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TSE tem maioria contra cassação de Bolsonaro/Mourão por disparos em massa
Cinco dos sete ministros da Corte votaram contra a deposição dos atuais chefes do Executivo Federal de seus respectivos cargos
Weslley Galzo e Pepita Ortega / O Estado de S. Paulo
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já tem votos para rejeitar as ações que pedem a cassação dos mandatos do presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão. Cinco dos sete ministros da Corte votaram contra a deposição dos atuais chefes do Executivo Federal de seus respectivos cargos. A chapa é acusada de promover disparos em massa de notícias falsas e ataques a adversários, por meio do WhatsApp, durante as eleições de 2018.
Bolsonaro conquistou uma vitória parcial na primeira sessão do TSE realizada na terça-feira, 26. No início do julgamento nesta quinta-feira, 28, os ministros Carlos Horbach e Edson Fachin juntaram seu votos no sentido de absolver a chapa Bolsonaro Mourão. O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, e os ministros Mauro Campbell e Sérgio Banhos já haviam votado em tal sentido.
Embora os ministros já tenham descartado a alternativa judicial para afastar o presidente do cargo e impedi-lo de disputar a reeleição, no ano que vem, a Corte abriu discussão para aprovar uma nova tese jurídica sobre disparos em massa, com o objetivo de difamar oponentes. Cinco ministros já acompanharam a proposta do relator para a criação de tal tese.
O julgamento é marcado por recados ao Planalto sobre a disseminação de fake news e o processo eleitoral. O ministro Edson Fachin indicou que a Justiça Eleitoral tem o dever de antecipar as sanções a todos que violarem o processo eleitoral ‘ainda que isso venha a contrariar quem se apresente e eventualmente dele saia derrotado’. “A derrota e a vitória diante dos votos sufragados nas seguras urnas eletrônicas faz parte das regras do jogo democrático”, ponderou.
Já o ministro Alexandre de Moraes, que vai presidir o TSE nas eleições 2022, afirmou que é ‘fato mais do que notório’ que os disparos em massa ocorreram e continuam ocorrendo. “A neutralidade da Justiça que tradicionalmente se configura como a “Justiça é cega”, não se confunde com tolice. A justiça não é tola. Podemos nos absolver por falta de provas, mas nós sabemos o que ocorreu. Nós sabemos o que vem ocorrendo e não vamos permitir que isso ocorra. É muito importante esse julgamento, porque nós não podemos criar um precedente de que tudo que foi feito ‘vamos passar um pano’. Essa milícias digitais continuam se preparando para disseminar o ódio, conspiração, medo, influenciar eleições e destruir a democracia”, registrou.
O ministro ainda destacou a importância do julgamento, indicando que a falta de provas pode obstar uma condenação, mas não impede a ‘absorção, pela Justiça Eleitoral do modus operandi que foi realizado e vai ser combatido nas eleições 2022’. “Nós já sabemos os mecanismos, já sabemos quais as provas rápidas que devem ser obtidas, em quanto tempo e como. Não vamos admitir que essas milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições, as instituições democráticas a partir de financiamento espúrios não declarados, a partir de interesses econômicos também não declarados”, ponderou.
Alexandre ainda foi incisivo sobre a criação de uma tese sobre o tema, frisando a necessidade da mesma para o combate à disseminação de discurso de ódio ‘contra as eleições, contra a Justiça Eleitoral e contra a democracia’ nas eleições 2022. “Esse será um precedente importantíssimo para que a Justiça Eleitoral possa, assim com os outros mecanismo aprimorados nos últimos dois anos sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, ter mais um instrumento importante. Com um recado muito claro: se houver repetição do que foi feito em 2018 o registro será cassado e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as instituições e a democracia no Brasil”, afirmou.
Assista!
Tese
Relator das ações, Salomão propôs que o julgamento sirva de baliza para casos semelhantes no futuro. Ele quer que o uso de aplicativos de mensagens com financiamento de empresas privadas, na tentativa de tumultuar as eleições com desinformação e ataques, passe a ser considerado como suficiente para condenar candidatos por abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. A pena seria, além da eventual perda de mandato, a inelegibilidade por oito anos.
O corregedor propôs cinco parâmetros para analisar a gravidade de casos semelhantes: o teor das mensagens contendo informações falsas e propaganda negativa; a repercussão no eleitorado; o alcance do ilícito, em termos de mensagens veiculadas; o grau de participação dos candidatos nos disparos; e o financiamento de empresas privadas, com a finalidade de interferir na campanha.
No mérito do caso envolvendo os atuais ocupantes dos Palácios da Alvorada e do Jaburu, o corregedor disse reconhecer a ocorrência de disparos em massa na campanha de 2018. Avaliou, porém, que as provas juntadas aos autos do processo não foram suficientes para condenar os vencedores da eleição presidencial. O caso tramita na Corte há quase três anos e já foi reaberto para reunir novos elementos.
“De fato, as provas dos autos demonstram que, ao menos desde o início da campanha, o foco residiu mesmo na mobilização e captação de votos mediante o uso de ferramentas tecnológicas, fosse na internet ou, mais especificamente, em redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas” afirmou Salomão. “Esse aspecto, embora por si não constitua qualquer ilegalidade, assumiu, a meu juízo, contornos de ilicitude, a partir do momento em que se promoveu o uso dessas ferramentas com o objetivo de minar indevidamente candidaturas adversárias, em especial a dos segundos colocados”, completou.
A despeito do conhecimento dos fatos, Salomão argumentou que “a parte autora (Coligação O Povo Feliz de Novo) não logrou comprovar nenhum dos parâmetros essenciais para a gravidade no caso, apesar das inúmeras provas deferidas nessas duas ações”. O voto do relator foi acompanhado integralmente pelo ministro Mauro Campbell e parcialmente por Sergio Banhos, que não reconheceu a existência dos disparos.
O TSE julga dois pedidos de investigação apresentados pela coligação “O Povo Feliz de Novo”, encabeçada pelo PT com o apoio do PC do B e do PROS. O julgamento é o último grande ato de Salomão como corregedor da Corte. Ele passará o cargo para o ministro Mauro Campbell na próxima sexta-feira, 29.
Como relator do caso, Salomão foi responsável por imprimir celeridade ao processo de investigação. Antes dele, outros dois ministros haviam conduzido as ações contra a chapa presidencial sem obter avanços.
A produção de provas começou a caminhar após cooperação entre Salomão e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e do próprio TSE. Em setembro, Moraes compartilhou as provas dos inquéritos das fake news e das milícias digitais com a Corte eleitoral. Durante a leitura do voto, Salomão citou diversas vezes os elementos probatórios levantados pelas investigações em curso no Supremo.
