MPF

Murillo de Aragão: O futuro dos acordos de leniência

É imperioso que se estabeleçam limites à competência e atuação dos órgãos da União

Existe uma grave instabilidade jurídica e institucional quanto aos acordos de leniência que estão sendo firmados no âmbito da Operação Lava Jato. Grosso modo, o que acontece é que tais acordos, estabelecidos entre empresas e o Ministério Público Federal (MPF), terminam não valendo para os demais organismos da administração pública. A consequência disso é a instabilidade jurídica, já que dois aspectos decorrentes dessa situação enfraquecem os próprios acordos.

O primeiro aspecto é a necessidade de a empresa ter de negociar múltiplos acordos de leniência, numa via-crúcis sem fim que impede o recomeço de sua vida empresarial. Hoje existem situações esdrúxulas, como a da empresa que, já tendo feito acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), está sendo acionada pela União, que deseja receber quantia maior do que a já paga pelo acordo original. Pagar duas vezes pelo mesmo crime? Não faz sentido. Acordos de leniência deveriam ser one stop shop. Desde que firmados, deveriam valer erga omnes.

O segundo aspecto é que provas apresentadas nesses acordos estão sendo utilizadas contra as próprias empresas por outros órgãos. Ora, o que for revelado no escopo de um acordo deveria ficar isolado de penalizações adicionais em outros órgãos ou instâncias. Mas a Advocacia-Geral da União (AGU) está acionando empresas que já firmaram acordos com base nos mesmos fatos que propiciaram tais acordos. Como assim?! Qualquer estudante de Direito sabe que um mesmo crime não pode ser objeto de diferentes acordos, caso estes se refiram à mesma realidade infracional e sejam tratados tanto pelo aspecto de responsabilização civil quanto penal.

Questões fiscais, por exemplo, podem ser consideradas, como o não pagamento de impostos devidos nas operações relacionadas às investigações. Mas não a replicação da penalização. Os acordos de leniência, após serem fechados, devem valer para todos os efeitos. Em especial se forem assinados com o Ministério Público Federal sob a chancela da Justiça. Não dá para falar em outras reparações sem criar um clima de brutal insegurança jurídica.

O pior de tudo, como dito pelos integrantes da força-tarefa de Curitiba, está no fato de que ao se questionarem os acordos firmados se desestimula a colaboração. Para que, então, fazer um acordo de leniência, se ele não vale de verdade? Os acordos firmados no contexto da Operação Lava Jato já recuperaram para os cofres públicos cerca de R$ 10 bilhões. Por que ameaçar tal instituto, que se tem revelado tão eficiente?

Por causa dos impasses resultantes de decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) e das tentativas de dar entrada em novas ações na AGU que afetam empresas envolvidas na Lava Jato, cria-se um ambiente negativo, em que a situação das empresas fica indefinida. Ou seja, mesmo após firmados os acordos de leniência, não se sabe se a conta já fechou ou não, e isso, reitero, enfraquece o instituto do acordo de leniência.

Ora, se todos os órgãos públicos forem buscar reparação das empresas envolvidas na Lava Jato, mesmo já tendo elas fechado acordo com o Ministério Público Federal, qual é a vantagem de colaborar? Nenhuma. Qual é o incentivo para uma empresa colaborar com o MPF se o acordo não vale para os demais órgãos públicos? Nenhum.

De acordo com o artigo 16 da atual legislação anticorrupção, a Lei n.º 12.846/2013, a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá “celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos e pelos fatos investigados e previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo”. Tal circunstância põe a autoridade máxima de todos os organismos públicos em condição de firmar acordos de leniência. No entanto, deveria haver uma coordenação, que, no meu entender, deveria estar sob a responsabilidade da Procuradoria-Geral da República, tendo organismos como o TCU, a Receita Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) como partícipes quando os acordos envolvessem crimes cometidos em contratos com a administração pública.

O tema deve ser objeto de ampla e profunda reflexão no mundo jurídico e entre os Poderes da União. O Congresso Nacional deveria, urgentemente, aprovar uma legislação que contemple as contradições aqui apontadas, de forma a dar a devida estabilidade aos acordos de leniência.

Considerando que a Operação Lava Jato ainda trará muitos resultados a partir dos acordos de delação premiada, feitos com indivíduos, e de leniência, feitos com empresas, o aperfeiçoamento da legislação é essencial. Recentemente, o jurista Sebastião Tojal apontou numerosas inconsistências no trato da questão no que se relaciona ao comportamento do Tribunal de Contas da União. Para ele, o TCU não se pode transformar em instância revisora dos acordos.

Em outubro o jornalista Elio Gaspari, em sua coluna na Folha de S.Paulo, alertou para o fato de que “o sistema U, de entidades da União, embaralha decisões da Lava Jato” ao ir contra os acordos firmados pelo Ministério Público Federal. O jurista Joaquim Falcão também publicou artigo em que assinalava o risco de judicialização dos acordos e das delações, bem como a tendência de revisão de acordos firmados. A seu ver, a disputa interna dos órgãos do governo pelo status de “proprietário” das delações e dos acordos de leniência “faz mal à democracia”.

Reconhecendo o trabalho essencial do TCU e dos demais organismos, como a AGU e a CGU, vejo a imperiosa necessidade de se estabelecerem claros limites à competência e à atuação dos vários organismos no que tange aos acordos de leniência.

* Murillo de Aragão é advogado, consultor, cientista político e doutor em sociologia pela UNB

 


Míriam Leitão: A firmeza da esperança

A Petrobras recebeu, dias atras, mais uma parte do dinheiro que tem sido devolvido pela Lava-Jato. Um ato concreto que reforça a esperança de que o combate à corrupção nos leve a um país melhor. Dias antes, a Polícia Federal cometera uma desastrada ação na UFMG, numa investigação que repetiu alguns dos erros da operação na UFSC, que levou à morte do reitor Luiz Cancellier.

A Polícia Federal cometeu evidentes abusos e truculência ao executar a ordem de levar o reitor Jaime Ramirez e a vice-reitora Sandra Goulart para depor. A PF está investigando dúvidas sobre a obra do Memorial da Anistia Política. E por isso estendeu a operação a outras pessoas que estão dentro do projeto da pesquisa do acervo, além das obras físicas.

O Ministério Público foi contra o pedido de condução coercitiva, aprovando apenas a busca e apreensão de documentos. Mesmo assim, a juíza substituta Raquel Lima aprovou o pedido da Polícia Federal. A PF diz que a obra está paralisada e que gastou R$ 20 milhões. E ainda teria feito uma exposição irregular de documentos em outro lugar apenas para constar.

O fato é que a decisão, tomada na gestão anterior da direção da UFMG, foi de construir esse memorial aproveitando um antigo prédio da universidade, chamado de coleginho, porque abrigou o colégio de aplicação. A construtora JRN, contratada para fazer a obra, na qual constava também um prédio de dois andares, para a parte administrativa, cometeu um erro grave. Não avaliou se a fundação do coleginho suportava a obra. Quando colocou o novo telhado, as paredes começaram a ruir. A UFMG entrou na Justiça contra a construtora. Aí veio a mudança para o governo Temer, e o repasse dos recursos do Ministério da Justiça foram suspensos e, por isso, a obra está parada.

