mudanças climáticas
COP27: o que significa 'perdas e danos' nas discussões sobre as mudanças climáticas
Navin Singh Khadka*, BBC News Brasil
As negociações até agora se concentraram em pautas sobre como reduzir os gases de efeito estufa e como lidar com os impactos das mudanças climáticas. Mas há a expectativa de que outra questão ganhe importância: se os países altamente industrializados, que mais contribuíram para causar problemas climáticos e ambientais, deveriam reparar financeiramente os países que sofrem os impactos mais diretamente.
Desastres como enchentes, secas, furacões, deslizamentos de terra e incêndios florestais estão se tornando mais frequentes e intensos como resultado das mudanças climáticas, e os países mais afetados pedem ajuda financeira há anos para lidar com as consequências.
Isto é o que as palavras "perdas e danos" ("loss and damage", em inglês) significam. O termo abrange tanto as perdas econômicas (casas, terras, fazendas ou empresas) quanto não econômicas (mortes de pessoas, locais culturalmente importantes ou biodiversidade).
Após intensas negociações durante dois dias e a apenas uma noite da abertura da COP27, os delegados concordaram em incluir a questão das "perdas e danos" na agenda oficial.
O dinheiro que os países mais pobres estão exigindo ultrapassam os US$ 100 bilhões por ano que os países mais ricos já concordaram em transferir para os países mais pobres, visando ajudar estes a:
• reduzir os gases de efeito estufa, algo conhecido como "mitigação" nas negociações climáticas;
• tomar medidas para lidar com os impactos das mudanças climáticas, a "adaptação".
"As pessoas estão sofrendo perdas e danos causados por tempestades potencializadas, inundações devastadoras e derretimento de geleiras, e os países em desenvolvimento têm pouco apoio para se reconstruir e se recuperar antes do próximo desastre", diz Harjeet Singh, chefe de estratégia global da ONG Climate Action Network International.
"São as comunidades que menos contribuíram para causar a crise que agora estão na linha de frente dos piores impactos."
Quão grande é a fatura por perdas e danos?
Um relatório publicado pela Loss and Damage Collaboration, um grupo de mais de 100 pesquisadores e formuladores de políticas de todo o mundo, revelou que 55 das economias mais vulneráveis ao clima sofreram perdas econômicas de mais de US$ 500 bilhões entre 2000 e 2020. E isso poderia aumentar em mais US$ 500 bilhões na próxima década.
"Cada fração de aquecimento a mais significa mais impactos climáticos, com perdas nos países em desenvolvimento estimadas entre US$ 290 bilhões e US$ 580 bilhões até 2030", escreveram os autores.
O documento destaca que o nível do mar nas Américas tem subido a um ritmo mais rápido do que no resto do mundo, especialmente ao longo da costa atlântica da América do Sul, no Atlântico Norte subtropical e no Golfo do México.
"A grande seca no centro do Chile já dura 13 anos. Essa é a seca mais longa na região em pelo menos mil anos, agravando uma tendência mortal e colocando o Chile na vanguarda da crise hídrica."
O ano passado também registrou o terceiro maior número de tempestades nomeadas no Atlântico. Foram 21, incluindo sete furacões.
O Banco Mundial estima que entre 150 mil e 2,1 milhões de pessoas são a cada ano empurradas para a pobreza extrema na América Latina devido a desastres, incluindo aqueles causados pelas mudanças climáticas; e que cerca de 1,7% do PIB da região é perdido a cada ano devido a desastres relacionados ao clima.
"Vários países estão passando por secas mais profundas e prolongadas, por tempestades e inundações mais intensas que estão atrapalhando as atividades econômicas e afetando os meios de subsistência", diz o banco.
"No Uruguai, por exemplo, os choques relacionados ao clima tornaram-se mais frequentes e intensos. As secas de 2017-18 e as perdas na agropecuária custaram cerca de 0,8% do PIB somente em 2018."
O planeta viu um aumento médio da temperatura global de 1,1°C em comparação com o período pré-industrial.
Os países mais pobres e menos industrializados defendem que o impacto do clima extremo prejudica qualquer progresso que façam em termos de desenvolvimento econômico. Alguns apontam que se encheram de dívidas ao tomar empréstimos para reconstruir o que foi danificado e perdido.
Desde quando se discute o pagamento de perdas e danos?
Sete anos atrás, o inovador Acordo de Paris reconheceu a importância de "evitar, minimizar e lidar com perdas e danos associados aos efeitos adversos das mudanças climáticas". Mas nunca foi decidido como fazer isso.
"Perdas e danos continuam sendo um tópico bastante tóxico e tivemos discussões muito, muito acaloradas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento", diz Jochen Flasbarth, secretário do Ministério de Cooperação e Desenvolvimento Econômico da Alemanha.
"Havia preocupação entre os países desenvolvidos de que isso pudesse se tornar uma obrigação legal para grandes emissores (de poluentes). Isso sempre foi uma linha vermelha para a maioria dos países desenvolvidos."
Alguns negociadores da COP27 disseram que os países ricos queriam deixar claro que não aceitariam qualquer responsabilidade ou obrigação de pagar indenização por perdas e danos, algo a que os países em desenvolvimento se opuseram fortemente. Finalmente, foi acordado que o tema será apenas discutido na conferência atual. No próximo ano, na COP28 em Abu Dhabi, espera-se uma decisão provisória e, em 2024, uma decisão conclusiva sobre a questão.
"Exigimos financiamento regular, previsível e sustentável para lidar com as crises que algum país em desenvolvimento sofre quase todos os dias", defendeu Alpha Oumar Kaloga, negociador-chefe do Grupo Africano, em uma reunião nas Nações Unidas.
Singh, da Climate Action Network, demonstra reprovar a postura dos países ricos.
"Na verdade, é uma traição à confiança a forma como os países ricos encurralaram os países em desenvolvimento para aceitar uma linguagem que mantém os poluidores históricos a salvo de compensações e responsabilidades, sem oferecer qualquer compromisso concreto de apoiar as pessoas e os países vulneráveis", afirma.
Os países desenvolvidos apontam que já existem mecanismos previstos por convenções do clima anteriores que contemplam as demandas dos países em desenvolvimento — enquanto estes consideram que nenhum organismo e convenção existente hoje é apropriado.
Representantes do Grupo Africano e da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis) têm pressionado para a criação de uma nova agência dedicada à reparação financeira, mas Jochen Flasbarth, da Alemanha, afirma que essa proposta talvez não consiga apoio suficiente.
Na prática, já houve problemas tanto com as instituições financeiras que liberam o financiamento climático quanto com os países que o recebem. A burocracia das agências financeiras internacionais faz com que os fundos demorem muito para serem disponibilizados. E, em alguns dos países receptores, há problemas de má governança e corrupção.
Houve algum progresso no período anterior à COP27?
Durante a COP26, a Escócia prometeu pouco mais de £ 1 milhão em fundos para perdas e danos. No mês passado, a Dinamarca anunciou que contribuiria com US$ 13 milhões.
E na semana passada, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução pedindo foco no pagamento a países em desenvolvimento e a priorização de doações sobre empréstimos.
Além disso, o G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos) e o V20, um grupo de 55 países vulneráveis, concordaram recentemente em lançar uma iniciativa chamada Escudo Global contra os Desastres Climáticos, que pretende arcar com perdas e danos por meio de um sistema de seguro.
A Aosis demonstrou desconfiança em relação à iniciativa, argumentando que o V20 não tem nem metade dos membros da Aosis.
https://www.bbc.com/ws/av-embeds/cps/portuguese/geral-63593520/p0dfgsg1/pt-BRLegenda do vídeo,
Perdas e danos: a 'conta climática' que pode recair sobre países ricos
"O G7 deve falar com todos nós, e não apenas com os países que selecionou", disse o principal negociador de finanças climáticas do grupo, Michai Robertson.
*Texto publicado originalmente no site da BBC News Brasil
Por que Europa enfrenta onda de calor recorde, com incêndios e mortes?
BBC News Brasil*
Dados ainda não confirmados indicam que a noite de segunda para terça-feira foi a mais quente já registrada no Reino Unido. As mínimas registradas foram de 25°C, superando o recorde anterior de 23,9°C, registrado em agosto de 1990.
Na segunda-feira (18/7), a temperatura mais alta no Reino Unido foi registrada em Suffolk, na Inglaterra: 38,1°C. O número ficou pouco abaixo do recorde do Reino Unido de 38,7°C, estabelecido em 2019.
Grande parte da Inglaterra está no alerta máximo para o calor.
Na França, também foi emitido um alerta de calor extremo. O norte da Espanha registrou temperaturas de 43°C na segunda-feira. Incêndios florestais provocaram mortes na França, Portugal, Espanha e Grécia, e forçaram milhares de pessoas a deixar suas casas.
Duas pessoas morreram em incêndios florestais na região noroeste de Zamora, na Espanha, e os trens na área foram interrompidos por causa de fogo perto dos trilhos. Um casal de idosos morreu ao tentar escapar de incêndios no norte de Portugal.
Aquecimento global
Por que o calor é tão extremo na Europa? A maioria dos cientistas que trabalha com clima afirma que a resposta para essa pergunta é o aquecimento global.
O Met Office estima que a probabilidade de haver calor extremo na Europa aumentou em dez vezes por causa das mudanças climáticas.
As temperaturas médias mundiais aumentaram um pouco mais de 1°C além dos níveis pré-industrialização, no século 19.
Um grau pode não parecer muita coisa. Mas este é o período mais quente da história dos últimos 125 mil anos, de acordo com o órgão de ciência climática da ONU, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Já se sabe o que está por trás disso — as emissões de gases de efeito estufa causadas pela queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, que retêm o calor em nossa atmosfera. Eles contribuem para aumentar a concentração de dióxido de carbono para os níveis mais altos em 2 milhões de anos, de acordo com o IPCC.