“As provas compartilhadas pelo STF corroboram a assertiva de que, no mínimo desde 2017, pessoas próximas ao hoje presidente Jair Bolsonaro atuavam de modo permanente na mobilização digital, tendo como modus operandi ataques a adversários políticos e, mais recentemente, às próprias instituições democráticas”, disse Salomão. “Essa mobilização que se pode aferir sem maiores dificuldades vem ocorrendo ao longo do ano em diversos meios digitais”.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/tse-retoma-acoes-que-pedem-cassacao-da-chapa-bolsonaro-mourao-assista-ao-vivo/
Crise na relação entre Bolsonaro e Mourão atinge um dos piores momentos
Encontro do vice com presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, irritou presidente, que até já ouviu desabafo em tom de ameaça de renúncia
Daniel Gullino e Gabriel Mascarenhas / O Globo
BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, há tempos vivem um casamento típico de fachada, daquelas relações com quase nenhuma sintonia. A crise permanente — o general, em tom de desabafo, já chegou até a falar em renúncia — atingiu um dos piores momentos nas últimas semanas. Bolsonaro se sentiu traído ao descobrir pela imprensa que Mourão havia se encontrado às escondidas com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, um dos seus principais desafetos e contra quem ele promete apresentar um pedido de impeachment no Senado.
O encontro que irritou o presidente por pouco não ocorreu. Um interlocutor já havia tentado agendá-lo, mas, inicialmente, Barroso resistia. O cenário só mudou quando os tanques foram para a rua: ao saber que Bolsonaro havia convocado seus ministros para acompanhar um desfile de veículos militares na Esplanada dos Ministérios, no último dia 10, horas antes de a Câmara derrotar a proposta de voto impresso, uma das principais bandeiras bolsonaristas, Barroso, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), voltou atrás e pediu para o amigo em comum marcar a conversa com Mourão.
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A reunião, revelada pelo jornal “O Estado de S.Paulo”, ocorreu no dia do desfile militar, e terminou com o vice dizendo o que o ministro queria ouvir: que as Forças Armadas não embarcariam em aventuras inconstitucionais. Bolsonaro não se conformou.
Desde então, alguns ministros tentam distensionar a relação entre presidente e vice, como Ciro Nogueira (Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Nogueira, que tem boa relação com Mourão, esteve na última segunda-feira na Vice-Presidência para uma “visita de cortesia”, nas palavras de sua assessoria de imprensa. Já Heleno vestiu o uniforme de bombeiro por ser próximo a ambos. O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, também se mostrou disposto a auxiliar numa reaproximação.
Entre os argumentos apresentados a Bolsonaro, estão o de que Mourão, general da reserva, é respeitado entre os militares. O esgarçamento da relação pode incomodar estrelados personagens da caserna e, consequentemente, trazer prejuízos em 2022, com a perda de apoio entre os fardados, a base de sustentação eleitoral que garantiu a Bolsonaro sete mandatos como deputado federal.
Teste próximo
O resultado das investidas de Heleno e Nogueira poderá ser medido nas próximas 48 horas: antes do incêndio provocado pela reunião com Barroso, Mourão já havia convidado Bolsonaro a comparecer à próxima reunião do Conselho da Amazônia, colegiado presidido pelo vice, agendada para esta terça-feira. Bolsonaro ainda não respondeu se comparecerá.
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Em outro recente episódio de constrangimento público, Bolsonaro disse, durante uma entrevista, que seu par não é da família. Comparou o vice a um cunhado, que “atrapalha” mas “tem que aturar”. Não ficou sem resposta, como revelou o colunista do GLOBO Lauro Jardim. Na semana seguinte, eles se encontraram durante um evento no Palácio da Alvorada, na presença de outros ministros. Ao cumprimentar seu vice, Bolsonaro repetiu:
— Fala, cunhado.
Mourão emendou:
— Cuidado, cunhado não é parente, Mourão para presidente.
A frase lançada em tom de piada foi propalada no início da década de 1960 por apoiadores do ex-governador Leonel Brizola, cunhado do então presidente João Goulart. O objetivo era empurrar Brizola para fora da lista de nomes impedidos de concorrer à Presidência da República por razões genealógicas.
Antes desse momento de crise aguda, o casamento esteve por um fio no final do ano passado. Na conversa mais dura que a dupla já teve, sem testemunhas, Mourão falou em renúncia. O episódio ocorreu no dia 16 de dezembro, no Palácio do Planalto. De acordo com o que o vice relatou a pessoas de sua confiança, deu-se o seguinte monólogo.
— Bolsonaro, se você quiser, eu entrego a minha cadeira hoje, mas vou te avisar: no dia seguinte, o Centrão toma conta disso aqui — desabafou o militar da reserva naquela tarde. Bolsonaro, que numa hipotética renúncia do vice teria o presidente da Câmara como seu substituto imediato, ouviu e silenciou.
Pouco mais de oito meses depois, com a presença de Mourão, Ciro Nogueira, um dos principais líderes do bloco, tomou posse como ministro da Casa Civil.
Na mesma conversa do final do ano passado, além de ameaçar sair do posto em que está até hoje, o vice quis deixar claro que não representava uma ameaça.
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— Eu não quero o seu lugar e jamais fiz absolutamente nada para ocupá-lo. E, quando tiver dúvidas a meu respeito, basta me chamar que venho aqui imediatamente — disse Mourão, segundo ele contou a interlocutores.
Essa reunião ocorreu dois dias após o vice-presidente lamentar publicamente que não tinha uma “conversa particular” com o presidente havia “algum tempo”.
Mourão também já considerou a possibilidade de entregar o outro assento que ocupa, no Conselho da Amazônia, colegiado interministerial capitaneado por ele e responsável por desenvolver políticas públicas voltadas à preservação da região. O vice não se conformava com a falta de empenho do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles nas missões estabelecidas pelo Conselho. Salles quase não ia às reuniões e, por vezes, sequer enviava um representante. Mourão confidenciou a algumas pessoas sua desconfiança de que Bolsonaro encorajava Salles a boicotar o Conselho, para fragilizá-lo.
Pautas ignoradas
Por outro lado, Bolsonaro propaga internamente que, embora de direita, o vice não abraça as pautas conservadoras e trabalha contra seu governo.
Até assumir o Conselho da Amazônia, Mourão não tinha função no Executivo. Um episódio no primeiro ano de governo ilustra o clima. Bolsonaro não queria ir à posse do recém-eleito presidente da Argentina, Alberto Fernández, candidato da esquerda. Um de seus auxiliares brincou e sugeriu que ele enviasse Mourão, já que o vice não tinha compromissos. Bolsonaro levou a sério, e Mourão representou o Brasil na cerimônia.
