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Bernardo Mello Franco: Mourão virou a voz moderada do governo

Na sexta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que quem ameaça um deputado “está cometendo um crime contra a democracia”. Não foi só uma manifestação de solidariedade a Jean Wyllys, que desistiu do novo mandato. Ele aproveitou o caso para demarcar mais uma divergência em relação a Jair Bolsonaro, que preferiu debochar do desafeto.

Num governo que insiste em manter a retórica agressiva da campanha, Mourão tem se destacado como uma voz moderada. Ele reforçou essa diferença nos últimos dias, ao estrear como presidente em exercício.

O vice não ocupou o gabinete do titular, mas ignorou a recomendação para permanecer calado. Falou à vontade, quase sempre na contramão do companheiro de chapa.

Na terça-feira, Bolsonaro faltou a uma entrevista coletiva em Davos e se gabou, no Twitter, de supostamente “deixar a imprensa aterrorizada”. Meia hora depois, Mourão usou o microblog para agradecer “pela dedicação, entusiasmo e espírito profissional” dos repórteres que acompanham suas atividades em Brasília.

No dia seguinte, o vice descartou a possibilidade de expulsão da embaixada da Palestina em Brasília. Em agosto, Bolsonaro havia ameaçado desalojar a representação diplomática, em mais um aceno ao governo ultraconservador de Israel. “Não tem nada disso. Os dois Estados são reconhecidos”, retrucou Mourão.

O vice também lançou dúvidas sobre o decreto das armas. Ele sugeriu que a medida não produzirá os resultados prometidos. “Eu não vejo como uma medida de combate à violência. Vejo apenas, única e exclusivamente, como um atendimento de promessa de campanha do presidente”, afirmou.

O tom moderado de Mourão é uma boa surpresa. Na campanha, o vice estimulou temores ao falar em “autogolpe” e defender que uma Constituição “não precisa ser feita por eleitos pelo povo”. Ele já havia sido punido por declarações impróprias em 2015, quando era general da ativa. Na época, criticou o governo e permitiu uma homenagem a um torturador da ditadura militar.

Agora ele tenta se reposicionar depois de ser escanteado na montagem do governo. Sem função definida, o vice tem conversado com parlamentares, empresários e diplomatas estrangeiros. Deputados que foram ao Planalto nos últimos dias dizem que ele evita reclamar de Bolsonaro, mas deixa claro que se sente subutilizado.

“Ele ficou numa situação embaraçosa, mas está mantendo o equilíbrio. Até o parabenizei por isso”, conta Otoni de Paula (PSC-RJ). “Tem um duelo de opiniões com o presidente, né? O general quer mostrar que não é quadrado, que é mais evoluído”, avalia Léo Moraes (Podemos-RO).

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A tragédia de Brumadinho não é culpa do novo governo, mas deve servir como lição a Bolsonaro. O presidente tem alegrado as mineradoras ao repetir que há uma “indústria da multa” e atacar os órgãos de fiscalização ambiental. Este discurso vale como incentivo a quem já lucra com a exploração predatória da natureza.


João Domingos: Mourão vence a guerra

As notícias consideradas positivas deram uma goleada nas negativas

Se fosse um jogo de futebol, poderia ser dito que o jogador reserva, convocado para uma ou algumas partidas no lugar do centroavante matador afastado por algum motivo, talvez uma viagem ao exterior, deu um show e marcou quantos gols foram possíveis. Como não é uma partida de futebol, mas a forma como se exerce o poder, é preciso então mudar o sentido da comparação. O reserva deu um show. Em outras palavras, o general Hamilton Mourão, vice-presidente, venceu a batalha da comunicação no seu primeiro teste à frente do governo. Um feito raro, muito raro, pois essa é uma das guerras mais difíceis de vencer.

Na semana em que substituiu o titular Jair Bolsonaro, de viagem para Davos, na Suíça, Mourão evitou portas laterais ou de fundos para entrar em seu gabinete. Passou sempre entre um pequeno exército de repórteres, acampado na entrada do anexo do Palácio do Planalto onde está instalado o gabinete do vice. Fez charme na entrada e na saída, só para dar tempo a um pequeno suspense, parou e deu entrevistas, sobre tudo e sobre todos. A pergunta é sobre reforma da Previdência? O tempo de serviço dos militares deve ser aumentado de 30 para 35 anos e o projeto não deve ser enviado junto com a peça principal. É sobre as suspeitas que envolvem o senador eleito Flávio Bolsonaro, filho do presidente? Apurar e punir, se for o caso. Há solução para a Venezuela? Maduro e seu bandão deveriam procurar um país que os queira. Segue o baile. E assim a semana se passou. Mais do que responder aos repórteres, Mourão deu seu recado.

Indagado sobre decreto assinado por ele que ampliou o número de pessoas – servidores comissionados também, e quase todos por indicação política –, o que vai comprometer a transparência do governo, Mourão não fugiu. Disse que a assinatura do decreto não foi ideia sua, que o ato foi combinado com o presidente e que o documento foi preparado pelo governo anterior. Simples assim. Como deve ser a comunicação.

Quando questionado sobre o que acha da decisão do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) de abrir mão do mandato de deputado e ir embora do País por causa das ameaças que vem sofrendo, Mourão respondeu que o parlamentar deve ter suas razões, sobre as quais não tinha mais detalhes. Em seguida, fez uma defesa do estado democrático de direito: “Quem ameaça parlamentar está cometendo um crime contra a democracia. Nela você tem sua opinião e liberdade para expressá-la. Parlamentares, eleitos, representam os cidadãos que votaram neles. Quer goste ou não, você ouve. Gostou, bate palma. Não gostou, paciência. É assim”. No meio disso tudo, Mourão ainda postou nas redes sociais um foto dele cercado de jornalistas. No texto, os agradeceu por tê-lo esperado todos os dias.

Goste-se ou não do general Mourão, o resultado foi que as notícias consideradas positivas por empresas especializadas nesse tipo de medição deram uma goleada nas negativas.

Até agora, só o ministro da Economia, Paulo Guedes, vinha conseguindo tal feito.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, um campeão da comunicação durante a Operação Lava Jato, o que fez com que entrasse em sintonia com todo o País e fora dele, ainda está meio lá e meio cá desde que aceitou o convite para ser o superministro encarregado de criar um plano para salvar a arruinada segurança pública do País e criar métodos eficazes de combater o crime organizado e devolver o domínio dos presídios ao Estado. Talvez mais pra lá do que pra cá, pois atrapalhado pelo noticiário que envolve Flávio Bolsonaro, além de assistir, sem nada que fazer, à divulgação, gota a gota, do relatório do Coaf, órgão sob sua jurisdição, a respeito da movimentação bancária de familiares do presidente da República.


El País: Hamilton Mourão, gabinete aberto e opinião formada sobre tudo

Na estreia, presidente em exercício faz declarações sobre reforma da Previdência e recebe diplomatas. "É uma voz moderada", elogia embaixador alemão

Pela primeira vez desde fim da ditadura militar, há 34 anos, um alto comandante militar tem a caneta presidencial em suas mãos no Brasil. Até a madrugada da próxima sexta-feira, o general da reserva Hamilton Mourão exerce o cargo de presidente do Brasil no lugar de Jair Bolsonaro, que está na Suíça e faz nesta terça-feira seu discurso de estreia num palco estrangeiro, o do Fórum Econômico Mundial em Davos. Se os investidores seguirão palavra a palavra as promessas de Bolsonaro, não faltarão também holofotes para avaliar como Mourão se sai no Planalto. É que mesmo dizendo-se um aliado leal, que “toca a bola de lado” e nada decide sem o aval do chefe, Mourão rapidamente tem ocupado espaço relevante nas primeiras semanas do novo Governo –em que não faltaram sobressaltos, desgaste precoce por causa do escândalo envolvendo Flávio Bolsonaro e recuos. Ao mesmo tempo em que é uma sombra para o presidente –suas quatro estrelas de general reluzem e se apresentam por vezes maior do que o capitão –, Mourão também acaba sendo seu contraponto, uma espécie de moderador das falas e validador dos atos do mandatário.

Tanto é assim que a agenda de Mourão, um vice que só entrou na fórmula presidencial na reta final da campanha, é recheada de encontros com empresários de multinacionais ou embaixadores de países estrangeiros. Um leque mais variado do que o próprio Bolsonaro nos primeiros dias do poder. Em sua estreia na presidência em exercício, não foi diferente: das sete audiências que Mourão protagonizou nesta segunda, por exemplo, uma foi com um membro da siderúrgica CSN e duas foram com representantes da Alemanha e da Tailândia.

“O vice-presidente se mostrou uma pessoa muito construtiva e bem informada. É uma voz moderada e interessada pela cooperação internacional. Algo importante para nós”, afirmou ao EL PAÍS o embaixador alemão, Georg Witschel, após conversa com Mourão. Witschel disse ter conversado com inquilino temporário do Planalto sobre direitos humanos, proteção ao meio ambiente, comércio bilateral, crise na Venezuela, acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. Tratou também da má reputação que a gestão brasileira tem em seu país, que já provoca até problemas concretos, como o reforço da campanha contrária ao acordo comercial da UE com o bloco sul-americano. “É uma imagem que queremos mudar, juntos”, disse o embaixador alemão.

Outros dois diplomatas que estiveram recentemente com Mourão ressaltaram características semelhantes. “Ele é a sensatez que muitas vezes falta ao presidente em falas oficiais”, afirmou, em caráter reservado, um dos representantes de países estrangeiros que se encontrou com o general da reserva.

