas, pobres e faveladas que trabalham e enfrentam o cotidiano de opressão. A vida é circular. E a Terra é redonda e gira em torno do sol.
O ritual de despedida homenageou o sorriso largo de uma mulher potente, vibrante, capaz de no sorrir rodopiar as energias, realizando a gira no meio do chão de terra das favelas cariocas. E é deste sagrado sorriso que o país precisa girar para recuperar a sua força e potência.
* Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professor da UFRJ.
- ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
- *** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Folha de S. Paulo: Mulheres representam 72% dos influenciadores brasileiros, mostra estudo
Eduardo Marini, Folha de S. Paulo
O influenciador médio brasileiro é uma mulher cisgênero (que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu), possui entre 25 e 34 anos de idade, nasceu no estado de São Paulo e publica conteúdo sobre maquiagem e cosméticos.
Segundo levantamento feito pela Squid, empresa especializada em marketing de influência, as mulheres são maioria no ramo: representam 72,2% dos influenciadores cadastrados em sua base de clientes, que hoje conta com mais de 50 mil nomes. Homens correspondem a 24,1% e outros gêneros a 3,3% do total.1 5
Infográfico sobre influenciadores da Squid - Dezembro de 2020
O percentual de influenciadores e influenciadoras trans é muito baixo: 0,1% no caso das mulheres, e 0,05% no caso dos homens. De acordo com Rafael Arty, diretor comercial da Squid, esses números devem-se ao fato de que as ferramentas de autodeclaração são muito recentes, além da falta de visibilidade desses grupos dentro da sociedade, incluindo não-binários e outras identidades de gênero.
Neste estudo, a Squid não comparou aspectos étnico-raciais, como a quantidade de influenciadores brancos e não-brancos, mas uma pesquisa de agosto de 2020 da Black Influence, Sharp, Site Mundo Negro, Squid e YOUPIX constatou algumas desigualdades, como no caso dos criadores de conteúdo pretos, que recebem cachês menores mesmo possuindo base e engajamento similares aos brancos e ainda são menos contratados para ações publicitárias, além dos ataques racistas que recebem constantemente.
Ainda assim, diversidade e empoderamento têm sido alguns dos temas que mais cresceram nos últimos anos, em especial durante a pandemia, de acordo com a Squid. Apesar de o carro chefe dos influenciadores ainda ser ligado à estética (maquiagem, moda e beleza detêm quase 28% deles), os temas e nichos estão se diversificando. Feminismo e literatura negra são dois assuntos que são mais fáceis de encontrar conteúdo atualmente. 1 9
A pesquisa abordou ainda a faixa de seguidores dos influenciadores. Na Squid, 77% dos cadastrados têm até 30 mil seguidores, e menos de 1% possuem mais de 500 mil. Esses dados indicam uma mudança no marketing de influência, segundo Rafael Arty.
“Antes, no que a gente chama de marketing de influência 1.0, costumava-se pegar um influenciador macro, alguém que tivesse um número enorme de seguidores, e colocar como representante de certa marca. Depois, começamos a olhar melhor para as métricas de engajamento, não só as expostas publicamente no perfil. Hoje, muitas empresas já preferem fazer campanhas com vários microinfluenciadores ao mesmo tempo, que mesmo pequenos, conversam bem com seu público e conseguem passar a mensagem da empresa de maneira mais assertiva do que um macro influenciador faria com um público massivo.”, conta o diretor da Squid.
De mão no seio a homicídio: Mulheres debatem violência política de gênero em evento da FAP
Encontro on-line será realizado na quinta-feira (15/4), com transmissão ao vivo no site e nas redes sociais da fundação
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Assassinato, assédio sexual, ataques com declarações machistas, interrupção de falas em plenário e falta de apoio dos partidos são formas de violência política de gênero contra as quais as mulheres travam árdua batalha no Brasil.
O assunto será debatido, na próxima quinta-feira (15/4), em encontro on-line da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania e sediada em Brasília. O evento será transmitido no portal e nas redes sociais da entidade, das 19h às 20h30 (veja mais detalhes ao final desta reportagem).
Confira o vídeo!
Sobram casos que exemplificam a guerra das mulheres na luta por direitos e respeito. Na última quinta-feira (8/4), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) voltou a fazer publicação machista em suas redes sociais, repetindo polêmicas contra deputadas na mesma linha de seu pai, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Portadoras de vagina”
“Parece, mas não é a gaiola das loucas”, disse Eduardo, em apoio à declaração do deputado Eder Mauro (PSD-PA), feita durante sessão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. “São só as pessoas portadoras de vagina na CCJ sendo levadas a loucuras pelas verdades ditas”, continuou.
O colegiado da Secretaria Nacional de Mulheres do Cidadania, ao qual a FAP é vinculada, luta pela expulsão do deputado estadual de São Paulo Fernando Cury, do mesmo partido.
No dia 1º de abril, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou, por unanimidade, uma resolução que determina a perda temporária do mandato dele, por 180 dias, no processo em que a deputada Isa Penna (PSOL) o acusou de importunação sexual.
Cury foi flagrado por câmeras de segurança, em dezembro de 2020, passando a mão no seio da deputada Isa Penna (PSOL), durante sessão na Alesp.
Três anos depois do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) – socióloga, negra e LGBT –, os assassinos não foram condenados, e o caso ainda é cercado de dúvidas.
Violência contínua
“Mulheres sofrem assédio, ataques, agressões, de maneira geral, ao cumprir função política, tanto durante a campanha quanto durante o mandato”, destacou a educadora e secretária nacional de mulheres do Cidadania, Tereza Vitale.
A especialista em desenvolvimento institucional e conselheira da FAP, Juliet Matos, que também é secretária nacional de mulheres do Cidadania, ressaltou que “o caso de Marielle Franco é emblemático porque acabou em assassinato”.
Além disso, de acordo com Juliet, as declarações machistas de Eduardo Bolsonaro são um ataque direto ao Legislativo e à democracia. “O meio político é reflexo da sociedade. A gente vive numa estrutura patriarcal e machista. Meio político é reflexo dessa violência”, observou.
“As mulheres são eleitas e, às vezes, têm mais votos do que alguns desses homens que não deixam colocar posicionamento. São interrompidas em suas falas. A interrupção é um desrespeito cultural que vem de machismo histórico, que tenta insistir na ideia de que o lugar da mulher é dentro de casa”, afirmou Juliet.