Esse acúmulo de desgastes deve virar separação em 2022. Bolsonaro costuma dizer entre aliados que terá outro vice na disputa pela reeleição. Mourão, por sua vez, flerta com a candidatura ao Senado pelo Rio Grande do Sul.
A Vice-Presidência afirmou que não iria comentar as desavenças. A Presidência não retornou.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/crise-na-relacao-entre-bolsonaro-mourao-atinge-um-dos-piores-momentos-25165613
Mourão critica STF e diz que considera 'difícil' Senado aceitar pedido de impeachment
Vice-presidente criticou prisão de Roberto Jefferson e afirmou que ex-deputado não é 'ameaça à democracia'
Daniel Gullino / O Globo
BRASÍLIA — O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou considerar que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão "extrapolando os limites" em algumas das suas decisões. Mourão, contudo, disse achar "difícil" o Senado aceitar um pedido do presidente Jair Bolsonaro de abertura de processo de impechament contra integrantes da Corte.
Mourão criticou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de mandar prender o ex-deputado Roberto Jefferson por ataques às instituições democráticas, e disse que não considera o político uma "ameaça à democracia":
— Eu acho que o ministro Alexandre de Moraes poderia ter tomado outra decisão, também de tão importante, e de tão coercitivo, sem necessitar mandar prender por algo que é uma opinião, que o outro vem externando. Não considero que o Roberto Jefferson seja uma ameaça à democracia, tão latente assim.
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Ao ser questionado sobre se prisões de Jefferson e do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) seriam uma espécie de aviso do STF, vice-presidente afirmou que o "caminho" para quem se sentir ofendido é registrar uma queixa.
— Acho que está extrapolando os limites nisso aí. Se eu sou ofendido, o que que eu faço? Eu registro um boletim de ocorrência e abre-se um processo contra a pessoa que me ofendeu. Então, eu acho que esse é o caminho.
Em relação ao anúncio de Bolsonaro de que pretende pedir para o Senado abrir processo contra os ministros Moraes e Luís Roberto Barroso, Mourão disse que é uma saída "dentro da Constituição"
Tramitação: Senadores indicam veto às coligações proporcionais e contrariam deputados
— Não é questão de arrefecer ou colocar lenha na fogueira. O presidente tem a visão dele, ele considera que esses ministros estão passando dos limites aí em algumas decisões que têm sido tomadas, e uma das saídas dentro da nossa Constituição, que prescreve ali no artigo 52, seria o impeachment, que compete ao Senado, fazer. Então ele vai pedir pro Senado, vamos ver o que que vai acontecer. Acho difícil o Senado aceitar.
Folha de S. Paulo: Debate do voto impresso é legítimo, diz Braga Netto
Militar também deu recado indireto a ministros do STF que têm atuado nos bastidores pela manutenção do atual sistema
Daniel Carvalho e Danielle Brant, Folha de S. Paulo
Ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto fez coro com o presidente Jair Bolsonaro e disse em nota nesta quinta-feira (22) que existe no país uma demanda por legitimidade e transparência nas eleições.
Segundo ele, mais uma vez levantando uma bandeira bolsonarista, a discussão sobre o "voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima".
“Acredito que todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes no Executivo e no Legislativo em todas as instâncias”, afirmou o militar.
“A discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo governo federal, e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema”, afirmou, em um recado indireto a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada nesta quinta afirma que o ministro teria mandado um recado por meio de um interlocutor ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que, sem a aprovação do voto impresso, não haveria eleições em 2022.
Braga Netto negou. O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) disse que as eleições de 2022 serão realizadas independentemente da aprovação ou não da proposta do voto impresso.
"É lógico que vai ter eleição. Quem é que vai proibir eleição no Brasil? Por favor, gente. Nós não somos república de banana", disse.
"Lógico [que] não [tem espaço para um regime autoritário]. Que regime autoritário? O Brasil é um país, a sociedade brasileira é complexa. Acontece que tem muita gente ainda na sociedade brasileira que está olhando pelo retrovisor; olha 50, 60 anos atrás sem entender o processo histórico que nós estamos vivendo."
Ministros do Supremo articularam com 11 partidos um movimento contra a mudança na urna eletrônica e botaram em xeque a maioria que Bolsonaro tinha em relação ao tema na Câmara.
Bandeira do bolsonarismo, o voto impresso quase foi derrotado em reunião na sexta-feira (16) em uma comissão especial da Câmara, mas uma manobra de governistas adiou a votação para 5 de agosto, depois do recesso parlamentar, que vai de 18 a 31 de julho.
O tema tem sido usado insistentemente por Bolsonaro para fazer ameaças golpistas contra as eleições de 2022. Ele já afirmou, várias vezes, que, se a mudança não ocorrer, não haverá eleições. Uma reação de 11 partidos, porém, virou o jogo e, até a última sexta, garantia uma maioria para rejeitar a proposta.
Mesmo que avance na comissão especial, para aprovar uma PEC são necessários ao menos 308 votos na Câmara (de um total de 513 deputados) e 49 no Senado (de um total de 81 senadores), em votação em dois turnos. Para valer para as eleições de 2022, a proposta teria que ser promulgada até o início de outubro.
Ou seja, as chances de a proposta prosperar para o próximo pleito eram consideradas remotas mesmo antes da fala de Bolsonaro admitindo a provável derrota.
Nas últimas semanas, Bolsonaro provocou uma crise institucional ao afirmar que as eleições de 2022 podem não ocorrer caso não seja adotada uma modalidade de voto confiável —na visão dele, o impresso.
Sem apresentar provas, Bolsonaro alegou mais uma vez ter indícios de fraude na eleição presidencial de 2014, apesar de o próprio derrotado no segundo turno daquele ano, o hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), ter declarado não acreditar que tenha existido essa irregularidade naquela disputa.
O mandatário também já afirmou —de novo sem provas— que houve fraude na eleição de 2018, quando ele derrotou Fernando Haddad (PT). A alegação de Bolsonaro é que ele teria recebido mais votos do que os que foram computados. Ele nunca apresentou evidências dessa acusação.
Como mostrou a Folha na semana passada, em meio a essa crise, Braga Netto virou o "provocador-chefe da República", na opinião de ministros do Supremo e mesmo de alguns de seus subordinados na cúpula militar.
Na visão dessas autoridades, o general tem sido tão bolsonarista quanto o chefe, estimulando o clima de conflito institucional que o próprio presidente tentou abafar após ter sido admoestado pelos chefes do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do TSE, ministro Luís Roberto Barroso.
