mourão
Eliane Cantanhêde: Haja pólvora
Sem Trump, Mourão, governadores, prefeitos e parte dos militares, quem sobra para 2022?
Se o presidente Jair Bolsonaro insistir nesse ritmo de metralhadora giratória contra tudo e todos, quem estará com ele na reeleição em 2022? Bolsonaro não deve eleger um único prefeito de capital hoje, joga o vice Hamilton Mourão ao mar, cria tensões e cisões desnecessárias nas Forças Armadas, não entrega reformas e privatizações ao empresariado e ao mercado, não gera empregos, irrita médicos, professores, o pessoal da cultura e qualquer um que defenda o verde e a vida.
Quem sobra? Por questões ideológicas, interesses diretos, conveniências pontuais ou simples incapacidade de compreender o que se passa, os bolsonaristas dirão que sobram o Centrão e uma faixa considerável das redes sociais e do eleitorado. É preciso saber, porém, até onde, e quando, o Centrão e esse eleitor fiel, ou recentemente conquistado, resistem. As urnas de hoje serão um teste. Trarão boas respostas e indícios.
O Centrão está de olho na contagem de votos não só para consolidar suas bases como para projetar os próximos passos: as eleições para Câmara, Senado, governos estaduais e Presidência em 2022. O que os líderes de PP, PTB, PL… vão fazer, se o apoio de Bolsonaro se revelar tóxico? Serão fiéis na alegria e na tristeza? As eleições, portanto, devem deixar claros os limites da aliança. É restrita ao Congresso e dura enquanto a caneta tiver tinta. Bagaço de laranja e caneta sem tinta não servem para nada.
Pelas pesquisas, muito mais confiáveis no Brasil do que nas eleições americanas, Bolsonaro vai colher derrotas significativas em São Paulo e no Rio e assistir ao fim precoce da “nova política” que, dois anos atrás, empurrou policiais, militares, juízes e promotores para governos, Congresso e assembleias. Exemplos: o juiz Wilson Witzel e o bombeiro Carlos Moisés, já afastados dos governos do Rio e de Santa Catarina.
O sonho virou pesadelo. Os eleitos na onda bolsonarista não vão bem das pernas, o PSL voltou à sua real dimensão e o presidente não conseguiu criar um partido para chamar de seu. Assim, Bolsonaro vai encerrando o seu segundo ano de governo se despindo da fantasia do Jairzinho Paz e Amor e abrindo flancos por todos os lados. Encampou a derrota de Trump como sua, ameaça o futuro presidente Joe Biden e, hoje, a perspectiva é de derrota interna também.
Sem aliados externos e internos, nas mãos do Centrão, com horizontes nebulosos na economia e segunda onda da covid-19 na Europa, era hora de Bolsonaro criar caso com os militares? A um dos muitos oficiais militares que estão preocupados, perguntei se o presidente não precisa dormir mais para parar de falar besteira. E ele: “Sim. E de tomar um remedinho”.
A moda é dizer que Forças Armadas (FFAA) “são de Estado, não de governo” e os militares não são parte da política nem querem a política nos quartéis, como repetiu o general Edson Pujol, que também estava no Seminário de Defesa, na Escola Superior de Guerra - que, aliás, não teve ninguém do Planalto. No cafezinho, ele me disse: “Não sei por que tanta repercussão. Eu falei o óbvio”. O que leva à seguinte reflexão: quando o comandante do Exército precisa dizer obviedades, é porque elas deixaram de ser óbvias.
Em nota, ontem, o ministro da Defesa e os três comandantes declararam que o presidente “tem demonstrado (…) apreço pelas FFAA, ao que tem sido correspondido”. Por que dizer isso, a esta altura? Isolado no plano internacional, Bolsonaro será derrotado hoje na eleição para prefeitos e tem contra si parcelas expressivas de governadores, juristas, cientistas, médicos, professores, ambientalistas, diplomatas, artistas e analistas. Não satisfeito, bate boca com Mourão, o que divide os militares. Aonde, afinal, Bolsonaro quer chegar?
Ricardo Noblat: Está cada vez mais pesado o ar que Bolsonaro e Mourão respiram
Mas o show tem que continuar
Evite convidar para a mesma mesa o presidente Jair Bolsonaro e seu vice, o general Hamilton Mourão. Eles ainda convivem por obrigação. São capazes de aparecerem juntos e sorridentes em fotos para causar boa impressão. Mas tudo não passa de fingimento. Mourão não fala mal de Bolsonaro nem em público nem em particular. Bolsonaro desanca Mourão sempre que pode.
Só nesta semana foram duas vezes. Na última segunda-feira, em declaração à CNN, rebaixou Mourão ao afirmar que não conversa com ele sobre Estados Unidos nem sobre qualquer outro assunto. Mourão havia dito que “na hora certa” o presidente falaria sobre o resultado das recentes eleições americanas. Bolsonaro não perdeu a oportunidade de deixar seu vice em maus lençóis.
“O que ele (Hamilton Mourão) falou sobre os Estados Unidos é opinião dele. Eu nunca conversei com o Mourão sobre assuntos dos Estados Unidos, como não tenho falado sobre qualquer outro assunto com ele”, disse Bolsonaro, que ainda não se manifestou sobre a vitória de Joe Biden e teima em aguardar o fim das ações judiciais movidas pelo presidente Donald Trump, seu aliado.
Desta vez, Bolsonaro chamou de “delírio” a existência de um plano para criar mecanismos de expropriação de propriedades, no campo e nas cidades, com registros de queimadas e desmatamentos ilegais. A medida consta de documento do Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido por Mourão ‘Se alguém levantar isso, eu demito. A não ser que seja indemissível’, bateu Bolsonaro
E acrescentou: “Para mim a propriedade privada é sagrada. O Brasil não é um país socialista/comunista”. Tampouco Mourão é um general socialista/comunista. Indemissível, é. E de vez em quando é frouxo. “Eu me penitencio por não ter colocado grau de sigilo nesse documento”, desculpou-se o vice. “Isso é um estudo. Se eu fosse o presidente, também estaria extremamente irritado”.
A Constituição prevê expropriação de imóveis rurais e urbanos em apenas dois casos: de cultivo ilegal de drogas e exploração de trabalho escravo. A proposta em estudo no Conselho da Amazônia inclui os crimes ambientais, uma forma de punir quem desmata a floresta ilegalmente. Bolsonaro está nem aí para quem faça isso. Por isso entrou na mira do futuro presidente americano.
Nos anos 80, Bolsonaro foi afastado do Exército por conduta antiética. Para complementar seu salário, e às escondidas dos seus superiores, foi garimpeiro. Planejou atentados terroristas em quartéis. Negociou a patente de capitão em troca de deixar a farda sem fazer maior escarcéu. Por muito tempo, nem ele nem seus filhos puderam frequentar colégios ou clubes militares.
A impressão que dá desde que assumiu a presidência da República é que sente especial prazer em humilhar militares que lhe prestam vassalagem incondicional. Outro dia, humilhou Eduardo Pazzuelo, ministro da Saúde, o único general da ativa em cargo de governo. Combinara com ele que a vacina Coronavac seria comprada. Desautorizou-o em seguida. Pazuello sequer reclamou.