Nesse meio tempo, a pesquisa que havia sido contratada, de documentos para o acervo, que seria exposto no museu, já estava bem adiantada. A decisão foi montar a exposição temporária em outro lugar. A PF achou isso suspeito e disse que o Ministério da Justiça vetou a exposição temporária, mas dois representantes do Ministério estiveram na inauguração da mostra.

O nome que a Polícia Federal deu à operação é um acinte e um alerta. Parece apenas um detalhe, mas é revelador. A expressão “esperança equilibrista”, para batizar a operação, remete à música hino de uma geração na luta contra o arbítrio que se abateu por duas décadas sobre o Brasil e tem um tom inequívoco de fazer blague com questão séria. Aldir Blanc, um dos autores da música, repudiou seu uso indevido. O que quiseram dizer os policiais ao usar esse nome? Foi entendido pela Comissão da Verdade em Minas Gerais, que não está ligada ao que está sendo investigado, como um “evidente ataque de setores conservadores e autoritários contra a Universidade brasileira e tudo o que essas instituições representam para o Brasil".

O combate à corrupção está em momento decisivo. De um lado alimenta a esperança de enfrentamento de um problema que ameaça a própria democracia. Por outro lado, não pode ceder ao oportunismo de uma época em que há um fortalecimento do conservadorismo social e político do país. De um lado, tem sido atacada por poderosos que se sentem ameaçados por ela, por outro, pode perder o apoio da opinião pública se repetir erros como os que levaram à morte o reitor da UFSC.

Todos são iguais perante a lei, mas um Geddel é diferente de um Cancellier. É preciso entender isso. É legítimo que os órgãos de controle tenham dúvidas sobre o uso do dinheiro público e que as investiguem. Mas a maneira de atuar na apuração de crimes cometidos por pessoas sobre as quais pesam dúvidas sólidas e recorrentes, e que tenham poder de influir na própria investigação, é necessariamente diferente da apuração de dúvidas existentes em decisões de funcionário público sem qualquer histórico de comportamento indevido. O que houve em Belo Horizonte não é Lava-Jato. É uma investigação corriqueira que poderia ter sido feita de outra maneira. Escolhendo a truculência, a Polícia Federal começa a trilhar um caminho perigoso que pode quebrar a confiança em todo o delicado processo no qual o país se equilibra.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 


Rita de Cássia Biason: “Corrupção não se acaba, se controla”

Cientista política avalia que o Brasil ainda precisa progredir no monitoramento e controle contínuos dos gastos públicos para combater a corrupção

Por Germano Martiniano

A corrupção é um dos males da política e, segundo organismos internacionais, caracteriza-se pela utilização de recursos públicos para fins privados. No Brasil, o fenômeno tem atravessado séculos, entranhado na estrutura política do Estado. Desde a redemocratização do país, em 1985, dois presidentes, Fernando Collor e Dilma Roussef, sofreram impeachment, tendo seus governos fortemente marcados por desvios de recursos públicos.

Atualmente, o Brasil assiste à "Lava-Jato", uma das maiores operações de combate à corrupção já vista no mundo e que colocou diversos políticos de alto escalão - e empresários brasileiros - atrás das grades. Porém, como afirma Rita de Cássia Biason, cientista política, professora da UNESP e coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção, “a corrupção não se acaba, se controla, e os países que obtiveram controle sobre ela, foram aqueles que fizeram e fazem monitoramento contínuo sobre os gastos públicos, e é neste quesito que o Brasil precisa progredir”. Confira, a seguir, trechos da entrevista com Rita de Cássia Biason:

Rita, por que existe tanta corrupção no Brasil? Nosso sistema político favorece esse fenômeno?
Em parte o sistema favorece, mas o que ainda mais falta é controle. Quando se fala em corrupção, existem três mecanismos importantes para se controlar: primeiro, a prevenção, que é o arcabouço normativo, os procedimentos existentes para se prevenir a corrupção; segundo, e no outro extremo, temos a punição, como temos visto na “Lava-Jato”, todo ordenamento de julgamentos e condenações. O Brasil é muito eficaz nestes dois extremos, entretanto, o combate à corrupção não é nem a priori nem a posteriori, ela é um processo. Isso posso afirmar com base em pesquisa que coordenei, juntamente com o Instituto Ethos, de 2014 a 2016, sobre os dispositivos normativos de controle da corrupção e de transparência na União.

Nossa falha é o instrumento intermediário que é o controle, dispositivo essencial para se acompanhar os gastos públicos. Por exemplo, um processo licitatório de grandes obras tem que ser fiscalizado durante todo o processo e não apenas no final, como ocorre tradicionalmente durante a prestação de contas. Os responsáveis seriam os Tribunais de Contas ou próprio Ministério Público, porém, não existe esse acompanhamento sistemático, e quando se observa já houve a prática de corrupção. O que se tenta fazer é punir, isso apenas reitera nossa tradição positivista punitiva de acreditar que a lei é suficiente e resolve tudo. Os países que obtiveram controle na corrupção, pois corrupção não se acaba, foram aqueles que fizeram, e fazem, monitoramento contínuo sobre os gastos públicos. Uma das formas desse monitoramento sistemático é a publicização de informações e a transparência nos processos.

Você acredita que a corrupção é inerente à cultura brasileira, que está nos pequenos atos do cidadão brasileiro e se expande para vida pública?
Não, são duas coisas distintas. Temos no Brasil o que se chama de pequena corrupção, que está ligada as transgressões e não necessariamente afetam o coletivo, e a grande corrupção, que é aquela que afeta um número maior de pessoas do que a pequena corrupção. A pequena corrupção está ligada ao indivíduo que comete uma violação, pois ele faz está excluído do acesso a bens e serviços. Por exemplo, uma pessoa que necessita de uma mamografia, urgentemente, tem que aguardar meses para ser chamada pelo hospital público, então ela oferece um dinheiro por fora a algum servidor para poder ser atendida mais rapidamente. Portanto, eu não entendo como um processo de cultura brasileira. A pequena corrupção eu vejo como falta de acesso aos serviços e bens públicos. Já a grande corrupção ocorre pela falta de controle, que foi citada acima. É uma questão mais institucional do que cultural.

Quais as melhores práticas para se combater a corrupção? A Sra. acredita que um dia esta prática terá fim?
Ela tende a diminuir se olharmos com mais acuidade para nosso sistema de controle. Porém, sempre com momentos de vulnerabilidade. A Alemanha, que é tida como modelo de controle de corrupção, teve o caso de corrupção da Siemens, conglomerado industrial alemão que pagava propina a agentes públicos em países em desenvolvimento para obtenção de contratos. Ou seja, mesmo nos países considerados mais íntegros há também falhas no controle.

A operação Lava-Jato é um marco no combate à corrupção no Brasil?
Ela é um marco em termos punitivos, mas há momentos que antecedem a Lava Jato que devem ser destacados. O primeiro deles foi o processo de impeachment do Collor por “caixa dois”. O segundo marco foi o Mensalão, o esquema de compra de votos dos parlamentares, e cujo julgamento coube ao ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa. Muito da jurisprudência que se tem hoje para a Lava-Jato se deve ao caso do Mensalão. A Lava-Jato representa um marco pela extensão e pelo caráter punitivo, porém o ineditismo e o marco vêm mais do Mensalão, no sentido jurídico, de abrir precedentes para a operação atual.