Opinião formada sobre quase tudo
A percepção de sensatez por contraste vem desde a campanha eleitoral. Mourão, um oficial defensor da ditadura militar assim como o presidente ultradireitista, também provocou controvérsia ao falar, por exemplo, que as famílias sem figuras masculinas tinham propensão a fabricar delinquentes. Também disse impropriedades sobre a dívida pública. Mas tudo isso foi esquecido quando, ainda na campanha, começou a matizar a retórica anti-China de Bolsonaro ou passou a defender diante dos microfones, como fez nesta segunda-feira, a ansiada reforma da Previdência, inclusive alguma modalidade para os militares, a categoria que espera escapar das mudanças.

Desde que foi escolhido como candidato na chapa encabeçada por Bolsonaro, Mourão já dizia que não seria um vice decorativo. E, de fato, não tem sido. Como não ocupa posições de destaque, como algum ministério, ele tem emitido opinião sobre quase tudo. Sua voz é a mais evidente entre o braço militar da gestão, composta por ao menos sete ministros e outros 36 representantes em postos-chave de segundo e terceiro escalão. De um lado, é o general da reserva Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, quem tem mais acesso aos ouvidos do presidente e goza de sua confiança. Do outro, Mourão, que pode até não ser o integrante mais assíduo do ninho, mas é o único que Bolsonaro não pode destituir: afinal, ele foi eleito ao lado do presidente nas urnas e está na linha de sucessão.

Não é um fator menor diante do cenário confuso de um Governo Jair Bolsonaro que nem completou um mês e já se depara com crises de gestões desgastadas por anos no poder. “É o início de Governo mais confuso desde a redemocratização”, avalia o cientista político Carlos Ranulfo, professor na Universidade Federal de Minas Gerais. A razão, em sua opinião, é que o presidente se cercou de pessoas com pouca ou nenhuma experiência em gestão pública, em Governo. “Não há eixo, coordenação, não há nada. Há muito desentendimento entre o sol Bolsonaro e os astros que giram em torno dele. É apenas um ajuntamento de peças. Por isso, tantas trombadas”, diz.

Além do herdeiro presidencial – o senador eleito Flávio Bolsonaro –, que não consegue se descolar de uma suspeita de desvios de recursos supostamente cometidos por ele e por um ex-assessor, sobram idas e vindas em anúncios, frases desastradas, como a do ministro comparando uma arma de fogo a um liquidificador. Nas áreas mais centrais, há planos claros, como os da área econômica, mas eles também esbarram na acomodação de uma classe neófita no poder do Executivo.

Ao lado do general Heleno, tem ficado com Mourão a tentativa de chutar para longe a crise de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz, o filho do presidente e seu antigo assessor que são investigados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Ao sair de seu gabinete e se deparar com um batalhão de jornalistas, o vice-presidente disse, nesta segunda, que falaria pela última vez sobre Flávio-Queiroz. “Esse assunto não comento mais. Não vem pra cima do Governo e é um problema do Flávio. Ele vai resolver”.

O cuidado sobre o quanto essa crise pode respingar na gestão é semelhante a que o próprio presidente tem tido. Desde dezembro, quando descobriu-se uma movimentação incompatível de recursos pelas contas de Queiroz e, agora, o recebimento de depósitos em dinheiro vivo por Flávio, o presidente quase não se manifestou sobre o tema. “Ele faz o que qualquer presidente teria de fazer, fica quieto. Não se envolve”, avaliou o professor Ranulfo, da UFMG.

Sobre política externa, contudo, Mourão não mede palavras. Se já havia dito que o presidente aprenderia a ser pragmático, à revista Época, por exemplo, afirmou que o chanceler Ernesto Araújo – um diplomata antiglobalista, trumpista e aliado do escritor e ideólogo de Bolsonaro, Olavo de Carvalho – ainda não mostrou a que veio. “Se alguém espera que Mourão vai ficar quieto, está enganado. Ele fala pelos cotovelos. E está pronto para atuar. Basta ter a brecha”, concluiu Ranulfo.

Até a madrugada de sexta-feira, quando está prevista a chegada de Bolsonaro ao país, é Mourão quem dá as cartas no Palácio do Planalto. Bolsonaro fica em Brasília até sábado. No domingo, segue para São Paulo, onde no dia seguinte se submeterá a uma cirurgia para retirada de uma bolsa de colostomia que carrega no abdômen desde setembro, quando levou uma facada. Em princípio, Mourão assumiria novamente a presidência no período em que Bolsonaro estivesse hospitalizado. Mas, agora, a tendência é que o presidente fique dez dias despachando do hospital, enquanto se recupera.


O Globo: Mourão coloca em dúvida capacidade do chanceler de conduzir política externa

Vice-presidente afirmou à revista 'Época' que Ernesto Araújo 'não falou o que pretende fazer'

Juliana Dal Piva e Guilherme Evelin, de O Globo

O vice-presidente Hamilton Mourão colocou em dúvida, em entrevista à revista "Época", a capacidade do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de conduzir a política externa brasileira. De acordo com Mourão, o chanceler "não falou o que pretende fazer".

O vice foi entrevistado para um perfil de Araújo, publicado na última edição da revista. No final da conversa, ele sugeriu uma chamada de capa para a reportagem:

— Acho que uma boa seria: "Terá Ernesto condições de tocar e dizer o que é a política externa do Brasil?". Porque ele não falou o que pretende fazer — disse.

Mourão ironizou o destaque aos Estados Unidos e a Israel dado pelo chanceler nas relações diplomáticas.

— Vai todo mundo virar israelense desde criancinha? Vai todo mundo virar fã dos americanos de qualquer jeito? — indagou, em tom de troça. — A diplomacia são métodos e objetivos, não um fim. É preciso inserir conceitos claros, não interferir em assuntos de outros países. E ainda não está claro.

O vice-presidente tem se reunido com embaixadores de diversos países, como Argentina, Rússia, Ucrânia, Holanda e França — sem a presença do ministro das Relações Exteriores, como é de praxe.

Ele se disse preocupado com as notícias negativas sobre o Brasil, sobre a confusão na nomeação feita por Araújo para a presidência da Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex) — primeira demissão do governo Bolsonaro — e com o recuo de falar em construir uma base militar no Brasil — coisa que é contra.


Bruno Boghossian: Governo ignora a própria promessa ao dar cargo a filho de Mourão

Bolsonaro quer denunciar abusos passados, mas precisa se adequar a regras rigorosas

A promoção do filho de Hamilton Mourão para um cargo de confiança no Banco do Brasil uma semana depois da posse é, no mínimo, um erro político. Um governo que faz propaganda de devassas no serviço público, expurgos na máquina estatal e supremacia de critérios técnicos deveria pensar mil vezes antes de assinar qualquer nomeação.

Ao tocar as trombetas da “nova era”, o time de Jair Bolsonaro achou que denunciaria apenas abusos do passado, mas também passou a se submeter a critérios rigorosos.

Até o pai subir a rampa ao lado do presidente, Antônio Hamilton Rossell Mourão era um funcionário concursado da área de agronegócio do banco, com salário de R$ 12 mil. Nos primeiros dias da nova era, ganhou um cargo de assessor especial, com vencimentos de R$ 36,3 mil por mês.

A nomeação foi criticada até por ministros de Bolsonaro. Não é preciso ser opositor do governo para perceber que triplicar o salário do filho do vice-presidente era péssima ideia.

Rossell Mourão tem 18 anos de carreira no banco. O pai diz que a promoção se deu por mérito e que seu filho havia sido “duramente perseguido” na instituição em governos anteriores por causa do parentesco.

Se achava que a troca da guarda no Palácio do Planalto resolveria o problema, o vice deixou de levar em conta os simbolismos que o próprio Bolsonaro criou. O governo prometeu ser implacável com a cultura de privilégios. Agora, não pode simplesmente dizer que não é bem assim.

O presidente e seus auxiliares emitem um cheque sem fundos ao anunciar compromissos que não conseguem ou não querem cumprir.

O chefe da Casa Civil anunciou uma demissão em massa para “despetizar” a máquina, mas seus colegas acharam a ideia uma baboseira. O governo ainda alardeou metas ambiciosas para os primeiros cem dias, mas não tratou do assunto até agora.

O general Augusto Heleno até se espantou. “Que história é essa? Tem um livrinho aqui, acho que fala qualquer coisa de cem dias... Não tem nada disso”, afirmou o ministro.


Míriam Leitão: Os que falam a mesma língua

Mourão revela sintonia com a equipe econômica ao apoiar a flexibilização do Orçamento e o projeto de reforma que já está no Congresso

O que se ouve de mais lógico na equipe de transição foi dito pelo vice-presidente eleito Hamilton Mourão na entrevista ao “Valor”. O governo prepara um projeto de emenda constitucional para desengessar o Orçamento e será aproveitada a proposta para a reforma da Previdência que já tramita no Congresso. É o que também tenho ouvido de integrantes do novo governo.

Mourão fala a mesma língua que a equipe econômica, mas isso não significa que haja unidade no futuro governo. Até o ponto mais lógico, que é aproveitar a atual reforma da Previdência que já cumpriu etapas longas de tramitação, não tem o apoio de todos. Por isso, a primeira batalha na reforma será a unidade interna. Aproveitar a atual proposta criará para o chefe da Casa Civil, ministro Onyx Lorenzoni, o constrangimento de ter que defender o que atacou na Comissão Especial. Onyx montou uma equipe sobre o assunto e tem suas próprias ideias.