De acordo com Tereza, a violência também começa dentro dos próprios partidos políticos, porque não estimulam a participação das mulheres na política. “Colocam as mulheres [nas disputas eleitorais], prometem mundos e fundos e, depois, largam durante a campanha”, criticou.
Partidos violam cotas
Desde o ano passado, a Emenda Constitucional (EC) nº 97/2017 vedou a celebração de coligações nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, assembleias legislativas e câmaras municipais.
Um dos principais reflexos da mudança no ato do pedido de registro de candidaturas à Justiça Eleitoral, especialmente porque, com o fim das coligações, cada partido deverá, individualmente, indicar o mínimo de 30% de mulheres filiadas para concorrer no pleito.
Nas últimas eleições, porém, os partidos brasileiros violaram a obrigação legal de destinar 5% da verba que recebem do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, conhecido como Fundo Partidário, em programas que estimulem a presença de mulheres na política, de acordo com levantamento publicado pelo Estadão.
A regra foi desrespeitada em 67% das ocasiões, considerando quatro exercícios financeiros já julgados de 32 agremiações. Apenas os nanicos Democracia Cristã (antigo PSDC) e PSTU respeitaram a regra nos anos considerados.
Gravidade a ser combatida
Conselheira da FAP, gestora pública e ativista social, Raquel Dias afirmou que o mundo passa pelo desafio de se perceber com sua diversidade. “No Brasil, uma das grandes lutas pelo desenvolvimento social é a participação de mais mulheres em espaços decisórios de poder”, ressaltou.
De acordo com Raquel, a persistência da violência política de gênero é um grave fator a ser combatido. “A FAP dá um passo fundamental promovendo esse debate para nortear estratégias e caminhos que nos levem a enfrentar mais essa violência diária”, disse.
Confira, abaixo, a relação das participantes do evento online da FAP:
Tereza Vitalle: educadora, editora, secretária nacional de mulheres do Cidadania e se diz uma aprendiz do feminismo. Suas lutas centram-se na violência contra as mulheres e por mais mulheres na política;
Juliet Matos: acadêmica de gestão Pública, secretária nacional de mulheres do Cidadania, coordenadora regional do Fórum Nacional de Instâncias de Mulheres de Partidos Políticos e conselheira da FAP;
Pollyana Gama: pedagoga, escritora, ex-vereadora, ex-deputada federal e mestre em desenvolvimento humano. É especialista em neurociência pelo Instituto Albert Einstein, educação sistêmica pelo Idesv e liderança para primeira infância pelo Insper & Center on the Developing Child Harvard University.
Teresa Sacchet: professora do Programa de Pós-graduação do Núcleo de Estudos Multidisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federal da Bahia (UFBA);
Michelle Ferreti: mestre em Ciências Sociais e administradora pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atua há mais de 20 anos em temas ligados a políticas públicas, direitos humanos e desenvolvimento sustentável. É uma das co-fundadoras e diretoras do Instituto Alziras, uma organização sem fins lucrativos comprometida em ampliar e fortalecer a presença de mulheres em toda sua diversidade na política brasileira
SERVIÇO
Evento: Violência Política de Gênero
Horário de transmissão: das 19h às 20h30
Onde assistir:
Site da FAP: www.fundacaoastrojildo.com.br
Facebook: https://www.facebook.com/facefap
Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCg6pgx07PmKFCNLK5K1HubA
Após o evento, o vídeo fica disponível nesses canais.
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Mulheres debatem desafios e perspectivas na política brasileira em webinar
Conferência online debate a participação das mulheres na luta democrática
Lei Mariana Ferrer: Senado recebe projeto de proteção a vítimas de estupro em julgamento
Aprovado pela Câmara, texto obriga juiz a excluir do processo manifestação que ofenda a dignidade da vítima e punir excessos de advogado do réu
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Depois de ser aprovado na Câmara dos Deputados, o Senado vai analisar projeto de lei que proíbe o uso de linguagem, informações ou material que ofenda a dignidade de vítimas de estupro ou de testemunhas. Pela proposta, juízes ficam obrigados a zelar pela integridade delas em audiências de instrução e julgamento sobre crimes contra dignidade sexual.
O Projeto de Lei 5.096/20 foi aprovado, pela Câmara, em regime de urgência, nesta quinta-feira (18/3), com votos de parlamentares do Cidadania, ao qual a FAP (Fundação Astrojildo Pereira) é vinculada. Com autoria da deputada Lídice da Mata (PSB-BA), a proposta foi subscrita por 25 parlamentares de diversos partidos
A apresentação da proposta é uma reação do Legislativo ao caso da promoter e influenciadora digital Mariana Ferrer, popularmente conhecido como “estupro culposo”. Em audiência divulgada no início de novembro do ano passado, a jovem foi alvo de humilhações por parte do advogado de defesa do empresário André Aranha, que foi inocentado do crime de estupro contra ela.
Manifestação ofensiva
De acordo com substitutivo da relatora, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), o juiz deverá excluir do processo qualquer manifestação que ofenda a dignidade da vítima ou de testemunha. O texto diz que, se houver excessos, o advogado do réu ou outras partes poderão ser denunciados, com pena de responsabilização civil, penal e administrativa.
A determinação, conforme a proposta, será aplicada em audiências de instrução e julgamento, especialmente em crimes contra a dignidade sexual, e em juizados de pequenas causas. Por isso, segundo o texto, o magistrado deverá garantir o cumprimento da lei.
É consenso entre as parlamentares de que o projeto deverá garantir dignidade à vítima de estupro, que, segundo elas, se expõe ainda mais ao exibir sua dor e fragilidade em tribunal de Justiça. No caso de Mariana Ferrer, elas entendem que o advogado de defesa do réu a atacou duramente, reproduzindo clichês de revitimização, ao afirmar que ela estava com roupa curta ou vestido decotado.
Aumento da pena de coação
Além disso, o projeto aumenta, de um terço até a metade, a pena do crime de coação no andamento do processo que envolve crime contra dignidade sexual. No Código Penal, a pena para coação no curso do processo é de reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Esse crime, de acordo coma legislação, é caracterizado pela atitude contra autoridade, qualquer das partes, pessoa que trabalhe ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou mesmo no juízo arbitral.
Mulheres debatem desafios e perspectivas na política brasileira em webinar
Evento online da Biblioteca Salomão Malina tem participação de Tereza Vitale, Eliziane Gama, Loreny Mayara e Soninha Francine
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Atuação, desafios e perspectivas da mulher na política serão debatidos, na terça-feira (16/3), das 18h30 às 20h, em webinar da Biblioteca Salomão Malina, mantida pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) em Brasília. O evento terá transmissão ao vivo na página da biblioteca no Facebook e no site da entidade.