Isso tem incomodado diversos oficiais-generais. Integrantes da cúpula do Exército e da Marinha afirmaram que a polêmica nota em resposta ao senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid que falara sobre o "lado podre" das Forças Armadas, foi uma imposição de Braga Netto aos comandantes militares.
Ainda nesta quinta-feira, na mesma nota em que trata do voto impresso, Braga Netto disse que existe no país uma tentativa de criar “uma narrativa sobre ameaças feitas por interlocutores a presidente de outro Poder” e afirmou não se comunicar com presidentes de outros Poderes por interlocutores.
“O Ministério da Defesa reitera que as Forças Armadas atuam e sempre atuarão dentro dos limites previstos na Constituição”, diz o comunicado.
“A Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira são instituições nacionais, regulares e permanentes, comprometidas com a sociedade, com a estabilidade institucional do país e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro."
Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada nesta quinta afirma que o ministro teria mandado um recado por meio de um interlocutor ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que, sem a aprovação do voto impresso, não haveria eleições em 2022.
De acordo com o jornal, Lira teria dito ao interlocutor que não participaria de nenhuma ruptura institucional. Abordado por jornalistas ao chegar ao Ministério da Defesa, Braga Netto chamou a reportagem de "mentira, invenção".
Também nesta quinta, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, disse ter conversado com Braga Netto e com Lira e afirmou que ambos “desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições”.
“Temos uma Constituição em vigor, instituições funcionando, imprensa livre e sociedade consciente e mobilizada em favor da democracia”, afirmou.
Questionado pela Folha sobre o teor da reportagem, Lira respondeu "MENTIRA", em letras maiúsculas. Ao tratar do assunto em uma rede social, o presidente da Câmara, no entanto, não desmentiu as ameaças.
"A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano”, escreveu.
“As últimas decisões do governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como único meio de fazer o país avançar."
O deputado se referia à decisão de Bolsonaro de convidar o presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), para ser ministro da Casa Civil, em substituição ao general Luiz Eduardo Ramos.
Com o movimento, Bolsonaro dá mais poder ao centrão, bloco do qual Lira faz parte e que era criticado em discurso pelo presidente da República.
Também nesta quinta-feira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), publicou no Twitter uma mensagem na qual afirma que as decisões sobre o sistema político-eleitoral cabem ao Congresso e que as eleições são inegociáveis.
"Seja qual for o modelo, a realização de eleições periódicas, inclusive em 2022, não está em discussão. Isso é inegociável. Elas irão acontecer, pois são a expressão mais pura da soberania do povo", escreveu.
Em uma rede social, Gilmar Mendes, ministro do STF, escreveu: "Os representantes das Forças Armadas devem respeitar os meios institucionais do debate sobre a urna eletrônica. Política é feita com argumentos, contraposição de ideias e, sobretudo, respeito à Constituição. Na nossa democracia, não há espaço para coações autoritárias armadas".
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), seguiu na mesma linha, também em postagem: "Não serão ameaças golpistas e autoritárias que vencerão a democracia brasileira. Nossas instituições são sólidas. Teremos eleições em 2022".
O Globo: Mourão afirma que é 'lógico' que Brasil terá eleições mesmo sem voto impresso
Vice-presidente afirmou que país não é 'república de banana' e questionou quem iria 'proibir eleição'
Daniel Gullino, O Globo
BRASÍLIA — O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta quinta-feira que é "lógico" que o Brasil terá eleições no ano que vem mesmo sem a aprovação do voto impresso, defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Mourão disse que o país não é uma "república de banana" e questionou quem iria "proibir eleição".
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Há duas semanas, Bolsonaro afirmou que não haverá eleição no ano que vem se a disputa não for "limpa". O presidente não explicou o que ele considera uma eleição "limpa", mas ele tem defendido uma mudança no sistema de votação, apesar de nunca ter apresentado nenhuma prova de fraude no modelo atual.
— É lógico que vai ter eleição (mesmo sem voto impresso), pô. Quem é que vai proibir eleição no Brasil? Por favor, gente. Nós não somos república de banana — disse Mourão, ao chegar no Palácio do Planalto no início da tarde.
O vice-presidente ressaltou, no entanto, que ele também é favorável à proposta de voto impresso.
Mourão também questionou uma reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" que afirmou que o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, teria feito uma ameaça e condicionou as eleições de 2022 ao voto impresso. De acordo com a publicação, Braga Netto enviou o recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por meio de um interlocutor que não teve o nome revelado.
— Eu conheço o ministro Braga Netto há muito tempo, sei que ele não manda recado e não é, vamos dizer, da forma dele proceder que as coisas ocorressem dessa forma, até porque é um assunto que não diz respeito (a ele).
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Braga Netto negou que tenha feito ameaças às eleições e afirmou que a discussão e a decisão acerca do voto impresso cabem exclusivamente ao Congresso Nacional, onde tramita uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema.
Agência Pública: A opção Mourão debatida por generais
Vasconcelos Quadros, Agência Pública
Em 27 meses no cargo, o general Hamilton Mourão construiu uma trajetória bem diferente da dos vices nos últimos 60 anos. Ele tem atribuições de Governo e comanda efetivamente nichos importantes da política ambiental e de relações exteriores. É, por exemplo, mediador de conflitos com a China, processo iniciado com um encontro com o presidente do país, Xi Jinping, em 2019, restabelecendo a diplomacia depois de duros ataques feitos por Jair Bolsonaro ainda na campanha.
Mourão esforça-se para não parecer que conspira, mas é visto por militares e especialistas ouvidos pela Agência Pública como um oficial de prontidão diante de uma CPI que pode levar às cordas o presidente Jair Bolsonaro pelos erros na condução da pandemia.
“Como Bolsonaro virou um estorvo, os generais agora querem colocar o Mourão no Governo”, diz o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza, um dos poucos oficiais das Forças Armadas a criticar abertamente o grupo de generais governistas que, na sua visão, “dá as ordens” e sustenta o Governo de Bolsonaro.
Ex-assessor especial do general Carlos Alberto Santos Cruz na missão de pacificação no Haiti, Jorge de Souza está entre os militares que enxergam o movimento dos generais como uma aposta num eventual impeachment e ascensão de Mourão ―que, por sua vez, tem fechado os ouvidos para o canto das sereias.
“Mourão jamais vai ajudar a derrubar Bolsonaro para ocupar a vaga. O que ele pode é não estender a mão para levantá-lo se um fato grave surgir. Honra e fidelidade são coisas muito sérias para Mourão”, diz um general da reserva que conviveu com o vice-presidente, mas pediu para não ter o nome citado.