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência, demitido sob pressão dos filhos de Bolsonaro, quebrou mais uma vez o seu silêncio e escreveu no Twitter:
“CANSADO DE SHOW. O Brasil não é um país de maricas. É tolerante demais com a desigualdade social, corrupção, privilégios. Votou contra extremismos e corrupção. Votou por equilíbrio e união. Precisa de seriedade e não de show, espetáculo, embuste, fanfarronice e desrespeito.”
Por mais que o general reclame, o show do palhaço vai continuar.
O Estado de S. Paulo: Mourão reconhece vitória de Biden, mas diz não responder pelo governo
Em entrevista à Rádio Gaúcha, vice-presidente afirmou que julga a vitória do democrata como 'cada vez mais irreversível'
Emilly Benhke, O Estado de S.Paulo
O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta sexta-feira, 13, que, apesar de não responder pelo governo, julga a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos como "sendo cada vez mais irreversível".
"Como indivíduo eu reconheço, eu não respondo pelo governo, mas como indivíduo eu julgo que vitória de Biden está cada vez mais sendo irreversível", afirmou em entrevista à Rádio Gaúcha nesta manhã.
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Mourão citou que é responsabilidade de Bolsonaro o possível pronunciamento sobre o pleito norte-americano. O governo brasileiro é um dos poucos que ainda não reconheceu o resultado das eleições norte-americanas. Outros países que não o fizeram são a Coreia do Norte, liderada por Kim Jong-Un, a Rússia, de Vladimir de Putin, e o México, de López-Obrador.
A China, que ainda não havia reconhecido a vitória do democrata, parabenizou Biden nesta sexta. "Respeitamos a escolha do povo americano. Enviamos nossas felicitações a Biden e a Harris", declarou o porta-voz da diplomacia chinesa, Wang Wenbin.
Nesta sexta, a imprensa americana informou que o democrata venceu no Estado do Arizona e consolidou a liderança no Colégio Eleitoral que escolherá formalmente o novo chefe da Casa Branca. Com isso, chegou a 290 delegados, contra 213 de Trump.
O vice-presidente negou que haja uma tensão entre Brasil e EUA e afirmou que os dois países mantêm uma relação de "Estado para Estado". Disse ainda que continuaram buscando pontos em comum nas suas relações diplomáticas. “Independente do momento que for reconhecido resultado da eleição americana, vamos manter diálogo constante”, disse.
Mourão também voltou a minimizar a fala do presidente Jair Bolsonaro de que "quando acaba a saliva tem que ter pólvora". "Vejo a coisa da seguinte forma, o presidente, a gente tem que prestar atenção mais nas ações do que nas palavras (de Bolsonaro)", justificou.
Na última terça-feira, 10, sem citar Biden diretamente, Bolsonaro comentou possíveis barreiras comerciais impostas ao Brasil pelos EUA caso as queimadas na região amazônica não fossem contidas. "Apenas a diplomacia não dá", disse o presidente na ocasião.
Eliane Cantanhêde: No Forte Apache…
Em forte sem comandante, pode faltar gás no Posto Ipiranga e tinta na caneta Bic
O embate entre o capitão da caneta Bic e o general de Exército com ordem de comando marca uma nova etapa na relação do presidente Jair Bolsonaro não só com o vice-presidente Hamilton Mourão, mas com as Forças Armadas. A unanimidade aparente ruiu, a insatisfação silenciosa emergiu e o momento é de avaliação de danos, ou de contagem de votos para um lado e para outro.
Sem noção da gravidade na saúde, na economia, no ambiente, na política, o presidente acha que pode falar e fazer o que lhe vai pela cachola, trocando a responsabilidade do cargo pelo oba-oba de uma campanha extemporânea, divertindo-se com a “boiolagem” cor-de-rosa do Guaraná Jesus, humilhando o general da Saúde, tirando o gás do ministro da Economia e guerreando contra a “vacina do Dória”.
É puro non-sense, mas Bolsonaro vai comprando lealdade com cargos e camaradagem. Qual um paizão às antigas, grita e dá umas palmadas, fingindo não ver a safadeza do caçula com o mais velho, mas resolve tudo bajulando o ofendido. A vítima dá um sorrisinho e cede: “um manda, o outro obedece”. Pergunte-se a Paulo Guedes e aos generais Luiz Eduardo Ramos, Augusto Heleno e Eduardo Pazuello e todos reagem com um sorriso condescendente: “o presidente é assim mesmo, diz tudo na bucha, mas gosta muito de mim”.
O passo seguinte é descrever uma situação em que Bolsonaro, depois de mais uma bordoada, fez uma gracinha e alisou o ego do subordinado diante de um microfone. Pazuello teve direito a vídeo no leito da covid, Ramos foi paparicado com passeio de moto e num discurso em que foi tratado como “meu amigão”, não Secretário de Governo e articulador político. Comovido, deixou pra lá o “Maria Fofoca” disparado por Ricardo Salles.
Desanimado, mas tentando demonstrar o contrário, Guedes tem definido o governo como um forte apache cercado de índios e flechas, mas com todo mundo dentro guerreando entre si. Ele não diz, mas isso só ocorre em forte apache em que o comandante não comanda e soldados fazem o que querem. Um dado relevante no incômodo crescente do oficialato é a desenvoltura que Bolsonaro confere à tal “ala ideológica” dos filhos, Salles e os Weintraub que pululam no governo. O próprio, demitido da Educação, foi curtir a vida nos States, ganhando em dólar no Banco Mundial.
Em sequência, Bolsonaro disse que não vai comprar a “vacina da China” e desautorizou o anúncio feito por Pazuello aos governadores e ao País, Salles atacou Ramos como “Maria Fofoca” e o presidente da Câmara como “Nhonho”, até que o general e ex-porta-voz Otávio do Rêgo Barros alertou em artigo que o poder “inebria, corrompe e destrói” e que líderes não podem ficar reféns de “comentários babões” e “demonstrações alucinadas”.
Na contabilidade do Planalto, 90% dos militares ficaram irritados com Rêgo Barros. Nos corredores militares, a avaliação é diferente, com muitos aliviados por alguém, enfim, sair da toca para reforçar o general Santos Cruz e dizer o que precisava ser dito. A diferença é que, nos palácios, dizem o que os poderosos querem ouvir. Nos bastidores, é mais fácil ser sincero.
No fim, Mourão firmou sua independência (ou descolamento), desdenhando da briga política com o governador de São Paulo, falando pragmaticamente sobre a China e desdizendo o presidente: “O governo vai comprar a vacina, lógico que vai”. A reação de Bolsonaro foi de confronto: “A caneta Bic é minha”. A guerra está só começando.
O desconforto bate nas Forças Armadas, Itamaraty, várias áreas de governo e da sociedade, com reflexo no Congresso, onde nada anda e há um risco real: chegar a 2021 sem Orçamento aprovado. O Forte Apache precisa de um chacoalhão. Assim como o Posto Ipiranga está perdendo gás, a caneta BIC também pode perder a tinta.
*Comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal e do Telejornal Globonews em Pauta
Bruno Boghossian: Bolsonaro, Ustra e a 'direita burra'
Qual seria a tal direita iluminada com que Bolsonaro se identifica?
Depois de apanhar nas redes por uma semana, Jair Bolsonaro se irritou com as milícias digitais que costumavam agir a seu favor. Numa transmissão ao vivo, ele disse que os ataques à sua primeira indicação ao STF partiam de "uma direita burra". "Não é infiltrado de esquerda! Não é petista, não!", reclamou.