Assista ao vídeo!
O assunto será mediado militante feminista e secretária nacional de mulheres do Cidadania, ao qual é vinculada a FAP, Tereza Vitale. Participam a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), da ex-vereadora de São Paulo Soninha Francine (Cidadania-SP) e da ex-vereadora de Taubaté Loreny Mayara Caetano, que chegou ao segundo turno na última disputa pela prefeitura da cidade.
“Chamo a atenção para este evento pela importância de termos mais mulheres na política, mais mulheres dedicadas à luta por direitos das mulheres, como direitos humanos”, diz Tereza, uma das referências nas causas feministas no país, em entrevista ao portal de notícias da FAP.
A secretária nacional lembra que mulheres são mais de 50% de população brasileira, mas menos de 15% nos parlamentos. “Isso é de se chamar a atenção. Pode ser que esteja com as mulheres o segredo de uma boa política e de avanço e desenvolvimento reais. O necessário é estarmos voltadas a colocar mais mulheres nos parlamentos”, destaca.
Novos marcos
A senadora Eliziane Gama acredita que o momento é muito importante para se discutir novos marcos regulatórios para política feminina no Brasil. “É a preocupação histórica do partido de lutar pela igualdade de gênero, pela participação equitativa no mercado de trabalho e na política brasileira”, enfatiza.
No entanto, a parlamentar reconhece que ainda é necessário avançar muito e discutir o assunto. “O que precisamos ainda fazer, os avanços que tivemos, mas, sobretudo, demarcar novos momentos para essa política no Brasil. Acho que a gente avançou bastante, mas ainda temos muito a perseguir e a buscar”, assevera a Eliziane.
Assim como as demais participantes, Loreny ressalta ser muito importante todo espaço para discutir sobre mulheres na política, já que, segundo ele, “esse assunto está longe de ser superado”.
“Desafios no partido”
“Os desafios começam, inclusive, dentro dos partidos, e a gente precisa sair do discurso de querer mulheres na política e começar a fazer ações práticas que motivem e incentivem a nossa presença”, acentua a ex-vereadora de Taubaté.
De acordo com Loreny, a cultura do machismo estrutural dificulta até a saída das mulheres em campanha política, pois, ressalta, há preocupação até com a roupa que elas usam. “Também há barreira institucional e partidária contra as quais devemos lutar juntas”, salienta.
Conferência online debate a participação das mulheres na luta democrática
Jane Monteiro Neves, diretora executiva da FAP, e outras sete mulheres referências no assunto participam do evento promovido pelo Observatório da Democracia nesta sexta-feira (12), a partir das 17h
Cleomar Almeida (assessoria de comunicação da FAP)
Diretora executiva da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) Jane Monteiro Neves participa, nesta sexta-feira (12/3), da conferência online “A Presença e a Participação das Mulheres para Conquistar a Democracia”. O evento será realizado, a partir das 17 horas, com transmissão no canal do Observatório da Democracia no Youtube e retransmissão no site e página da FAP no Facebook.
Confira o vídeo!
Além de Jane, o debate contará com a participação de Márcia Campos, do Instituto Claudio Campos; Bernadete Menezes, da Fundação Lauro Campos/Marielle Franco; Miguelina Paiva Vecchio, da Fundação Leonel Brizola; e Ana Prestes, da Fundação Maurício Grabois.
Também têm participação confirmada as deputadas federais Lídice da Mata (PSB-BA) e Benedita da Silva (PT-RJ), além da senadora Zenaide Maia (PROS-RN). A mediação será feita por Luciana Capiberibe, comunicadora da Fundação João Mangabeira.
Conheça as convidadas:
Ana Prestes ésocióloga, cientista política, pós-doutoranda no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) e doutoranda em História (UnB). É doutora em Ciência Política (UFMG), analista Internacional e assessora na Câmara dos Deputados. Também é pesquisadora da história da participação política das mulheres no Brasil e militante da União Brasileira de Mulheres e do Partido Comunista do Brasil.
Benedita da Silva é deputada federal pelo PT do Rio de Janeiro. Iniciou sua carreira política ao se eleger vereadora do Rio de Janeiro em 1982, após militância na Associação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro. Em 1986, foi eleita deputada federal, e se reelegeu para este cargo em 1990. Em 1994 foi eleita com expressiva votação para o Senado Federal.
Berna Menezes é dirigente da executiva nacional do PSOL. Iniciou sua militância no movimento estudantil no final dos anos 70. Fundadora do PT em 1980, do qual foi membro de sua direção nacional. Fundadora da CUT e foi membro de sua executiva. É dirigente nacional da Fasubra e da Assufrgs, além de dirigente nacional da Intersindical.
Jane Monteiro Neves é enfermeira, mestre em Saúde Coletiva, militante do SUS e da Reforma Sanitária Brasileira. Docente da Universidade do Estado do Pará há 37anos. Também é dirigente da Associação de Mulheres "Eneida de Moraes" e diretora da Fundação Astrojildo Pereira.
Lídice da Mata é deputada federal pelo Partido Socialista Brasileiro, eleita em 2018, com mais de 104 mil votos. Na Câmara, é relatora da CPMI das Fake News e preside a Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa. Em 2010, foi eleita com 3,3 milhões de votos e se tornou a primeira mulher senadora pela Bahia. Formada em Economia pela Ufba, começou sua trajetória política no Movimento Estudantil e foi a primeira mulher a se eleger presidente do Diretório Central dos Estudantes daquela universidade. Em 1997, filiou-se ao seu atual partido, o PSB, onde se elegeu deputada estadual, federal e senadora, sendo sempre a mais votada em Salvador. Tem importante atuação nas áreas de políticas para as Mulheres, direitos humanos, desenvolvimento regional, educação e todas as pautas progressistas.
Márcia Campos foi a primeira presidente da Federação das Mulheres Paulistas e a segunda presidente da Confederação das Mulheres do Brasil. Também foi a primeira mulher do continente americano a presidir por 16 anos a Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM), organização internacional fundada em 1945, na França, após a 2ª Guerra Mundial. A FDIM integra 209 organizações nacionais de mulheres de 139 países.