A Lava-Jato é apolítica?
Uma parte dela sim, que é aquela que os envolvidos têm uma preocupação de se punir os corruptos no Brasil. Porém, existe outra parte que se aproveita da Lava-Jato para aumentar seu protagonismo frente aos poderes legislativo e o executivo. Quando vemos a estrutura de sistema de poder no Brasil, o legislativo e o executivo sempre tiveram grande protagonismo na política brasileira, com o judiciário sempre ficando à mercê na tomada de decisões. Com a Lava-Jato, o judiciário teve a possibilidade de “aflorar”.

A sra. acha que o governo Temer tem tentado obstruir a operação Lava-Jato? E independentemente dos que são contra, a operação vai conseguir cumprir seus objetivos até o fim?
Eu não vejo o Temer tentando vetar ou interferir na Lava-Jato. Eu vejo que esta operação tem uma autonomia muito grande, se fosse no começo da operação poderíamos até analisar dessa forma. Hoje, podem até acontecer alguns ruídos por parte do governo de Temer, não do Temer em si, mas parte do judiciário que é contra algumas partes da operação, mas no geral a operação está conseguindo avançar.

O grande problema da Lava-Jato, atualmente, é a sua longevidade, com quase quatro anos de operação, que pode levá-la ao próprio esvaziamento. Quando se tem um processo de investigação de corrupção deve ser muito preciso, rigoroso e rápido. Quanto mais se avança com a operação, mais se abre possibilidades de interferência. Desta forma, a longevidade da operação, com a quantidade de investigações que se abriu e se abrem, faz com que haja possibilidade para interferências externas. Tem de haver uma limitação em torno desse processo, ela tem que concluir um ciclo e, se necessário, abrir para as extensões que surgiram durante a operação.

E as delações premiadas, há quem diz que é uma confirmação de que o “crime compensa”. Como a sra. enxerga essa prática?
Nos EUA existe a delação premiada desde os anos 60 é chamada de plea bargain. É um recurso válido aqui e acolá, pois quando se fala em corrupção, falamos de um processo que tende a não deixar pistas, indícios e provas objetivas. Se você verificar para nosso Código Penal, é necessário provas objetivas. Por exemplo, para se colocar o Sérgio Cabral na prisão foram necessárias provas objetivas e essas provas precisam ser muito bem documentadas. Necessita-se então de extratos bancários, número de contas na Suíça e outros detalhes, que quem cometeu o crime e foi preso, não irá denunciar. Assim é necessária uma rede de delatores/colaboradores para que se chegue a essas informações. As delações fazem parte do percurso de obtenção de provas. É um benefício legal concedido ao réu, em uma investigação criminal, que queira denunciar os companheiros. A delação não é aleatória, a pessoa que a faz tem que apresentar provas do que ela está falando. A contrapartida é a redução de pena de quem colabora ou cumprimento em regime semi-aberto. Não entendo que haja uma idéia de o crime compensa, apenas uma facilidade para os que investigam os casos de corrupção.

O ministro Gilmar Mendes afirmou dias atrás que a supressão do Foro Privilegiado, tem caráter simbólico, e que não será isso que acabará com a corrupção no Brasil, e que pode, inclusive, agravar. Como você analisa essa afirmação?
O fim do Foro Privilegiado, ou Foro Especial por Prerrogativa de Função, dará agilidade ao julgamento, pois não será necessário criar um julgamento especial para políticos. Por outro lado, se levarmos o julgamento para a primeira instância, e tenho de concordar com Gilmar Mendes, pode haver juízes partidários que se valerão de recursos jurídicos para proteger quem está sendo acusado. Outra possibilidade é a morosidade no julgamento pelos tribunais de 1ª Instância, uma ação contra um político, pode levar décadas. Têm-se os dois lados!

Por fim, como a sra. interpreta a atual situação política do país? Acredita em renovação para 2018?
Pensando no âmbito de composição do Congresso Nacional e disputa a presidência, os candidatos que têm se manifestado até agora não suscitam nenhuma renovação significativa. Na verdade, desde a década de 90, são os mesmos personagens, portanto não acredito que haja renovação. O único candidato diferente é o Bolsonaro, porém é um candidato que assusta pelo discurso conservador. O que acredito é que haverá uma renovação do comportamento dos candidatos a presidente e dos congressistas, que estarão mais vulneráveis - desde a campanha- e mais suscetíveis a denúncias durante a disputa. Não acredito que tenhamos novas figuras com potencial catalizador. O que observo é que o cenário eleitoral, em 2018, será de conflitos e polarizações.

* Rita de Cássia Biason é cientista política, com doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em Ciência Política pela Universidade de Valladolid- Espanha. Atualmente é professora na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Franca e coordena, na mesma instituição, o Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção.

 


Luiz Carlos Azedo: O susto de Temer  

Uma “obstrução urológica”, eis o diagnóstico oficial do mal-estar que o presidente Michel Temer sofreu ontem e o levou ao Hospital do Exército, no qual foi submetido a exames e passou por uma “sondagem vesical de alívio por vídeo”, segundo nota oficial do Palácio do Planalto. A notícia vazou quando os deputados começavam a apreciação da segunda denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra Temer, na qual também estão arrolados os ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da secretaria-geral da Presidência, Moreira Franco.

Temer chegou andando ao hospital, mas uma ambulância do Exército fez todo o percurso da Praça dos Três Poderes ao Setor Militar Urbano. Seu mal-estar interrompeu uma agenda movimentada, que havia sido iniciada bem cedo, toda focada na votação que haveria na Câmara. Recebeu os deputados Caio Nárcio (PSDB-MG), Aluisio Mendes (Pode-MA), Ademir Camilo (Pode-MG) e Jozi Araújo (Pode-AP), Sinval Malheiros (Pode-SP) e Maurício Quintella (PR-AL); o governador de Tocantins, Marcelo Miranda (PMDB); além de Moreira e Padilha.

Quando o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, chegou ao gabinete, Temer já estava sentindo muitas dores, o que levou o militar responsável pela segurança pessoal do presidente da República a acionar o dispositivo médico e de segurança. Entre os políticos, o diagnóstico era unânime: Temer havia sentido o ritmo de trabalho, que incluiu muitos almoços e jantares, e somatizou a pressão política. O presidente da República sempre teve votos para barrar a denúncia, mas foi chantageado pela própria base e obrigado a fazer muitas concessões. O deputado mineiro Fábio Ramalho (PMDB), que oferecera um jantar para o presidente na terça, comentava que Temer, não era de dispensar um leitãozinho à pururuca, mas se recusara a comer na confraternização.

No final da tarde, o Palácio do Planalto minimizava a situação, anunciando que o presidente da República deixaria o hospital caminhando por volta das 18h. Não foi o que aconteceu. Também informava que o médico do presidente, Roberto Kalil Filho, estava em contato com a equipe do Hospital do Exército para avaliar se haveria necessidade de Temer ser transferido para São Paulo. Informada da situação, Marcela Temer foi para o hospital no meio da tarde para acompanhar o marido.

Uma obstrução urinária pode ser uma coisa simples ou algo muito grave, dependendo da causa. A obstrução urinária aguda começa com um desconforto na bexiga, com dores abdominais. A sondagem vesical e esvaziamento da bexiga proporcionam alívio imediato, mas não resolve a causa do problema. A causa mais comum entre os homens com mais de 60 anos é a hiperplasia prostática benigna (HPB), o aumento da próstata, que estreita o canal da uretra. É um mal do envelhecimento que pode ser tratado com medicamento ou cirurgia. O problema é facilmente detectado nos exames de PSA e de toque.