Em 2018, o candidato extremista que explorou uma agenda ultraconservadora conseguiu se vender como o verdadeiro representante da direita naquela campanha. Hoje, o presidente se sente confortável para questionar a inteligência dos ex-apoiadores que criticam os acordos políticos que ele fechou em busca de proteção para sua família.
Qual seria a tal direita iluminada com que Bolsonaro se identifica? O presidente pode estar pensando na turba que perseguiu uma menina de 10 anos que buscava um aborto legal depois de ser estuprada pelo tio. Ou na ministra de Estado que defendeu que ela levasse a gravidez adiante.
Ainda é possível que a referência destra do chefe de governo sejam os torturadores da ditadura militar. O próprio Bolsonaro, afinal, já usou o cargo para enaltecer o coronel Brilhante Ustra, condenado por sua atuação no regime. Na última semana, o vice Hamilton Mourão disse que aquele era “um homem de honra”.
O presidente também deve atirar na vala da "direita burra" os liberais que veem nele uma desconexão com os princípios econômicos que distinguem governos desse lado do espectro político. O líder ilustrado, por outro lado, já propôs taxar desempregados e reduzir benefícios pagos a idosos miseráveis.
Bolsonaro é um direitista esperto. Embora muitos eleitores desse campo possam estar decepcionados com algumas de suas atitudes, ele sabe que pode contar sempre com o velho apelo ao medo da esquerda para conquistá-los de volta.
"O que o pessoal fez com o Macri?", perguntou, naquela transmissão ao vivo, em referência ao ex-presidente argentino. "Porrada nele o dia todo. E o que aconteceu? Voltou a esquerdalha da Cristina Kirchner!"
Merval Pereira: Crise à vista
A insistência com que o vice-presidente Mourão e o presidente Bolsonaro elogiam o coronel Brilhante Ustra pode provocar uma crise diplomática
À medida que fica cada vez mais claro que Joe Biden provavelmente será eleito o próximo presidente dos Estados Unidos, mais problemática fica a prospecção do relacionamento com o Brasil. No momento, a questão ambiental é o principal obstáculo a uma relação equilibrada com os americanos, e o comentário de Biden sobre as queimadas da Amazônia é exemplar dessa dificuldade.
Mas outro ponto de divergência pode ser a questão das torturas durante a ditadura militar no Brasil. Ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão insistiu em elogiar o Coronel Brilhante Ustra, único militar condenado por tortura.
Biden, quando era vice-presidente de Obama, revelou a BBC News, esteve no Brasil para entregar pessoalmente à presidente Dilma documentos sobre torturas e ilegalidades cometidas durante a ditadura militar no Brasil, entre os quais alguns que identificam Ustra como torturador contumaz.
Segundo a reportagem da BBC News Brasil, um HD com 43 documentos produzidos por autoridades americanas entre os anos de 1967 e 1977, a partir de informações passadas não só por vítimas, mas por informantes dentro das Forças Armadas e dos serviços de repressão. Para Bolsonaro, no entanto, Ustra é “um herói brasileiro” e para Mourão “um homem de honra”.
O presidente Bolsonaro reagiu à insinuação de Biden de que sérias sanções econômicas serão definidas caso a situação do desmatamento da Amazônia não melhore no Brasil. Nem mesmo a eventual captação, comandada pelos Estados Unidos, de uma verba bilionária para ajudar o combate aos incêndios e ao desmatamento foi considerada boa perspectiva pelo governo brasileiro, que se apressou a dizer que não está à venda, vendo na proposta de Biden a intenção de subjugar, não ajudar.
O vice-presidente Hamilton Mourão também comanda o Conselho Nacional da Amazônia Legal, e estará no centro de qualquer desavença que surja nessa área ou em outros setores, como o incômodo da nova gestão democrata com ditaduras militares que Bolsonaro e Mourão não se cansam de elogiar.
Em uma entrevista à Deutsche Welle, o vice-presidente Mourão foi duramente questionado sobre o fracasso do combate às queimadas na Amazônia, sobre a pandemia da Covid-19, que já fez cinco milhões de infectados e quase 150 mil mortes no Brasil e, por fim, sobre os elogios dele e de Bolsonaro ao Coronel Ustra, condenado como torturador.
Mourão tentou driblar todas as perguntas passando uma visão tranqüilizadora da situação do país, mas não quis escapar da questão sobre as torturas, embora fizesse questão de colocar-se, e ao governo brasileiro, contra a prática: “O que eu posso dizer sobre o homem Carlos Alberto Brilhante Ustra é que ele foi meu oficial comandante durante o final dos anos 70 e ele foi um homem de honra que respeitava os direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das coisas que as pessoas falam dele – posso dizer porque tive amizade muito próxima com ele — não são verdade.”
Os documentos entregues por Biden foram utilizados na Comissão da Verdade: "Espero que olhando documentos do nosso passado possamos focar na imensa promessa do futuro", disse o então vice-presidente dos Estados Unidos. A Comissão da Verdade é outro ponto de irritação por parte de Bolsonaro, que nega a validade de suas revelações.
"Esse é um dos relatórios mais detalhados sobre técnicas de tortura já desclassificados pelo governo dos Estados Unidos", afirmou à BBC News Brasil Peter Kornbluh, diretor do Projeto de Documentação Brasileiro do Arquivo de Segurança Nacional Americano, em Washington D.C.
Ainda de acordo com Kornbluh, "os documentos americanos ajudam a lançar luz sobre várias atrocidades e técnicas (de tortura do regime). Eles são evidências contemporâneas dos abusos dos direitos humanos cometidos pelos militares brasileiros”.
A insistência com que o vice-presidente Mourão e o presidente Bolsonaro elogiam o coronel Brilhante Ustra pode provocar uma crise diplomática semelhante à ocorrida no governo Geisel, quando o democrata Jimmy Carter deu uma guinada na política de Direitos Humanos nos Estados Unidos.
Elio Gaspari: A vanguarda da elite
Documentário sobre Libelus, organização de estudantes contra a ditadura, ajuda a refletir sobre elite brasileira
Na quarta-feira, estará no ar o documentário “Liberdade e luta — Abaixo a ditadura”, do cineasta Diógenes Muniz. Trata da Libelu, organização política de estudantes surgida em 1976 e extinta em 1985. Os libelus podem ter sido 800, mas fizeram um barulho danado. Iam para a rua gritando “abaixo a ditadura” (coisa que raramente acontecia desde 1968). Afastavam-se do MDB e da velha esquerda. Eram radicais com senso de humor, gostavam mais de rock do que de samba, mais de Caetano Veloso do que de Chico Buarque. O Serviço Nacional de Informações dizia que eram uma “dissenção” do Partido Comunista e da “linha trotsquista”. Os libelus eram jovens, num tempo em que o filósofo francês André Glucksman dizia que “Brejnev é Pinochet”. Um governava a União Soviética; o outro, o Chile.
As coisas são assim desde 1786, quando o estudante José Joaquim Maia (codinome Vendek) procurou Thomas Jefferson, embaixador dos Estados Unidos na França, pedindo-lhe ajuda para uma conspiração que se armava em Minas Gerais. Os estudantes foram a vanguarda da elite brasileira. Mais tarde, eles se tornam a própria elite, e a vida segue.