Zenaide Maia é médica formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde se especializou em doenças infectocontagiosas. Na área do Executivo, exerceu o cargo de secretária municipal de Saúde de São Gonçalo do Amarante por dois períodos (1991/1992 e 2009/2011). Neste último, também representou o município como primeira dama. Em 2014 foi eleita deputada federal. Com 22,69% dos votos válidos, foi eleita senadora para o mandato atual até 2027.
Miguelina Paiva Vecchio é cientista social, presidente nacional da Ação da Mulher Trabalhista do PDT, vice-presidenta nacional do PDT e vice-presidenta da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini. Foi, ainda, secretária de organização, presidenta da Executiva do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio Grande do Sul e vice-presidenta da Internacional Socialista de Mulheres. É coordenadora-geral do Fórum Nacional de Mulheres de Organismo de Partidos Políticos.
El País: Argentina legaliza o aborto e se põe na vanguarda dos direitos sociais na AL
Legisladores debateram projeto de lei de interrupção voluntária da gravidez que permite o aborto livre até a 14ª semana de gestação e deram vantagem da pauta apoiada pelo Governo Fernández
Mar Centenera e Federico Rivas Molina, El País
É lei. Na Argentina, as mulheres que decidem interromper a gravidez podem fazê-lo de forma legal, segura e gratuita no sistema de saúde. O Senado aprovou na madrugada desta quarta-feira a legalização do aborto até a semana 14 da gestação por 39 votos a favor, 29 contra e uma abstenção. Enterrou assim a lei em vigor desde 1921, que considerava a prática crime, exceto em caso de estupro ou risco de vida da mãe. Nas ruas, a maré verde, a cor símbolo do feminista no país, explodiu de alegria.
Com a nova legislação, a Argentina está mais uma vez na vanguarda dos direitos sociais na América Latina. A partir desta quarta-feira é o primeiro grande país da região a permitir que as mulheres decidam sobre seus corpos e se querem ou não ser mães, como já fizeram Uruguai, Cuba, Guiana e Guiana Francesa (e regiões como a Cidade do México). Nas demais, há restrições totais ou parciais, como no Brasil. A iniciativa, aprovada na Câmara dos Deputados há duas semanas, prevê que as gestantes tenham acesso ao aborto legal até a 14ª semana após a assinatura do consentimento por escrito. Também estipula um prazo máximo de dez dias entre a solicitação de interrupção da gravidez e sua realização, a fim de evitar manobras que retardem o aborto.
A pressão de grupos religiosos e conservadores para manter a criminalização do aborto vinha sendo muito forte, mas não suficiente para repetir o resultado de 2018, quando o Senado rejeitou o projeto. Ainda assim, uma forte ofensiva legal é esperada. No país do Papa Francisco, a Igreja ainda tem muito prestígio. E não só porque trabalha em conjunto com o Estado no atendimento aos mais pobres, por meio de centenas de refeitórios populares. A proximidade de Francisco com o presidente Alberto Fernández, que acabou apoiando a legalização, é evidente, e a questão do aborto sempre foi um território incômodo de disputas. A praça em frente ao Congresso era uma prova disso. No lado celeste, exibindo as cores do país, onde os grupos antiaborto se reuniam, os padres celebravam missas diante de altares improvisados e os manifestantes carregavam cruzes e rosários, fotos de ultrassom e um enorme feto de papelão ensanguentado.
Ao contrário da Câmara dos Deputados, onde a aprovação foi folgada, o resultado no Senado mais conservador era mais incerto. Mas desde o início a expectativa acompanhou os verdes. Os números eram muito equilibrados e tudo dependia de um punhado de indecisos, que imediatamente passaram de cinco para quatro: um senador previu que votaria pró-aborto após um mínimo de ajustes no texto da lei. Horas depois, dois senadores e dois senadores também anunciaram seu voto positivo e elevaram os votos afirmativos para 38, ante 32 negativos. Os contrários, além disso, haviam perdido dois votos antes de partir: o do senador e ex-presidente Carlos Menem, 90, em coma induzido por uma complicação renal; e o do ex-governador José Alperovich, de licença até 31 de dezembro por denúncia de abuso sexual.
O triunfo do “sim” à lei logo se definiu, ainda antes da meia-noite, quando faltavam ainda quatro horas de discursos. “Quando eu nasci, as mulheres não votavam, não herdávamos, não podíamos ir à universidade. Não podíamos nos divorciar, as donas de casa não tínhamos aposentadoria. Quando nasci, as mulheres não eram ninguém. Sinto emoção pela luta de todas as mulheres que estão lá fora agora. Por todos elas, que seja lei”, declarou a senadora Silvia Sapag durante o debate, em uma síntese do tom dos discursos verdes.
“Queremos que seja lei para que mais nenhuma mulher morra por aborto clandestino. Por María Campos. Por Liliana. Por Elizabeth. Por Rupercia. Por Paulina. Por Rosario. Pelas mais de 3.000 mulheres que morreram por abortos clandestinos desde o retorno da democracia”, afirmava do lado de fora Jimena López, de 27 anos, com um cartaz que dizia “Aborto legal é justiça social”. Entre os que se opunham à lei, muitos criticaram o momento do debate, em meio à pandemia de covid-19, e outros citaram argumentos religiosos, como María Belén Tapia: “Os olhos de Deus estão olhando para cada coração neste lugar. Bênção se valorizamos a vida, maldição se escolhemos matar inocentes. Eu não digo isso, diz a Bíblia pela qual eu jurei”.
Nas províncias do norte do país, aquelas mais influenciadas pela Igreja Católica e grupos evangélicos, a maioria dos legisladores se opôs. Na capital argentina e na província de Buenos Aires, por outro lado, quase todos os representantes apoiaram a legalização, qualquer que fosse o partido.
Durante 99 anos, na Argentina foi legal interromper uma gravidez em caso de estupro ou risco para a vida ou saúde da mãe, como no Brasil (que também autoriza aborto em caso de anencefalia). Em todos os outros casos, era um crime punível com prisão. Ainda assim, a criminalização não foi um impedimento: de acordo com estimativas não oficiais, cerca de meio milhão de mulheres fazem abortos clandestinos a cada ano. Em 2018, 38 mulheres morreram de complicações médicas decorrentes de abortos inseguros. Cerca de 39.000 tiveram que ser hospitalizadas pela mesma causa.