Cálculos
Cálculos renais também pode provocar obstrução urinária. A urolitíase (pedra no rim) desenvolve-se quando o sal e as substâncias minerais contidas na urina formam cristais, que se aderem uns aos outros e crescem em tamanho. Normalmente, são removidos do corpo pelo fluxo natural da urina, mas, em certas situações, aderem ao tecido renal ou se localizam em áreas de onde não conseguem ser removidos. Esses cristais podem crescer variando desde o tamanho de um grão de arroz até o tamanho de um caroço de azeitona. A maior parte dos cálculos inicia a sua formação dentro do rim, mas alguns podem deslocar-se para outras partes do sistema urinário, como o ureter ou a bexiga, e lá crescem. Existem cinco tipos predominantes: oxalato de cálcio, fosfato de cálcio, ácido úrico, cistina, estruvita (infectado) e cálculos de tipos mistos.

Carne vermelha, crustáceos e pouco líquido favorecem a formação dos cálculos, que podem ser tratados com dieta e muito líquido. Noventa por cento dos cálculos saem do rim e passam ao ureter dentro de três a seis semanas. Os cálculos que não passam através do ureter podem ser removidos através de cateteres especiais ou através da desintegração com ultrassom. Em ambos os casos, o médico coloca um aparelho na bexiga (cistoscópio) ou no ureter (uretroscópio) para facilitar a remoção. Se a sonda não funcionar, a opção é a cirurgia ou um novo tipo de tratamento, chamado litotripsia extracorpórea, no qual os cálculos são “despedaçados” por ondas de choques, que dispensam anestia e hospitalização.

Mas a causa pode ser mais grave. Uma estenose uretral, por exemplo, pode ser provocada por traumas ou lesões uretrais, uretrites e, principalmente, câncer. Temer tem 77 anos, está sob forte pressão, em plena seca de Brasília, com uma agenda carregadíssima. Os próximos dias dirão o que realmente houve.

- Correio Braziliense


Míriam Leitão: MP vai combater em duas frentes 

 

A gestão de Raquel Dodge terá preocupação com direitos humanos, desmonte da Funai, minorias e meio ambiente. E manterá o combate à corrupção, ou a “depuração do país”, como a nova procuradora-geral disse. Assuntos que estavam fora do foco passarão a ter. “Mesmo que nossa ação não tenha destaque na imprensa, nós olharemos para estes temas”, promete o vice-procurador-geral, Luciano Mariz Maia.

Aposse foi marcada pelo conflito explícito entre as duas lideranças do Ministério Público, mas a transição foi tranquila, disseram fontes dos dois lados. Procuradores ligados a Janot e ligados a Raquel contam que o clima no grupo de transição, que trabalhou nos últimos dias, foi colaborativo, mas nenhuma informação sigilosa da Lava-Jato foi passada:

— Ela dizia que só seria a procuradora-geral quando fosse a procuradora-geral. E, enquanto isso, ela só poderia ter acesso a informações sigilosas por decisão judicial. Como não houve, nem ela pediu, só agora é que começaremos a tomar conhecimento dos assuntos — disse um dos seus assessores diretos.

Além do mais, havia uma preocupação entre assessores da nova procuradora: se ficassem a par de tudo antes, as confusões de uma gestão poderiam contaminar a outra. Há uma impressão entre o grupo da procuradora-geral de que haverá daqui para a frente menos eventos na Lava-Jato. Mas não é verdade, segundo dizem alguns procuradores que lidam com o tema. Ainda há muito a se revelar e muitas providências para serem tomadas. Assessores do ex-procurador-geral Rodrigo Janot negam que houve correria no fim do mandato para enviar a segunda denúcia, apenas uma decisão coerente:

— Os quatro processos — do PT, PP, PMDB do Senado e PMDB Câmara — devem ser lidos juntos, porque são, na verdade, os mesmos delitos. Por isso Janot precisava enviar a denúncia contra o PMDB da Câmara antes de sair, para fechar esse ciclo — disse um assessor do ex-procurador-geral.

Por que Janot não foi? Essa era uma pergunta frequente entre as mais de 600 pessoas presentes na posse da nova procuradora-geral. Os dois lados admitem que Janot e Raquel nunca se entenderam, que houve brigas pessoais e diferenças fortes de estilo. Mas houve também complicadores. Todo o credenciamento ficou a cargo da presidência e era um funil ao qual Janot não queria se submeter. Se ele fosse, não estaria na mesa, apenas na plateia, em algum ponto de destaque longe o suficiente do seu duplamente denunciado Michel Temer.

Raquel Dodge estava na Procuradoria-Geral dos Direitos Humanos quando houve um esforço forte no combate ao trabalho escravo. Sua atuação provocou um recuo da prática e punição aos culpados, como, por exemplo, no processo que condenou o ex-presidente da Câmara Inocêncio Oliveira. Raquel Dodge estava no comando da Operação Caixa de Pandora, primeira operação de combate à corrupção a prender um político no exercício do cargo, o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda.

O que ela quer é permanecer no esforço da Lava-Jato e ao mesmo tempo abrir o leque das outras questões que na visão do seu grupo foram deixadas de lado. É isso que ela quis dizer quando afirmou no discurso que o Ministério Público tem “a obrigação de exercer com igual ênfase a função criminal e a de defesa dos direitos humanos”. Fontes da Lava-Jato garantem que não há preocupação de que a gestão dela reduza o combate à corrupção. Mas só um integrante da Força-Tarefa de Curitiba esteve presente ontem na posse.

Seja como for, em qualquer das duas áreas, o MP terá que confrontar o presidente Temer. Na área criminal, ele é hoje um denunciado pelo Ministério Público. Nas outras questões, o governo Temer tem sido marcado por ameaças ao meio ambiente, como a desafetação da Floresta de Jamanxin, por nomeações polêmicas para a direção da Funai. “É a maior agência de proteção dos direitos dos indígenas no mundo”, define o vice-procurador-geral.

A nova procuradora-geral será mais discreta em tudo, falará menos com a imprensa, terá menos frases-flecha, tem uma equipe mais fechada. Mas é impossível fazer com discrição o trabalho de “depuração” de um país, por isso suas ações acabarão tendo repercussão. Portanto, não haverá paz entre Ministério Público e o governo Temer.

 


Merval Pereira: Uma questão de estilo? 

A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, além de ser a primeira mulher a ocupar o cargo, terá de enfrentar a tarefa a que, aparentemente, se dispôs: de substituir o estilo frenético, digamos assim, do procurador Rodrigo Janot por um mais sóbrio, mas que não deixe preocupada a sociedade em relação ao futuro do combate à corrupção no país.

Chamou atenção, por exemplo, o fato de Raquel Dodge não ter tocado na Operação Lava-Jato em seu discurso de posse na Procuradoria-Geral da República, embora tenha reafirmado a disposição de combater a corrupção. Isso quer dizer que ela não pretende, como fazia Janot, e também a força-tarefa de Curitiba, dar protagonismo à Operação Lava-Jato, que não comandará diretamente.