O vice-presidente falou ao “Valor” em uma abertura “lenta, gradual e segura”. O vocabulário geiselista foi adaptado aqui à área do comércio exterior para dizer que a indústria enfrentará maior competição com o produto importado pela redução das tarifas externas, a ser feita em fases. Durante uma de suas falas na transição, o futuro ministro Paulo Guedes criticou a indústria que estaria ainda em suas “trincheiras da primeira guerra”, e prometeu “salvar a indústria, apesar da indústria”. A despeito do tom forte, a tendência é não fazer uma abertura drástica.

Em entrevista que me concedeu no último dia 6, o general Mourão defendeu com entusiasmo a ideia de um desengessar do Orçamento. Com isso também sonha o economista Paulo Guedes. Para realizá-lo será preciso convencer o Congresso a retirar todas vinculações constitucionais, a começar as da saúde e educação. Um projeto que permita começar o Orçamento do zero sempre foi o sonho de inúmeros economistas. O problema não é ter a ideia, é como aprová-la porque ela pode atrair a oposição dos grupos de interesse, principalmente as bancadas da saúde e da educação. Fácil chegar ao diagnóstico de que o engessamento do Orçamento inviabiliza o país, difícil é mudar isso. O argumento do general Mourão na entrevista que me concedeu foi que o Congresso ganharia mais poderes se isso for aprovado porque poderia verdadeiramente formular a proposta de destinação das receitas a cada ano.

Como em outras democracias, o parlamento faria o orçamento, em vez de disputar os valores residuais. Isso convencerá o Congresso? Neste momento de aguda crise fiscal, cada setor está convencido de que, se abrir mão do mínimo constitucional, ficará sem qualquer garantia.

O general falou da necessidade de enfrentar as “igrejinhas”, como definiu as corporações do serviço público. Sempre foi difícil mesmo. Uma dessas ideias em defesa do grupo ao qual pertence se vê na própria entrevista, quando Mourão insiste na tese de que não há uma previdência dos militares e sim “um sistema de proteção pelas peculiaridades da profissão”. Chame-se do que for, a previdência dos militares tem um déficit de R$ 42 bilhões.

Sobre o custo da dívida pública, o vice-presidente propõe algo que não é factível. Ele repete o número do qual Paulo Guedes não se separa, que o Brasil gasta R$ 400 bilhões de juros por ano. O general acerta quando diz que se forem feitas as reformas, esse custo pode cair. No resto da solução ele erra. Acha que se fizer esse dever de casa, pode “chegar para os meus credores e dizer ‘vamos fazer uma negociação’”.

Segundo o general, o governo poderá repactuar essa dívida, alongar os títulos e reduzir os juros para diminuí-los, por exemplo, para R$ 350 bilhões, e usar esse dinheiro para investir. A redução do custo da dívida não acontece via negociação com credores, mas sim naturalmente se o governo fizer as reformas. A despesa caiu no governo Temer pelos acertos da equipe. Isso não libera dinheiro para qualquer outro uso. Apenas reduz a trajetória de crescimento da dívida. O vice-presidente mostra uma compreensão imprecisa da política monetária com essa sugestão de negociação com credores da dívida interna. E nesse ponto qualquer mal-entendido é arriscado.


Valor: Governo fará 'desmanche' do Estado, diz Mourão

Por Claudia Safatle, Carla Araújo e Andrea Jubé, do Valor Econômico

Prestes a assumir a vice-presidência do país, o general Hamilton Mourão defende que o governo de Jair Bolsonaro envie ao Congresso uma proposta de emenda constitucional para desvincular o Orçamento da União. "A Constituição engessa o país", disse, em entrevista ao Valor. Mourão afirmou que governo não começará "na base de impactos e pacotes", mas que todos os ministros deverão no dia 14 de janeiro, data marcada para acontecer a primeira reunião ministerial, apresentar metas e objetivos para "desregulamentar" e "desburocratizar" suas áreas.

O general defende que o texto da reforma da Previdência enviado pelo governo Michel Temer seja aproveitado e diz que os militares também estão dispostos a dar a sua contribuição com mudanças. O vice-presidente sugeriu ainda que Bolsonaro dê explicações da situação das contas públicas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que, a aprovarem um aumento de 16,38% nos vencimentos, mostram" desconhecer a realidade".

Mourão defende ainda que, com as reformas aprovadas, será possível conversar com os investidores sobre o alongamento do prazo dívida mobiliária interna. O vice-presidente eleito se negou a comentar a situação do ex-motorista de Flavio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, que se apresentou como comerciante de carros para justificar a movimentação milionária em sua conta corrente: "Isso é um assunto do Ministério Público do Rio de Janeiro", resumiu. A seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: Como estão distribuindo as missões no início do governo? A economia dará respostas nos primeiros dias.

Hamilton Mourão: A economia é o carro-chefe para arrumar essa situação que o país está enfrentando. Nós tivemos uma reunião preliminar na semana passada e foi dada a orientação que no dia 14 de janeiro, que vai ser a primeira reunião ministerial para valer, todos os ministros terão que apresentar o seu planejamento e as suas metas para os primeiros 100 dias, para serem aprovadas pelo presidente. Nessa reunião preliminar, alguns ministros que já dispunham de algum conhecimento anterior apresentaram alguma visão mais objetiva do que eles têm pela frente, outros ainda estão tomando pé da situação.

Valor: O ministério da Economia está entre esses que estão mais avançados?

Mourão: Na economia nós temos uma noção muito clara, isso é uma visão do conjunto, que as reformas são muito importantes. Se a gente não conseguir levar adiante tanto a reforma da previdência como a tributária nós vamos ter muita dificuldade.

Valor: Os senhores irão aproveitar o texto atual da reforma da previdência que já está na Câmara?

Mourão: Eu acho que vai ter que ser aproveitada, até pelo problema de prazo. Se a gente for voltar para a estaca zero não vamos conseguir produzir nada no ano que vem. Poderia ser feito um adendo aqui outro ali dentro da visão que se tem. Mas o que está sendo trabalhado, eu não tenho dado concreto disso, vai ser colocado só nessa reunião de janeiro. Mas temos que usar o que está lá e colocar uma coisa a mais, que isso é permitido pelo regulamento [sic] interno do Congresso, para que a gente consiga no primeiro semestre tentar passar isso aí.

Valor: Antes dessa reunião de 14 de janeiro tem alguma coisa que já pode ser anunciada?

Mourão: Nós não vamos começar na base de impactos e pacotes. Eu acho que gente tem que ser mais objetivo e não fazer coisas espalhafatosas que vão resultar em muito pouco resultado depois.

Valor: Mas tem coisas também que podem dar uma sequência, por exemplo, abertura comercial, não?

Mourão: Abertura comercial vamos ter que fazer um trabalho que tem que estar em fases, porque a nossa indústria não suporta um choque de abertura da noite para o dia. Nós vamos ter que fazer um faseamento. Numa reunião que eu tive com o pessoal da indústria eu usei um termo que era do presidente (Ernesto) Geisel (1974-1979) que dizia que era "lenta, gradual e segura" e acho que a abertura comercial tem que ser dessa forma, porque nós não vamos resistir a um choque.

Valor: E sobre a intromissão do estado na vida do cidadão?

Mourão: Todos receberam orientações sobre desregulação. Todos os ministros receberam orientação e têm que apresentar trabalhos e metas neste sentido, de você soltar um pouco, liberar as pessoas para que possam empreender com mais segurança.

Valor: Antigamente, se dizia que era impossível empreender com os juros altos, hoje os juros não são tão pesados, mas a carga tributária...

Mourão: A nossas carga tributária está aí na faixa de 35% a 37% do PIB. O Estado leva 45% do PIB e não devolve. Se devolvesse, se tivéssemos hospitais de primeira qualidade, escolas maravilhosas, estradas fantásticas, estava todo mundo bem, mas não temos. É só para sustentar uma máquina pesada em termos de pessoal e pesada em termos de estrutura.

"O acúmulo de recursos nas mãos do governo cria espaço para a política do toma-lá-dá-cá, para a corrupção"

Valor: Além da reforma da previdência e tributária, tem a reforma do estado, dá para ser feita?

Mourão: É um troço difícil, por que qual é a margem de manobra que existe? São os cargos em comissão, que dentro do governo federal tem um número cabalístico ai que serão em torno de 23 mil, mas se somar em toda a estrutura da federação chegaria a 120 mil. Incluindo função gratificada, cargo em comissão, estatal, isso aí você tirando os concursados. De todos os entes somados, os três níveis. É um exército.

Valor: Dá pra reduzir para quanto?

Mourão: Não para chegar e dizer: 'vou reduzir em 50%'. Cada um vai ter que avaliar dentro da sua estrutura qual é quantidade que ele pode manter, tem que ser um processo de estrangulamento e nós temos o problema do próprio funcionalismo público que a gente não consegue reduzir, porque isso mexe com as igrejinhas. Lá em São Paulo foi aprovado o novo regime de previdência do funcionalismo e já está colocada greve.

Valor: Como convencer os parlamentares sobre a necessidade da reforma da Previdência?

Mourão: Temos que fazer uma campanha de esclarecimento, tanto no Congresso como da população. O homem comum, o cidadão que não estuda muito, tem ideias preconcebidas do papel do estado na vida futura dele. A gente tem que explicar isso, porque se não ocorrer (a reforma) ninguém vai ter futuro. Mas se ela for aprovada vai trazer mais confiança para o país dos investidores.