“Obrigar uma mulher a manter sua gravidez é uma violação dos direitos humanos”, afirmou a senadora governista Ana Claudia Almirón, da província de Corrientes, no norte do país. “Sem a implementação de educação sexual integral, sem a previsão de anticoncepcionais e sem um protocolo de interrupção legal da gravidez, as meninas correntinas são obrigadas a parir aos 10, 11 e 12 anos”, denunciou Almirón.
“Em 2018 não alcançamos a lei, mas conscientizamos sobre um problema: hoje existem mulheres que abortam em condições precárias e insalubres”, afirma Mariángeles Guerrero, integrante da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito. “O aborto deixou de ser um assunto tabu que se falava em voz baixa e passou a ser um assunto que tinha de ser debatido politicamente para garantir condições seguras para a realização destes abortos”, acrescenta. Em 1921, quando a lei atual foi aprovada, a Argentina estava na vanguarda regional dos direitos das mulheres, mas a falta de debates posteriores a fez perder a disputa. Agora, o país recuperou o terreno perdido.
Eliane Cantanhêde: Quem ama não mata
As vidas da mulheres importam e isso é cultura, é educação, depende do Estado e de cada um de nós
O Brasil está doente, não apenas por causa da pandemia, da economia, do desemprego, da corrupção e do desgoverno, mas porque a desigualdade social é a oitava do mundo, o trânsito é assassino e o feminicídio, endêmico, está em toda a parte, em todas as classes sociais. Um horror, uma vergonha, uma sensação de impotência num País tão especial, tão lindo, com uma natureza tão privilegiada.
Fiquemos no feminicídio, depois de dois fatos chacoalharem o Judiciário na reta final de um ano tão dramático no mundo inteiro: o assassinato no Rio de uma juíza, Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, 45, e as declarações insanas de um juiz (e um juiz de Vara de Família!), Rodrigo Azevedo Costa, reveladas pelo programa Papo de Mãe, das jornalistas Mariana Kotscho e Roberta Manreza.
Na véspera do Natal, data da esperança e da generosidade, o engenheiro Paulo José Arronenzi assassinou a juíza Viviane a facadas, na frente das três filhas de ambos, uma de 9 anos e as gêmeas de 7. Viviane tentava reagir à insanidade com racionalidade, tinha dispensado a escolta e estava levando as crianças para passar o Natal com o pai, que nem sequer se deu ao trabalho de fugir. Ficou ali, olhando a mulher morrer, até a polícia chegar.
É chocante, desesperador, e gerou reações do presidente do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luiz Fux, do também ministro do STF Gilmar Mendes, da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Defensoria Pública. Mas está dentro da "normalidade". Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 88% dos feminicídios são cometidos por atuais ou ex-companheiros e 43% deles – pasmem! – na frente dos filhos.
É, evidentemente, uma patologia. Comprova o quanto os doentes se recusam a se assumir doentes, as famílias não reconhecem o tamanho do problema, as vítimas viram reféns do pavor e da pena. Mas, muito mais do que um problema individual e familiar, trata-se de uma patologia social, em que pesam uma cultura machista e dominadora, uma educação nas escolas e nos lares que gera e reforça a sensação de posse, de proprietário e propriedade.
O resultado, macabramente caricato, é um juiz de Vara de Família capaz de bater no peito e gritar ao mundo – ou às mulheres? – que "ninguém apanha de graça", "não está nem aí para a Lei Maria da Penha" e se orgulha de ter tirado a guarda dos filhos de mães agredidas para dar aos pais agressores. Equivale a dizer: a mulher maltratada, abusada e ameaçada pede socorro ao Estado e é maltratada, abusada e ameaçada pelo agente do Estado. Estarrecedor.
A mídia está repleta de casos de mulheres espancadas e mortas, de diferentes idades e classes sociais, em todos os Estados. Na capa do Correio Braziliense de 22 de dezembro, as fotos de três moças do DF: Luciene, morta a socos no meio da rua, Maria e Cleide, vítimas de tiros. Todas três eram mães. E se tivessem recorrido ao juiz Azevedo Costa? Ou a alguém do mesmo feitio? Morreriam do mesmo jeito, mas ainda mais humilhadas e sem os filhos.
Os dois novos fatos, o assassinato de uma juíza e a exposição de um juiz injusto, jogam o foco no Judiciário, mas produzem mais discursos do que mudanças. Até porque, como adverte a juíza e escritora Andréa Pachá, não adianta endurecer ainda mais as leis, é preciso intervir em comportamentos sociais que geram e, de certa forma, estimulam a violência contra as mulheres.
Ela ensina: os criminosos não vão parar de matar a companheira por temer dois, cinco ou dez anos a mais na prisão, eles só vão parar quando a sociedade mudar, quando homens, mulheres, inclusive juízes e policiais, mudarem. Isso é cultura, é educação, depende do Estado, dos líderes, dos pais, de cada um de nós. As vidas das mulheres importam.
RPD: Reportagem mostra o que desestimula vítimas de estupro no Brasil
Após sofrerem nas mãos de criminosos, vítimas precisam enfrentar longa via-crúcis em busca de justiça
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Fiquei travada. Ele começou a passar a mão em mim e falou para eu ficar quietinha, senão eu seria demitida por justa causa”. O relato é de uma das vítimas de estupro no Brasil, onde uma longa via-crúcis desestimula e intimida mulheres a denunciar criminosos. É o que mostra reportagem especial da revista Política Democrática Online de dezembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos da publicação em seu site.
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No total, conforme mostra a reportagem, 66.123 pessoas registraram boletim de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável em 2019, de acordo com a 14ª edição doAnuário Brasileiro de Segurança, lançado em outubro deste ano. Em média, no ano passado, uma pessoa foi estuprada a cada 8 minutos, no país. É um dado maior que o revelado em 2015, quando a média era de um estupro a cada 11 minutos.
De acordo com o levantamento, no ano passado, 85,7% das vítimas eram do sexo feminino. Em 84,1% dos casos, o criminoso era conhecido da vítima: familiares ou pessoas de confiança, como ocorreu no episódio que abre esta reportagem por se tratar de um patrão da vítima, com o qual ela tinha vínculo de trabalho havia 10 anos.
No Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as pesquisadoras relatam que o número de estupro é ainda muito maior do que o registrado. A subnotificação ganha força diante de situações em que as vítimas não procuram as autoridades por medo, sentimento de culpa e vergonha ou até mesmo por desestímulo por parte das autoridades.