No documentário de Diógenes Muniz há uma doce viagem à alma dos jovens dos anos 70, na voz de 20 sexagenários lembrando-se da aurora de suas vidas. Só eles falam, um de cada vez. Em todos os idiomas há o provérbio segundo o qual quem não é de esquerda aos 20 anos não tem coração, e quem continua de esquerda depois dos 50 não tem cérebro. Dos 20 libelus entrevistados, cada um tomou seu caminho e foram para todos os lados. Poucos ficaram mais ou menos no mesmo lugar. Aí está o valor dos depoimentos e do documentário.
As entrevistas com os libelus foram gravadas no cenário da Universidade de São Paulo. Só “Pablo”, um militante que estudava Medicina em Ribeirão Preto falou na sala de sua casa. Isso não ocorreu por deferência ao ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, mas porque Antonio Palocci está em prisão domiciliar. Seu depoimento fecha o ciclo de um pedaço da amostra. Quando foi perguntado se ainda se considerava um homem de esquerda, Palocci não vacilou: “Claro”.
Não se mostrou arrependido de ter dançado “conforme a música”, mas ponderou: “Os que não se meteram em caixa dois não se elegeram… Talvez eu fosse uma pessoa melhor…”
A estudantada é a vanguarda da elite brasileira. Vendo-se o documentário de Diógenes Muniz, pode-se refletir sobre os jovens, o que é fácil. Desde 1786, difícil é refletir sobre a elite. Até nisso os libelus ajudam.
Serviço: “Liberdade e luta” faz parte do festival “É tudo verdade” e para vê-lo bastará entrar no site às 21h. É grátis, mas é preciso fazer um cadastro.
Mito histórico
Outro dia o vice-presidente Hamilton Mourão lembrou mais uma vez que os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer independência do Brasil.
Mourão tem gosto pela História, e faltam menos de dois anos para o bicentenário do Grito do Ipiranga. Talvez tenha chegado a hora de se esclarecer esse mito. Em 2017, num estudo publicado pelos Cadernos do Centro de História e Documentação Diplomática, Rodrigo Wiese Randig mostrou que o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil foi a Argentina, que à época atendia pelo nome de Províncias Unidas do Rio da Prata.
A Argentina reconheceu o Império do Brasil no dia 25 de junho de 1823, e em agosto seu representante apresentou suas credenciais ao chanceler brasileiro. Os Estados Unidos só reconheceram o Brasil um ano depois, e o embaixador José Silvestre Rebelo entregou suas credenciais ao presidente James Monroe no dia 26 de maio de 1824.
O governo tem feito pouco, quase nada, para comemorar o Bicentenário da Independência. Arrisca atolar numa patriotada estéril, como aconteceu em 1972, no Sesquicentenário, quando a ditadura passeou os ossos de D. Pedro I pelo país até colocá-los numa cripta nos jardins do Museu do Ipiranga. Anos depois, ela virou mictório.
Dois meses depois da entrega de credenciais pelo embaixador brasileiro a James Monroe, D. Pedro I recebeu o embaixador do reino africano do Benin, na Quinta da Boa Vista. O Benin estava mais para entreposto de escravizados do que para reino.
A unanimidade esperta
Nelson Rodrigues já ensinou que toda unanimidade é burra.
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro decidiu por unanimidade avançar com o processo de impedimento do governador Wilson Witzel. A unanimidade pode também ser esperta, muito esperta.
Trapaça
Apareceu mais um juiz terrivelmente evangélico na fila do guichê para a indicação do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal. É o juiz William Douglas dos Santos.
Numa trapaça da História, William Douglas (1898-1980) foi um desassombrado juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos. Comprou todas as brigas em defesa da liberdade e ainda por cima defendia o meio ambiente numa época em que pouco se falava disso. Certa vez, encarou uma trilha de três mil quilômetros.
Aguentou-se na Corte tendo se metido com um dono de cassinos. Pediu para sair quando, depois de um acidente vascular, estava trocando as bolas.
Aviso
A popularidade do capitão, o surgimento de Celso Russomanno nas pesquisas paulistanas e a promessa de Paulo Guedes de elevar a isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física, beneficiando 15 milhões de pessoas, deveriam levar a oposição a pensar na vida. O que mais se ouve é que esse mar de rosas acabará quando o auxílio emergencial for suspenso. Pode ser.
Não custa repetir uma lição do mestre Marco Maciel, quando um marqueteiro lhe disse que, segundo as pesquisas, o candidato adversário estava em queda e o dele, em ascensão:
“Ainda assim, o senhor acha que a intersecção dessas duas retas ocorrerá antes ou depois da eleição?”
Sede ao pote
As guildas dos procuradores precisam controlar a sede da corporação.
Numa festa catarinense, os doutores conseguiram uma equiparação que colocou a prêmio os mandatos do governador Carlos Moisés e de sua vice.
A Advocacia-Geral da União promoveu 606 doutores com um golpe de caneta e foi obrigada a esquecer o assunto diante da grita.
Eremildo, o idiota
Até um idiota como Eremildo pode entender que o Ministério da Educação nada tem a ver com o reinício das aulas.
Néscio, ele não sabe explicar se o doutor Milton Ribeiro também acha que seu ministério não tem nada a ver com o escalafobético edital do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que, há mais de um ano, tentou torrar R$ 3 bilhões num edital viciado para a compra de equipamentos eletrônicos.
A Controladoria-Geral da União travou o jabuti, mas até hoje não se sabe de onde ele saiu.
Hamilton Garcia: Bolsonaro e Mourão - da pandemia ao pandemônio
O segundo Governo Dilma começou a desandar na largada, quando sua titular se viu obrigada a nomear um Ministro da Fazenda que pensava o contrário daquilo que havia defendido durante sua campanha (2014), um caso de estelionato eleitoral tão notável como o confisco da poupança por Collor (1990), que na campanha lançara tal acusação contra o rival petista no segundo turno.
Tentando remediar o desastre de sua incoerência/inconsistência, Dilma fez de tudo para manter as aparências, não só praticando crimes orçamentários e fiscais para evitar descontinuidade de seus programas sociais, como também abandonando à própria sorte o ministro que nomeara. O resultado foi desgoverno e perda de apoio parlamentar (Centrão), que abriu as portas para o processo de cassação.
Bolsonaro não só repete Dilma e Collor no estelionato eleitoral, abandonando a luta anti-corrupção que ameaça tragar seu clã pelas práticas tradicionais do baixo-clero parlamentar (rachadinha) e os vínculos com o crime organizado (milícias), como também no desgoverno, por sua omissão no enfrentamento da COVID-19 e a desastrada tentativa de intervenção na PF – por ora barrada pelas denúncias de Sérgio Moro e a pronta ação do Ministro Alexandre de Moraes, do STF –, que marca a retomada de seus laços de sangue com o Centrão.
A incapacidade presidencial em construir uma coalizão governamental de centro-direita, que lhe desse base mínima de apoio político e parlamentar, já se delineara desde as demissões dos ministros Bebianno e Santos Cruz, em 2019, ganhando nova dimensão com a demissão de Mandetta e a renúncia de Moro, este último desnudando o deslocamento do eixo de ação do Governo do programa para o projeto de poder – outro aspecto do estelionato eleitoral –, não obstante a retórica do cerco político (programático). As dificuldades político-programáticas são reais, mas não se pode conceber o Centrão como um remédio para isto.