Valor: Vocês querem romper com o fisiologismo, o Congresso vai corresponder?

Mourão: Vai ser um governo de persuasão. A gente tem que mostrar pra eles a responsabilidade que eles têm. Não querendo jogar a população contra, mas é tentar ser mais coerente. Tem muito parlamentar ali que não entende. Você tem ali - como em qualquer grupo social - tem 30% que são realmente esclarecidos, tem 40% que é a 'meiuca' que vai pra onde sopra o vento, e mais 30% que não sabe nem onde é a "curva do A".

Valor: Isso é atribuição do presidente?

Mourão: Acho que do presidente, do coordenador político, o general Santos Cruz (Secretaria de Governo). Se o presidente me delegar essa tarefa eu vou lá conversar. Vamos expor didaticamente.

Valor: E os filhos dos presidente, dois deles são parlamentares, qual vai ser o papel deles?

Mourão: Os filhos devidamente orientados pelo presidente podem auxiliar e muito. Compete ao presidente conversar e orientar eles. É a primeira vez que temos na história da República presidente com filhos parlamentares. Eles têm uma interação muito grande, são muitos amigos. Estamos num momento de acomodação. Quando começar a nova legislatura em fevereiro eles estarão com as tarefas bem definidas.

Valor: E a previdência dos militares, ela também será feita?

Mourão: O que tem que ficar muito esclarecido é que o militar não tem uma previdência, eles têm um sistema de proteção pelas peculiaridades da profissão. Mas já estão colocadas as questões que entrariam, como o aumento de permanência do serviço ativo. Hoje precisa de 30 anos de serviço e a ideia é passar para 35 no primeiro momento. E também as pensionistas passariam a descontar, seria uma forma a mais de contribuição. A questão dos militares é infraconstitucional.

Valor: O senhor tem recebido investidores estrangeiros?

Mourão: Alguns. Recebi o Bank of America, JP Morgan. O dado que eu tenho é que existem US$ 9 trilhões no mundo sendo negativados porque não estão sendo investidos em atividade de risco, então temos que absorver alguma coisa disso.

Valor: Há anos se fala em fazer reforma tributária, como ela seria?

Mourão: A reforma tributária tem de estar atrelada à reforma do Estado, e essa reforma é a do pacto federativo. Temos que colocar o recurso o mais cedo possível nas mãos do Estado e do município, e não ficar distribuindo migalhas. Caberá ao Governo Central ficar com menos recursos na mão dele. O governador do Estado e o prefeito são aqueles que têm a melhor noção das carências e necessidades.

Valor: Mas para fazer isso tem que ter uma desvinculação geral.

Mourão: Essa é a outra ideia que nós temos que eu considero extremamente pertinente, e isso daria um papel relevante para o Congresso. O Congresso hoje discute - sem querer desmerecer o papel dos congressistas -, assuntos periféricos. Se eles tivessem todo o Orçamento para realmente dizer o que vai para cada um eles teriam uma responsabilidade maior e o Executivo ficaria com a função de executar o Orçamento. O Executivo tem 8%, 9% para mexer.

Valor: Como isso será feito?

Mourão: Essa desvinculação teria que ser feita por emenda constitucional, porque a Constituição diz que tanto vai pra saúde, outro tanto para a educação. A Constituição foi feita na saída do que foi o período militar, quando várias corporações estavam batalhando um naco. Então se colocou coisa demais na Constituição. A Constituição da forma como está engessa o país.

"O militar não tem uma previdência; eles têm um sistema de proteção pelas peculiaridades da profissão"

Valor: O presidente Jair Bolsonaro vai sancionar ou vetar a prorrogação dos incentivos fiscais para empresas que investirem nas áreas da Sudam, Sudene e Sudeco, diante de possível rombo?

Mourão: Não conversei esse assunto com o presidente. Ali no dia 2 a gente vai ter bastante trabalho. Há os outros prejuízos lançados, como o aumento do Judiciário e dos funcionários públicos.

Valor: O STF está fora da realidade?

Mourão: Há um certo ativismo lá dentro, ora político, as simpatias políticas que alguns dos ministros têm, e às vezes uma coisa pessoal. A gente tem que conversar. Sentar um dia com os 11 ministros e expor para eles a situação do país. Acho que eles não conhecem. Sou favorável a que o presidente vá lá um dia e explique que se os senhores aprovam medidas dessa natureza, vamos cada vez mais nos encalacrar. Levaria o ministro da economia a tiracolo.

Valor: O Brasil está quebrado...

Mourão: Eu sei disso, pagamos R$ 400 bilhões por ano de juros, temos um déficit de R$ 139 bilhões, isso na conta de padeiro. Por isso precisamos aprovar essas reformas, porque com a melhoria do nosso rating nós poderemos até emitir títulos pagando juros menores. Podemos fazer uma repactuação dessa dívida, podemos alongar o prazo, diminuir o pagamento anual dos juros para R$ 350 bilhões; R$ 50 bilhões a mais é muito pra gente investir em coisas que a iniciativa privada talvez não queira.

Valor: Esse é um tema muito delicado: a repactuação não pode ser interpretada como um calote?

Mourão: O PPI vai ficar com o general Santos Cruz na Secretaria de Governo. O que ele precisar, a gente apoia. Eu montei uma equipe multidisciplinar capaz de oferecer soluções caso seja necessário.

Valor: Mas é como um suporte, um conselho?

Mourão: Não é um conselho, é uma equipe capacitada a trabalhar em qualquer assunto temático. Por exemplo: precisamos discutir o Acordo de Paris, tem gente para dar esse subsídio. É o meu dream team: são oito analistas.

Valor: O presidente se encontra com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu nesta sexta-feira. O governo vai ter uma relação especial com Israel?

Mourão: Não sei ainda. O que eu vejo é que hoje Israel tem uma aproximação muito grande com o presidente, já de algum tempo. Vamos ver até que ponto isso vai acontecer. Até porque temos que olhar, dentro do sistema internacional, pragmaticamente, o que se pode auferir nesse processo. Não podemos ficar só com o ônus, a gente tem que ter bônus também.

Valor: Pode haver alguma retaliação dos países árabes com essa aproximação de Israel?

Mourão: Depende do grau da aproximação, né? Isso aí tem que ser estudado até porque o presidente não tomou nenhuma decisão a respeito, e quando chegar a hora, a gente vai apresentar uma visão pra ele, e ele poderá decidir em melhores condições.

Valor: E essa relação com os Estados Unidos, será de adesão automática?

Mourão: Não, o que existe, e que acho inegável, é que nós temos hoje um governo pró-Trump que tem uma visão pró-valores da democracia americana, que admira esses valores. Mas não é um concorde imediato com qualquer coisa que for produzida por lá. É uma relação de governo, que não pode ultrapassar esses limites.

Valor: Logo no início, o governo vai ter que decidir sobre o subsídio do diesel aos caminhoneiros.

Mourão: Sim, o general Heleno fez uma reunião a esse respeito. Acho que a tendência é manter o subsídio até que se consiga uma solução melhor. Tem a questão da tabela de frete, que o [ministro da Infraestrutura] Tarcísio Freitas está trabalhando em cima também. Nós não temos condição de, de hoje para amanhã, solucionar esse problema.

Valor: Quando haverá uma solução?

Mourão: Na minha visão, onde está a raiz desse problema todo? No sistema tributário. Então, se a gente consegue dar uma acertada na questão da tributação, e os combustíveis, qual o índice maior da tributação? É o ICMS, que é de onde os Estados tiram o dinheiro. Onde eu moro, no Rio de Janeiro, é absurdo. É a gasolina mais cara do Brasil, custa R$ 5, é 35% o ICMS lá sobre o combustível.

Valor: Tudo virou uma indústria pra arrecadar...

Mourão: Mas arrecadar por que? Porque você tem que alimentar o dragão. É isso tudo que tem que ser explicado pra um conjunto de parlamentares e população, porque nós temos que domar o dragão. Domamos o dragão da inflação, mas esse outro dragão do Estado ainda não está domado. Está solto aí. Temos muito para fazer, na realidade, pra desfazer. Um desmanche, se fizer um desmanche. Eu já fiz essa comparação, eu gosto de cavalo, gosto de montar, já disse que Brasil é um cavalo olímpico capaz de saltar 1m80, mas tá todo amarrado, só salta 0,70 cm. O Paulo Guedes falou, tem que tirar as bolas de ferro do pé industriais.

Valor: Como chegamos a esse ponto?

Mourão: Porque aqui existe a associação do patrimonialismo com essa visão de que o Estado é o grande protetor. E depois pronto. E aí você junta o populismo, que tivemos tanto de direita como de esquerda.

Valor: Talvez a principal tarefa seja esse desmanche

Mourão: É, no Exército a gente tem um ditado: chefe bonzinho morre coitadinho. Não pode ser bonzinho, porque depois as próximas gerações serão beneficiadas. Hoje as próximas gerações não têm futuro, do jeito que tá.

Valor: O que o senhor achou das explicações do ex-assessor e motorista de Flavio Bolsonaro, que disse que as movimentações atípicas identificadas pelo Coaf eram resultado de compra e venda de carros?

Mourão: Sem comentários. Hoje isso é um problema do Ministério Público do Rio de Janeiro, não tenho nada a ver com isso.