Então, o que vai acontecer com o clima?
A meta estabelecida pela ONU é limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Isso poderia evitar os impactos mais perigosos das mudanças climáticas.
Para fazer isso, as emissões precisam atingir o seu pico até 2025 — ou seja, em apenas dois anos e meio.
As emissões de CO2 das matrizes de energia aumentaram 6% em 2021, atingindo 36,3 bilhões de toneladas, o nível mais alto de todos os tempos, estima a Agência Internacional de Energia.
As emissões precisariam cair em, no mínimo, 43% até o final desta década, de acordo com o IPCC.
O mundo teria de reduzir as emissões líquidas anuais a zero até 2050. Isso significa cortar os gases de efeito estufa o máximo possível e ainda encontrar maneiras de extrair CO2 da atmosfera.
É um enorme desafio — muitos acreditam ser o maior que a humanidade já enfrentou.
No ano passado, líderes mundiais fizeram promessas na COP 26, uma grande conferência da ONU na Escócia. Se todas as promessas dos governos fossem realmente implementadas, ainda assim as temperaturas subiriam cerca de 2,4°C em relação aos níveis pré-industriais até o final do século.
Mas mesmo que consigamos reduzir as emissões para essa meta ambiciosa de 1,5°C, os verões do Reino Unido continuarão a ficar mais quentes.
"Em algumas décadas, este verão [de 2022] pode vir a ser considerado frio", diz a climatologista Friederike Otto, professora da Universidade Imperial College London, na Inglaterra.
Para o professor Nigel Arnell, cientista climático da Universidade de Reading, também na Inglaterra, devemos esperar ondas de calor cada vez mais longas no futuro.
O que países como o Reino Unido, que enfrentam temperaturas recordes, estão fazendo? Muito pouco, segundo o Comitê de Mudanças Climáticas (CCC), que assessora o governo sobre mudanças climáticas.
Um relatório do CCC sobre as ações do Reino Unido alerta que as políticas atuais do governo dificilmente darão resultado. Segundo o texto, o governo estabeleceu muitas metas e implementou muitas políticas, mas alerta que há "poucas evidências" de que as metas serão cumpridas.
E o país não estaria fazendo o suficiente para se preparar para as ondas de calor mais frequentes e intensas no futuro.
Ondas de calor causaram mais 2 mil mortes em 2020, de acordo com a Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido.
*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.
Amazônia e Cerrado batem recordes de focos de queimadas para mês de junho
Lara Pinheiro*, g1
A Amazônia e o Cerrado registraram recordes históricos no número de focos de queimadas para junho, segundo monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe).
Na Amazônia, foram detectados 2.562 focos de calor, o maior número para o mês desde 2007, quando 3.519 focos foram registrados. É o terceiro ano consecutivo de alta no número de focos de calor na floresta.
- Desmatamento e mudanças do clima agravam risco de seca severa na Amazônia e no Cerrado
- Por que o Brasil precisa reduzir o desmatamento e as queimadas para ir contra o aquecimento global?
Os meses de maio e junho marcam o início da temporada de queimadas e desmatamento na Amazônia, por causa do período de seca na floresta. Em maio, o Inpe detectou 2.287 focos de calor na floresta, também um recorde histórico: foi a maior quantidade para o mês desde 2004.
Segundo os dados históricos, a tendência é que a quantidade de pontos de queimada na floresta aumente em julho e agosto. As medições são feitas desde 1998.
No acumulado do semestre, já são 7,5 mil focos de calor registrados na floresta, um aumento de 18% em relação ao mesmo período de 2021. A Amazônia também viu um semestre com a maior área sob alerta de desmatamento em 7 anos, ainda sem os dados dos últimos 6 dias de junho.
Em nota, o especialista em políticas públicas do WWF-Brasil Raul do Valle afirmou que "com Bolsonaro correndo atrás nas pesquisas, os grileiros, os garimpeiros e todos que navegam na impunidade" estão "sentindo que precisam correr para consolidar seus crimes, com receio de que um novo governo possa acabar com essa festa".
"É uma verdadeira corrida contra o Brasil e até o final do ano vamos ver o tamanho desse desastre", disse do Valle.
Nesta semana, um documento obtido pelo g1 apontou que o Ministério do Meio Ambiente do governo Bolsonaro colocou em risco a continuidade do Fundo Amazônia, criado há cerca de 14 anos para financiar ações de redução de emissões geradas pela degradação florestal e pelo desmatamento.
Cerrado
Já o Cerrado registrou ainda mais pontos de queimada em junho do que a Amazônia: 4.239 focos, o maior número para junho desde 2010, quando 6.443 focos haviam sido detectados. Também é o terceiro ano consecutivo de alta nos focos de queimada no bioma.
Assim como na Amazônia, a temporada seca no bioma também já começou: no mês passado, foram registrados 3.578 focos de calor no Cerrado, o maior número para o mês desde que o Inpe começou as medições, em 1998.
No acumulado do semestre, o Cerrado somou quase 11 mil focos de queimadas; o número é o maior para o período desde 2010.
Focos de queimadas no Cerrado no primeiro semestre (2010-2022)
Os dados históricos do Inpe também apontam que deve haver ainda mais focos mensais de queimada no bioma pelos próximos três meses. No ano passado, foram detectados 41.937 focos de calor no Cerrado somente no período de julho a setembro.
*Texto publicado originalmente em g1
Chuvas no Nordeste afetam mais de 1,2 milhão de pessoas em 6 meses
BBC News Brasil
Os efeitos do excesso de chuvas afetaram mais de 1,2 milhão de pessoas na região Nordeste desde dezembro de 2021 até agora, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) com base nos dados das Defesas Civis municipais.
A entidade aponta que, apesar dos desastres terem sido causados pelas chuvas, muitos dos problemas são resultado da falta de políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura.
O levantamento considera o total de mortos e outras pessoas afetadas pelas chuvas, categoria que inclui tanto quem perdeu sua casa de forma definitiva quanto aqueles que precisaram deixar suas casas de forma temporária.
Houve 132 mortes por este mesmo motivo no mesmo período, que vai até 30 de maio.
A maioria delas ocorreu na última semana em Recife, capital de Pernambuco, na última semana, após o grande volume de chuvas que causou deslizamentos e alagamentos. Até o momento, ao menos 91 pessoas morreram e 26 pessoas estão desaparecidas.
Estados mais afetados
Nos últimos seis meses, 48.182 casas foram danificadas e 5.347 casas foram totalmente destruídas no Nordeste, aponta a CNM.
Segundo a confederação, além de Pernambuco — onde foram registradas mais mortes — os Estados mais afetados foram Bahia, Maranhão e Ceará.
"As chuvas do final de 2021 e o início deste ano na Bahia mataram ao menos 26 pessoas, desalojando quase 150 mil, com mais de 1 milhão de pessoas afetadas", diz a entidade.
O Maranhão teve mais de 20 mil desalojados e 158 mil pessoas afetadas. No Ceará, 53 mil pessoas foram afetadas.
A região também teve pelo menos R$ 3 milhões em prejuízo nos últimos seis meses, com danos à pecuária, à agricultura, à indústria, ao comércio, aos sistemas de geração energia, de abastecimento de água, de esgoto, de limpeza, de segurança pública, de controle de pragas, de transportes e de telecomunicações, segundo cálculos da CNM.
410 mortes no país
O Brasil todo teve um total de 7,9 milhões de pessoas afetadas pela chuva até abril de 2022, segundo o levantamento nacional mais recente da confederação — ou seja, esse número não inclui as recentes chuvas de maio.
No final de 2021 e início de 2022, tempestades causaram 25 mortes em Minas Gerais, afetando 990 mil pessoas.
Em fevereiro, 233 pessoas morreram em Petrópolis, no Rio de Janeiro, devido a deslizamentos e alagamentos causados pela chuva.
O Rio de Janeiro também foi fortemente afetado em abril, quando as chuvas causaram deslizamentos que deixaram 11 mortos em Angra dos Reis, 7 em Paraty e 1 em Mesquita.
Se incluídas as 132 mortes no Nordeste, foram ao menos 410 mortes no país todo por causa de chuvas nos últimos seis meses.
Falta de políticas públicas
Segundo a CNM, apesar dos desastres terem sido causados por fenômenos da natureza, muitos dos problemas na verdade são resultado da falta de "políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura eficazes".
"Os diversos desastres ocorridos, a despeito de sua natureza, como chuvas torrenciais e consequentes deslizamentos de terra e inundações, escondem muitas vezes a ausência de políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura eficazes e deixam claro a precariedade da articulação de políticas de prevenção de desastres pelos entes federados", afirma a entidade no relatório.
Além dos desastres desencadeados pela chuva em alguns meses do ano, diversos municípios têm que lidar com a seca nos outros meses.
Segundo a CNM, a seca está "a cada ano mais intensa e duradoura", trazendo graves problemas aos municípios.
Embora o problema afete principalmente o Nordeste, ele também pode atingir outras regiões do país, diz a CNM.
"Por exemplo, desde 2019, a seca vem castigando a região sul do Brasil, com efeitos devastadores, colapso de abastecimento de água potável e grandes prejuízos econômicos e financeiros no agronegócio e na pecuária", afirma a confederação no relatório.