Em setembro deste ano, o próprio Judiciário foi palco de um caso que desestimula vítimas. A jovem promoter Mariana Ferrer, de 23, vítima de estupro, foi humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, defensor do acusado, o empresário André Camargo de Aranha. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lábia de crocodilo”, disse o advogado à vítima, em audiência por videoconferência, sob a vista grossa do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis. O promotor Thiago Carriço de Oliveira sustentou a tese de estupro sem intenção. O acusado foi inocentado.
Somente após a repercussão negativa do caso na imprensa, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que classificou como “grotescas” as cenas da audiência, instauraram procedimentos para investigar as condutas do juiz e do promotor por suposta omissão. A Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB-SC) também abriu investigação para avaliar a conduta de Gastão Filho. A reportagem não conseguiu contato dos três investigados.
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O Estado de S. Paulo: Nas eleições 2020, 6,3 mil mulheres recebem um ou zero voto
Analistas alertam para risco de que candidatas tenham sido utilizadas por partidos apenas para alcançar a meta de gênero de 30%; parte delas recebeu R$ 877 mil do Fundo Eleitoral
Camila Turtelli, Rafael Moraes Moura e Bruno Ribeiro, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA, SÃO PAULO - Das 173 mil mulheres aptas a disputar o cargo de vereador no domingo, 15, 6.372 tiveram apenas um ou nenhum voto, segundo levantamento do Estadão. A ausência de votos e o fato de nem a candidata ter votado nela mesma provocaram suspeitas de que essas mulheres tenham sido usadas como “laranjas” para que partidos pudessem driblar a lei e cumprir a cota de 30% de candidaturas femininas. Parte delas recebeu R$ 877 mil do fundo eleitoral, dinheiro público usado para financiar gastos de campanha.
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A verba na conta de mais de 500 candidatas causa estranheza, já que todas tiveram desempenho pífio nas urnas, e pode ser mais um indício do “laranjal partidário”, com o lançamento de concorrentes “de fachada”. Desde 2018, partidos devem destinar, no mínimo, 30% do fundo eleitoral para campanhas femininas. Quem não cumprir a regra pode ter as contas rejeitadas, os repasses suspensos e ser obrigado a devolver o dinheiro.
Em Vargem Grande Paulista, interior de São Paulo, a candidata Marjory Piva teve apenas um voto, mas recebeu R$ 17 mil do Republicanos. Não declarou nenhuma receita à Justiça Eleitoral. O presidente municipal da legenda, vereador Zezinho Tapeceiro, disse que Marjory teve um problema pessoal e desistiu de concorrer. “Ela não é candidata laranja, porém ela teve de desistir e esse recurso dela está sendo todo devolvido”, afirmou.
Em Santa Rita, na Paraíba, Edivania Carneiro viveu situação semelhante: recebeu R$ 15 mil do fundo eleitoral do PSL, mas obteve apenas um voto. Marjory e Edivania foram as mulheres que mais ganharam verba do fundo eleitoral de seus partidos. Há indícios de que as duas tenham sido “laranjas”.
Francielle Avila (PSD), candidata em Espigão Alto do Sul (PR), conseguiu R$ 10 mil do partido e, segundo sua prestação de contas, gastou R$ 7 mil com material de campanha. Em sua página do Facebook, no entanto, não há qualquer menção à candidatura, mas, sim, à do postulante a prefeito pelo PSDB, Hilário Czechowski. A reportagem não conseguiu contato com a candidata ou com a direção municipal do PSD.
Em Cabo Frio, no Rio, a comerciante Rita das Empadas (PSL) recebeu R$ 10 mil do fundo eleitoral na disputa por uma cadeira na Câmara Municipal, mas teve um voto. “Todo mundo me conhece em Cabo Frio, muita gente falou que ia votar em mim. Mas, na hora, só tive um voto”, disse Rita ao Estadão. O comando nacional do PSL informou que cada candidato teve de emitir um recibo, comprovando o recebimento dos recursos. “No caso das candidatas mulheres, estas ainda tiveram que assinar uma carta, de próprio punho, afirmando que estavam se candidatando por livre e espontânea vontade”, declarou o partido, em nota.
Questionada se foi “candidata laranja”, Rita respondeu: “Tá ficando doido? Eu sou uma mulher responsável, não sou candidata laranja, não. Tive vários santinhos, eu panfletei. Não tenho culpa se meus votos sumiram ou não votaram em mim”.
O mapeamento do Estadão também identificou que, na lista de mulheres com nenhum ou apenas um voto, predominam candidaturas de pretas ou pardas (59%), enquanto brancas representam 39% e indígenas, 1%.
Raça
O fato vem na esteira de decisão do Supremo Tribunal Federal, que determinou o critério racial na destinação de recursos para financiar candidaturas. Os partidos são obrigados a dividir os recursos do fundo eleitoral, que alcançou R$ 2 bilhões, segundo a proporção de negros e brancos de cada sigla.
“O expressivo número de candidaturas femininas sob suspeita de serem fictícias revela que ainda há nas estruturas partidárias resistência à inclusão das mulheres”, disse a advogada Maria Claudia Bucchianeri, da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB. “As eleições de 2020 ainda trazem outro número preocupante, a sensível concentração dessas supostas candidaturas fake entre negras. Há, portanto, dupla recusa de inclusão: a de gênero e a de raça”, completou ela.
Em município da Bahia, três candidatas e um voto
São Paulo, Bahia e Minas são os Estados com o maior número de mulheres que tiveram zero ou um voto na disputa municipal de vereador. Na Bahia, o município de Condeúba, com apenas 17 mil habitantes, viu três mulheres entre os candidatos a vereador com o menor número de votos. Segundo o TSE, as donas de casa Xuxu e Nice, ambas do PSD, foram ignoradas pela população local – sem nenhum voto, nem o delas mesmas, e nenhum gasto eleitoral.
Sem qualquer despesa informada até agora, Izenilde (PL) teve melhor sorte que as rivais: um voto. A candidata, no entanto, utilizou as redes sociais para fazer campanha para outro nome – Helton da Lagoinha, seu companheiro, que disputou uma vaga na Câmara Municipal de Condeúba pela mesma legenda. À Justiça Eleitoral, Izenilde se declarou solteira, mas no Facebook avisa que está casada com Helton. “Meu vereador arretado”, postou ela, no dia 9. Helton obteve 128 votos.