 


Míriam Leitão:Ideias e papel do vice-presidente

Mourão defende pragmatismo na política externa, desvinculação do Orçamento, arrendamento de terra indígena apenas fora da Amazônia

O vice-presidente eleito, Hamilton Mourão, defendeu com entusiasmo a ideia de desengessar o Orçamento, proposta pelo futuro ministro Paulo Guedes, e afirmou que isso dará “mais poderes ao Congresso”. Ele explica que a reforma da Previdência deve ser ampla, porém com uma implementação por etapas. Sobre relações internacionais, ele resgata a expressão “pragmatismo responsável” e diz que temos que ter relações de global partners (parceiros globais) tanto com a China quanto com os Estados Unidos, mas esclarece: “Tenho muita admiração pela democracia americana. Tenho identificação com os valores deles.”

Em uma longa conversa ontem em seu gabinete, no grupo de transição, o vice-presidente ainda falava um pouco anasalado, resultado de uma sinusite que o afetou nos últimos dias. Perguntei se não estaria havendo muita bateção de cabeça na equipe do futuro governo e ele disse que isso é natural em qualquer administração que está se instalando.

Sobre seu papel no governo, disse que será o mesmo de qualquer vice-presidente:

—Esto uaqui para substituir o presidente, por isso acompanharei todos os assuntos de governo, pensarei em soluções, para estar preparado caso o presidente me chame para conversar.

O fatiamento da reforma da Previdência, ele explica de outra forma. Diz que seria uma reforma ampla, com implementação por etapas, começando pela idade mínima. A mudança para o regime de capitalização teria que ser num tempo futuro. Perguntei sobre a previdência dos militares:

—Estudei o assunto e formulei uma proposta, tempos atrás. Amplia-se o tempo de serviço para 35 anos e a pensionista que hoje não contribui passa a contribuir. A mudança que foi feita em 2000 já acabou com algumas vantagens.

Diz que atualmente já não há mais promoção quando sevai para a reserva eque quem pede baixa ganha proventos proporcionais ao tempo trabalhado.

Hamilton Mourão acha que o melhor lugar para a Funai é ficar onde está, no Ministério da Justiça, e defende a ideia de que os índios possam arrendar suas terras, desde que não seja em área sensível:

—Não pode ser na Amazônia, por exemplo, mas nem todos os índios estão na floresta.
Explicou que um projeto sobre isso seria cuidadoso e estabeleceria as áreas onde seria possível o arrendamento para não aumentar o desmatamento:

—Mas hoje já existe, só que não está regularizado. Pensamos em coisas como, ao fim do arrendamento, os equipamentos seriam dos índios.

Segundo ele, há duas formas devera Amazônia, e ele demonstrou discordar da primeira:

—Como uma área que deve permanecer como um zoológico do mundo, ou os que advogam uma exploração sustentável. Temos também que defender nos fóruns internacionais que se pague pela preservação da Amazônia, pelo oxigênio, serviços ambientais—diz o general Mourão, que não se diz favorável às a ída do Acordo de Paris.

Na economia, é entusiasta da ideia do futuro ministro da Economia de desvincular as receitas que têm destinação certa. Acha que como está fica inviável, e o Congresso briga por parcela cada vez menor sobre a qual pode dispor:

— É preciso dar ao Congresso poderes de formular o Orçamento. Os parlamentares teriam um ano produtivo fazendo de fato o Orçamento a ser cumprido pelo Executivo. Isso fortaleceria o Congresso.

De fato, o caminho tem que ser reduzir o engessamento, mas isso é muito difícil de fazer. Cada área temerá o risco de perder financiamento.

Sobre política externa, o vice-presidente defendeu que não haja alinhamento automático com os Estados Unidos, apesar de ser boa e natural a proximidade entre os dois países. Não é pelo presidente Trump, disse, argumentando que “governos são passageiros”, mas pelos valores comuns:

—Na minha opinião, a diplomacia não pode ser irresponsável como foi nos governos do PT. Tem que ser o pragmatismo responsável —disse, resgatando um termo que definiu a política externa dos últimos dois governos militares e que foi mantida por vários governos civis.

Na área de energia, o vice-presidente disse que se o país quiser crescer não haverá energia. Por isso acha que é preciso estimular o crescimento das fontes solar, eólica e gás natural. Acha que se pode pensar em nuclear, que as usinas hidrelétricas na Amazônia devem ser bem estudadas. “O que não se pode é ficar queimando óleo diesel em termelétrica.”


Eliane Cantanhêde: “Pouco contato”?!

Inteligente, preparado e falante, o vice Mourão ainda vai dar muita dor de cabeça

Passou suavemente, quase despercebida, a frase do presidente eleito, capitão reformado Jair Bolsonaro, sobre seu vice, general de quatro estrelas da reserva Hamilton Mourão, mas ela diz e projeta muito de um governo que nem começou. “Tenho pouco contato com ele”, disse Bolsonaro, com um ar de pouco caso, deixando uma pulga atrás da orelha de atentos e curiosos.

Mourão tem respeitável carreira no Exército, ocupou postos de destaque dentro e fora do País, inclusive o Comando Militar do Sul, foi bem em entrevistas às tevês (dizem que até melhor do que o próprio Bolsonaro) e acaba de passar muito bem no teste de inglês ao falar à BBC. Mas é dado a declarações polêmicas, às vezes chocantes.

Sua primeira vitória foi ultrapassar Janaína Paschoal, Marcos Pontes, Magno Malta, Luiz Philippe Orleans e Bragança na corrida pela vice. Entre professores, políticos, astronautas e príncipes, Bolsonaro ficou com um general gaúcho que surgiu no cenário político ainda na ativa, ao ser afastado da Secretaria de Economia e Finanças do Exército em 2017, não por coincidência, após defender intervenção militar.

Já candidato, ele produziu as pérolas da eleição, atribuindo as mazelas brasileiras à “indolência dos índios” e à “malandragem dos negros” e confirmando suas crenças mais profundas ao orgulhar-se da beleza do neto e do “branqueamento da raça”, o que remete ao que há de pior na história da humanidade e é nevrálgico no Brasil. Ainda foi adiante ao chamar as famílias sem homens, comandadas por mães e avós, de “fábricas de desajustados”.

Até aí, Bolsonaro e a campanha tratavam Mourão como um boquirroto, que sai falando tudo que passa pela cabeça sem atentar para as consequências, mas o caldo entornou quando ele se meteu a falar de intenções de governo. Defendeu uma Constituinte exclusiva, formada por “notáveis” e passando ao largo do Congresso eleito pelo povo, aliás, uma ideia lançada pelo ministro Tarso Genro no governo do PT.

O general também virou estrela das redes sociais ao chamar o 13º salário de “jabuticaba brasileira”, mesmo depois de Bolsonaro alertá-lo duas vezes para ter “cuidado” com o que dizia. As advertências entraram por um ouvido, saíram pelo outro. E, no pior momento da campanha, quando o PT acertou o passo e os bolsonaristas não paravam de dar tiro no pé, Bolsonaro deu um freio de arrumação: mandou Mourão e Paulo Guedescalarem a boca. O economista atendeu, o general se deu por desentendido.

Inteligente e preparado, seria grosseiro e injusto tratar Mourão como apenas folclórico, até porque suas falas não são sobre banalidades, mas sobre coisas sérias, num País onde os vices não são apenas enfeite. Na prática, vice está na antessala de assumir a Presidência.

Sarney só entrou na chapa do adversário Tancredo para dividir a base do governo militar e garantir a transição. Itamar virou vice de Collor para dar consistência política e partidária a uma aventura do PRN. Temer foi resultado de uma aliança PT-MDB para dominar o Congresso, apesar de Dilma. Todos viraram presidentes.

Os demais nem sempre foram reforço, mas dor de cabeça. Aureliano Chaves infernizou (com boas razões) o general Figueiredo, último presidente militar. José Alencar virou arauto contra os juros altos e sonhava ser presidente um dia, mas Lula conquistou-o com lábia e jeitinho. O vice dos sonhos de qualquer um, ou uma, foi Marco Maciel, o pernambucano intelectual suave e discreto que jamais criou problemas para FHC.

Convenhamos, Hamilton Mourão está mais para Aureliano do que para Maciel e pode dar muito trabalho ainda para o presidente Bolsonaro, com quem tem “pouco contato” e, quando tem, parece não dar tanta bola assim.


El País: Coronel da reserva acusa general Mourão de favorecer empresa em contrato do Exército

Suspeitas de irregularidades em contrato envolvem militares, uma companhia da Espanha e um lobista. Oficial da reserva questiona atuação do atual vice de Bolsonaro no negócio entre 2012 e 2016Por Marina Rossi e Felipe Betim, do El País

“A corrupção nem sempre acontece com mala de dinheiro. Ela acontece também no Diário Oficial, disfarçada de atos oficiais”. As palavras são do coronel da reserva Rubens Pierrotti Junior, de 49 anos. Ele foi supervisor operacional durante o desenvolvimento do Simulador de Apoio de Fogo (SAFO) do Exército Brasileiro, elaborado pela empresa espanhola Tecnobit para projetar cenários e missões virtuais para treinamentos de militares a custos mais enxutos. Inaugurado em 2016, seis anos depois da licitação, o Exército garante que o simulador gera hoje uma economia de 50 milhões de reais por ano, mas o projeto acabou se tornando o epicentro de uma batalha na corporação: gerou resistência entre oficiais, demorou mais do que deveria para ser entregue e se tornou a razão de uma briga entre Pierrotti e o então general quatro estrelas Antonio Hamilton Martins Mourão, atual candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro.