*Texto publicado originalmente no BCC News Brasil
Jamil Chade: Mundo à espera de que o Brasil cumpra promessas da COP26
País endossou compromissos que os líderes mundiais agora esperam ver concretizados. Sem eles, acordos, como Mercosul UE, ficam estacionados
Jamil Chade / El País
Num dos longos saguões do centro onde ocorria a Conferência da ONU para Mudança Climáticas, em Glasgow, os seguranças do secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, abriam espaço entre dezenas de delegados para que o chefe do organismo internacional passasse com seu cortejo. Mas quando o português viu a reportagem do EL PAÍS, ele reduziu o passo, permitiu a aproximação e perguntou ao pé do ouvido: “e o Brasil, está se comportando?”.
A dúvida, porém, não era apenas do comando da ONU. Ao longo das últimas duas semanas, delegações estrangeiras, ministros e negociadores tinham a mesma reação diante do posicionamento do Brasil nas negociações climáticas: até que ponto os anúncios eram sinceros e representavam uma mudança na postura do governo? A suspeita que pairava não era por acaso. Voluntárias, sem obrigações legais e sem forma de fiscalização, as iniciativas que foram apoiadas pelo Brasil preveem acabar com o desmatamento ilegal e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Politicamente, elas têm um peso significativo.
Entre os especialistas estrangeiros e representantes de governos, todos sabiam que os anúncios do governo não implicavam em nenhuma exigência imediata ao país. Nada muda a partir da próxima segunda-feira. De fato, os cálculos do Climate Action Tracker revelaram que as promessas estavam longe de serem ambiciosas. A entidade qualificou o anúncio brasileiro de “altamente insuficiente” no esforço internacional para limitar o aquecimento do planeta a 1,5 grau Celsius e colocou o país no grupo mais irresponsável, em sua avaliação.MAIS INFORMAÇÕESBrasil eleva metas ambientais na COP26, mas não convence
Mas o cálculo do governo foi outro: fazer os anúncios custaria pouco. Afinal, qualquer medida só teria de começar a ser implementada nos próximos anos. Mas, em contraposição, ficar de fora ampliaria a situação de pária. A estratégia funcionou para desmobilizar a pressão por alguns dias, na esperança de que o confete que foi jogado ao ar fosse suficiente para criar uma cortina de fumaça até o final da COP26.
Enquanto os anúncios faziam seus efeitos visuais, diplomatas brasileiros corriam de um lado ao outro pelos corredores da COP26 costurando acordos, blindando posições do Brasil e desarmando a bomba que poderia transformar o país no principal vilão de um eventual fracasso em Glasgow. O Brasil, assim, abriu mão de sua posição histórica em crédito de carbono e conseguiu chegar a uma equação considerada “equilibrada”. O país insistia em que os créditos do Protocolo de Kyoto continuassem a ser contabilizados no mercado. Mas países ricos exigiram o novo sistema criado em Paris, em 2015, fosse o único.
Nada disso era suficiente para que o país reconquistasse sua posição de ator central das negociações climáticas. Negociadores estrangeiros explicaram que a recuperação desse status dependerá, no fundo, de que o governo prove que existe um plano consistente para as promessas que apresentou. “Não é uma questão de confiança”, disse o enviado americano para o Clima, John Kerry, ao ser questionado se acreditava em Bolsonaro. Para ele, o Brasil terá de adotar “medidas concretas” se quiser voltar a ganhar espaço internacional. Franz Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia, repetiu a mesma constatação. Para ele, os anúncios eram “passos importantes”. Mas questionado se era suficiente, ele hesitou: “Veremos”.
Dias antes, num texto publicado nas páginas oficiais da UE, o chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell, deixou claro que cobrou do governo não apenas promessas, mas ações. “Salientei a importância de que estes compromissos sejam plenamente implementados no terreno”, disse. “Vários interlocutores não governamentais enfatizaram as dificuldades que poderiam surgir nesta área, particularmente na questão do desmatamento ilegal, devido à falta de recursos e a interesses profundos que se opõem a ações para combatê-lo eficazmente”, alertou. Ele admitiu que existe um espaço para que os novos compromissos ambientais do governo brasileiro ajudem a fazer avançar a ratificação do acordo comercial entre Mercosul e Europa. Mas colocou um condicionante. Isso só seria possível “se realmente forem seguidos”.
Enquanto as dúvidas prevaleciam, o governo brasileiro optou por se manter atrás de um pavilhão bancado pelo agronegócio em Glasgow e no qual a palavra ‘desmatamento não era pronunciada. Ali, em seminários que apenas alimentavam o próprio bolsonarismo, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, insistia que estava apresentando o “Brasil real”. Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente no Brasil, ironizava. “Era o Brasil geneticamente modificado”, disse.
Em Glasgow, a sociedade civil brasileira não fez parte da delegação oficial, ocupada integralmente por empresários e ruralistas. Leite sequer atendeu a um pedido das entidades e ambientalistas para visitar o local criado pelas ONGs brasileiras na COP26. Mas não se pode enganar todo mundo o tempo todo. Um choque de realidade apareceu quando, no último dia, dados do desmatamento foram revelados e revelaram o pior índice para o mês de outubro em toda a série histórica, que começou em 2016.
Leite, porém, se recusou a explicar os números e, numa constrangedora caminhada de cinco minutos pela COP26, se manteve em um silêncio ensurdecedor enquanto era bombardeado por perguntas sobre o desmatamento recorde. Enquanto ele fugia de uma resposta, Espen Barth Eide, ministro do Meio Ambiente da Noruega, não hesitou em constatar a gravidade daquela informação. Dono do maior fundo soberano do mundo e o principal financiador do Fundo Amazônia, o governo da Noruega afirmou estar preocupado com os recentes números de desmatamento no Brasil. “É algo sobre o qual precisamos refletir certamente”, disse. “Estou muito preocupado com o desmatamento que já existe”, afirmou.
Para ele, os novos números brasileiros devem ser uma “lembrança” de como é importante a questão do compromisso de governos em reduzir o desmatamento. Eide afirma que países que não seguirem esse caminho terão sua credibilidade minada. Assim, no último dia da COP26 e apesar de todos os esforços para achar que enganava o mundo, a máscara do bolsonarismo caiu. E o Brasil real reapareceu, melancolicamente.
COP26: Os principais fracassos e vitórias do acordo final da cúpula sobre clima
Acordo assinado tenta garantir o cumprimento da meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C
Nathalia Passarinho / BBC News Brasil
O texto estabelece a necessidade de redução global das emissões de dióxido de carbono em 45% até 2030, na comparação com 2010, e de neutralidade de liberação de CO2 até 2050 - quando emissões são reduzidas ao máximo e as restantes são totalmente compensadas por reflorestamento e tecnologias de captura de carbono da atmosfera.
Alguns trechos do acordo foram muito elogiados por ambientalistas e observadores presentes à conferência, como a exigência para que as nações apresentem já no ano que vem novos compromissos de redução de gases do efeito estufa.
Mas, no último momento, por forte pressão da Índia e da China, os países concordaram em esvaziar um dos principais trechos do texto, que falava em abandono gradual do uso de carvão e subsídios a combustíveis fósseis. Em vez de se comprometerem a acelerar a "eliminação", o acordo fala em acelerar a "diminuição" dessas fontes altamente poluentes de energia. Mesmo assim, ONGs ambientais e especialistas dizem que esse trecho continua a representar um avanço histórico.
No que diz respeito a apoio financeiro a países pobres, no entanto, a sensação é de que houve pouca evolução. Para alguns países em desenvolvimento, como o Brasil, há um "desequilíbrio" nas responsabilidades, com nações ricas cobrando resultados e ambição, sem entregar o dinheiro prometido para financiar as regiões mais afetadas pelas mudanças climáticas.
Os países mais vulneráveis também pediam um fundo para "perdas e danos", para usar quando se vissem diante de emergências climáticas inevitáveis, como furacões, inundações e secas prolongadas. Mas União e Europeia e Estados Unidos bloquearam essa proposta.
A BBC News Brasil lista aqui os avanços no texto e o temas que falharam em ambição por falta de consenso.
Diminuição de combustíveis fósseis
O acordo firmado na COP26 defende a necessidade de "acelerar" a transição energética para fontes limpas. Também pede que os países "acelerem" os esforços para reduzir subsídios "ineficientes" a combustíveis fósseis e o uso de carvão que não use tecnologia de compensação de emissões.
O texto anterior falava em "eliminar" o uso de carvão, o que para especialistas e ONGs internacionais, como Greenpeace e WWF, seria um avanço histórico, já que seria primeira vez que a menção ao fim do uso de fontes poluidoras de energia "sobrevivia" ao acordo final de uma cúpula do clima.
Por causa da grande pressão de países que defendem de energia a carvão e de grandes exportadores de petróleo, como Arábia Saudita, Índia, China e Rússia, já havia um temor de que o trecho fosse retirado durante as negociações. No final das contas, foi esvaziado. O presidente da COP26, Alok Sharma, chegou a se emocionar ao dizer que lamenta que as negociações tenham resultado nessa última versão sobre combustível fósseis, mas destacou que era preciso chegar a um consenso.
"Esta é a primeira vez que uma decisão na Convenção do Clima reconhece explicitamente a necessidade de transição de combustíveis fósseis para renováveis. Já tínhamos visto propostas nesse sentido em rascunhos de decisões anteriores, como do próprio Acordo de Paris, mas elas não sobreviveram em texto final", disse à BBC News Brasil Natalie Unsterstell, especialista em política climática e integrante do Grupe de Financiamento Climático para América Latina e Caribe.
Ao mesmo tempo, diz, "é um reflexo direto de que os combustíveis fósseis estão perdendo sua licença social, isto é, sua licença para existir."
Além disso, durante a COP26, um grupo de 40 países, incluindo Reino Unido, Canadá e Polônia, assinou um acordo paralelo para eliminar o uso de carvão mineral de sua matriz energética entre 2030 e 2040. Mas a lista não inclui os dois maiores emissores do mundo: China e Estados Unidos.