De outro lado, há claros sinais da insuficiência do programa ultra-liberal de Guedes, abraçado por Bolsonaro, a partir da constatação da tíbia recuperação econômica pré-pandemia. De lá para cá, a generalização do medo em relação ao vírus e os decretos do fim do mundo, adotados na esteira da omissão presidencial, instauraram a certeza de uma profunda recessão, agravado pela percepção do colapso da economia mundial, vale dizer, entre outras coisas, da cessação dos fluxos financeiros internacionais que alimentam a (dependência da) periferia capitalista.
A mudança radical de conjuntura fez Bolsonaro voltar a cogitar o programa econômico nacionalista que, outrora, permitira aos militares forjar o “milagre brasileiro" à partir do compromisso entre o desenvolvimentismo em si (sem desenvolvimentistas) e o liberalismo em si (mercado) – que nada tem a ver com o liberalismo para si (político). Assim, Guedes se vê em situação próxima à de Moro – cuja intransigência liberal-republicana limitou as possibilidades de transação –, podendo ser o próximo a ter que ceder os dedos – para um nacionalismo que se supunha morto – para não perder os anéis da influência privada interna no Estado.
Enquanto o Governo, expurgado de suas ortodoxias (liberais e republicanas) de campanha, se insinua ao centrão político, em busca mais de blindagem do que de governabilidade – como fizera o regime militar ao criar a ARENA e o MDB –, a velha política vê nisto a possibilidade de uma dupla blindagem: em relação aos aparatos jurídico-repressivos do Estado, via controle do MP, PF, etc., e à sociedade, por meio do anteparo bolso-cristão.
Bolsonaro, além de ter coragem política – o que o povo aprecia, pois foi o único, depois do Petrolão, que soube utilizar o capital político amealhado pelos lavajatistas para atacar a velha política, nela englobando a degeneração tucano-petista –, demonstra ter capacidade tática (readaptação) além de ter tomado gosto pelo poder, elementos essenciais ao jogo político-estatal.
O problema aqui é que sua personalidade farisaica e sua história terrorista (vide “#ELE NÃO” ou “#ELES NÃO”?) parecem indicar altos níveis de desarranjo político associado à baixos níveis de solução de problemas, o que torna crítica a questão de saber até que ponto ele terá condições de tocar seu novo Governo, com o apoio das FFAA, dos liberais encabrestados, do bolso-cristianismo e do Centrão, em meio a tantos estelionatos acumulados, aos escândalos por desabrochar e sua flagrante inapetência para a gestão.
Até aqui, o Presidente conseguiu arrefecer a perda de credibilidade nos extratos médios e altos da sociedade com apelos ao retorno do comércio e a distribuição de dinheiro (corona-voucher) às camadas populares, mas tudo isso tem prazo de validade e daqui a poucos meses estará ele diante de um quadro bastante adverso, com a população muito atingida pela epidemia, o desemprego ainda mais alto, a recessão estabelecida e um forte descrédito político geral. Quando esta situação se instalar, difícil crer que o impeachment não se tornará inevitável.
É aqui que voltamos a observar a movimentação do Vice Hamilton Mourão; não se sabe, exatamente, se no centro do gramado, onde Bolsonaro atua como dono da bola, ou à sua margem, com visão nova/própria de jogo e vontade de entrar em campo, como se viu, afoitamente, no início do governo.
Em artigo recente no Estadão[i], Mourão apontou a anomalia institucional como um problema que está "levando o País ao caos”, podendo se tornar uma questão "de segurança”, o que classicamente justificaria uma intervenção militar – no caso, um autogolpe. Para ele, a causa principal desta anomalia residiria na "polarização que tomou conta de nossa sociedade” e que é revigorada por decisões judiciais e coberturas jornalísticas "sempre pelo mesmo viés”, o que nos lembra o pensamento de seu desafeto Olavo de Carvalho em relação à guerra contra o comunismo (vide Democracia, Idiotia e Facciosismo), mas também a crítica de Oliveira Vianna[ii] ao liberalismo do início do séc. XX, cuja inviabilidade, para o autor, estaria centrada no "conflito patente entre (…a) cultura das elites metropolitanas (idealismo constitucional) e a cultura política da (…) enorme massa (…), que é quase toda a nação”.
Não obstante seu firme posicionamento à direita, Mourão, ao contrário de Bolsonaro, defende "sentar à mesa, conversar e debater” como forma de impedir a continuidade da deterioração do "ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia”, uma postura totalmente contrária ao do titular do Governo, que não cansa de semear o pandemônio – uma de suas predileções políticas desde a juventude.
Mesmo sua crítica à ”degradação do conhecimento político por quem deveria usá-lo de maneira responsável”, que deixa de lado o próprio titular do Governo, principal promotor de balbúrdias da República neste momento, precisa ser vista diante da impossibilidade de fazer de outro modo, sob pena de atentar contra a própria compostura do cargo que exerce (Vice-Presidência), entre outras questões.
O fato é que Mourão, mesmo citando a "profusão de decisões de presidentes de outros Poderes, de juízes de todas as instâncias e de procuradores, que (…) intentam" exercer a função Executiva para o qual não foram eleitos, o que não faz jus a seu conhecimento de filosofia política moderna – deixando de lado Montesquieu –, afirma querer deter a marcha batida do enfrentamento, apostando haver ainda "tempo para reverter o desastre”: "basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas”, o que só pode ser obtido pelo afastamento do Presidente da República do cargo – inclusive a tempo de impedí-lo de lançar-se em aventura putschista.
Pode parecer pouco, mas diante do que temos – um Presidente que goza de forte prestígio nas franjas subalternas das FFAA e nos aparatos policiais, sobretudo estaduais, e uma militância fanática que o apoia e se mostra crescentemente inclinada à ação prática –, não é de se desprezar, sobretudo quando as instituições democráticas se mostram divididas e vacilantes, eivadas de (falsas) lideranças com vistosos rabos-presos e dispostas a tudo para mantê-los intactos.
Mourão demonstrou vontade de pacificar o país quando fez gestos, logo no início do Governo, em direção ao espectro político-ideológico opositor – gestos que foram abortados por pressão do bolsonarismo –, o que ainda hoje parece refletir a visão majoritária das FFAA sobre o papel dos governos.
Neste momento, quando tudo parece ter se turvado diante da flagrante cooptação militar promovida por Bolsonaro, é mais importante do que nunca apoiar as lideranças militares que, seguindo a filosofia do General Villas-Bôas, não apostam na força como substituta da vontade social, mas tão somente como desobstruidora do caminho por onde ela quer fluir. O bolsonarismo, definitivamente, não parece representar este caminho.
Hamilton Garcia de Lima (Cientista Político, UENF/DR[iii])
[i] Limites e responsabilidades, in. <www.gov.br/planalto/pt-br/conheca-a-vice-presidencia/discursos-pronunciamentos-artigos/limites-e-responsabilidades> em 18/05/20.
[ii] Instituições Políticas Brasileiras (vol. 1), ed. Itatiaia-USP-UFF/BH-SP-Niterói, 1987, p. 20.
[iii] Universidade Estadual do Norte-Fluminense/Darcy Ribeiro.
Igor Gielow: Mourão assusta mundo político com espantalho da intervenção militar
Em artigo crítico aos Poderes e à imprensa, vice estimula teorias conspiratórias, mas que esbarram na realidade
O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, plantou um espantalho no meio do mundo político brasileiro nesta quinta-feira (14).
Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o militar da reserva fez uma longa admoestação de todos os envolvidos na crise tríplice na qual o país está imerso, com seus vetores sanitário, político e econômico.