A história do simulador ainda envolve relações estreitas demais entre oficiais da alta patente e executivos da empresa e até a suposta dívida por um favor prestado por um membro da maçonaria espanhola a um general brasileiro, segundo documentos reunidos em um dossiê de 1.300 páginas ao qual o EL PAÍS teve acesso através da BrasiLeaks, uma plataforma on-line de denúncias anônimas ao estilo da WikiLeaks. A partir da documentação, a reportagem conseguiu contactar Pierrotti, que era um dos mencionados nos documentos e aceitou relatar com detalhes o desenrolar do projeto.

Ao longo do desenvolvimento do simulador, a Tecnobit recebeu um total de oito reprovações do corpo técnico do Exército de etapas que eram dadas como concluídas. Mais de dez oficiais foram afastados ou pediram para deixar o projeto. Pierrotti foi um deles: ele pediu seu afastamento em março de 2014, após ele mesmo reprovar sete vezes o simulador. Depois de deixar o projeto, Pierrotti comandou um quartel paraquedista no Rio de Janeiro e passou para a reserva em setembro de 2016, após quase 32 anos de serviço. Hoje ele atua como advogado. Já o general Mourão, que a partir de 2012 passou a se envolver mais na coordenação do projeto, fazendo a interface entre o Exército e a Tecnobit, ficou conhecido por suas manifestações a favor de uma intervenção militar como forma de resolver a crise política brasileira. Desde que entrou na reserva, em fevereiro deste ano, vem se envolvendo mais ainda em assuntos políticos e promovendo candidatos militares nas eleições de outubro de 2018.

A origem da relação entre a Tecnobit e oficiais do Exército brasileiro é alvo de diversas especulações e teorias. Um delas, relatada por uma das fontes consultadas por este jornal e que pediu anonimato, diz respeito a uma suposta relação de proximidade entre o Departamento de Educação e Cultura do Exército, comandado pelo general Rui Monarca da Silveira, quando o contrato com a Tecnobit foi assinado, e membros do Partido dos Trabalhadores (PT), que governava o país na época. Segundo essa teoria, havia um interesse do governo em estreitar os laços militares com a Espanha — algo que de fato se concretizou em acordos assinados entre ambos os países — ao mesmo tempo em que se garantia vantagens indevidas para os envolvidos, sejam eles militares ou membros do partido, a partir da assinatura do contrato.

A segunda teoria, relatada pelo próprio Pierrottidiz respeito ao papel desempenhado por Tomas Sarobe Piñero, conhecido como Tom Sarobe, junto a oficiais do Exército. Ele é um engenheiro e conhecido membro da maçonaria espanhola que fazia as vezes de representante comercial da Tencnobit por meio de sua empresa, a Semit Continental. "Ele é um mercador da morte", reconheceu Mourão a este jornal. "Atua no mercado internacional de produtos de defesa", explicou, para na sequência dizer que Sarobe era um "lobista" e, em seguida, "relações públicas", para então finalizar com "representante comercial" da Tecnobit. A empresa afirma que Sarobe "formava parte de uma agência comercial que deu efetivamente respaldo [ao projeto]". Em fevereiro de 2008, dois anos antes da assinatura do contrato com a Tecnobit, um decreto do Ministério da Defesa concedia a medalha do mérito militar, no grau de cavaleiro, a Sarobe, sem nenhuma justificativa aparente.

Suspeitas de fraude na licitação

Pierrotti conta que as conversas e os problemas sobre o projeto SAFO começaram no primeiro semestre de 2010, meses antes da contratação da empresa que o desenvolveria. Um processo que, segundo garante, foi "moldado" para favorecer a Tecnobit. “A Diretoria de Educação Superior Militar, chefiada na época pelo general Marco Aurélio Costa Vieira e subordinada ao Departamento de Educação e Cultura do Exército, resolveu encampar essa ideia e comprar o simulador da Tecnobit a qualquer custo”. Pierrotti narra que antes mesmo de a licitação ser aberta, “todo mundo já sabia” que haveria “uma missão para a Espanha”. Outra fonte próxima ao projeto, que não quis se identificar, confirmou o conhecimento prévio da empresa que ganharia o contrato e contou que o então chefe do Departamento, o general Rui Monarca da Silveira, chefe de Marco Aurélio, "deu total apoio" à empreitada.

Parte do documento que trata da necessidade de um simulador de artilharia brasileiro, e a menção à visita ao simulador espanhol.ampliar foto
Parte do documento que trata da necessidade de um simulador de artilharia brasileiro, e a menção à visita ao simulador espanhol.

O caminho começou a ser traçado em março de 2010, quando o Exército encomendou um estudo para justificar a necessidade de um simulador de apoio de fogo. Nele, é mencionado como exemplo somente o simulador do Exército espanhol, projetado pela Tecnobit e inaugurado em 2002 com o nome de SIMACA (Simulador de Artilharia de Campanha). O documento ainda revela que foi feita uma visita de oficiais brasileiros à Academia de Artilharia do Exército da Espanha, o que “acrescentou algumas ideias-força relevantes que fazem parte da solução proposta” (veja na imagem ao lado). Não menciona nenhuma visita a outro simulador desenvolvido por outra empresa.

Com o estudo pronto, a portaria que oficializava a necessidade de um simulador para o Brasil fora publicada poucos meses depois, já em junho de 2010. O organismo responsável por promover uma licitação é a Comissão do Exército Brasileiro em Washington (CEBW), que fez então uma primeira tentativa em agosto, segundo conta Pierrotti. Três empresas, todas espanholas, incluindo a Tecnobit, teriam participado do processo, segundo o coronel, que garante que o edital dificultou a participação de outras companhias, o que teria gerado suspeitas de fraude e anulado todo o processo. Não há rastros documentais sobre a licitação em si, mas portarias publicadas pelo comando do Exército autorizavam a viagem de oficiais ao exterior para acompanhar o processo licitatório. Cerca de um mês e meio depois, uma nova licitação foi aberta e cinco empresas concorreram, incluindo, novamente, a Tecnobit. “Empresas com reconhecida capacidade tecnológica ficaram de fora”, conta Pierrotti. Ele menciona o ranking Simulation and Training Companies feito pela revista Military Simulation & Training Magazine, que lista anualmente as melhores empresas no ramo de tecnologia militar. A Tecnobit não estava no ranking em 2010, quando ganhou a licitação brasileira, nem no ano anterior, 2009, ou no ano seguinte, 2011.

Parte da portaria que oficializa a necessidade de um simulador para o Brasil, de junho de 2010. ampliar foto
Parte da portaria que oficializa a necessidade de um simulador para o Brasil, de junho de 2010.

Como um ranking não tem nenhuma interferência em uma licitação, a Tecnobit se saiu vencedora do processo. Em 22 de outubro de 2010, o contrato entre o Exército e a empresa espanhola era assinado, com a promessa de entregar um simulador em Resende (RJ) e outro em Santa Maria (RS), além de equipamentos como biblioteca, e o estabelecimento de uma filial brasileira da Tecnobit até outubro de 2013. Tudo isso a custo de 13,98 milhões de euros — pela cotação ao longo de outubro de 2010, esta cifra equivalia a cerca de 32 milhões de reais.

Por meio de nota, o Exército afirmou ao EL PAÍS que a decisão para a aquisição do simulador partiu da necessidade de adestramento das tropas por meios "auxiliares de instrução que minorem gastos e otimizem o emprego judicioso dos recurso públicos". Também disse que foram feitos estudos sobre a necessidade do simulador e que hoje ele "vem cumprindo de forma satisfatória os objetivos para os quais foi desenvolvido".

"Proposta indecente"

Não demorou para que os primeiros problemas entre a Tecnobit e o Exército aparecessem. Em abril de 2011, estava prevista a entrega da primeira das quatro fases do desenvolvimento do simulador, que consistia em detalhar e analisar os requisitos técnicos e operacionais da empresa. Foi quando o então major Renato Carvalho de Oliveira, do escritório de gerenciamento do projeto, enviou um e-mail a generais afirmando que existia uma “falta de capacidade técnica por parte da Tecnobit”, fazendo com que a empresa quisesse “tomar atalhos para se livrar de algumas responsabilidades previstas em contratos ou acertos”. O conteúdo do e-mail foi redigido após uma conversa com o então fiscal do contrato, o tenente coronel Eric Julius Wurts, e o supervisor técnico, na época major André Gustavo Monteiro Lima.

E-mail do major Carvalho tratando da “falta de capacidade técnica por parte da Tecnobit” (grifos da fonte).ampliar foto
E-mail do major Carvalho tratando da “falta de capacidade técnica por parte da Tecnobit” (grifos da fonte).

Na segunda fase, na qual um protótipo deveria ser apresentado, o constrangimento ficou maior. No dia de sua apresentação, o simulador ainda não conseguia realizar o cálculo da trajetória balística, como se esperava, lembra Pierrotti. “A proposta da Tecnobit foi indecente”, diz ele. “Eles pegaram um programa executável do simulador de artilharia de campanha da Espanha, o Simaca, e apresentaram como se fosse um protótipo do simulador brasileiro”. Fontes militares que participaram desta etapa contam que os executivos da Tecnobit entregaram um CD com uma cópia do simulador espanhol sem levar em conta as especificidades do armamento e da geografia brasileira e já defasado. “A apresentação do protótipo já foi fake”.