Muitos ativistas também criticam o fato de não haver qualquer data ou meta de percentual para eliminação de combustíveis fósseis no texto final. E representantes do Brasil lamentaram que não tenha sido firmado um compromisso paralelo durante a COP26, em que países desenvolvidos se comprometessem com um prazo para a transição de energia suja para fontes renováveis.
Na primeira semana da cúpula do clima, foram assinados compromissos paralelos sobre zerar desmatamento até 2030 e reduzir a emissão de metano em 30% até 2030, mas um acordo semelhante não foi feito sobre transição de energia de fontes poluidoras para energia limpa.
"Teria sido interessante que houvesse um compromisso como o que assinamos sobre florestas, mas alcançando a área de energia e combustíveis fósseis, as maiores fontes de poluição. E o termo 'ineficiente' é vago. O que seria um subsídio ineficiente para combustível fóssil? Tinha que ser 'eliminar subsídio'", criticou um negociador brasileiro.
Metas mais ambiciosas em 2022
Para especialistas, uma das principais vitórias do acordo final é incluir a necessidade de países apresentarem até o final de 2022 novos compromissos de redução de gases do efeito estufa. Isso porque as metas apresentadas até agora por cada país não seriam suficientes para limitar o aquecimento da Terra a 1,5°C, conforme previsto no Acordo de Paris, assinado em 2015.
Um estudo de pesquisadores do Climate Action Target divulgado durante a cúpula do clima analisou esses compromissos e concluiu que a temperatura do planeta aumentaria 2,4°C se dependermos das metas de curto prazo apresentadas pelos países.
"É muito importante esse trecho do acordo de exigir mais ambição de todos os países já em 2022", disse à BBC News Brasil a gerente de Política Global e Climática da WWF, Fernanda Carvalho.
Com isso, os países deverão elaborar e submeter até o fim do ano que vem uma nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), como é chamado o documento com metas voluntárias nacionais.
Outro ponto do acordo que representou um avanço, conforme especialistas, é a parte que regulamenta o monitoramento dos compromissos assumidos. Pelo acordo, todo ano os países devem apresentar um relatório sobre o andamento das NDCs, ou seja, dos compromissos assumidos por cada país.
Assim, será possível saber quem está cumprindo ou não as promessas feitas ao mundo. Além disso, ministros do Meio Ambiente deverão se reunir anualmente para discutir as metas climáticas de curto prazo, que devem ser efetivadas até 2030.
Bom monitoramento de metas, fraco controle de dinheiro
Se, por um lado, mecanismos para monitorar o cumprimento das metas avançaram, negociadores do Brasil dizem que o mesmo não aconteceu com o controle de financiamento de países ricos a nações mais pobres.
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai tentavam emplacar nas negociações a previsão de um comitê permanente para controlar o pagamento dos US$ 100 bilhões anuais que países ricos se comprometeram a pagar entre 2020 e 2025, para financiar ações contra o aquecimento global em países em desenvolvimento.
A ideia era que esse comitê acompanhasse a entrada do dinheiro, quanto cada país está pagando e para qual finalidade. Mas países ricos, principalmente a União Europeia, bloquearam a proposta.
"Os países ricos pressionaram por um mecanismo robusto de monitoramento do cumprimento das metas, mas não aceitam o mesmo para o controle de quanto estão entregando em financiamento a países pobres", criticou um negociador brasileiro.
Fracassou pleito por US$ 1,3 trilhão a países pobres
O dinheiro na mesa, ou seja, o financiamento de países ricos a ações de combate ao aquecimento em países mais pobres, é considerado o ponto de maior fragilidade do acordo final da COP.
O texto reconhece que é necessário que países ricos contribuam com "bem mais" do que os US$ 100 bilhões por ano que haviam prometido dar em financiamento a países em desenvolvimento entre 2020 e 2025.
Mas o documento não estabelece uma cifra. Até agora, os US$ 100 bilhões prometidos não foram cumpridos pelos países desenvolvidos e, segundo previsões, esse valor só deve começar a entrar em 2023.
Países em desenvolvimento faziam pressão por uma versão do acordo que previa até US$ 1,3 trilhão em financiamento anual até 2030. O texto também não contemplou uma reinvindicação intermediária para que o financiamento de países desenvolvidos somassem US$ 600 bilhões até 2025.
O texto prevê, porém, que países definam até 2024 o valor do financiamento anual que deve passar a ser concedido a países em desenvolvimento a partir de 2025. E destaca que a cifra deve ser significativamente maior que os US$ 100 bilhões que deveriam ter sido pagos entre 2020 e 2025.
"Infelizmente, os países desenvolvidos não vieram preparados para essa COP. É frustrante ver o movimento real dos países desenvolvidos. Que eles tivessem se preparado para essa COP de forma clara, que eles já tivessem reservados em seus orçamentos recursos relevantes para fazer uma transição justa", criticou o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, à em entrevista à BBC News Brasil.
"Infelizmente, em relação a financiamento, todos aqui da COP saem frustrados que não tenhamos chegado a um valor maior que os US$ 100 bilhões, que já não são suficientes para uma transição justa. Esperamos que nas próximas COPs os países desenvolvidos e maiores poluidores assumam a sua responsabilidades perante a esse desafio e a essa questão global."
Fracasso da reivindicação de um fundo a países afetados
Um dos pontos mais sensíveis da negociação era o pleito dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas pela criação de um fundo de "perdas e danos", para ajudar essas nações a lidar com emergências climáticas que não podem evitar.
Estados Unidos e União Europeia foram os principais países a bloquear a proposta. Em vez de definir recursos e um fundo específico para compensar os países pelo impacto que já sofrem com mudanças climáticas, o acordo fala em "fortalecer parcerias" entre países desenvolvidos, países em desenvolvimento, e instituições financeiras para ajudar na resposta a danos provocados pelas mudanças climáticas.
O documento também reconhece que é preciso mais ajuda em a países vulneráveis e reconhece que eles já estão sofrendo os efeitos do aquecimento global.
"Para nós, (financiamento para) perdas e danos é uma questão de sobrevivência. As Maldivas vão aceitar o texto do acordo, mas pedem que os países ricos possam transpor as palavras e agir. Hoje aqueles que têm mais opções decidem quão rápido é necessário agir", disse a representante das Maldivas - que estão entre as ilhas sob risco de sucumbir diante do aumento do nível do mar - na reunião plenária em que países apresentaram suas opiniões sobre a proposta de acordo.
Saldo é positivo?
Apesar de ter verem fracassos no texto, principalmente na ausência de valores para financiar ações climáticas em países em desenvolvimento, ambientalistas e especialistas em políticas climáticas ouvidos pela BBC News Brasil dizem que o saldo é positivo.
"Nunca antes eu tinha visto uma decisão da COP contemplando tanto as preocupações de pessoas reais e permeado pelo progresso que está ocorrendo na economia real. Diplomacia é incremental. Então é ótimo ver um pacote que reconhece o que já está acontecendo e precisa ser acelerado, como a mudança da opinião pública sobre combustíveis fósseis", disse Natalie Unterstell.
Para Unterstell, apesar do esvaziamento do trecho que fala de carvão e combustíveis fósseis, é a primeira que um texto da COP26 reconhece o problema específico provocado pelas emissões de fontes sujas de energia. "O ideal seria falar em abandono (do uso de carvão e combustíveis fósseis). É o que a economia real está tentando buscar e realizar, e o que a ciência precisa que aconteça. Mas diplomacia é incremental e morosa", wopinou a especialista em política climática.
Manuel Pulgar-Vidal, diretor de Clima e Energia da WWF, também afirmou que houve "progresso" no acordo da cúpula do clima. "Temos que reconhecer que houve avanço. Existem agora novas oportunidades para os países entregaram o que eles sabem que precisa ser feito para evitar uma catástrofe climática."
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59274397
COP26: Documento final vai cobrar que países melhorem metas climáticas até o fim de 2022
Financiamento climático e mercado de carbono são pontos-chave na negociação
Emílio Sant'anna / Enviado especial
GLASGOW - A agência climática da Organização das Nações Unidas (ONU) publicou nesta quarta-feira, 10, o rascunho do documento final que deve ser assinado pelos países ao fim da Cúpula do Clima em Glasgow, a COP-26. Negociadores de quase 200 nações trabalham para chegar a um acordo final até o fim de semana, quando acaba a conferência. No texto, os governos são cobrados a apresentar metas mais ambiciosas de corte de emissões de gases até o fim do ano que vem.
O presidente da COP, Alok Sharma, disse na terça-feira, 9, que os negociadores têm uma "montanha a escalar" para chegar a um acordo suficiente para enfrentar essas ameaças ambientais. O rascunho pede que os países “revisitem e fortaleçam as metas de 2030 em suas contribuições nacionalmente determinadas (as NDCs, ou metas climáticas apresentadas por cada governo), conforme necessário para se alinhar com a meta de temperatura do Acordo de Paris até o final de 2022”. Segundo o tratado climático firmado na França em 2015, os líderes concordaram em limitar o aquecimento global a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais.
LEIA TAMBÉM
Com vácuo deixado por Bolsonaro, Colômbia busca protagonismo em pautas pró-Amazônia
O documento também pede que os países eliminem gradualmente os subsídios ao carvão, petróleo e gás, com objetivo de reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) - principal contribuinte das mudanças climáticas. O rascunho não fixa, entretanto, uma data para a eliminação completa dessa fonte de energia, importante para os países desenvolvidos.