Encarregou um auxiliar de fazê-lo, como se mandasse um recado a seus subordinados: a Procuradoria-Geral da República tem vários outros objetos de trabalho, entre eles a defesa dos direitos humanos das minorias, como os indígenas. Muitos estarão, a essa altura, achando que essa é uma postura que pode levar ao arrefecimento da Lava-Jato, mas só os fatos poderão mostrar qual caminho Raquel Dodge escolheu. Nada no seu passado indica leniência com a corrupção.

Num momento em que no Congresso articula-se mais uma ação contra a Lava-Jato, desta vez mais organizada, com uma CPI supostamente sobre a JBS, mas que, na verdade, quer utilizar-se das trapalhadas da delação premiada de Joesley Batista e companhia para restringir as delações premiadas, a nova procuradorageral vai ter que ser firme na manutenção do objetivo central do combate à corrupção. É difícil que ela mude o rumo das investigações. Pode ser que não dê a prioridade máxima à operação — que já está numa fase de menos investigações e maior dependência do STF, mas isso não pode significar mudança de rumo, só de estilo.

As operações nos estados, especialmente Rio e São Paulo, e em Brasília estão ganhando mais relevância. O próprio Rodrigo Janot já tinha admitido que se podia vislumbrar o final da Lava-Jato. Ele contou, recentemente, que uma deputada italiana, com quem conversou, o aconselhou a estabelecer um fim oficial das investigações, antes que uma “mão externa” o fizesse, por ser inevitável que as reações às investigações em algum momento conseguissem barrá-las com ações políticas.

É o que já está acontecendo, com uma ação orquestrada no Legislativo para frear a Lava-Jato, e no Judiciário, com a tendência a reverter a decisão do Supremo de permitir a prisão de condenados na 2ª instância. A parte mais relevante hoje da Lava-Jato está no STF, dos envolvidos com foro privilegiado, e se espalhou em outros foros por não ter relação com a Petrobras.

Quanto mais as investigações e denúncias chegam perto de parlamentares, mais a reação aumenta. E há ações cíveis contra partidos políticos que estão pendentes, e bancos podem vir a ser chamados a responder por prejuízos decorrentes de falhas dos sistemas de compliance, no Brasil e no exterior.

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot acha que a Lava-Jato não pode ser uma investigação permanente, “mesmo porque a sociedade brasileira e o Estado brasileiro não podem ficar reféns de uma investigação eterna”. A força-tarefa da Lava-Jato foi renovada por mais um ano, mas os problemas financeiros prejudicam as investigações, especialmente pela redução de quadros da Polícia Federal envolvidos.

Mas a PF alega que as investigações foram reduzidas em Curitiba e cresceram em outros estados. O mais provável é que a nova procuradora-geral não reveja as delações premiadas já aprovadas pela gestão anterior, mas os critérios serão outros com as novas delações pendentes. Questões administrativas certamente ganharão importância na nova gestão, como a aplicação da regra que ela propôs no Conselho Nacional. Entre outras inovações, a que limita em 10% o número de procuradores que uma unidade do Ministério Público Federal pode ceder para participar de investigações em outra unidade.

Isso atinge o cerne da Lava-Jato, que sempre contou com especialistas do MPF. Há também a ideia de estabelecer 4 anos como período máximo de um procurador permanecer numa missão, o que tiraria da Lava-Jato atores que atuam nela desde o primeiro momento. O grupo perderia seus líderes, e sua memória, como os Deltan Dallagnol e Carlos Fernando Sousa, que demonstram desânimo em certas ocasiões.

Será preciso compreender o que a procuradora-geral entende por “harmonia entre os poderes”, que tanto defendeu em seu discurso de posse diante de uma plateia de denunciados e investigados pela Lava-Jato, inclusive o próprio presidente Michel Temer.

 


Demétrio Magnoli: Substituição de Janot por Dodge não resolve a politização do MPF

No ápice da crise provocada pela gravação da conversa entre Joesley Batista e Temer, a Folha noticiou que, bem antes do fatídico encontro, o advogado dos irmãos Batista recebera "aulas de delação" ministradas por um agente da PF e um procurador da República. Precisamente naquele período, o procurador Marcello Miller, lugar-tenente de Janot, preparava sua saída do Ministério Público negociando emprego num escritório de advocacia contratado pela JBS. Os novos áudios, entregues por um Joesley acuado, "com conteúdo gravíssimo" (Janot), podem evidenciar um nexo entre as duas informações. De qualquer forma, sua mera existência como novidade prova que há algo infectado no reino do Ministério Público.

Janot desmentira, peremptoriamente, em 20 de maio, os rumores sobre a participação de Miller nas tratativas do MPF com os irmãos Batista que culminaram com o acordo de delação. Agora, entre constrangido e indignado, o procurador-geral finalmente anuncia uma investigação do episódio, admitindo a possibilidade de que tenha sido ludibriado desde o início. De lá para cá, tudo mudou –menos a linguagem de Janot, perpassada de tons condoreiros, salpicada pela fúria santa dos justos. O rei ainda não está nu, mas já desfila de cueca em praça pública.

A sombra da suspeita, que paira sobre Miller, estende-se inevitavelmente até o procurador-geral. Joesley cedeu os novos áudios num gesto de desespero. Janot só deflagrou a investigação depois que os fatos fecharam o cerco à sua cidadela. A hipótese de um conluio criminoso entre o chefe do Ministério Público e Joesley Batista não pode ser excluída de antemão, mas nenhum indício forte a sustenta. Salvo surpresas deploráveis, a responsabilidade de Janot situa-se fora da esfera criminal: o Ministério Público caiu na cilada dos Batistas porque sucumbiu à sedução da política.

Logo depois de fazer a defesa de Miller, Janot escreveu que o "foco do debate" sobre o acordo firmado com Joesley seria "o estado de putrefação de nosso sistema de representação política". A frase, comum em textos de análise política, é inaceitável em pronunciamentos do procurador-geral.

A missão constitucional do Ministério Público é a "defesa da ordem jurídica", não a busca de uma reforma política. Na confusão entre uma coisa e outra encontram-se os reais motivos da celeridade excepcional das negociações com os Batistas e da repugnante concessão de imunidade judicial aos delatores. O cavaleiro andante da Justiça, vingador da República, desmoraliza a si mesmo –e, no percurso, acerta uma flecha envenenada na credibilidade da Lava Jato.

Janot é sintoma, não causa. O encanto da política espraia-se por uma influente ala do Ministério Público, com epicentros em procuradores messiânicos que se exibem como "extremistas do amor" (Dallagnol) ou citam Danton para sugerir a salvação pela via do "tribunal revolucionário" (Carlos Fernando Lima). A armadilha montada pelos Batistas só se tornou possível porque o MP ignorou reiteradas advertências da PF, que pedia tempo para juntar os fios de uma história mal contada, desarmando as proteções do instituto de delação premiada. Depois dos novos áudios, aprendemos que o risco maior à Lava Jato não decorre das manobras de Lula, Temer ou Aécio, mas da deriva jacobina de procuradores com uma causa.

A substituição de Janot por Raquel Dodge não resolve, por um passe de mágica, o dilema da politização do MP. A Lava Jato, valiosa demais para sucumbir aos desvarios dos missionários, pode ser preservada por duas medidas tão simples quanto urgentes. Numa ponta, a PF deveria ser autorizada a participar, junto com o Ministério Público, das negociações de acordos de delação premiada. Na outra, o STF deveria, clara e nitidamente, atribuir aos juízes a prerrogativa de recepcionar ou rejeitar os acordos com delatores. O fim da "soberania" do Ministério Público –se for essa a herança deixada por Janot, seu mandato terá valido a pena.