General Sérgio Etchegoyen, ex-ministro do GSI no Governo Michel Temer. Foto: José Cruz/Agência Brasil
A opção Mourão é tratada com discrição entre os generais que ocupam cargos no Governo. Três deles, Braga Netto (Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional, o GSI) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), formam o núcleo duro fechado com o presidente. Os demais, caso a crise política se agrave, são uma incógnita. Mas são vistos como mais acessíveis à influência dos generais da reserva que romperam com Bolsonaro e articulam a formação de uma terceira via pela centro-direita.
“O que fazer se a opção em 2022 for Lula ou Bolsonaro? É sentar na calçada e chorar”, afirma à Pública o general Sérgio Etchegoyen, ex-ministro do GSI no Governo Michel Temer (MDB).
Embora se recuse a fazer críticas ao presidente, Etchegoyen acha que os sucessivos conflitos entre Executivo e Judiciário criaram no país um quadro grave de “instabilidade e incertezas”, que exigirá o surgimento de lideranças mais adequadas à democracia.
“O Brasil não precisa de um leão de chácara. Precisa de alguém que conheça a política e saiba pacificar o país”, diz o general.
O ex-ministro sustenta que 36 anos depois do fim do regime militar, com a democracia madura, a reafirmação do compromisso das Forças Armadas contra qualquer aventura autoritária a cada surto da política tornou-se desnecessária e repetitiva. E cutuca a imprensa: “Alguém ensinou um modelo de análise à imprensa em que a possibilidade de golpe está sempre colocada”, diz, referindo-se à crise provocada por Bolsonaro na demissão de Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, e dos comandantes militares. Para ele, a substituição é parte da rotina de Governo e das crises decorrentes da política. “Ministros são como fusíveis que podem queimar na alta tensão da política. Quem não tiver vocação para fusível que não vá para o Governo”, afirma.
Generais articulam terceira via para eleição
As articulações por uma terceira via são comandadas por generais da reserva, que já ocuparam cargos em governos e, até o agravamento da pandemia do coronavírus, se encontravam com frequência em cavalgadas no 1º Regimento de Cavalaria de Guardas (RCG), sede dos Dragões da Independência, grupamento do Exército sediado no Setor Militar Norte de Brasília, encarregado de guarnecer o Palácio do Planalto.
Os ex-ministros Etchegoyen e Santos Cruz e o general Paulo Chagas, ex-candidato ao Governo do Distrito Federal, embora em diferentes linhas, fazem parte do grupo. Têm em comum o gosto pela equitação e bom trânsito com o vice, que também gosta do esporte e frequentava o 1º RCG ao lado de outros generais, o ex-comandante do Exército Edson Pujol e civis como Aldo Rebelo, ex-ministro da Defesa, ex-PCdoB, hoje pré-candidato à presidência em 2022 pelo Solidariedade.
Mourão defende Exército e “vai ficar na cara do gol”
Nas ocasiões em que foi sondado para substituir Bolsonaro diante da probabilidade de impeachment ou para se colocar como terceira via, Mourão rejeitou as duas hipóteses. Segundo fontes ouvidas pela Pública, ele “não se furtaria” a assumir, mas só o faria dentro de limites constitucionais, ou seja, em caso de vacância no cargo.
“O Mourão se impôs um limite ético para lidar com a política. Não disputará contra Bolsonaro e nem imporá desgaste a ele. É um homem de visão de mundo diferenciada, entende muito do que fala, compreende o país e tem trânsito confortável na política externa. Seu perfil não é do interesse do presidente e nem oposição”, avalia a fonte próxima ao vice.
Em entrevista à TV Aberta, de São Paulo, na quinta-feira, 22 de abril, Mourão disse que, por lealdade, não disputará com Bolsonaro em 2022 e apontou como seu horizonte a candidatura ao Senado ou simplesmente a aposentadoria. Em janeiro, quando veio à tona notícia sobre um assessor parlamentar da vice-presidência que falava com chefes de gabinete de vários deputados sobre a necessidade de se preparar para um eventual impeachment, Mourão o demitiu, marcando sua postura pública sobre a questão.
Crítico corrosivo de Bolsonaro e um dos mais empenhados na construção da terceira via, o general Paulo Chagas vê Mourão como um reserva preparado tanto para um eventual impeachment quanto como nome viável pela terceira via. “Benza Deus que ele aceite! Mourão tem toda capacidade para colocar ordem na casa democraticamente, mas isso agora não interessa ao presidente nem à oposição, que quer ver Bolsonaro sangrar até o fim do Governo”, diz.
O coronel Jorge de Souza pensa diferente. “Mourão não vai em bola dividida. Ficará na cara do gol”, afirma, referindo-se ao provável desgaste que Bolsonaro enfrentará com o avanço da CPI da Covid, o que, na sua opinião, poderá desengavetar um dos mais de cem pedidos de impeachment parados na Câmara.
Nesta segunda, 26 de abril, em entrevista ao jornal Valor Econômico, o vice defendeu a caserna e antagonizou mais uma vez com Bolsonaro. Afirmou que o Exército não pode ser responsabilizado pela atuação do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. E disse que chegou a aconselhar o ex-ministro a deixar o serviço da ativa quando ele assumiu o combate à pandemia. À tarde, logo depois de ter recebido a segunda dose da vacina Coronavac, se recusou a falar sobre a CPI. “Isso aí não tem nada a ver comigo. Sem comentários”, desvia-se.
A CPI deve pegar Bolsonaro em pontos frágeis: o insistente apelo à população pelo uso de medicação sem eficácia, o boicote ao distanciamento social, a falta de remédios para intubação e de oxigênio para UTIs, a recusa em comprar vacina a tempo de evitar o espantoso aumento de mortes e a demora em prover a saúde de insumos necessários ao combate à pandemia.
Reforça as acusações ―23 delas listadas pelo próprio Governo em um documento encaminhado a todos os ministérios― um pedido de impeachment da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no qual um parecer do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto sustenta existirem indícios fortes de crime de responsabilidade cometido pelo presidente. O parecer afirma que Bolsonaro sabotou as medidas que poderiam aliviar a tragédia, o que acabou transformando o vírus numa espécie de arma biológica contra a população. A OAB entretanto ainda não protocolou o pedido, e pode fazê-lo em pleno vigor da CPI.
Bolsonaro não conseguiu barrar a CPI e ainda terá de enfrentá-la em desvantagem, já que o controle da investigação, pelo acordo fechado, será exercido pela oposição.
“A CPI vai render manchetes diárias, mostrará nomes, extratos, vai revolver a política”, alerta o general Etchegoyen, com a experiência de quem teve sob seu controle a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e enfrentou as muitas crises do Governo Temer.