Também é classificado como "insuficiente" o financiamento de ações para mitigar as mudanças climáticas, um dos impasses que se arrasta pelas conferências há mais de uma década. Em 2009, as nações desenvolvidas se comprometeram a oferecer US$ 100 bilhões anuais aos países pobres e em desenvolvimento. A promessa, entretanto, não foi cumprida até agora. O ministro do Meio Ambiente brasileiro, Joaquim Leite, cobrou um valor superior a esse em sua primeira declaração pública em Glasgow nesta terça. O rascunho apela para que esse apoio aumente “urgentemente”.
https://www.youtube.com/embed/BrgFNIGdzrE?enablejsapi=1&origin=https%3A%2F%2Fsustentabilidade.estadao.com.br
Itamaraty vê com otimismo chance de acordo sobre mercado de carbono
Não há menções a um avanço na regulação do mercado de carbono, o chamado Artigo 6 do Acordo de Paris, considerado outro ponto-chave na Cúpula do Clima. O objetivo é estabelecer um mecanismo central da ONU para trocar créditos de carbono dos cortes nas emissões geradas por projetos de baixo carbono. Com isso, é possível pagar por uma redução de emissões em outro lugar, como na prevenção do desmate. Um país também pode, por exemplo, pagar outro pelo desenvolvimento de um projeto de energia renovável no lugar de uma planta de uso de carvão.
Para o Itamaraty, segundo o Estadão apurou, são positivas as perspectivas de se chegar a uma resolução para a regulamentação do mercado de carbono nesta COP. No jargão diplomático, o Brasil promete uma postura construtiva - o que seria, caso se confirme, o oposto do comportamento brasileiro na edição anterior da Cúpula, em Madri, em 2019. Naquele ano, o primeiro da gestão Jair Bolsonaro, o país abandonou a posição de liderança nas negociações ambientais internacionais pela qual era conhecido e adotou posição oposta.
Diferentemente das gestões Ricardo Salles, no Meio Ambiente, e Ernesto Araújo, nas Relações Exteriores, dessa vez o Itamaraty reforçou sua equipe de negociadores com diplomatas experientes e que conhecem assuntos ambientais a fundo. Ainda assim, o clima durante toda a COP vem sendo de desconfiança em relação à postura do governo federal. Na avaliação da maior parte das entidades ambientais e ONGs ouvidas pelo Estadão, já será um lucro se o Brasil não atrapalhar as negociações.
Entidades também veem compromissos insuficientes
O Greenpeace considerou o documento inadequado. “Este rascunho não é um plano para resolver a crise climática, é um acordo para que todos cruzemos os dedos e torçamos pelo melhor. É um pedido educado para que os países talvez, possivelmente, façam mais no próximo ano", declarou a organização ambiental.
https://www.youtube.com/embed/k9TlA8nJg1w?enablejsapi=1&origin=https%3A%2F%2Fsustentabilidade.estadao.com.br
O grupo de pesquisa Climate Action Tracker (CAT) disse na terça-feira, 9, que todas as promessas nacionais apresentadas até agora, para reduzir os gases do efeito estufa até 2030, permitem que a temperatura da Terra suba 2,4 °C em relação aos níveis pré-industriais até o fim do século. O rascunho do documento lembra os países que, para impedir o aquecimento do planeta além dos 1,5 °C, as emissões globais de CO2 devem cair 45% até 2030, em relação aos níveis de 2010. Conforme as promessas climáticas nacionais apresentadas até agora, as liberações estarão 14% acima dos níveis de 2010 até 2030./COM REUTERS
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Com vácuo deixado por Bolsonaro, Colômbia busca protagonismo em pautas pró-Amazônia
- 'Precisamos mais do que os US$ 100 bilhões por ano', diz ministro do Meio Ambiente na COP
- Brasil tem problema grave de desmatamento ilegal, diz Pacheco em evento da COP
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,agencia-onu-publica-rascunho-acordo-final-cop,70003894436
Brasil atravessa convergência de escolhas equivocadas, diz ecóloga
Para Mercedes Bustamante, ao não investir em adaptações às mudanças climáticas, país coloca economia em risco
Cristiane Fontes e Marcelo Leite / Folha de S. Paulo
Mercedes Bustamante, uma das maiores autoridades brasileiras em ecologia e desmatamento do cerrado e da floresta amazônica, está alarmada com a perda de credibilidade do governo brasileiro na COP26, cúpula sobre a crise do clima que se realiza em Glasgow, Escócia. Não o bastante, contudo, para perder o otimismo.
Uma entre mais de 200 autores de relatório do Painel Científico sobre a Amazônia, ela aponta como prioridades zerar o desmatamento, legal ou ilegal, "sem adjetivos".
Ela também vê como essencial organizar de forma inclusiva atividades de bioeconomia, com base na parceria da ciência com o conhecimento tradicional, e aperfeiçoar a regulamentação do acesso a recursos genéticos que de fato atendam tanto à indústria quanto a populações locais.
Para isso, entretanto, seria urgente desfazer a série de escolhas equivocadas do país, alçada a níveis nunca vistos no governo Bolsonaro. "Não se consegue montar uma bioeconomia inclusiva na Amazônia competindo com uma economia ilegal como se tem hoje."
O relatório do Painel Científico para a Amazônia (sigla SPA, em inglês) foi finalizado para lançamento na COP26. Quais são as principais recomendações do texto?
Um dos primeiros pontos importantes é deter o desmatamento. E a gente não coloca um adjetivo aí, desmatamento legal ou ilegal, é deter o desmatamento e o processo de degradação da floresta.
O segundo passo é organizar as atividades sustentáveis na Amazônia. Há hoje uma série de atividades, algumas já ganhando escala, com base na utilização dos recursos biológicos que comporiam a bioeconomia num sentido mais amplo. Mas existe uma lacuna enorme no que poderia ser feito a partir da integração dos diferentes sistemas do conhecimento: ciência, tecnologia e inovação e conhecimento indígena e tradicional.
O que falta para a construção dessa chamada bioeconomia amazônica?
O conceito de bioeconomia deve ser abrangente o suficiente para a gente olhar povos da floresta, recursos terrestres, recursos aquáticos, agricultura familiar e atividades de maior escala.
O Brasil não conseguiu uma implementação satisfatória dos mecanismos que permitem o acesso aos recursos genéticos nem clareza em relação à repartição de benefícios associados ao conhecimento tradicional. Hoje o país não protege adequadamente o conhecimento tradicional, e eu acredito que também não atenda, de forma satisfatória, nem a indústria nem academia.
Outro gargalo para uma bioeconomia sólida e inclusiva é que ela demanda fiscalização e eliminação de atividades ilegais. Políticas que tenham como premissa a floresta em pé, rios saudáveis. Demanda ações claras de que apropriação indevida de terras púbicas, de unidades de conservação, de territórios indígenas não serão toleradas.
Por fim, o investimento em ciência, tecnologia e inovação ainda está muito aquém do necessário. Na Amazônia, a gente descreve uma nova espécie a cada dois dias, o que indica a enorme lacuna de conhecimento da diversidade.
Além disso, o Brasil enfrenta novamente o problema da fuga de cérebros.
Vemos a convergência de uma série de escolhas equivocadas para o país. Acrescentaria ao quadro a questão da mudança do clima. Uma das grandes preocupações do Brasil deveria ser como as mudanças climáticas vão afetar a biodiversidade e o funcionamento dos sistemas naturais, que são nossa vantagem competitiva no mundo.
A gente vem organizando ou desorganizando o sistema com o olhar no retrovisor, para uma economia que não vai existir mais, deixando de perceber onde estão as possibilidades que se desenham rapidamente em função da crise climática. Você não consegue montar uma economia legal na Amazônia competindo com uma economia ilegal como a gente tem hoje.
O que seria mais urgente para a gente reverter a situação atual e assegurar a moratória do desmatamento?
Vejo com bons olhos a movimentação dos governadores, das instituições locais, porque elas começam a ocupar o vazio que foi deixado pelo governo federal. Agora, uma boa parte do território amazônico é de responsabilidade de União.
A gente já percebe mercados que se fecham para o Brasil. Esse clima de instabilidade que a gente vive tem consequências econômicas.
Quando falamos de mudança no clima no Brasil, normalmente pensamos na Amazônia, mas o cerrado é segundo maior bioma. Que medidas de proteção são urgentes para a savana brasileira?
Os critérios de sustentabilidade que a gente vem discutindo para a Amazônia se aplicam para todos os biomas brasileiros.
A situação do cerrado preocupa bastante porque o avanço do desmatamento se deu de forma muito rápida.
Quando a gente fala que 50% do cerrado já foram convertidos, as pessoas têm essa impressão de que há 50% intactos, mas estão bastante fragmentados e muitos deles em estágio de degradação.
Apesar de o Código Florestal colocar que tem de conservar pelo menos 20% no cerrado, hoje a maior parte do desmatamento não tem autorização de órgãos ambientais. Novamente, existe o problema do cumprimento da lei. Isso impossibilita que você tenha uma gestão desse processo de ocupação, olhando a paisagem e não a propriedade, que é um dos nossos grandes problemas.
O segundo ponto é que nós temos enormes áreas de pastagens, que continuam sendo o uso prioritário da terra no cerrado. Pastagens que estão degradadas, abandonadas, sobretudo na porção mais antiga de ocupação, no centro-sul.
O que seria possível fazer nessas áreas?
Muitas delas podem ser utilizadas para a agricultura, segurando o desmatamento na porção norte, ou para restauração, para conectar fragmentos importantes que sejam de conservação da biodiversidade.
O terceiro ponto em relação ao cerrado é a mudança de práticas da agricultura de larga escala. No futuro, uma área extensa de monocultura não vai ter mais lugar, porque ela não se sustenta. E ela só tem lucro se tiver essa ocupação em larga escala.
Essa ocupação em larga escala no Matopiba [Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia] enfrenta um risco climático muito grande. E ele vai se acentuar, se a gente não conseguir manter o limite da temperatura em 1,5ºC, da meta do Acordo de Paris.