Houve um ensaio de autocrítica sobre a responsabilidade de seu chefe, Jair Bolsonaro, como um dos atores que se tornaram "incapazes do essencial para resolver qualquer problema: sentar à mesa, conversar e debater".
Houve duras críticas aos outros Poderes e à imprensa no artigo, que condensam de forma inteligível as queixas do governo nas últimas semanas, além da preocupação com a economia.
A defesa federativa, com a devida citação à fundação dos EUA, não difere em essência da nota emitida pelo ministro Fernando Azevedo (Defesa) há duas semanas, que refletia a insatisfação da ala militar do governo com o que consideram cerco de Poderes ao Executivo.
Até aí, foi uma típica demonstração do pensamento militar brasileiro acerca da ideia de nação, que rejeita sentimentos autonomistas à la 1932, inclusive com o recibo passado no item Amazônia.
Mourão reclamou do artigo de ex-chanceleres queixando-se de danos à imagem externa do país inclusive pela devastação da floresta, "uma acusação leviana" para ele.
O vice coordena o comitê federal que trata da região, xodó geopolítico dos fardados desde o começo do século 20. Foi talvez o ponto mais unânime entre oficiais-generais da ativa presente no texto, assim como a noção salvacionista que foi despertada do torpor pós-ditadura com o governo Bolsonaro.
Cobrou, como já havia feito, a exposição do contraditório favorável às visões do governo na mídia. Perto dos impropérios usuais de seu chefe, foi cordato e reverenciou o papel da imprensa, um contraponto que gosta de estabelecer.
O debate seria quase acadêmico, não fosse uma advertência inicial, nada casual, de que a pandemia da Covid-19 pode se tornar uma crise de segurança.
O passado de Mourão tornou, aos olhos de muitos, preocupante sua colocação. O corolário dela pode ser aquilo que, enquanto candidato, definiu como a possibilidade de um autogolpe por parte do presidente em cenário de anomia ou anarquia.
Nunca é demais lembrar as assertivas de cunho golpista do vice, hoje visto como uma espécie de contraponto ponderado à balbúrdia representada por Bolsonaro. Em 2015, ele sugeriu o "despertar de uma luta patriótica" ao falar do processo de impeachment de sua comandante suprema, Dilma Rousseff (PT).
Dois meses depois, autorizou, sob seu comando na região Sul, uma homenagem após a morte de Carlos Alberto Brilhante Ustra, ídolo de Bolsonaro e torturador de Dilma na ditadura. Isso lhe custou o cargo, e foi encostado em uma posição burocrática em Brasília.
Em 2017, já no meio da crise política do governo Michel Temer (MDB), Mourão sugeriu em uma palestra que a intervenção militar seria possível caso o Judiciário não desse conta da situação.
Era no fundo, assim como na questão do autogolpe, uma leitura distorcida do artigo 142 da Constituição, que prevê ações fardadas a pedido dos Poderes sob a égide da Carta, nada a ver com a ideia de "intervenção militar constitucional" que frequenta grupos de WhatsApp bolsonaristas.
Imunizado pela quarta estrela sobre o ombro, Mourão deslizou para a reserva em 2018, de onde saltou para o barco bolsonarista.
Pelo grau do temor apresentado na praça, o objetivo político primário do texto foi alcançado.
O supracitado espantalho é o temor de uma intervenção militar. Isso alimenta a teoria de que Bolsonaro estaria tratando a pandemia com desdém para que a crise social se agudizasse tanto a ponto de dar o referido autogolpe.
Uma visão conspiratória alternativa vê no texto de Mourão algo diferente: ele mesmo se coloca como a alternativa à anarquia, com um suposto apoio das Forças Armadas pelo simples fato de ser quem é.
Ambas as visões esbarram na realidade, neste momento ao menos. Não existe coesão fardada para qualquer movimento golpista real. Como a Folha já mostrou, Forças como a Marinha e a Força Aérea não são entusiastas nem da simbiose com o governo, nem do protagonismo do Exército no processo.
O necessário apoio das elites empresariais a qualquer empreitada antidemocrática não parece sair dos nichos mais bolsonaristas.
O próprio presidente tentou dar a receita, tomando carona nos efeitos econômicos da pandemia, falando em live da Fiesp na manhã desta quinta: "É guerra, tem de jogar pesado com governadores", a começar por seu adversário figadal, o governador João Doria (PSDB-SP).
Não se imaginam soluções fora da Carta com a atual geração da cúpula militar. Mas impeachment está na regra, e Mourão é a tal alternativa constitucional sempre lembrada em conversas.
Nesse sentido, seu artigo corre o risco de ser lido como um esboço da versão verde-oliva da Ponte para o Futuro, o programa liberal do MDB que cimentou a viabilidade de Temer entre a elite.
Se ele teve tal intenção, o tempo dirá. Por ora, é conveniente a Bolsonaro que o espantalho permaneça onde está, enquanto ceva o centrão para dizer que impeachment é impossível.
De quebra, visa intimidar um ameaçador Supremo, com inquéritos que ouvem generais e decisões incômodas.
Bernardo Mello Franco: Mourão, o vice que assusta
Em artigo, Mourão acusou imprensa, governadores, juízes e parlamentares de prejudicarem o país. O texto assustou quem pesa prós e contras de um processo de impeachment
Ao convidar Hamilton Mourão para sua chapa, Jair Bolsonaro contratou uma espécie de seguro-impeachment. O general era conhecido por fazer imprecações contra a democracia. Na campanha, reforçou a fama de brucutu ao falar em “autogolpe” e propor uma Constituinte sem votos.
Depois da posse, o vice trocou de figurino. Mais esperto do que o capitão, ele suavizou o tom e passou a se apresentar como um moderado entre radicais. O novo estilo incomodou o clã presidencial. No entanto, o general continuou a ser visto com desconfiança pelos paisanos.
Ontem os políticos ganharam mais um motivo para se preocupar. Em artigo no jornal “O Estado de S. Paulo”, Mourão voltou a defender teses autoritárias. O general escreveu que nenhum país no mundo está “causando tanto mal a si mesmo”como o Brasil. Ele está certo, mas o texto dá a entender que a razão dos problemas é a democracia.
O primeiro alvo do vice foi a imprensa, que precisaria “rever seus procedimentos” na cobertura da pandemia. Ele cobrou mais opiniões “favoráveis ao governo”, uma exigência típica de ditaduras. “Sem isso teremos descrédito e reação”, acrescentou, num momento em que o presidente estimula agressões contra jornalistas.
Mourão também acusou “governadores, magistrados e legisladores” de prejudicarem o país. Em seguida, condenou a “profusão de decisões de presidentes de outros Poderes, de juízes de todas as instâncias e de procuradores”. Naturalmente, a queixa só se aplica às decisões que contrariam os interesses do Planalto.
O vice ainda reclamou das “manifestações de personalidades” contra o governo. Segundo ele, as críticas causariam “prejuízo à imagem do Brasil”. No mundo real, quem queima o filme do país é Bolsonaro, carimbado pelo “Washington Post” como o pior líder do planeta.
Sem os palavrões do capitão, o general endossou o discurso de que as medidas de isolamento provocarão “caos” e “desastre”. Na boca de Bolsonaro, essa conversa sempre soou como desculpa para um golpe. No artigo de Mourão, assustou quem calcula os riscos de um processo de impeachment.