Na visão de Paulo Chagas, Bolsonaro fracassou na condução do Governo e agora está com a “cabeça na guilhotina” da CPI. Segundo o coronel Jorge de Souza, os generais têm até um plano para a hipótese de uma reviravolta que ponha Mourão no Palácio do Planalto: um pacto para enfrentamento da pandemia e dos efeitos desta na economia, seguido da demissão de ministros tidos como exóticos ou alinhados ao extremismo alimentado pelo presidente. Ele acha, no entanto, que o perfil real do vice é diferente do que é vendido pelo marketing. “Num hipotético cenário de delegacia, em que o preso é torturado para falar, Mourão faz o papel do bom policial. As pessoas gostam dele porque é informal, brinca no ‘gauchal’ e tenta passar para a imprensa a imagem de maleável. Mas que ninguém se engane. Se forçar uma pergunta que não goste, ele explode. Mourão é autoritário”, diz.
“Mourão é autoritário”, diz coronel Jorge de Souza.RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL
O coronel conta que assistiu, no QG do Exército, em 2016, o hoje vice-presidente, num inflamado discurso à tropa, chamar o coronel Carlos Brilhante Ustra, um dos nomes ligados à tortura nos anos de chumbo, de herói e combatente anticomunista. “Mourão é mais preparado e mais perigoso que Bolsonaro. Ele comanda o Bolsonaro, e não o contrário”, afirma o oficial.
Para Souza, os generais terão a paciência necessária para aguardar que o agravamento da crise “consolide a ideia de Mourão é o cara”.
Em programa semanal, Mourão defende vacina e cita Gilberto Gil
Presidente do Conselho Nacional da Amazônia, Mourão tem se ocupado dos temas que considera relevantes para o país. É de sua lavra o levantamento que levou Bolsonaro a prometer neutralidade na emissão de gases de efeito estufa até 2050 e o fim do desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, no discurso de quinta-feira (22/4) à Cúpula do Clima, visto como bom sinal pelos líderes mundiais, mas irreal diante do desmonte dos órgãos de fiscalização e da falta de previsão de recursos.
Dias antes, quando o número de vítimas do coronavírus batia a trágica marca dos 4.000 mortos diários, ele reagiu com aparente perda de paciência com a gestão da saúde: “Pô, já ultrapassou o limite do bom senso”, disse, ressaltando que era necessário um plano para salvar vidas.
Se Bolsonaro tem as já famosas lives das quintas-feiras para falar contra as medidas de combate à pandemia, Mourão tem o Por dentro da Amazônia, um programa semanal gravado às segundas-feiras destinado aos 23 milhões de habitantes da Amazônia Legal. O programa é transmitido pela Rede Nacional de Rádio pelo mesmo sinal da Voz do Brasil, gerido pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e chega a regiões sem acesso à internet ou à energia elétrica. Pode ser acessado também pelo YouTube.Mourão antagoniza com Bolsonaro e expõe as contradições do Governo.VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
Ali ele lista focos de desmatamento, pede ajuda dos moradores e se diz preocupado com a pandemia, fazendo recomendações que deveriam partir do Palácio do Planalto. “A covid-19 está na esquina, à espreita. Não deixe de se vacinar, mantenha distância e não se aglomere”, repete sempre. Num desses programas, descontraído, se despediu com uma citação que irrita os ouvidos do presidente: “Como diria o grande Gilberto Gil, alô povo da Amazônia, aquele abraço!”. Gil, como se sabe, foi ministro da Cultura de Lula.
Na mesma transmissão, em 29 de março, ele anunciou o fim do programa Brasil Verde II, destinado a combater as atividades ilegais na Amazônia e uma espécie de menina dos olhos do vice, que havia montado uma superestrutura militar para auxiliá-lo.
No dia em que apresentava um balanço que considera positivo ―a queda de 23% no desmatamento entre 1º de junho de 2020 e 31 de março deste ano, a apreensão de 500 mil metros cúbicos de madeira, 335 tratores e mais de mil máquinas de serrarias e mineração ilegal e 3,3 bilhões de reais em multas―, Mourão foi surpreendido com boatos segundo os quais Bolsonaro pretendia criar um ministério para a Amazônia como prêmio de consolação ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que havia perdido o combate contra o vírus.
O vice desconfiou, no entanto, que o movimento não era só para socorrer Pazuello. Um assessor do Conselho da Amazônia disse à Pública que Mourão reagiu com perplexidade por não ter sido sequer consultado sobre uma opção que, de cara, esvaziaria o órgão que estruturou a duras penas, enfrentando inclusive desconfianças do entorno do próprio presidente. Mas reagiu em público com bom humor, declarando que, se um novo ministério não tivesse como meta dar corpo ao que chama de “bioeconomia”, termo que usa para se referir ao desenvolvimento sustentável, o presidente estaria procurando “deserto para mais um camelo”.
O programa Brasil Verde, uma vitrine ainda embaçada que Mourão tentou vender ao mundo, chega ao fim melancólico neste final de abril, como mais um paliativo governamental de resultado pífio no combate ao desmatamento e às queimadas.
Na contramão do ministro Ricardo Salles ―que chegou a se reunir em seu gabinete com madeireiros de Santa Catarina fornecedores da empresa que foi o principal alvo da apreensão recorde de madeira ilegal na Amazônia, realizada durante a Operação Handroanthus GLO, como revelou a Pública― o general Mourão tem apoiado as ações de repressão e, ao ser obrigado a encerrar o Brasil Verde por falta de recursos, criou o Plano Amazônia 21/22, para tentar estancar a alta incidência de crimes ambientais.
O plano prevê a sinergia de pelo menos dez órgãos de controle, mas até agora é só uma intenção. Mourão diz que a ideia é organizar concursos públicos para fiscais que se disponham a formar equipes permanentes por seis anos ininterruptos na Amazônia e que atuariam auxiliados por centrais de inteligência baseadas em Porto Velho, Belém e Manaus, em operações deflagradas de acordo com o surgimento de focos de incêndio monitorados por satélite. O vice estima que, com um gasto anual de 100 milhões de dólares, é possível chegar em 2030 com desmatamento zero.
Enquanto não deslancha, o programa Por dentro da Amazônia continua, dando voz semanalmente ao vice-presidente, todas as 2ª feiras às 9h e às 20h30. O último episódio teve pouco mais de 200 visualizações no Youtube.
Analistas veem Mourão desde como “incógnita” até “contradição emulada”
A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) enxerga o vice como uma incógnita. “Ainda é cedo para saber de que lado está o general Mourão. Ele tem uma característica que o difere dos demais [militares do Governo], que é ser indemissível. Pode questionar, pode se posicionar, que continuará sendo o vice-presidente da República. De certa forma, ele representa uma parcela dos militares. Mas por mais que tenha um discurso mais moderado, ainda é uma pessoa que defende que não houve golpe militar. Espero que a gente não dependa dele para a sobrevivência da democracia”, diz a deputada à Pública.