Mesmo com claros problemas na apresentação do protótipo, a empresa recebeu quase 5 milhões de euros pela conclusão da segunda fase do projeto. As demais fases foram todas parecidas em termos de atrasos e desentendimentos. Com o tempo, os próprios engenheiros militares brasileiros, que já trabalhavam lado a lado com os engenheiros espanhóis, passaram a solucionar os problemas da empresa. A transferência tecnológica acabou ocorrendo ao contrário, o que levantou a suspeita de que o projeto poderia ter sido desenvolvido dentro do Brasil com um custo menor, segundo Pierrotti.

Informe do Exército de julho de 2012 com a nomeação do coronel Wurts para o Curso de Política e Estratégia Aeroespaciais, afastando-o, portanto, do projeto SAFO.ampliar foto
Informe do Exército de julho de 2012 com a nomeação do coronel Wurts para o Curso de Política e Estratégia Aeroespaciais, afastando-o, portanto, do projeto SAFO.

Por meio de nota, a Tecnobit diz que o projeto atrasou mais do que o previsto porque, de acordo com o contrato, ele era, inicialmente, uma "colaboração" entre a empresa espanhola e o Exército Brasileiro para o desenvolvimento do simulador "baseado em uma evolução e modernização do Simaca espanhol". Mas que, ao longo do desenvolvimento do projeto, "o cliente brasileiro fez pedidos que superavam amplamente os requisitos estabelecidos no contrato". O documento, ao qual o EL PAÍS também teve acesso, previa que o equipamento seria desenvolvido juntamente com engenheiros militares brasileiros para garantir a transferência tecnológica. Este era inclusive o item mais caro do acordo.

Mourão surge para "destravar" o projeto

General Mourão (no centro da foto) ao lado de Tom Sarobe (de gravata listrada), na Espanha.
General Mourão (no centro da foto) ao lado de Tom Sarobe (de gravata listrada), na Espanha.

Diante de sucessivos atrasos e constrangimentos, o Exército Brasileiro designou em julho de 2012 o general Antonio Hamilton Martins Mourão, que já participava do projeto de forma discreta como vice-chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército, para sua primeira missão na Espanha com o objetivo de acompanhar e, nas palavras de Pierrotti, "destravar o andamento do projeto". "Existe uma grande maioria no Exército que trabalha bem e que é honesta. Mas existe uma parcela, que não é pequena, que sob uma falsa justificativa moral, é conhecida como a tropa que resolve problema, ainda que ilegalmente ou de qualquer maneira", explica. "Ninguém vai sair com uma mala de dinheiro, mas o camarada pode sair promovido a general ou receber uma missão no exterior como prêmio".

Nessa viagem, Mourão e outros militares levaram suas respectivas esposas. Uma programação especial fora elaborada pelo adido militar brasileiro na Espanha para elas durante a missão de uma semana. No primeiro dia, um jantar foi oferecido para todos da missão pelo representante comercial da Tecnobit, Tomas Sarobe Piñeiro. Traje: esporte fino, previa o convite. A prática de oferecer jantares pelos executivos da empresa aos oficiais seria recorrente durante todo o processo. “Eu mesmo presenciei atitudes estranhas envolvendo viagens, jantares e pagamentos nesse projeto”, diz Pierrotti. “Em dezembro de 2013, depois que eu reprovei pela sexta vez o simulador, escrevi um relatório para o comando do Exército e disse que um dos diretores da Tecnobit me chamou para um jantar para resolver todos os problemas. Eu suspeitava que ele ia me oferecer alguma coisa durante o encontro e não aceitei o convite”.

Em uma reunião posterior a esse relatório, em janeiro de 2014, Pierrotti conta ter dito a Mourão que estava preocupado e que poderia assessorá-lo tanto na parte técnica como na parte jurídica, já que é formado em direito. "Mas ele ameaçou me mandar para a prisão". Dois meses depois, em março de 2014, o general assinou um certificado de que a empresa havia terminado seu trabalho, apesar de mais um parecer negativo de Pierrotti, do fiscal do contrato e de outros militares envolvidos no projeto. "Entramos em uma reunião na AMAN [Academia Militar das Agulhas Negras] com Mourão para prepará-lo para um encontro com representantes da Tecnobit. Ficamos ali conjecturando ideias e propostas para dar continuidade ao projeto. Uns vinte minutos depois, ele se encontrou com o Tom Sarobe no corredor e disse tudo o que a gente tinha falado pra ele", relata Pierrotti. "Isso pode se enquadrar em quebra de sigilo profissional. Ele entregou de bandeja todos os nossos argumentos para o representante da empresa. De que lado ele estava nisso?".

Informe do Exército de maio de 2013 anunciando a mudança de posto de alguns oficiais. ampliar foto
Informe do Exército de maio de 2013 anunciando a mudança de posto de alguns oficiais.

À reportagem, o general Mourão, que hoje está na reserva, admite que os atrasos ocorreram porque a empresa não "conseguia atingir aquilo que havia sido acordado no contrato", mas justifica dizendo que se tratava do desenvolvimento de um "software difícil". Ele nega que a empresa não tivesse capacidade técnica para realizar o trabalho, mas afirma que o processo ocorreu com certa dificuldade. "Tivemos várias discussões com a empresa, muita briga em determinado momento, mas ela cumpriu com o que foi contratado", disse. "Mas foi debaixo de muita pressão".

Com o afastamento do tenente-coronel André Gustavo Monteiro Lima.
Com o afastamento do tenente-coronel André Gustavo Monteiro Lima.

Em referência a Pierrotti, ao qual não chega a citar nominalmente, taxa o coronel da reserva de "psicopata" e "ressentido". "Esse camarada depois vai ser pego. Eu sei quem ele é", diz. "Ele vem divulgando coisas que não poderia divulgar. Por isso está cometendo um crime. Tomem cuidado onde vocês vão se meter. Há um crime em andamento". O general menciona que Pierrotti poderia responder pela quebra de acordo de confidencialidade, mas não diz se as revelações de Pierrotti poderiam se tratar de injúrias ou difamações.

Sobre os jantares que frequentava com representantes da Tecnobit, afirma que eram "normais". "Você está visitando um país, visitando uma empresa, o camarada convida para jantar na casa dele", argumenta. "É uma coisa normal, ué. Quando ele [Tom Sarobe] veio ao Brasil, eu o convidei para jantar na minha casa". A passagem aérea para a sua esposa foi paga pela Tecnobit, segundo documentos. Mourão confirma. "Eu tinha direito a uma passagem de primeira classe. Troquei por duas de classe econômica", explica. Ele também garante que os gastos com a esposa dele nas viagens foram cobertos com a diária que recebia do Exército. "Eu recebia as diárias e pagava as minhas despesas. Quem pagava [pelos passeios] era a diária que eu recebi". Mas Pierrotti contesta, ao dizer que a aditância militar brasileira na Espanha colocou à disposição da esposa de Mourão carro, motorista e secretária. O EL PAÍS teve acesso a documentos do Exército com uma programação montada especialmente para ela à cargo da aditância. Já a Tecnobit nega que tenha dado qualquer tipo de presente ou oferecido jantares a oficiais do Exército. A reportagem não conseguiu contato com Tom Sarobe.

Programação feita pela aditância do Exército na Espanha para as esposas de oficiais.
Programação feita pela aditância do Exército na Espanha para as esposas de oficiais.

Sobre o oferecimento de vantagens ou favorecimentos por parte da empresa a ele, o general é taxativo: "Jamais [recebi]. Até porque, se houvesse alguma coisa dessa natureza, o cara levava um murro na cara, né?", diz. "É desse jeito que funciona. A não ser [com] político, né? Eu sou soldado. Se fosse político, aí eu teria uma boa conta no exterior", afirmou ele à reportagem, em entrevista feita antes de ele ser escolhido como vice de Bolsonaro. Ele afirmou ainda "ter a consciência tranquila".

De SAFO a SIMAF

O equipamento deveria ter sido entregue em outubro de 2013, mas acabou sendo inaugurado apenas em 2016. A Tecnobit afirma se considerar "altamente prejudicada", e buscou uma corte internacional para resolver as questões e traçar um novo calendário de entrega. O novo acordo, diz a empresa, permitiu que o projeto fosse concluído "com êxito". A companhia assegura ainda que, exceto pela biblioteca — que o Exército ainda não teria definido sua localização — todos os itens do contrato foram cumpridos. Incluindo a abertura de filial no Brasil — que hoje, diz, conta com apenas dois funcionários — e de um laboratório de simulação. A reportagem esteve no endereço da suposta filial brasileira, em um prédio comercial na Barra, no Rio de Janeiro, e a sala está vazia e trancada. Depois de confirmar que a sede estava no Rio, a companhia voltou atrás e informou que, na verdade, havia se mudado para São Paulo.

Para dissociar o simulador de apoio de fogo da má fama que o nome do projeto já estava evocando em alguns círculos, o SAFO (Simulador de Apoio de Fogo) mudou de nome. Passou a ser chamado de SIMAF (Sistema de Simulação de Apoio de Fogo). Com isso, em uma cerimônia realizada em 19 de fevereiro de 2016, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas inaugurava, finalmente, o primeiro simulador na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em Resende (RJ). Quatro meses depois, em 11 de junho, era inaugurado o simulador em Santa Maria (RS).

Em 2017, foram realizados 20 exercícios pelos cursos de formação de militares com os simuladores nas duas unidades, segundo o Exército. A previsão para este ano é que sejam realizados 23 exercícios, ainda segundo o Exército, que ressalta ainda que o simulador economiza 50 milhões de reais em munição ao ano, "valor que ultrapassa a quantia paga pelo simulador, comprovando a viabilidade econômica do projeto". Pierrotti contesta esta afirmação. "O Exército não deixou de gastar nenhum centavo de munição de artilharia por conta do simulador. A economia é virtual".