Breno Altman: Fora Bolsonaro e Mourão
Governo representa o perigo maior na guerra contra a pandemia e na reconstrução nacional
O Brasil atravessa a hora mais decisiva de sua história recente. A expansão do coronavírus desmascarou o governo como inimigo do povo, da pátria e da vida. Constituem provas de sua pérfida natureza a sabotagem contra o isolamento social e a fragilidade do socorro à imensa maioria da população, ao mesmo tempo em que recursos praticamente ilimitados são ofertados aos grandes bancos. Outro dos delitos cometidos é a permanente ameaça de solapar o que resta da institucionalidade, estabelecendo um regime ditatorial escancarado.
O senhor Jair Bolsonaro, de fato, sintetiza a fusão entre neofascismo e neoliberalismo. As elites brasileiras, incapazes de impor seu plano econômico através das velhas legendas partidárias da burguesia, abriram alas para que a extrema-direita fizesse o serviço sujo.
Ao bolsonarismo caberia concluir a transição para um Estado policial, travestido de democracia formal, que eliminasse o protagonismo das correntes de esquerda, destruindo ou aleijando partidos, sindicatos e organizações desse campo político.
O ponto de largada desse percurso foi o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). A pavimentação da estrada esteve a cargo dos bandos que conduziram a Operação Lava Jato, até que se lograsse a prisão e a interdição do ex-presidente Lula (PT). Estavam postas, assim, as condições fraudulentas para a eleição do ex-capitão.
Forjou-se uma aliança entre grandes capitalistas, chefes das Forças Armadas e setores do sistema de Justiça, abençoada pelas frações mais reacionárias dos neopentecostais e tutelada pelos interesses geopolíticos da Casa Branca. Essa coalizão tem como meta a redução drástica dos custos diretos e indiretos das grandes corporações. Salários, direitos sociais e previdenciários, regulamentações estatais, serviços públicos e impostos patronais deveriam ser arrochados para a prosperidade dos mais ricos ser a locomotiva de uma falaciosa prosperidade.
Tal lógica tem impulsionado, desde 2016, a desidratação financeira do Sistema Único de Saúde, condenado a ser ofertado como carniça aos abutres da medicina empresarial, desonerando o Estado e transferindo verbas orçamentárias para o cassino do rentismo.
O atual governo radicalizou essa política. Tornou o país vulnerável à pandemia em curso. A leniência de Bolsonaro frente ao vírus mortal é apenas um dos crimes de responsabilidade que cometeu. Servil aos objetivos capitalistas mais nefastos, o líder neofascista representa o maior dos perigos para a guerra contra a pandemia e a reconstrução nacional.
Ele tem que ser colocado para fora, o mais rápido possível. Mas não se trata de substituí-lo por alguém que represente a mesma política, como é o caso de seu vice. Ou de colocar os rumos da nação sob as manobras de um Parlamento oligárquico, pilotando infindável processo de impeachment.
Apenas haverá saída democrática se o povo exercer sua soberania, com a derrocada do governo Bolsonaro-Mourão e a antecipação das eleições presidenciais, precedidas do cancelamento das farsas judiciais que impedem a participação de Lula.
Não há tempo a perder. Só uma ruptura com o processo que nos trouxe à beira do precipício pode impedir que um desastre irreparável seja o nosso destino.
*Breno Altman é jornalista e fundador do site Opera Mundi
Folha de S. Paulo: Em entrevista, Mourão aponta falta de coordenação em ações finais contra coronavírus
Para vice-presidente, autoridades do país devem deixar individualismo de lado e buscar consenso na pandemia
Leandro Colon e Gustavo Uribe, Folha de S. Paulo
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, 66, diz que é hora de as autoridades deixarem o individualismo de lado no combate ao coronavírus no Brasil e defende um consenso frente à pandemia.
"O fulano está pensando só nisso porque é de direita e o outro só aquilo porque é de esquerda. Não, nós temos de buscar um meio-termo e a igualdade", disse.
"Acho que está havendo uma falta de coordenação das ações no final", declarou sobre a crise entre os governadores e o presidente Jair Bolsonaro.
O general recebeu a Folha em seu gabinete no Palácio do Planalto na sexta-feira (27). Segundo ele, é preciso encontrar um modelo de isolamento que não seja "oito ou oitenta".
Questionado sobre a decisão de Bolsonaro de não mostrar o exame negativo para o vírus, respondeu: "Acho que tem de confiar na palavra do presidente. Seria o pior dos mundos o presidente chegar e declarar que testou e deu negativo e depois aparecer que deu positivo".
O coronavírus é uma doença séria ou uma gripezinha?
Ele [o vírus] é sério. O presidente, quando fala de gripezinha, é o linguajar dele. Busca passar certo grau de confiança para a população. Aí a turma fica com raiva e quer pular na jugular dele.
O senhor falou que o presidente foi mal interpretado no pronunciamento de terça (24). Ele não é irresponsável em falar em gripezinha, resfriadinho, pedir todos na rua, atacar a mídia?
Sobre a questão da briga do presidente com a mídia e da mídia com o presidente, já houve um momento em que deixou de haver a crítica, sinceramente. Às vezes, vejo jornalistas renomados falando, principalmente na televisão, com raiva. Pelo amor de Deus, não vamos ter raiva.
Como o senhor avalia o papel da mídia na cobertura da pandemia?
A mídia está fazendo o papel dela e está informando.
Por que o senhor diz que o presidente foi mal interpretado?
Porque ele quis explicar as consequências de um "lockdown" drástico e o que ia acontecer na economia. Então apresentou aquela preocupação.
O presidente não deveria ser mais cuidadoso em suas falas?
O presidente tem o jeito dele. Sou vice-presidente do Jair Bolsonaro. Ando na ala dele. Não estou aqui para dizer: "Presidente, muda seu jeito de ser". Não adianta. Ele tem 65 anos.
Bolsonaro foi questionado sobre a avaliação feita pelo senhor do pronunciamento e respondeu que o presidente é ele. O senhor se incomodou?
Em absoluto, ele é o presidente. Falo isso para ele sempre.
O pronunciamento foi discutido com os filhos do presidente. Não incomoda à ala militar a participação deles em reuniões no Planalto sobre a crise? O Carlos é vereador, não tem nenhuma atribuição federal.
É uma família unida, que atravessou problemas ao longo de sua evolução do núcleo familiar e o presidente tem muita confiança nas opiniões deles.
Mas o Carlos sentou à mesa de reunião...
Sentou, mas não abriu a boca. Ele sabe também que não vai abrir a boca porque não tem nenhum papel no governo.
Como tem se protegido contra a doença? Chegou a realizar o teste?
Não fiz o teste porque não tenho sintoma. Estou cumprindo o protocolo do Ministério da Saúde: se tem algum sintoma, faz o teste. Não vou gastar teste comigo se não tenho sintoma.
O presidente não deveria, como fizeram outras autoridades, mostrar o teste dele que diz ter dado negativo, já que é informação de interesse nacional?
Acho que tem de confiar na palavra do presidente. Porque aí seria uma coisa muito, vamos dizer assim, acho que seria o pior dos mundos o presidente chegar e declarar que testou e deu negativo e depois de alguma maneira aparecer o teste dizendo que deu positivo. Isso aí, para mim, seria o pior dos mundos.