Isso começa a inviabilizar a agricultura nessas áreas e significa que elas têm de retornar para o centro-sul. Só que o centro-sul já está ocupado, então a gente vai chegar num dilema de competição por área, se não houver planejamento.
Qual a sua opinião sobre a participação do Brasil na COP26?
A gente chega na COP26 com uma reputação bastante arranhada, debilitada.
O governo brasileiro pode levar uma bela proposta, que não está sendo amplamente discutida com a sociedade ou com a academia. As ações são tão contundentes no sentido contrário que uma meta que não tenha a clareza de etapas, como vai ser atingida, tem pouco efeito.
O Brasil está perdendo um tempo precioso. A gente discute muito a questão da redução das emissões dos gases de efeito estufa, sobretudo porque essa emissão vem do desmatamento, mas não vem discutindo adequadamente ações de adaptação, num país em que as camadas sociais mais pobres estão cada vez mais vulneráveis.
RAIO-X
Mercedes Bustamante, 58 é professora de ecologia da Universidade de Brasília desde 1993. Integra a Academia Brasileira de Ciências e a Academia Nacional de Ciência dos EUA. Participou do quinto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Concentra sua pesquisa nas mudanças de uso da terra no Brasil e seus impactos sobre os ecossistemas.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2021/11/brasil-atravessa-convergencia-de-escolhas-equivocadas-diz-ecologa.shtml
Elio Gaspari: Joe Biden está sem rumo
Pelo andar da carruagem, republicanos podem retomar controle do Congresso no ano que vem
Elio Gaspari / O Globo
O presidente americano Joe Biden conseguiu perder a eleição na Virgínia um ano depois de ter vencido naquele estado com uma vantagem de dez pontos. Pelo andar da carruagem, os republicanos poderão retomar o controle das duas casas do Congresso no ano que vem, ressuscitando o trumpismo. A falta de rumo dos democratas pode ser ilustrada pelo caso do blogueiro Allan dos Santos. É um episódio menor, paroquial, e também significativo.
Tendo prometido uma revisão da política de controle das fronteiras e escolhido sua vice, Kamala Harris, para cuidar da encrenca, Biden não sabe para onde ir, e Kamala, com seu imenso sorriso, simplesmente sumiu.
Entre o final do governo Trump e outubro passado, foram deportados 56.881 brasileiros que tentavam entrar nos Estados Unidos sem a documentação adequada. É o jogo jogado, não tem os papéis, volta para casa. E Allan dos Santos?
O blogueiro está nos Estados Unidos desde julho do ano passado, e no início de outubro teve sua prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Seu visto de turista expirou há tempo, e Moraes pediu que ele fosse recambiado para o Brasil.
O blogueiro, estrela do bolsonarismo eletrônico, defende-se e quer ficar por lá. Ele sustenta que é jornalista e está sendo perseguido. Há dias, ele voltou ao ar: “Eu não sei se o Alexandre vai conseguir me calar. Mas uma coisa eu tenho certeza, e essa certeza é absoluta: quando vierem me calar, estarei falando.”
A diplomacia americana pode oferecer abrigo a Allan dos Santos ou pode tratá-lo como trata os estrangeiros sem a documentação adequada. O que não tem sentido é que nada faça. Faz tempo, ela deu asilo a Leonel Brizola em poucos dias, e não faz tempo, a imigração americana embarcou mais um avião de deportados para o Brasil.
Biden está sendo comido pelos dois lados. Pela direita, porque tem uma agenda de centro. Pela esquerda, pelo mesmo motivo. Se isso fosse pouco, dorme durante reuniões chatas.
Eremildo, Bolsonaro e Moro
Eremildo é um idiota, e por isso leu três vezes o depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal. Lá está escrito o seguinte:
“Ao indicar o delegado Alexandre Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal.”
A frase telegráfica não permite dizer que Moro ofereceu uma troca. De certa forma, não permite dizer coisa alguma. Tudo ficaria mais claro se Bolsonaro pudesse reproduzir o que ouviu, contando quando a conversa ocorreu. Pelo que o depoimento registra, Eremildo acha que a história não faz sentido.
A conversa mencionada por Bolsonaro teria ocorrido em abril de 2020. O presidente queria para logo a nomeação de Ramagem para a chefia da Polícia Federal, mas a vaga do ministro Celso de Mello só viria em setembro, mais de quatro meses depois.
Sem as imprecisões que o tempo impõe à memória, Eremildo acha que merece crédito a curta troca de mensagens ocorrida naqueles dias entre a deputada Carla Zambelli e o então ministro da Justiça:
“Por favor, ministro, aceite o Ramagem e vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar a fazer JB (Jair Bolsonaro) prometer”.
Moro respondeu: “Prezada, não estou à venda”.
Lula com Alckmin
De uma víbora do Centrão, experiente porém suspeita:
O Lula pode estar fingindo que oferece a vice ao Geraldo Alckmin, e ele finge que acredita.
Racharam Alcolumbre
O episódio das rachadinhas no gabinete do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) ajudou a passar a escolha de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal.
Até o fim deste mês, Alcolumbre liberará o nome de Mendonça para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça, e logo depois ele irá ao plenário. Se a ajuda será suficiente para formar uma maioria, é outra história.
Jaboticabas
Um magistrado brasileiro recebia a visita de colegas americanos quando surgiu o tema dos precatórios.
Os americanos queriam saber o que era aquilo, e o juiz explicou que se tratava de dívidas reconhecidas pelo Judiciário e que não eram pagas. Por delicadeza, mudaram de assunto.
Em outra ocasião, o juiz Antonin Scalia disse que não entendia por que em Pindorama dizia-se que uma lei (da ditadura) era considerada legal, porém ilegítima. “Para mim, isso é blablablá”, disse Scalia.
Explicaram-lhe que de acordo com os Atos Institucionais, as medidas praticadas com base neles não podiam ser apreciadas pelo Judiciário.
Perplexo, Scalia abandonou o tema.
Moro e Dallagnol
Se o ex-juiz Sergio Moro e o agora ex-procurador Deltan Dallagnol disputarem cadeiras no Congresso, terão a surpresa de suas vidas. Na Câmara e no Senado, a voz de qualquer parlamentar vale o mesmo que a deles. Nenhum dos dois habituou-se a tamanho desconforto.
Se Moro disputar uma cadeira de senador, não aguenta oito anos de exercício rotineiro do mandato.
Gatilho rápido
Durante a campanha eleitoral do ano que vem, o Tribunal Superior Eleitoral pretende entrar no salão com o dedo no gatilho.
Pode-se acreditar que os suspeitos de sempre arriscam ir para a cadeia. Mais que isso: chapas e/ou candidaturas poderão ser embargadas.
Desta vez, nenhum processo rolará durante três anos.
A lira da Câmara
Arthur Lira, o presidente da Câmara, não é um personagem simpático, e suas ideias são claras como a noite, mas ele reuniu tamanho arsenal que de pouco adianta prever suas derrotas.
É melhor virar a chave: em princípio, ele ganha.
Petrobras
Bolsonaro recebeu sinais de seu mundo para que esfrie o debate em torno de uma eventual venda da Petrobras.
Quando ele quis colocar velhos amigos no governo, as cerejas desses bolos vieram da Petrobras.
A menos que ele encarregue D. Hélder Câmara e D. Eugênio Salles para desenhar uma eventual privatização da empresa, o tema fluirá para um só estuário, no qual naufragou o navio do comissariado petista.
Quando Fernando Henrique Cardoso privatizou a Vale do Rio Doce, com um caroço muito menor, o capitão defendeu seu fuzilamento.
Crivella candidato
A notícia segundo a qual o ex-prefeito Marcelo Crivella poderá disputar uma vaga no Congresso livraria o governo do constrangimento de ter que esquecer sua nomeação para a embaixada na África do Sul.
Indicado em junho, o doutor ficou travado no silêncio do governo de Pretória, que não lhe concedeu o agrément. No início de outubro, Bolsonaro ligou para o presidente Cyril Ramaphosa e pediu sua ajuda.
Até agora, nada.
Dificilmente a iniciativa do capitão partiu de uma sugestão de diplomatas profissionais. Eles sabem que o silêncio de uma chancelaria sugere a retirada do pedido de agrément, e telefonemas desse tipo só servem para agravar a questão.
Fonte:
Brasil cortou 93% da verba para pesquisa em mudanças climáticas
Entre 01/2016 e 12/2018, investimentos foram de R$ 31,1 milhões. Com Bolsonaro, caíram para R$ 2,1 milhões
Leandro Prazeres / BBC News Brasil em Brasília
Os dados foram levantados pela BBC News Brasil por meio do Sistema Integrado de Orçamento do Governo Federal (Siop). Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018, os investimentos nessa área foram de R$ 31,1 milhões. Na gestão Bolsonaro, porém, os gastos foram de apenas R$ 2,1 milhões.
Procurados, os ministérios do Meio Ambiente e da Ciência, Tecnologia e Inovações, e a Presidência da República não se pronunciaram.
As mudanças climáticas são um conjunto de alterações no clima do planeta causadas pela ação humana. Entre os principais fatores está a emissão de gases causadores do efeito estufa como o gás carbônico e metano.
Estudos indicam que países altamente dependentes da exportação de commodities agrícolas como o Brasil estão particularmente vulneráveis ao fenômeno porque ele pode causar, por exemplo, alterações no regime de chuvas e ventos e resultar em eventos climáticos extremos como secas prolongadas, ondas de frio e de calor mais frequentes.