“A representação feminina é indispensável para uma democracia de qualidade. Mas as candidaturas fictícias ainda são uma realidade”, disse Marilda Silveira, professora de Direito Eleitoral do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). “A investigação, nesses casos, é indispensável e a conclusão de fraude muitas vezes se dá pela soma de indícios, como votação zerada, gastos irrelevantes, campanha inexistente.” Procurados, Izenilde e Helton não responderam até a conclusão desta edição. O PL informou que “lamenta o mau desempenho” das estreantes, mas “cabe a cada candidato responder pela prestação de contas e uso dos recursos recebidos”.
Reinaldo Azevedo: A democracia e as mulheres sob ataque
Ascensão da extrema direita populista, ancorada nas redes sociais, traz desafio
O único regime, já escrevi aqui, em que tudo pode é a tirania. Assim é para o próprio tirano e para os seus amigos. A democracia tem interdições. E aí está o busílis. A ascensão da extrema direita populista, ancorada nas redes sociais, traz um desafio.
Não raro, sólidas reputações liberais, inclusive neste jornal, confundem, por exemplo, a prática de crimes com a liberdade de expressão, pedra angular da civilidade. E tal confusão é um caminho muito curto para que se tome a liberdade de expressão por um crime.
Assim tem sido nos Estados Unidos, no Brasil e em toda a parte em que a democracia ainda resiste. O momento é delicado. O sistema tem sido refém de uma leitura liberticida de suas próprias premissas. Há uma pergunta, que não é recente, mas que está ainda a pedir resposta adequada: a democracia deve tolerar a ação daqueles que se aproveitam de suas garantias para solapá-la caso cheguem ao poder?
Vejam o que se passa nos EUA. Os celebrados "founding fathers" criaram um modelo em que o federalismo se opõe à democracia genuína, de modo que um homem não vale um voto. Os sinais de esclerose são evidentes. Além do samba e do ditongo nasal "ão", podemos ensinar aos gringos como se organiza uma votação eficiente.
É fato: a forma que assumiu o federalismo americano, somada ao subdesenvolvimento da tecnologia do voto, joga o mundo num impasse. Que tomem emprestadas as nossas urnas eletrônicas! Nada impede que se digite lá o número de um estúpido. Mas o resultado, ao menos, sai com mais rapidez. Assim, o modelo em vigor potencializa a ação de um vândalo da democracia como Donald Trump.
Pergunta com resposta que a mim soa evidente, embora pouco haja a fazer por lá —e já vou chegar ao nosso quintal. É moralmente aceitável que um chefe de Estado coloque em dúvida o arcabouço legal que lhe assegurou a vitória quando este está prestes a certificar a sua derrota? E que fique claro: esse "pôr em dúvida" não se limita a um arroubo retórico.
O chefe da nação convoca abertamente suas milícias digitais a entrar em ação, o que, segundo os padrões americanos, pode implicar comparecer ao local da apuração dos votos com um rifle nos ombros para parar a contagem, como pede o bandoleiro. Deve a democracia garantir ao chefe de Estado a "liberdade de expressão" para incitar a luta armada contra as regras do jogo? É preciso, nesse caso, que o moralmente inaceitável seja também um crime punível.
Olhemos para nossos próprios desatinos. A democracia brasileira deve tolerar que Jair Bolsonaro diga asneiras contra as vacinas enquanto faz, com a força da representação, a apologia de drogas comprovadamente ineficazes contra a doença, usando para tanto a visibilidade que lhe confere o aparelho de Estado?
As democracias estavam preparadas para enfrentar aqueles que, à margem do sistema, buscavam se organizar para destruí-la. Seus aparelhos de repressão, diga-se, atuam muitas vezes para esmagar até o protesto justo de oprimidos que só reivindicam direitos, o que é lamentável e tem de ser coibido.
O regime, no entanto, tem se mostrado inerme para punir a ação daqueles que o sabotam a partir dos aparelhos de Estado, buscando minar por dentro as suas virtudes. E isso, hoje, é uma ameaça concreta às nossas liberdades.
Uma nota sobre o caso Mariana Ferrer, que também atine à democracia: "estupro culposo" é uma senha para um estado de coisas. O tipo penal não existe. Mas é preciso que os tribunais não atuem como se existisse. Nem preciso entrar no mérito da sentença ou do cometimento ou não do crime para apontar o que está estupidamente errado no que se viu —e eu me refiro à íntegra do vídeo.
Um tribunal julga o réu —culpado ou inocente—, não a vítima. Ou estaremos de volta aos tempos da heroicização de Doca Street e da demonização de Ângela Diniz. Escrevi e sustento: mais grave do que o "estupro culposo" é o "estupro por merecimento", já que "ela" tira fotos sensuais ou tem um estilo de vida que intimida a macharia que se sente acuada pela história. Há os que não suportam democracia e mulheres. Para estes, não são coisas de macho.
El País: A miragem de Dilma, ou por que faltam brasileiras em cargos eleitos
Partidos burlam a cota de 30% para mulheres, que são cerca de 15% no Congresso Nacional, Assembleias Legislativas, prefeituras e Câmaras Municipais
Naiara Galarraga Gortázar, do El País
O Senado brasileiro aproveitou um recesso natalino para fazer uma pequena reforma de transcendência histórica. Quando as obras acabaram, o plenário teve finalmente um banheiro feminino. Foi há poucos anos, em 2016. Até então, as 12 senadoras daquela legislatura eram obrigadas, como todas as suas antecessoras, a utilizar o banheiro do restaurante ao lado. Depois de anos de reivindicações, as representantes da soberania popular conseguiram que o banheiro masculino fosse dividido em dois. A longa luta para conseguir esse banheiro em Brasília − com edifícios projetados pelo genial Oscar Niemeyer como símbolo de modernidade − reflete melhor a presença de mulheres eleitas nas instituições brasileiras do que o fato de o Brasil ter tido uma presidenta. Como é possível que um país com cotas de 30% para mulheres há 25 anos tenha apenas 15% de congressistas?
Sim, Dilma Rousseff fez história. A primeira brasileira na chefia de Estado. Mas aquela conquista não foi reflexo de uma presença feminina significativa nos escalões inferiores do poder. Na verdade, ela chegou lá graças ao voto popular e a Luiz Inácio Lula da Silva, que a colocou na linha de largada. Sua presidência também não se traduziu em um aumento significativo de mulheres em política.
Agora, com um presidente que foi condenado por dizer a uma deputada que era tão feia que não merecia ser estuprada, as condições são mais adversas. Não é que os ministérios de Dilma Rousseff fossem paritários, mas Jair Bolsonaro tem apenas duas ministras. Ou seja, cinco vezes menos que os ministros militares. Além disso, o presidente considera que a igualdade de gênero é uma perigosa ideologia comunista.