 


Ricardo Noblat: Fim de jogo  

O dia 6 de setembro de 2017 tem tudo para passar à História como o que selou o destino do mais popular líder político brasileiro desde Getúlio Vargas, o presidente da República que em agosto de 1954 matou-se com um tiro no peito para não ser derrubado por um golpe militar.

Em menos de duas horas, ficou-se sabendo que o ministro da Fazenda e da Casa Civil dos governos Lula e Dilma, Antonio Palocci, “o Italiano”, entregou o “pacto de sangue” firmado pelo PT e pela construtora Odebrecht. E que Lula e Dilma foram denunciados outra vez, desta vez por obstrução de Justiça.

A Lula, segundo Palocci, a Odebrecht pagou propinas num valor de R$ 300 milhões — parte para financiar suas atividades, parte para a compra de uma nova sede do Instituto Lula, e o resto para satisfazer qualquer outro desejo dele. O pacote incluía o pagamento de R$ 200 mil por palestra.

Depois de disparar uma flecha no próprio pé com o caso da polêmica delação do Grupo JBS, Rodrigo Janot, procurador-geral da República, disparou outra em Lula e Dilma — essa por conta da manobra de 2015 que tornaria Lula ministro-chefe da Casa Civil do segundo governo Dilma

A manobra tinha como objetivo proteger Lula, que corria o risco de ser preso a qualquer momento por ordem do juiz Sergio Moro. Como ministro, Lula só poderia ser processado pelo Supremo Tribunal Federal. Escaparia assim da órbita de Curitiba, pavor dos acusados por corrupção.

Preso há um ano, Palocci finalmente cedeu às pressões dos seus advogados e contou o que sabe em depoimento a Moro. Se não contou tudo, contou o suficiente para enterrar Lula, que em breve deverá ser condenado pela segunda vez. É réu em mais quatro ações penais.

Revelou, por exemplo, que Lula acompanhou cada passo do andamento das operações de repasses ilícitos da Odebrecht. E que, na véspera de deixar o governo no final de 2010, apresentou Dilma a Emílio Odebrecht para comprometê-la com o acerto que ele tinha com a empresa.

O depoimento de Palocci a Moro não fez parte de nenhuma delação premiada, porque delação ainda não há. Certamente Palocci guardou revelações inéditas para oferecer mais tarde em troca de melhor prêmio por delatar. Moro ouvirá Lula na próxima semana.

O que Palocci disse ontem a Moro, porém, já é suficiente para que seja apontado no futuro como o maior algoz de Lula, aquele que rompeu o pacto de silêncio dos líderes do PT empenhados em impedir que o demiurgo da esquerda acabe punido. Algoz de Lula, mas também de Dilma, cuja fantasia de vestal rasgou.

A Lula e aos seus advogados só resta esgrimir com o falso argumento de que Palocci mentiu para livrar-se da cadeia. Ao PT, procurar outro candidato para disputar a vaga de Temer. Game over. Fim de jogo.

 


Murillo de Aragão: O inacreditável mora aqui  

O realismo fantástico se incorporou à rotina do país. Gabriel García Márquez e o seu Cem anos de solidão são fichinha perto do que acontece por aqui. Macondo, a cidade fictícia do romance onde aconteciam coisas estranhas, não é nada perto do que acontece em Brasília e na política nacional.

O Brasil deveria ganhar o Nobel de Literatura por transformar ficção em realidade. Nada supera nossa capacidade de transformar fantasia em pesadelo. Alguns fatos que vieram à tona nos últimos dias comprovam nossa condição inusitada: as novas gravações do empresário Joesley Batista, da JBS, e o achado de milhões em um apartamento de Salvador.

Começo pelo segundo fato. Encontraram mais de 51 milhões de reais acondicionados em malas e caixas em um apartamento da capital baiana. O imóvel seria de um amigo de Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro da Secretaria de Governo de Michel Temer e hoje sob prisão domiciliar. Em tempo, o amigo já disse na Polícia Federal que o apartamento estava emprestado para Geddel.

Quem guardaria tanto dinheiro em um apartamento vazio? Como se consegue recolher milhões em dinheiro vivo e transitar pelo país? O que justificaria alguém ganhar 51 milhões e esconder em um apartamento? Que logística foi empregada para tirar o dinheiro dos bancos e fazê-lo chegar ao apartamento?

Ora, quando achávamos que a corridinha com a mala dos 500 mil reais era um escândalo, superamos tudo e a todos com a maior apreensão de dinheiro vivo da história do Brasil!!! As malas – supostamente – de Geddel humilham as malas do Mensalão.

Poucas horas antes, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, veio a público expor outro fato inacreditável. A entrega equivocada à Procuradoria, pela defesa da JBS, da gravação de um diálogo impensável entre Joesley Batista e seu executivo Ricardo Saud sobre o conturbado e polêmico acordo de leniência assinado com os donos da empresa. O que já foi revelado é espantosamente sério. E tragicamente hilário quando se ver o volume de besteiras e grosseiras ditas pela dupla.

Caso se aplique a teoria do domínio do fato ao episódio, na versão do ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa, Janot estaria em sérios apuros por conta da participação de seu ex-braço-direito, Marcelo Miller, no episódio. No mínimo, é tudo muito estranho.

Como um acordo de leniência de tamanha relevância é conduzido de forma tão descuidada e desastrada? Por que, nos diálogos gravados, Joesley diz que a Odebrecht moeu o Legislativo e que ele entregaria à PGR o Judiciário e o Executivo, para, na sequência, defender-se candidamente dizendo que não era bem isso que ele queria dizer?

A trama exposta nos diálogos desmoraliza o acordo de leniência, enfraquece Janot, atinge a reputação do Judiciário e revela que houve um brutal açodamento, um grave descuido e muita imperícia na condução da questão. Tudo ao mesmo tempo aqui e agora.

Também é inacreditável a entrega do material sem a conferência de seu conteúdo. Como as gravações foram entregues? Considerando o grau de maldade dos atores envolvidos, teria sido de propósito? O episódio também comprova que não existe segredo de justiça e que as provas vão sendo sucessivamente vazadas sem que se descubra quem anda vazando.

Ao tempo dos dois episódios mencionados, descobriu-se também que o Brasil teria subornado membros do Comitê Olímpico Internacional em esquema que envolve o ex-governador Sérgio Cabral para que o Rio de Janeiro fosse a sede das Olimpíadas. Cabral... que já é acusado de receber mais de 260 milhões de reais em propinas do pessoal dos transportes públicos do Rio!!!

As revelações de que dois próceres do PMDB – Cabral e Geddel – podem ter amealhado milhões em esquemas de corrupção causa nojo e indignação naqueles que lutaram pela redemocratização do país sob as cores do velho MDB. E que foram perseguidos e prejudicados na luta pela democracia. Que fim triste.

Na mesma leva de acontecimentos dos últimos dias, também sobrou para o PT, supostamente o partido da moral e dos bons costumes políticos: os ex-presidentes da República Lula e Dilma Rousseff foram denunciados no Superior Tribunal Federal, com fartura de provas, sob a acusação de liderarem uma organização criminosa. Para piorar, Antonio Palloci afirmou ao juiz Sergio Moro que Lula participou dos esquemas de corrupção da Petrobras!