- COP26: por que ONU diz que desconfiança entre países ameaça acordo por metas climáticas
- Brasil, China e mais de cem países assinam acordo para zerar desmatamento até 2030
Pressionado por altas taxas de desmatamento nos últimos anos, o governo Bolsonaro participa da COP-26, Conferência do Clima da ONU, que acontece em Glasgow, no Reino Unido. O próprio presidente não viajou para a Escócia.
Um dos principais objetivos da delegação brasileira é convencer a comunidade internacional do seu compromisso com a agenda ambiental.
Na terça-feira (2/11), representantes de mais de cem países, entre eles China e Brasil, assinaram um acordo para proteção de florestas que tem como meta zerar o desmatamento no mundo até 2030. O Brasil também aumentou a meta de redução de gases poluentes de 43% para 50% até 2030 e se comprometeu em antecipar a meta de zerar o desmatamento ilegal de 2030 para 2028.
Na semana passada, a BBC News Brasil antecipou que o Brasil decidiu assinar um importante acordo sobre proteção de florestas conhecido como "Forest Deal".
Mais promessas, menos verba
O levantamento feito pela BBC News Brasil, porém, mostra uma redução drástica do investimento do governo federal em estudos para preparar o país para os efeitos da crise no clima.
Os dados consideram duas ações orçamentárias do governo federal destinadas, especificamente, a produzir estudos e projetos com essa temática: 20G4 — Fomento a Estudos e Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente) e 20VA — Apoio a Estudos e Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento à Mudança do Clima (a cargo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações).
O levantamento aponta que o ritmo de investimento entre 2016 e 2018 era de redução. Em 2016, por exemplo, o governo gastou R$ 20,7 milhões. No ano seguinte, esse valor caiu para R$ 8,4 milhões. Em 2018, chegou a R$ 2 milhões.
A queda prosseguiu no governo Bolsonaro. Em 2019, o governo investiu R$ 1 milhão. Em 2020, foram gastos R$ 659 mil. Neste ano, até outubro, foram gastos R$ 426 mil.
Os dados mostram ainda que no Ministério do Meio Ambiente os investimentos em estudos sobre mudanças climáticas foram zerados a partir de 2019.
Política climática
A política ambiental do governo Bolsonaro é alvo de críticas domésticas e internacionais. Por outro lado, ele é apoiado por diversos setores do agronegócio e da mineração. Em sua campanha, em 2018, ele prometeu acabar com o que chamava de "indústria das multas" ambientais.
Em 2019 e 2020, o Brasil registrou as piores taxas anuais de desmatamento desde 2008. No período, foram desmatados mais de 20 mil quilômetros quadrados, uma área equivalente a 13 cidades de São Paulo. O avanço do desmatamento e dos incêndios florestais nesses dois anos despertaram reações de organizações não-governamentais e de chefes de estado estrangeiros como o presidente da França, Emmanuel Macron.
A posição de Bolsonaro em relação às mudanças climáticas também é fruto de críticas de ambientalistas e cientistas. Em 2019, após a COP-25, por exemplo, Bolsonaro chegou a afirmar que a pressão internacional em torno do assunto seria parte de um "jogo comercial" com o objetivo de prejudicar países em desenvolvimento como o Brasil.
"Eu quero saber... alguma resolução para a Europa começar a ser reflorestada? Alguma decisão? Ou só ficam perturbando o Brasil? É um jogo comercial, eu não sei como o pessoal não consegue entender que é um jogo comercial", disse o presidente.
O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, que ficou no cargo janeiro de 2019 a março de 2021, chegou a colocar em dúvida que as mudanças climáticas seriam causadas pela ação humana, na contramão do consenso da comunidade científica.
"Há mudanças climáticas? Sim, certamente, sempre teve. É causada pelo homem? Muitas pessoas dizem que sim, não sabemos com certeza", disse o ex-chanceler em um evento nos EUA, em setembro de 2019.
O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que ficou na pasta de janeiro de 2019 a junho de 2021, admitia a responsabilidade do ser humano nas mudanças climáticas. Mesmo assim, foi na sua gestão que a pasta extinguiu, no início do governo Bolsonaro, a secretaria responsável por elaborar políticas públicas sobre o assunto.
Foi apenas em 2020, em meio a críticas internacionais, que Salles determinou a recriação de uma secretaria dedicada às mudanças climáticas dentro do ministério. Salles deixou o cargo em junho deste ano em meio a investigações sobre seu suposto envolvimento com um grupo de empresários que faria contrabando de madeira da Amazônia.
Críticas
Especialistas ouvidas pela BBC News Brasil criticaram os cortes nos investimentos do governo em estudos sobre as mudanças climáticas. Segundo elas, o governo Bolsonaro prejudicou a política climática do país.
Para Natalie Unterstell, presidente do think tank Talanoa, os números mostram que os investimentos aquém da necessidade do Brasil para lidar com a crise climática.
"Estudos recentes mostram que o mundo deveria investir pesado em estudos e projetos para mitigar os efeitos da mudança climática. Esses cortes comprometem a forma como o Brasil se prepara. Isso mostra que ela não é prioridade para um órgão que deveria ser um importante formulador de políticas públicas. Isso é um reflexo da paralisação da agenda ambiental o governo que se deu dentro do MMA e a partir dele", diz Natalie.
"Um olhar para o esvaziamento da ação orçamentária referente ao fomento a projetos para mitigação e adaptação à mudança do clima mostra bem isso. Em 2021, foram empenhados na ação orçamentária 20G4 míseros R$ 110 mil reais até agora. Para 2022, estão previstos pouco mais de 500 mil reais. Nesses números fica patente a desatenção ao tema", afirmou a ex-presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pesquisadora sênior do Observatório do Clima, Suely Araújo.
A BBC News Brasil enviou questionamentos para o Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e para a Presidência da República sobre os cortes. Nenhum dos três se pronunciou sobre o assunto.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59096013
COP26: O que Brasil vai prometer e exigir na conferência sobre mudança climática
Nathalia Passarinho / BBC News Brasil em Londres
Brasil chega à COP26 com uma missão difícil: reduzir impacto da imagem negativa criada pela política ambiental de Bolsonaro
Lideranças de mais de cem países vão se reunir em Glasgow, na Escócia, para discutir novos compromissos para garantir a meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura média da Terra em 1,5°C. O Brasil tende a ser alvo de pressões por causa da aceleração do desmatamento desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência.
Leia também
- Exclusivo: As críticas do Brasil a relatório da ONU crucial para conferência sobre mudanças climáticas
- Quais são as grandes metas da ONU para limitar as mudanças climáticas?
Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, e diversas outras lideranças estarão presentes ao menos para a abertura da COP26 ou o final dos trabalhos, o presidente brasileiro não vai comparecer à conferência. A delegação vai ser liderada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.
O Brasil vai apresentar como compromisso reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 37% até 2025, em 43% até 2030 e vai oficializar o objetivo de antecipar em 10 anos, de 2060 para 2050, a neutralidade de carbono no país - quando todas as emissões são reduzidas ao máximo e as restantes são compensadas, por exemplo, com tecnologia de captura de carbono da atmosfera.
A outra promessa, já adiantada pelo presidente Jair Bolsonaro na Cúpula do Clima nos Estados Unidos, em abril, é zerar o desmatamento ilegal até 2030.
"Nosso propósito é atuar de maneira construtiva, queremos chegar a entendimentos. Não queremos assumir a responsabilidade de um fracasso de Glasgow. Temos dito isso aos britânicos", disse à BBC News Brasil um dos integrantes da delegação brasileira na COP26.
Segundo essa fonte, o Brasil não vai emperrar as negociações, mas também não irá aderir a metas de redução de emissões em setores específicos da economia, como corte da emissão de metano na pecuária, promoção de um menor consumo de carne, ou prazo para transição de carro à gasolina para carro elétrico - compromissos que a União Europeia e o Reino Unido defendem.
O peso da imagem negativa
A dificuldade da delegação brasileira será convencer os demais países sobre a seriedade de seus compromissos ambientais, diante de dois anos consecutivos de aumentos no desmatamento da Amazônia.
Dados mostram que, no governo Bolsonaro, em 2020, o número de focos de incêndios em todo o território foi o maior em 10 anos; o volume de emissões de carbono em 2019 foi o maior em 13 anos, e o desmatamento da Amazônia atingiu o maior patamar desde 2008.
"Existe uma guerra contra o meio ambiente em curso no Brasil e vai ser difícil esperar que governos, negociadores, empresas, investidores acreditem em uma mudança radical de postura do governo brasileiro no último ano de mandato do presidente Bolsonaro frente ao que aconteceu nesses últimos anos", diz o pesquisador e ambientalista Carlos Rittl, especialista em política pública da Rain Forest Foundation, ONG ambiental da Noruega.
Integrantes da comitiva brasileira ouvidos pela BBC News Brasil classificaram o ambiente de negociação na COP26 como "mais complexo", "mais difícil" e "mais duro" para o Brasil, na comparação com conferências anteriores.
Mas os negociadores apostam em tentar demonstrar que, neste ano, principalmente após a saída do ministro Ricardo Salles do Meio Ambiente, o governo mudou de postura para adotar medidas de combate ao desmatamento.
"Não é simples, mas queremos procurar, na medida do possível, desfazer a percepção a nosso ver hoje equivocada - e eu sublinho hoje - de que nós não reconhecemos que existe um problema de desmatamento e que também não estamos tomando medidas concretas para conter o desmatamento", disse um dos negociadores brasileiros à BBC News Brasil.
Como evidência de um resultado preliminar dessa "nova postura" do governo, serão mostrados dados de redução do desmatamento em agosto e setembro desse ano frente ao ano passado. No entanto, especialistas dizem que isso não é suficiente para apontar uma trajetória de queda.