Mas, sob essa fachada, existe um problema estrutural. Dilma foi, em grande parte, uma miragem, porque o Brasil continua nas últimas posições do mundo em deputadas, senadoras, governadoras, prefeitas e vereadoras. Algumas iniciativas da sociedade civil estão formando candidatas para as eleições municipais de novembro.
Porque a realidade em 2020 é que as mulheres são cerca de 15% em todos esses cargos eleitos nas urnas, uma proporção semelhante à do Bahrein e a anos-luz da Suécia, mas também da Bolívia (53% de deputadas) e do México (48%).
“É uma situação vergonhosa que coloca ao Brasil entre os piores países do mundo no que diz respeito à participação política das mulheres e à defesa de seus direitos”, assinala por telefone Áurea Carolina de Freitas Silva, 36 anos, deputada federal do PSOL desde o ano passado e pré-candidata à prefeitura de Belo Horizonte. “Ter cotas não é suficiente”, acrescenta essa mulher negra que é uma autêntica raridade em um Congresso que pouco tem a ver com a diversidade que caracteriza o Brasil. Os homens brancos são a esmagadora maioria.
Elas ganham presença e poder político a passo de tartaruga, apesar de existirem há 25 anos cotas legais para incentivar sua entrada na política. E, embora 15% de deputadas seja uma proporção pequena em comparação com o resto do mundo, a verdade é que é um recorde: nunca houve tantas na Câmara dos Deputados. Onde está a armadilha?
A explicação breve é que a resistência dos partidos − de todos, embora um pouco mais dos direitistas do que dos esquerdistas − tem sido feroz nestes anos. Os homens brancos que dominam as siglas não querem renunciar ao seu poder. “Os partidos aproveitam cada brecha que encontram para driblar as cotas”, ressalta Hannah Maruci Aflalo, uma pesquisadora da Universidade de São Paulo especializada na representação política feminina. “Inicialmente, usaram o argumento semântico, depois criaram as candidaturas fraudulentas...”, diz a professora, cuja explicação detalhada pode ser resumida assim: os partidos, com suas arraigadas estruturas machistas, começaram argumentando que as normas só os obrigavam a reservar 30% das candidaturas para mulheres, não que elas ficassem efetivamente com essas candidaturas. Diziam que procuravam aspirantes, mas não as encontravam. Quando as regras foram reformadas para obrigá-los a ter um terço de candidatas, proliferaram as candidaturas fraudulentas. Colocavam qualquer nome feminino e pouco importava se recebiam algum voto, cumpriam a letra da lei. Um terço das candidaturas femininas à Câmara dos Deputados nas últimas eleições foram falsas, segundo um estudo. Além disso, quase todos os partidos tiveram alguma candidata que não recebeu um único voto. Candidatas que votaram em outra pessoa.
Em uma guinada perversa, os partidos recebiam dinheiro do contribuinte para apoiar as mulheres, mas elas continuavam sem ganhar poder. Assim se chegou, explica Maruci Aflalo, à reforma de 2018, pela qual 30% dos fundos públicos eleitorais vão para as campanhas das candidatas. Para a especialista é uma mudança positiva, porque agora se trata de financiamento. “Os partidos não vão querer jogar dinheiro no lixo”, diz. Mais uma vez, alguns partidos interpretaram essa reforma à sua maneira para reduzir ao máximo as mudanças. Em vez de feminilizar suas listas de candidatos, investiram em apenas uma, e de repente se multiplicaram as candidatas a vice nas últimas eleições: vice-presidenta, vice-governadora...
As brasileiras conquistaram o direito ao voto em 1932, e Dilma Rousseff governou de 2011 a 2016, mas hoje, entre os 27 governadores, há apenas uma mulher − do Partido dos Trabalhadores, de Lula e Dilma. Mas isso não é o pior. Na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, não há mulheres. Nenhuma. Os 24 deputados estaduais são homens.
A política brasileira é tão masculina que é raro o domingo em que a seleção de frases da semana feita pelo jornal mais lido do país inclua alguma dita por uma mulher. Uma ausência que contrasta com a presença marcante de mulheres analistas na imprensa e na televisão, ou no comando de investigações policiais.
Uma deputada bolsonarista acaba de apresentar um projeto de lei para acabar com a cota de 30% por ser, segundo ela, uma “carga ideológica”. Existe outro projeto de lei que pede, por outro lado, que metade das cadeiras seja reservada para mulheres, incluindo 27% para negras. Porque embora as negras sejam 27% da população, são insignificantes 2% das deputadas.
“Tivemos de construir trajetórias excepcionais para estar aqui”, diz a deputada Áurea Carolina, referindo-se a si mesma e a colegas de partido como a assassinada Marielle Franco, vereadora do Rio, e a também deputada Talíria Petrone. Mulheres negras (e feministas) que antes de chegar à primeira linha da política construíram sólidas trajetórias em movimentos sociais ou no mundo acadêmico. No ano e meio em que está no Congresso, teve que aturar atitudes e comentários discriminatórios. Mas não quer se concentrar nisso. Prefere destacar seu trabalho para que as necessidades, reivindicações e desejos das mulheres e dos negros, é claro, mas também dos brasileiros LGBT, com deficiência ou indígenas sejam ouvidos nos espaços de poder.
Essa deputada esquerdista conta que às vezes, mesmo em um Brasil tão polarizado, há momentos de sororidade, de cumplicidade entre as deputadas, apesar do muito que as divide. “São momentos pontuais. Lembro do dia em que uma deputada do PSDB presidia a sessão plenária e um deputado fez um comentário machista. Todas nos solidarizamos com a agredida”, assinala.
Se chegar é difícil, manter-se firme no cargo também é. O fato de Bolsonaro ser conhecido por seus comentários machistas não o impediu de vencer entre o eleitorado feminino. E embora o Ministério Público o investigue por misoginia, sua popularidade bate recordes. Isso dá uma medida do ambiente. Mensagens pornográficas, campanhas difamatórias sexistas, piadas machististas, ameaças e as críticas à aparência são constantes para as políticas brasileiras. Muitos defensores da ex-presidenta veem elementos misóginos na campanha que levou à sua destituição. Além de “puta”, ela ouviu muitas vezes “Dilma, vai pra casa”, “Dilma, vai lavar roupa”. O grito de guerra agora é “fora Bolsonaro”. Ninguém o manda ir para casa ou lavar roupa.