A corrupção no Brasil é democrática: vai da direita à esquerda sem maiores constrangimentos e atinge políticos de grande, médio e pequeno porte.

Tempos atrás, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso disse que o sistema político brasileiro era indutor da criminalidade. Estava certo. Mas não é apenas isso. O poder do Estado e sua opacidade permitem que muitos daqueles que dirigem os negócios públicos possam se apoderar da máquina pública para fazer negócios de interesse pessoal, subverter as corridas eleitorais e perpetuar esquemas de poder e de corrupção. Tudo sob as barbas de uma elite omissa, interesseira, ideologicamente doente e incompetente.

Em tempo: a palavra Macondo, nome da cidade fictícia de Gabriel García Márquez, vem do dialeto africano Kituba e quer dizer “bananas”. Se somos mais do que Macondo, seremos mesmo uma República das Bananas e com uma elite de bananas? Cartas para a redação.

* Murillo de Aragão é cientista político


Merval Pereira: Reação devastadora 

O Ministério Público Federal está empenhado nos últimos dias em encontrar na legislação de direito civil brasileira meios de retirar da família Batista o controle das empresas do grupo J&F, a partir da decisão de rescindir o acordo de colaboração premiada firmado com Joesley Batista.

Revendo os benefícios concedidos, a Procuradoria-Geral da República vai pedir a prisão dos irmãos Batista e dos assessores que fizeram a delação premiada, agora maculada por omissões graves.

Os bens de todos os envolvidos serão colocados em indisponibilidade e, com base na legislação que protege os acionistas e os empregos das empresas do grupo J&F, elas serão acusadas de lavagem de dinheiro, e de ganho de capitais ilícitos a partir da delação premiada contra o presidente da República.

A questão do controle das empresas do grupo é delicada e está provocando muitas discussões internas, já que qualquer medida seria baseada em situações em que a legislação prevê uma intervenção na administração de empresas, sejam concessionárias de serviço público ou bancos.

Fazer um tipo de controle das empresas privadas com base em uma criatividade legal que use interpretação alargada de instrumentos do direito civil é certamente um passo controverso.

Todos esses detalhes serão analisados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pois o pedido de rescisão será encaminhado ao ministro Luiz Facchin, responsável no Supremo pelo processo de delação premiada de Joesley Batista e assessores, que pode decidir monocraticamente ou levar para o plenário do Supremo.

Como esclarece Cosmo Ferreira, advogado criminal e ex-promotor de Justiça do Rio e procurador regional da República, não se trata de anulação, mas de rescisão. A nulidade e a anulabilidade são sanções impostas aos atos jurídicos, como o acordo de colaboração, que afrontam a lei. Seria o caso de uma colaboração tirada à fórceps.

Já a rescisão ocorre quando uma das partes não cumpre a prestação a que se obrigara. Se o Joesley não cumpriu o acordado, as provas podem ser utilizadas, inclusive em seu desfavor. Ainda que se entenda que a gravação da conversa é ilícita, as demais provas não o são, pois não há entre elas relação de causa e efeito, não tendo aplicação a teoria dos frutos da árvore envenenada.

Já Sonia Rabello ex- procuradora do município do Rio, explica que a rescisão é baseada em fatos novos que apareçam, e trazem modificações da situação fática na qual foi feito o ajuste entre as partes.

Estas novas informações podem suscitar “um desfazimento do ajuste feito”. A rescisão produz efeitos para o futuro, e não para o passado, não afetando, portanto, as provas coletadas.

O advogado de Temer, Claudio Mariz, vai pedir a anulação da colaboração premiada na premissa de que ela foi feita sob orientação do então procurador Marcelo Miller, que trabalhava na equipe de Rodrigo Janot. Não há, no entanto, nenhuma indicação de que Janot soubesse das tratativas de Marcelo Miller com Joesley Batista e, segundo a Procuradoria-Geral da República, não havia, até o momento da entrega dos áudios, nenhuma negociação com o grupo J&F em torno de uma colaboração premiada.
Nas conversas agora reveladas fica claro que Joesley e seus assessores não tinham contato com Rodrigo Janot enquanto negociavam com Marcelo Miller, que, até onde se sabe, fazia um trabalho duplo por conta própria.

Essa discussão será travada no plenário do STF, onde há ministros como Gilmar Mendes que consideram que a gravação do presidente Temer foi feita através de uma ação controlada não autorizada pela Justiça, e, portanto, é prova inválida, e outros que consideram que os fatos apontados demonstram que houve deliberada omissão por parte dos delatores, que, no entanto, não invalidam as provas coletadas.

 


O Globo: Maioria do STF é contra anulação de provas de delação da JBS

A eventual revisão dos benefícios acertados na delação premiada de Joesley Batista e Ricardo Saud não deve invalidar as provas já apresentadas pelo dono e o executivo da JBS. Dos 11 ministros do STF, pelo menos seis são contra a anulação de todas as provas. Decano do STF, o ministro Celso de Mello disse que há, no mínimo, três precedentes nesse sentido na Corte. O ministro Luiz Fux defendeu a prisão de Joesley e Saud após a divulgação da gravação da conversa dos dois, que pode levar à anulação dos benefícios da delação. Para Fux, os delatores deveriam ir do “exílio nova-iorquino para o exílio da Papuda”.

Ao menos seis dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a maioria, são contrários à anulação de todas as provas e indícios apresentados pelos executivos da JBS em delação premiada. Na próxima semana, a Procuradoria-Geral da República (PGR) deverá suspender a imunidade penal de Joesley Batista e do executivo Ricardo Saud, segundo duas fontes que acompanham o caso de perto. Será a conclusão do processo de revisão do acordo aberto na segunda-feira, com suspensão da imunidade penal. Em seguida, o procurador geral da República, Rodrigo Janot, vai levar o caso para discussão no plenário do STF.

Os ministros querem discutir não só a retirada de benefícios dos delatores, mas também a validade das provas. A imunidade penal é o maior benefício previsto no acordo de delação dos executivos da JBS. Sem proteção, os dois poderão ser processados e punidos inclusive com prisão. Para a maioria da Corte, os benefícios dos colaboradores, como o direito de não serem processados, podem ser suspensos sem necessariamente invalidar as provas.

A anulação de parte do acordo será feita porque o áudio entregue à PGR na semana passada pelos próprios delatores revela fatos que não haviam sido mencionados antes. O acordo de delação veda omissões.

Antes de jogar a discussão no plenário do tribunal, a PGR ouvirá Joesley e Saud. Os depoimentos estavam marcados para amanhã na sede da PGR, com a subprocuradora-geral Cláudia Marques. Ela poderá convidar integrantes do grupo de trabalho da Lava-Jato para participar do interrogatório. Diante de um pedido de urgência da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, os depoimentos serão antecipados para hoje de manhã.

No áudio, entre outros assuntos, os delatores mencionam integrantes do STF. O ministro Luiz Fux, o mais feroz nas críticas aos colaboradores da JBS — ele sugeriu a prisão de Joesley e Saud —, defendeu a manutenção de parte das provas. Os depoimentos podem deixar de valer, mas outros elementos deverão ser aproveitados:

— Acho que as provas que subsistem autonomamente podem ser aproveitadas. A prova testemunhal dele não pode valer, mas os documentos que subsistem por si sós, eles têm de ter vida própria.