Parto do princípio, e isso é uma coisa que é muito cara para nós que viemos do meio militar, a questão que sua palavra tem fé de ofício. A gente só trabalha no meio militar assim. Se eu falei A, é porque é A. A partir do momento em que vou estabelecer uma desconfiança com o subordinado ou com um superior, morre o relacionamento. Acho que, se o presidente disse que deu negativo, OK. Deu negativo.
O senhor mostraria se estivesse no lugar dele?
Acho que é inócuo. A minha palavra vale.
A crise criou um tensionamento maior na relação entre Executivo e Legislativo, pedidos de impeachment. O governo passa pelo seu pior momento?
O relacionamento sempre se pautou de forma distinta de governos anteriores. O governo nunca construiu base. Então tem havido essa rusga e fricção. Aí é óbvio que, agora, nessa questão do coronavírus, todo mundo quer ter seu protagonismo e apresentar-se como "bom, eu fui o cara que contribuí para a solução". Aí, tem de deixar um pouco o individualismo de lado e buscar mais uma vez construir o consenso.
O governo lançou uma campanha publicitária "O Brasil não pode parar". O senhor concorda?
Concordo que o Brasil não pode parar. Talvez agora chegue o momento de, em uma conversa entre a área técnica da medicina e a econômica, buscar posição onde determinadas atividades possam de forma progressiva retomar. Temos um temor de que muita gente desempregada e subempregada de uma hora para a outra fique sem recurso.
Não chegamos ainda ao pico da doença. Neste momento o que é mais importante: proteger a população ou não prejudicar a atividade econômica?
A questão está mal colocada porque está muito no oito ou oitenta. Não é oito ou oitenta. Uma coisa é certa: temos de proteger a população. Em nenhum momento o governo deixou de destacar isso. Mas é óbvio que as características do Brasil são diferentes das de outros países. E isso não pode ser discutido com paixão política. Esse é o problema. O fulano está pensando só nisso porque é de direita e o outro só aquilo porque é de esquerda. Nós temos de buscar um meio-termo e a igualdade.
A paixão política está nos dois lados, não? Como o senhor viu na discussão do presidente com o governador João Doria (São Paulo). Essa paixão também não tem que ser reduzida pelo próprio presidente?
O presidente é atacado duramente. É um conjunto do sistema político dentro do país onde todo mundo coloca que ele está totalmente errado e é um tosco. Não é isso. Ele tem a visão dele e se expressa, vamos colocar assim, de forma clara.
Por que o senhor balançou a cabeça em sinal negativo durante o bate-boca entre Bolsonaro e Doria?
Eu considerei que era totalmente inoportuna aquela discussão. Considerei inoportuno o governador se aproveitar ali para fazer crítica ao presidente. Critica abertamente pela imprensa, mas naquele momento, frente a frente, ele sabia que haveria uma reação. É óbvio que o presidente reage da maneira que ele sabe fazer.
Esse clima de beligerância está prejudicando o enfrentamento da doença?
Acho que está havendo uma falta de coordenação das ações no final. Vamos lembrar que somos uma federação. Aquilo que é do município é do município. Se extrapola o município, aí é do estado. Se extrapola do estado, é da União. Nossos governadores têm de entender os limites e buscar uma coordenação com o governo federal.
Pela sua experiência na área militar, qual é a melhor forma de combater a pandemia?
São três coisas. Primeiro, tem de ter planejamento centralizado e determinar objetivos. E, a partir daí, na execução, ter clareza para todo mundo entender o que está sendo feito. Um trabalho de coordenação é paciente. Numa estrutura militar, dou ordem e a turma obedece. Em uma estrutura política, isso não funciona desse jeito. A coordenação é muito mais no sistema do consenso, na busca do entendimento e na busca dos melhores propósitos.
Após recomendação do Ministério da Saúde, as pessoas se fecharam em casa. O presidente depois adotou o discurso defendendo apenas o isolamento do grupo de risco. O senhor é a favor disso?
A questão do isolamento vertical tem uma lógica no momento em que se busca que as atividades econômicas voltem a funcionar. É óbvio que não é simples em um país das dimensões do Brasil, cinco países em um. Volta e meia vejo a turma comparar com a Holanda. Se somar Alagoas e Sergipe, dá uma Holanda. São países pequenos, com populações distintas.
O presidente defende a abertura das escolas. As crianças vão para as escolas, voltam para casa, circulam na rua. Não é arriscado neste momento abri-las?
Em áreas pobres, as crianças que vão à escola estão concentradas em casa e não têm acesso à alimentação que tinham na escola.
Não se corre o risco de errar como na Itália, de fazer uma abertura e depois se arrepender?
A Itália é diferente. A epidemia começou no norte do país. Ali, eles tinham uma ligação direta com a China. Comparar com a Itália é meio complicado.
O Governo de São Paulo afirmou que o confinamento tem segurado a curva de contágio. Não é uma contradição com o discurso de Bolsonaro?
Passaram os 15 dias de confinamento, vamos reavaliar. Acho que é isso que tem de ser feito. Onde está concentrada a epidemia? Os outros que não estão tendo problema vamos deixar circular. Agora, pega cidades de 80 mil ou 100 mil habitantes. Basta impedir aglomeração. Não vai ter festa e baile.
Mas pequenas cidades têm muitas igrejas. O presidente liberou cultos. Não vai na contramão do desestímulo à aglomeração?
Vai da sensibilidade de cada pessoa. Está liberada a igreja, mas preciso ir?
Os especialistas veem o isolamento social como principal medida. Não é ruim para a imagem do Brasil ir na contramão?
A gente não sabe ainda como o vírus vai se comportar em um clima quente como o do Brasil. O ministério disse que vamos conviver com três epidemias. Todo ano temos o problema da gripe, que mata velhinhos direto, e o da dengue. E ainda tem o coronavírus por fora. Quais mortes serão atribuídas ao coronavírus? Caso da senhora que faleceu em Goiás, era cardiopata, diabética, tinha insuficiência respiratória aguda, tinha tido dengue e ela morreu de coronavírus?
Sim, o coronavírus potencializa.
A pessoa que tem problema cardíaco tem problema respiratório, e o coronavírus é síndrome respiratória grave e ataca o pulmão de forma diferente da gripe.
A sensação é de que o governo está tentando transferir responsabilidade aos governadores e à mídia pela falta de eficiência na economia.
O governo já colocou o pacote de R$ 147 bilhões. Tem esse de mais R$ 88 bilhões para estados e municípios. Está votado os famosos R$ 600 para os autônomos.
Estamos chegando no dia 31 de março, data importante para as Forças Armadas. O senhor mesmo se envolveu em polêmicas sobre isso. Que mensagem deveria ser passada na data do golpe de 1964 em meio a essa crise?
É um fato histórico, que pertence à história do Brasil e lá vai ficar. Não pode ser apagado com borracha. Então, eu acho que isso aí fica na história. E, em tempos de coronavírus, passará em branco.
A crise pode afetar a questão amazônica?
Lógico, cadê o recurso? Está todo voltado para o coronavírus. Temos de nos preparar, porque vai terminar o coronavírus. Aí, quando acordar, está lá o problema na Amazônia.
HAMILTON MOURÃO, 66
General quatro estrelas da reserva, formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras. Cumpriu missão de paz em Angola, atuou como adido militar na Embaixada do Brasil na Venezuela e foi comandante militar do Sul. Em 2018, filiou-se ao PRTB e ingressou na carreira política.