Tabata fez um levantamento em parceria com o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) mostrando que, além de nove dos 21 ministros serem militares ―todos eles levaram coronéis da reserva e da ativa como assessores―, em outros escalões os cargos de confiança ligados ao Palácio do Planalto mais que triplicaram desde o Governo Dilma (eram 102 e agora são 343), com amplo destaque para o Ministério da Saúde, no qual a presença militar saltou de um para 30 na gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello.
O antropólogo Piero Leiner, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), avalia que as diferenças públicas entre presidente e vice fazem parte de uma estratégia. “Desde a eleição, Mourão faz o papel de um ‘contraditório’: Bolsonaro diz, ele desdiz. Mas é preciso ter em mente que essa é uma contradição emulada. Este é um Governo pensado e executado por militares, e Mourão está lá também para fazer esse papel de subordinação militar, que é a ideia do ‘ele manda, nós obedecemos’. A ideia é que nas várias instâncias fique clara a aparência de que Bolsonaro seria uma coisa, os militares outra. Assim, eles podem aparecer como uma instância de moderação, o que é uma premissa falsa, uma vez que Bolsonaro é obra deles”, afirma.
Um dos maiores estudiosos das Forças Armadas no Brasil, o cientista político João Roberto Martins Filho diz que a conta pelo apoio a Bolsonaro já está chegando aos militares. “As Forças Armadas, em especial o Exército, estão muito comprometidas com esse Governo e pagam o preço com grande desgaste. Tem pesquisa mostrando que já estão em terceiro lugar (18%) entre as instituições que apresentam perda de confiança da população e em último (1%) entre as que apresentaram aumento da confiança”, diz à Pública. Martins Filho se refere à pesquisa Exame/Ideias sobre o efeito da gestão da pandemia nas instituições, com 1.259 entrevistados, feita entre 5 e 7 de março e publicada no último dia 10, portanto antes das mudanças feitas por Bolsonaro no Ministério da Saúde e nos comandos da Defesa e das Forças Armadas.
O pesquisador acha que já há sintomas de insatisfação entre os militares da ativa pelo fato de Bolsonaro ter tentado interferir nos comandos em busca de uma lealdade no conflito com o STF e certa fissura no generalato que ocupa cargos no Governo. Ele, no entanto, não acredita em rompimento. “Vão procurar remendar o que foi feito e estão pensando nas eleições do ano que vem. Se perceberem que Bolsonaro pode cair, vão de Mourão, que faz aquecimento no canto do campo e é palatável”, afirma.
O coronel Jorge de Souza acha que esse desgaste será ainda maior quando a população perceber com mais clareza que os militares “são o Governo”, já que o prestígio da tropa junto à população era motivado justamente pelo distanciamento da política, rompido, segundo ele, pelo envolvimento do Alto-Comando do Exército nos movimentos que antecederam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Dos 17 oficiais que integravam a cúpula da força à época, 16 estão ou estiveram em funções políticas nos Governos de Michel Temer e de Bolsonaro, que simplesmente militarizou a Esplanada.
“A geração dos anos 70 é o problema. Eles estão gostando do poder”, diz Jorge de Souza, para quem “é necessário fazer regredir a marcha da politização nos quartéis” e desgrudar a imagem das Forças Armadas de Bolsonaro. “Os generais não têm jogo de cintura para exercer funções políticas que são civis.”
Esta reportagem foi publicada originalmente no site da Agência Pública.
Fonte:
El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-01/a-espera-de-mourao.html
Agência Pública: A opção Mourão debatida por generais
Vasconcelos Quadros, Agência Pública
Em 27 meses no cargo, o general Hamilton Mourão construiu uma trajetória bem diferente da dos vices nos últimos 60 anos. Ele tem atribuições de Governo e comanda efetivamente nichos importantes da política ambiental e de relações exteriores. É, por exemplo, mediador de conflitos com a China, processo iniciado com um encontro com o presidente do país, Xi Jinping, em 2019, restabelecendo a diplomacia depois de duros ataques feitos por Jair Bolsonaro ainda na campanha.
Mourão esforça-se para não parecer que conspira, mas é visto por militares e especialistas ouvidos pela Agência Pública como um oficial de prontidão diante de uma CPI que pode levar às cordas o presidente Jair Bolsonaro pelos erros na condução da pandemia.
“Como Bolsonaro virou um estorvo, os generais agora querem colocar o Mourão no Governo”, diz o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza, um dos poucos oficiais das Forças Armadas a criticar abertamente o grupo de generais governistas que, na sua visão, “dá as ordens” e sustenta o Governo de Bolsonaro.
Ex-assessor especial do general Carlos Alberto Santos Cruz na missão de pacificação no Haiti, Jorge de Souza está entre os militares que enxergam o movimento dos generais como uma aposta num eventual impeachment e ascensão de Mourão ―que, por sua vez, tem fechado os ouvidos para o canto das sereias.
“Mourão jamais vai ajudar a derrubar Bolsonaro para ocupar a vaga. O que ele pode é não estender a mão para levantá-lo se um fato grave surgir. Honra e fidelidade são coisas muito sérias para Mourão”, diz um general da reserva que conviveu com o vice-presidente, mas pediu para não ter o nome citado.
General Sérgio Etchegoyen, ex-ministro do GSI no Governo Michel Temer. Foto: José Cruz/Agência Brasil
A opção Mourão é tratada com discrição entre os generais que ocupam cargos no Governo. Três deles, Braga Netto (Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional, o GSI) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), formam o núcleo duro fechado com o presidente. Os demais, caso a crise política se agrave, são uma incógnita. Mas são vistos como mais acessíveis à influência dos generais da reserva que romperam com Bolsonaro e articulam a formação de uma terceira via pela centro-direita.
“O que fazer se a opção em 2022 for Lula ou Bolsonaro? É sentar na calçada e chorar”, afirma à Pública o general Sérgio Etchegoyen, ex-ministro do GSI no Governo Michel Temer (MDB).
Embora se recuse a fazer críticas ao presidente, Etchegoyen acha que os sucessivos conflitos entre Executivo e Judiciário criaram no país um quadro grave de “instabilidade e incertezas”, que exigirá o surgimento de lideranças mais adequadas à democracia.
“O Brasil não precisa de um leão de chácara. Precisa de alguém que conheça a política e saiba pacificar o país”, diz o general.