USO ATÉ MESMO CONTRA DELATORES
O ministro Marco Aurélio Mello desenvolveu um raciocínio diferente: a manutenção da validade dos depoimentos, que ele chamou de “indícios de provas”:

— Anular a delação, não. O que se torna insubsistente é a cláusula dos benefícios. Só isso. O que é a delação? Um depoimento. E depoimento prestado não se vai para o lixo.

O ministro Celso de Mello, o mais antigo do Supremo, defendeu o uso das provas obtidas até mesmo contra os próprios delatores, dependendo do rumo da apuração.

— Se, a partir do depoimento do agente colaborador, sobrevier a corroboração daquelas provas a partir de uma fonte autônoma e independente de prova, então, até mesmo contra ele próprio poderá haver essa utilização — afirmou Celso.

Em caráter reservado, outro ministro do STF defendeu a possibilidade de uso das provas nas investigações porque a rescisão do acordo foi causada pelos delatores e não pelos investigadores. Um quinto integrante afirmou que a Corte deve manter a validade de pelo menos parte das provas. No entanto, depois do escândalo, elas perderiam a força nas investigações, ou seja, não teriam tanta credibilidade.

Anteontem, em Paris, o ministro Gilmar Mendes deu entrevista dizendo que a questão da invalidade das provas terá que ser examinada em cada tópico. Mas apontou um fato que poderá ter reflexo sobre todas as provas produzidas.

— Tudo indica que os delatores receberam treinamento da Procuradoria muito antes de fazer aquela primeira investida. Sobre isso, eles terão que responder. E obviamente vai surgir a discussão sobre prova ilícita ou não — disse Gilmar na terça.

Apesar da menção, não há, na conversa dos delatores, indicação de qualquer irregularidade cometida pelos ministros do STF. Joesley e Saud comentam também sobre aproximação com o então procurador Marcello Miller para, a partir daí, chegarem até o procurador-geral. Miller teria até orientado Saud a preparar os anexos da sua delação. Em nota divulgada, Joesley e Saud dizem que nenhuma referência aos ministros do STF era verdadeira.

NO STF, TENDÊNCIA DE PUNIÇÃO EXEMPLAR
Cresce, também dentro do Supremo Tribunal Federal, a pressão indireta para que o procurador-geral peça a prisão dos dois executivos da JBS. A maioria dos ministros entende que as provas obtidas a partir da delação dos executivos são válidas. Mas, ainda assim, avaliam que, pela desenvoltura nas tratativas do pré-acordo, os dois precisam sofrer algum tipo de punição.

Desde segunda-feira, quando o caso da gravação involuntária chegou ao Supremo, os ministros têm conversado sobre o assunto. Eles demonstram indignação e querem punição exemplar do dono da JBS. A defesa dos executivos tem dito que os dois tiveram, na verdade, uma “conversa de bar”. Argumentam ainda que foram os dois que entregaram à Procuradoria-Geral da República a gravação das conversas desfavoráveis a eles próprios.

Com isso, os colaboradores teriam cumprido a promessa de entregar todos os documentos disponíveis relacionados à delação no prazo estabelecido pelo STF, ou seja, não destruíram provas e nem se omitiram sobre fatos conhecidos sobre o caso.

 

 


O Estado de S.Paulo: Onda de rejeição alcança até ministros do Supremo

Repúdio ao Executivo e Legislativo chega ao Judiciário, revela pesquisa Ipsos; apenas Moro e Joaquim Barbosa mantêm índice elevado, apesar de queda de aprovação

Daniel Bramatti e Gilberto Amendola, O Estado de S.Paulo

A onda de rejeição a políticos e autoridades públicas já não se limita ao governo e ao Congresso e chegou com força ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Pesquisa Ipsos mostra que, entre julho e agosto, houve aumento significativo da desaprovação a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Até o juiz Sérgio Moro enfrenta desgaste: apesar de seu desempenho ainda ser majoritariamente aprovado pela população, sua taxa de rejeição está no nível mais alto em dois anos.

A pesquisa avaliou a opinião dos brasileiros sobre 26 autoridades de distintas esferas de poder, além de uma celebridade televisiva, o apresentador de TV Luciano Huck. Quase todos estão no vermelho, ou seja, são mais desaprovados do que aprovados. As exceções são Huck, Moro e o ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa. Os dois últimos são responsáveis pelos julgamentos dos dois maiores escândalos de corrupção do País: mensalão e Operação Lava Jato.


Para Danilo Cersosimo, um dos responsáveis pela pesquisa, o aumento do descontentamento com o Judiciário pode estar relacionado “à percepção de que a Lava Jato não trará os resultados esperados pelos brasileiros”. Outros levantamentos do Ipsos mostram que o apoio à operação continua alto, mas vem caindo a expectativa de que a força-tarefa responsável por apurar desvios e corrupção na Petrobrás provoque efeitos concretos e mude o País. “Há uma percepção de que a sangria foi estancada, de que a Lava Jato foi enfraquecida”, disse Cersosimo.

Na lista de avaliados pelo Ipsos estão três dos 11 atuais integrantes do Supremo: Cármen Lúcia, a presidente; Edson Fachin, relator dos casos relacionados à Lava Jato; e Gilmar Mendes, principal interlocutor do presidente Michel Temer no Tribunal. Os três enfrentam deterioração da imagem.

Além de Moro e Fachin, há na lista outros dois nomes relacionados à Lava Jato: o do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da operação em Curitiba. Eles também sofrem desgastes.

O descontentamento com Gilmar cresceu ao mesmo tempo em que ele ficou mais conhecido: até maio, mais da metade da população (53%) não sabia dele o suficiente para opinar. Agora, esse índice caiu para 30%. Já a taxa de aprovação se manteve praticamente estável, oscilando em torno de 3%. A avaliação crítica é maior nas faixas mais escolarizadas: chega a 80% entre os brasileiros com curso superior, e é de 50% entre os sem instrução.

Nos últimos meses, Gilmar, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se notabilizou por constantes e duras críticas ao que classifica como abusos na atuação do Ministério Público Federal em grandes investigações no País, incluindo a Lava Jato. O ministro protagonizou embates com o procurador-geral da República e chegou a chamar Janot de “desqualificado”.

Na pesquisa Ipsos, o chefe do Ministério Público Federal – que vai deixar o cargo em breve – teve seu desempenho reprovado por 52% dos entrevistados. A avaliação favorável ficou em 22%.

Evolução. Cármen Lúcia teve aumento de 11 pontos porcentuais em sua taxa de desaprovação entre julho e agosto, de 36% para 47%. Já sua aprovação está em 31% – queda de cinco pontos porcentuais em um mês e de 20 pontos desde janeiro. A avaliação favorável de Fachin caiu, em um mês, de 45% para 38%, enquanto a desfavorável subiu de 41% para 51%.

Conhecido por sua atuação no julgamento de acusados no escândalo da Lava Jato, Moro, titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba, tem seu desempenho aprovado por mais da metade da população (55%). Sua taxa de desaprovação, porém, subiu nove pontos porcentuais no último mês, de 28% para 37% – o ponto mais alto na série histórica do Ipsos, que teve início em agosto de 2015.