Todos os demais questionamentos da reportagem feitos ao Exército sobre atrasos, o processo de licitação, custos com viagens, cláusulas do contrato que a Tecnobit não teria cumprido e a possível relação de executivos da empresa com oficiais do Exército antes mesmo de aberta a licitação não foram respondidos ou foram negados.


El País: Mourão, um novo franco-atirador para o populismo conservador de Bolsonaro

O general da reserva, nostálgico da ditadura, lidera pelotão de candidatos militares neste pleito e ganha holofotes ao repetir frases preconceituosas

Jair Bolsonaro, o candidato à presidência do Brasil que há meses desconcerta seus muitos críticos por se destacar nas pesquisas de intenção de voto com ideias abertamente autoritárias, anunciou no domingo seu vice na campanha eleitoral. Hamilton Mourão é um general de 64 anos dado a criticar o Poder Executivo e a elogiar aspectos da ditadura militar brasileira (1964-1988), o que já havia lhe rendido uma punição branda na caserna antes de sua aposentadoria. Mas no mundo ao contrário de Jair Bolsonaro, a patente alta e a vocação para chocar se encaixam perfeitamente na chapa que tem 17% de intenção de voto, quase o dobro dos 10% do próximo da lista, se desconsiderado Luiz Inácio Lula da Silva, virtualmente impedido de concorrer. O general reforça tudo o que aconteceu até agora na campanha de extrema-direita – os elogios à ditadura, os insultos de microfone na mão, o racismo, o classicismo, o machismo. A dobradinha reitera que essa é a candidatura dos militares, da força bruta, do ultraconservadorismo e da ordem estabelecida. E que não há nada a relativizar na que é, no final das contas, a segunda proposta que mais atrai seguidores no maior país da América Latina.

Mourão, que entrou no Exército em 1972 e esteve na ativa até fevereiro de 2018, já havia negado antes a fazer campanha com Bolsonaro. Que o candidato tenha insistido se deve mais à falta de opções – Bolsonaro já havia sido recusado por outras duas pessoas – do que das qualidades para o cargo ou o possível ganho eleitoral da fórmula. Mourão é o homem que, ao entrar na reserva há alguns meses, chamou de “herói” o coronel que comandou um centro de repressão política durante a ditadura militar e que foi declarado “torturador” pelo Tribunal de Justiça. Em outubro de 2015 protagonizou um escândalo ao afirmar em uma conferência que o Brasil precisava “de um despertar da luta patriótica”: dias depois, ainda sob o Governo Dilma Rousseff, foi anunciada a sua “exoneração do posto”. Em setembro desejou publicamente que a Justiça “retirasse” da vida pública o presidente Michel Temer e em dezembro chamou o Governo, enfraquecido por várias acusações de corrupção, de “bazar de negócios”. Em poucos dias foi transferido à Secretaria de Economia do Exército, onde não ocupou nenhum cargo concreto. Em fevereiro, entrou na reserva, mas mereceu uma cerimônia de gala e elogios do atual comandante do Exército.

Mas o Brasil em que esse histórico derrubaria qualquer carreira política parece já não mais existir. Nos últimos meses é cada vez mais comum que os militares opinem publicamente sobre a turbulenta deriva do país e que lembrem, para deleite de muitos, que eles estão ali e, ao contrário dos entumecidos políticos tradicionais, poderiam fazer algo. Em abril, horas antes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser preso por corrupção e quando ainda se temia a remota possibilidade de que fosse indultado, o mesmo comandante do Exército ameaçou no Twitter: “o Exército brasileiro compartilha o anseio de todos os cidadãos de bem de repudiar a impunidade (...) e se mantém atento a suas missões institucionais”.

Setores da sociedade brasileira, presa há anos em uma encruzilhada formada por uma recessão econômica, uma classe política paralisada por incontáveis julgamentos por corrupção e índices de violência que só aumentam, também se mostram cada vez mais favoráveis à presença dos militares na vida civil. Em janeiro o presidente, impotente diante da sangria diária do Rio de Janeiro, cedeu às Forças Armadas o controle da segurança de todo o Estado: foi a primeira vez que se tomou uma medida tão extrema desde a volta da democracia em 1988. Longe de condená-la, muitos a usaram como prova de que a política habitual não tem como agir em um local tão violento. Quando, no final de maio, os caminhoneiros entraram em greve e paralisaram o país que mais depende das estradas no mundo, as manifestações de protesto mostraram várias mensagens de “Intervenção Já” - um clamor para que os militares tomassem o poder político.

Não à toa existem mais de uma centena de ex-militares disputando algum cargo nessas eleições - querem ser deputado a governador e também chegar ao Planalto. Ninguém soube capitalizar esse sentimento como Bolsonaro, único candidato a presidente com passado militar (ainda que sua carreira tenha acabado em 1987, quando foi suspenso por tentar colocar bombas nos banheiros de sua academia). Quando se transformou no deputado mais votado das eleições de 2014 já utilizava a estética militar. Após seu sucesso, foi além e começou a flertar com a saudade da ditadura. Nos vídeos que publica diariamente nas redes sociais e que lhe deram seus primeiros seguidores via-se, discretamente pendurados nas paredes de seu gabinete, retratos dos generais que durante 22 anos perseguiram e torturaram seus dissidentes. Aumentou a aposta. Em 2016, com as pesquisas já a seu favor como possível presidente, disse que “o erro foi torturar e não matar”. No lugar de cair, se manteve. No final de julho já se atreveu a dizer abertamente que a ditadura foi “um período muito bom”.

Agora tem Mourão para dividir os holofotes na imprensa do escândalo provocado pelas declarações - é uma estratégia que escancara o extremismo, mas também garante uma exposição valiosa para uma dupla que terá pouquíssimo tempo no horário eleitoral gratuito. Nesta segunda, em seu primeiro compromisso oficial após se tornar o vice de Bolsonaro, o general da reserva repetiu, no Rio Grande do Sul, clichês preconceituosos e racistas sobre a história brasileira. “Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem, Edson Rosa [vereador negro presente na mesa], nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o nosso cadinho cultural. Infelizmente gostamos de mártires, líderes populistas e dos macunaímas”, declarou Mourão, promovido a expoente do populismo conservador eleitoral à brasileira.


El País: Mourão, o controverso general que sela a chapa puramente militar de Bolsonaro

Anúncio foi feito pelo candidato de extrema-direita do PSL em convenção em São Paulo e foi referendado pelo PRTB de Levy Fidelix

Por Afonso Benites, do El País

O deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) anunciou que o general da reserva do Exército Hamilton Mourão será seu candidato a vice-presidente nas eleições de 2018. Bolsonaro falou na manhã deste domingo durante a convenção estadual do PSL em São Paulo. O nome de Mourão foi referendado pela convenção nacional do PRTB horas depois. "Eles podem ter muita coisa, mas só nós temos o povo ao nosso lado. No momento, eu deixo de ser capitão. O general Mourão deixa de ser general. Nós somos agora soldados do nosso Brasil", discursou Bolsonaro.

A estimativa é que chapa Bolsonaro-Mourão tenha 14 segundos diários do tempo de propaganda de rádio e TV, sendo 8 do PSL e 6 do PRTB. Ao todo, são 25 minutos na programação que envolve todas as legendas. O fundo eleitoral dos dois juntos -- que será dividido com os concorrentes ao parlamentos federal e estadual, assim como para os Governos -- chega aos 13 milhões de reais. Todo o fundo eleitoral distribuído entre os partidos é de 1,7 bilhão de reais. É bem pouco para o líder das pesquisas em cenários que não consideram a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, virtualmente impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa. Por isso, a estratégia é seguir apostando pela bem-sucedida estratégia nas redes sociais.

Defesa da "intervenção militar"
Antes de ouvir o sim de Mourão, Bolsonaro já havia sido rejeitado por três possíveis candidatos, inclusive o próprio general. A advogada Janaína Paschoal (PSL) e o também general da reserva Augusto Heleno (PRP) haviam sido sondados para concorrer na chapa, mas as negociações não avançaram. Para convencer Mourão, Bolsonaro contou com a ajuda de Levy Fidelix, o presidente do PRTB que já disputou outras eleições presidenciais.

Com uma chapa puro sangue militar, Bolsonaro é ex-capitão do Exército, o PSL reforça o caráter de extrema-direita da candidatura. Os companheiros de chapa tem em comum a defesa da ditadura militar brasileira (1964-1985). Durante o Governo Dilma Rousseff (PT), Mourão era o comandante do Exército no Rio Grande do Sul e chegou a defender uma intervenção militar para debelar a crise política e econômica do governo petista. Ambos, Bolsonaro e Mourão, tem em comum a admiração pública pelo coronel Carlos Brilhante Ustra (1932-2015), chefe de um importante centro da repressão durante a ditadura militar e reconhecido como torturador pela Justiça brasileira e pelo relatório oficial da Comissão Nacional da Verdade, de 2014. Na cerimônia em que se despediu da carreira, o agora general reformado elogiou Ustra em em uma concorrida cerimônia no Salão de Honras do Comando Militar do Exército, em Brasília.

Desde que entrou para a reserva, Mourão passou a dirigir o Clube Militar e defender abertamente a candidatura de seu colega de farda. Em princípio, ele deveria concorrer a um cargo no Congresso Nacional. Mas mudou de ideia após insistentes pedidos de seus aliados.