"Todos os índices ambientais de clima no Brasil pioraram nos últimos dois anos e meio. As emissões aumentaram por dois anos consecutivos, o desmatamento na Amazônia aumentou por dois anos, os incêndios aumentaram dois anos seguidos, as invasões de terras públicas também", destacou Marcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima.
E o que o Brasil vai cobrar na COP26
A principal cobrança do Brasil será que países ricos definam regras claras para pagar os US$100 bilhões por ano prometidos a nações em desenvolvimento para projetos relacionados à contenção das mudanças climáticas. Para o Brasil, o governo quer ao menos US$ 10 bilhões em financiamento externo.
Os US$ 100 bi deveriam ser pagos todo ano de 2020 a 2025. Mas os países desenvolvidos já não cumpriram a meta de 2020 e faltam mecanismos que definam onde os recursos podem ser depositados e o formato de escolha dos projetos contemplados.
Em comunicado sobre a COP26 distribuído ao corpo diplomático brasileiro, a que a BBC News Brasil teve acesso, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirma que cortar emissões em alguns setores da economia, sem compensações, seria "economicamente inviável".
"Nós reconhecemos a necessidade de a meta global de neutralidade de emissões ser alcançada o quanto antes. No entanto, mitigar as emissões de algumas atividades é economicamente inviável ou fisicamente impossível no curto prazo", escreveu o ministro.
"A redução imediata em alguns setores pode encarecer a energia e gerar escassez, tornando alguns serviços, produtos e, especialmente alimentos, mais caros pelo mundo."
Segundo especialistas, esse discurso do ministro do Meio Ambiente indica que o Brasil vai se fiar à posição de grande produtor de alimentos, essencial para o abastecimento mundial, para reforçar a demanda por compensações dos países ricos à redução de emissões.
"O Brasil vai se empenhar em cobrar financiamento dos países desenvolvidos para países em desenvolvimento. Por duas razões: primeiro porque é legítimo países em desenvolvimento pedirem essa ajuda e porque o Brasil sabe que esse é o calcanhar de Aquiles das nações ricas", avalia Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
"O Brasil e outros países em desenvolvimento podem dizer: 'eu não cumpri isso, mas você também não fez sua parte'", completa.
Ambientalistas concordam que os países ricos precisam assumir a responsabilidade de financiar o impacto climático em nações pobres e devem pagar os US$ 100 bilhões anuais, mas alertam que o Brasil pode acabar se beneficiando pouco desses recursos, porque a atual política ambiental do governo desperta desconfiança.
"Essa é uma COP em que financiamento é assunto importante. Espera-se que todos saiam da conferência sabendo de onde virão os US$ 100 bilhões por ano prometidos para apoiar países em desenvolvimento. Mas, definitivamente, esse recurso não vai ser destinado a quem caminha na direção contrária da conferência", disse Carlos Rittl, especialista em política pública da Rain Forest Foundation, ONG ambiental da Noruega.
Crédito de carbono
Outro pleito do Brasil será a regulamentação do mercado de crédito de carbono. A ideia é que um país que exceda suas metas em determinado setor possa vender o excedente em forma de "crédito" para nações que não estejam alcançando as próprias metas.
A expectativa é que o Brasil defenda, durante a COP26, que créditos antigos de carbono produzidos pela indústria brasileira nos anos seguintes à assinatura do Protocolo de Kyoto, em 1997, possam ser negociados e reaproveitados. A validade desses créditos iria só até 2020, já que havia ficado estabelecido que a regulamentação do Acordo de Paris, assinado em 2015, estabeleceria novas regras para esses títulos.
"Esses créditos foram gerados sob um regime e agora esse regime mudou. A data de novo regime era 2020. Desde o Acordo de Paris, já se sabia que os créditos de Kyoto não seriam mais aceitos", explicou Marcio Astrini, do Observatório do Clima,
"Mas a indústria brasileira tem muitos desses créditos que não chegaram a ser negociados e é um pleito dessas empresas tentar reaproveitar parte deles."
Promessas do Brasil são ambiciosas?
Ambientalistas criticam o texto da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil, como é chamado o documento com compromissos climáticos que cada país submete à COP26. O Brasil havia apresentado uma NDC preliminar em 2015, antes da assinatura Acordo de Paris, que previa alcançar a neutralidade de emissões em 2060.
Em dezembro de 2020, submeteu uma NDC atualizada, incluindo um objetivo de curto prazo de reduzir em 37% as emissões até 2025 em relação aos níveis de 2005 e assumindo como meta a redução de 43% em 2030, o que antes era uma intenção. Ficou mantido no texto a neutralidade de carbono em 2060, mas posteriormente Bolsonaro disse, em discurso na Cúpula do Clima, nos Estados Unidos, que anteciparia a meta para 2050.
A redação da NDC foi amplamente criticada por ambientalistas por abrir brecha para a interpretação de que a neutralidade de carbono e as metas intermediárias de redução de emissões seriam condicionadas ao financiamento de países desenvolvidos. Isso porque a NDC revisada retirou do texto anterior trecho que dizia que o cumprimento das metas não dependiam de apoio internacional.
Além disso, como houve uma revisão técnica do total emissões no Brasil no ano base de 2005, o país poderá emitir de 200 milhões a 400 milhões de toneladas a mais de gás carbônico até 2030.
Para Marcio Astrini, do Observatório do Clima, o governo brasileiro deveria ter sido mais ambicioso nos percentuais de redução de emissões em vez de manter os patamares, o que permitirá emissões ainda maiores que as previstas antes do Acordo de Paris.
"O Brasil apresentou uma revisão da NDC que retroage, que vai, na prática, permitir até 400 milhões de toneladas de emissões a mais que o previsto na NDC preliminar, de 2015", criticou.
Já integrantes da delegação brasileira argumentam que as promessas brasileiras são mais ambiciosas que as dos demais países em desenvolvimento.
"A China, por exemplo, que é o país hoje que mais polui, que mais emite gases de efeito estufa, disse que, a partir de 2030, vai iniciar um processo de redução de emissões. Então, até 2030, o país terá o direito de aumentar suas emissões", observou um integrante da delegação.
Na queda de braço entre países ricos e em desenvolvimento sobre o nível de ambição que devem assumir, o temor é que as negociações travem. E se a meta de manter o aquecimento global em 1,5°C não for cumprida, o resultado vai desde o desaparecimento total de diversos países insulares à desertificações de florestas e mudanças radicais no dia a dia de todos.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/geral-59040715
Raul Jungmann: Soberania versus clima, embates da COP-26 em Glasgow
Dois caminhos são possíveis. O da diplomacia e o da força – este, com consequências negativas e trágicas
Raul Jungmann / Capital Político
Na Conferência das Partes (Cop-26), a ser aberta neste domingo em Glasgow, Escócia, o pano de fundo dos embates sobre a crise climática, suas repercussões e medidas para evitá-la, será o choque entre soberania e clima.
O conceito de soberania afirma-se na Conferência de Paz de Westfália, em Münster, na Alemanha, após a Guerra dos 30 Anos que devastou a Europa no século XVII, que desenhou o atual sistema internacional das nações e que permanece o mesmo em seus fundamentos.
Desde então, além do conceito de não-intervenção de um país sobre o outro e do respeito às escolhas religiosas das partes, o Estado-Nação moderno passou a ser reconhecido com base em território, povo e soberania. Entendendo-se por esta última a capacidade autônoma de um ente jurídico-político de não reconhecer nenhum outro poder, seja interno ou externo, acima do seu.
De lá para cá o mundo diminuiu, fruto da revolução industrial, nas comunicações e nos transportes, subprodutos de outra revolução, a tecnológica, passando a atividade humana a impactar e pressionar crescentemente o meio ambiente.
Alcança-se assim uma nova compreensão do conceito secular, pois se o território é eminentemente nacional, o clima não o é. Ou seja, ele é global em suas causas e efeitos, donde se instala o inevitável conflito entre soberania e crise climática. Mas a regra ainda é a preeminência da soberania, delimitada exclusivamente pelo território e ancorada no Estado Nacional.
Diante desse impasse, dois caminhos são possíveis. O da diplomacia e o da força – este, com consequências colaterais negativas e eventualmente trágicas.
Na primeira das opções, a saída para a assimetria sócio-econômica entre países ricos – historicamente responsáveis pelo aquecimento global-, e países pobres, repousa num compromisso dos primeiros em transferir fundos e tecnologia aos segundos, dos segundos em reduzir suas emissões – e de ambos em transitar de uma economia lastreada em energia fóssil para uma outra, baseada em energias renováveis.
À falta de um consenso as consequências podem ser devastadoras – – desde elevação dos oceanos, secas, temporais, e tufões, com reflexos em migrações, pandemias, violência social, conflitos, confrontos e guerras por recursos naturais mais e mais escassos, conforme previsto pelo VI Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas da ONU.
Por isso a expectativa é grande em relação ao encontro de Glasgow. Mas as metas expressas nas NDCs – Compromissos Nacionalmente Determinados, de redução de emissões de dióxido de carbono, já feitos por 75 países, responsáveis por 30% das emissões, deixam a desejar.
As desconfianças mútuas ainda imperam, com os menos desenvolvidos supondo uma trapaça com cores e narrativa ambiental dos países ricos, para desfazer as suas vantagens competitivas.
Estes, por sua vez, bloqueiam recursos e tecnologia para os primeiros, sem que compromissos e metas sejam antecipadamente firmados e cumpridos sob monitoramento de instituições independentes, porém com maioria dos países desenvolvidos.
Superar essas assimetrias e desconfianças será a árdua tarefa de todos em Glasgow, o que exigirá um esforço sério e democrático de compartilhamento e coordenação entre soberanias, amparado em mecanismos de governança global justos, democráticos e eficazes.
Enquanto nos resta tempo.
Fonte: Capital Político
https://capitalpolitico.com/soberania-versus-clima/