O ex-ministro sustenta que 36 anos depois do fim do regime militar, com a democracia madura, a reafirmação do compromisso das Forças Armadas contra qualquer aventura autoritária a cada surto da política tornou-se desnecessária e repetitiva. E cutuca a imprensa: “Alguém ensinou um modelo de análise à imprensa em que a possibilidade de golpe está sempre colocada”, diz, referindo-se à crise provocada por Bolsonaro na demissão de Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, e dos comandantes militares. Para ele, a substituição é parte da rotina de Governo e das crises decorrentes da política. “Ministros são como fusíveis que podem queimar na alta tensão da política. Quem não tiver vocação para fusível que não vá para o Governo”, afirma.
Generais articulam terceira via para eleição
As articulações por uma terceira via são comandadas por generais da reserva, que já ocuparam cargos em governos e, até o agravamento da pandemia do coronavírus, se encontravam com frequência em cavalgadas no 1º Regimento de Cavalaria de Guardas (RCG), sede dos Dragões da Independência, grupamento do Exército sediado no Setor Militar Norte de Brasília, encarregado de guarnecer o Palácio do Planalto.
Os ex-ministros Etchegoyen e Santos Cruz e o general Paulo Chagas, ex-candidato ao Governo do Distrito Federal, embora em diferentes linhas, fazem parte do grupo. Têm em comum o gosto pela equitação e bom trânsito com o vice, que também gosta do esporte e frequentava o 1º RCG ao lado de outros generais, o ex-comandante do Exército Edson Pujol e civis como Aldo Rebelo, ex-ministro da Defesa, ex-PCdoB, hoje pré-candidato à presidência em 2022 pelo Solidariedade.
Mourão defende Exército e “vai ficar na cara do gol”
Nas ocasiões em que foi sondado para substituir Bolsonaro diante da probabilidade de impeachment ou para se colocar como terceira via, Mourão rejeitou as duas hipóteses. Segundo fontes ouvidas pela Pública, ele “não se furtaria” a assumir, mas só o faria dentro de limites constitucionais, ou seja, em caso de vacância no cargo.
“O Mourão se impôs um limite ético para lidar com a política. Não disputará contra Bolsonaro e nem imporá desgaste a ele. É um homem de visão de mundo diferenciada, entende muito do que fala, compreende o país e tem trânsito confortável na política externa. Seu perfil não é do interesse do presidente e nem oposição”, avalia a fonte próxima ao vice.
Em entrevista à TV Aberta, de São Paulo, na quinta-feira, 22 de abril, Mourão disse que, por lealdade, não disputará com Bolsonaro em 2022 e apontou como seu horizonte a candidatura ao Senado ou simplesmente a aposentadoria. Em janeiro, quando veio à tona notícia sobre um assessor parlamentar da vice-presidência que falava com chefes de gabinete de vários deputados sobre a necessidade de se preparar para um eventual impeachment, Mourão o demitiu, marcando sua postura pública sobre a questão.
Crítico corrosivo de Bolsonaro e um dos mais empenhados na construção da terceira via, o general Paulo Chagas vê Mourão como um reserva preparado tanto para um eventual impeachment quanto como nome viável pela terceira via. “Benza Deus que ele aceite! Mourão tem toda capacidade para colocar ordem na casa democraticamente, mas isso agora não interessa ao presidente nem à oposição, que quer ver Bolsonaro sangrar até o fim do Governo”, diz.
O coronel Jorge de Souza pensa diferente. “Mourão não vai em bola dividida. Ficará na cara do gol”, afirma, referindo-se ao provável desgaste que Bolsonaro enfrentará com o avanço da CPI da Covid, o que, na sua opinião, poderá desengavetar um dos mais de cem pedidos de impeachment parados na Câmara.
Nesta segunda, 26 de abril, em entrevista ao jornal Valor Econômico, o vice defendeu a caserna e antagonizou mais uma vez com Bolsonaro. Afirmou que o Exército não pode ser responsabilizado pela atuação do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. E disse que chegou a aconselhar o ex-ministro a deixar o serviço da ativa quando ele assumiu o combate à pandemia. À tarde, logo depois de ter recebido a segunda dose da vacina Coronavac, se recusou a falar sobre a CPI. “Isso aí não tem nada a ver comigo. Sem comentários”, desvia-se.
A CPI deve pegar Bolsonaro em pontos frágeis: o insistente apelo à população pelo uso de medicação sem eficácia, o boicote ao distanciamento social, a falta de remédios para intubação e de oxigênio para UTIs, a recusa em comprar vacina a tempo de evitar o espantoso aumento de mortes e a demora em prover a saúde de insumos necessários ao combate à pandemia.
Reforça as acusações ―23 delas listadas pelo próprio Governo em um documento encaminhado a todos os ministérios― um pedido de impeachment da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no qual um parecer do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto sustenta existirem indícios fortes de crime de responsabilidade cometido pelo presidente. O parecer afirma que Bolsonaro sabotou as medidas que poderiam aliviar a tragédia, o que acabou transformando o vírus numa espécie de arma biológica contra a população. A OAB entretanto ainda não protocolou o pedido, e pode fazê-lo em pleno vigor da CPI.
Bolsonaro não conseguiu barrar a CPI e ainda terá de enfrentá-la em desvantagem, já que o controle da investigação, pelo acordo fechado, será exercido pela oposição.
“A CPI vai render manchetes diárias, mostrará nomes, extratos, vai revolver a política”, alerta o general Etchegoyen, com a experiência de quem teve sob seu controle a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e enfrentou as muitas crises do Governo Temer.
Na visão de Paulo Chagas, Bolsonaro fracassou na condução do Governo e agora está com a “cabeça na guilhotina” da CPI. Segundo o coronel Jorge de Souza, os generais têm até um plano para a hipótese de uma reviravolta que ponha Mourão no Palácio do Planalto: um pacto para enfrentamento da pandemia e dos efeitos desta na economia, seguido da demissão de ministros tidos como exóticos ou alinhados ao extremismo alimentado pelo presidente. Ele acha, no entanto, que o perfil real do vice é diferente do que é vendido pelo marketing. “Num hipotético cenário de delegacia, em que o preso é torturado para falar, Mourão faz o papel do bom policial. As pessoas gostam dele porque é informal, brinca no ‘gauchal’ e tenta passar para a imprensa a imagem de maleável. Mas que ninguém se engane. Se forçar uma pergunta que não goste, ele explode. Mourão é autoritário”, diz.
“Mourão é autoritário”, diz coronel Jorge de Souza.RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL
O coronel conta que assistiu, no QG do Exército, em 2016, o hoje vice-presidente, num inflamado discurso à tropa, chamar o coronel Carlos Brilhante Ustra, um dos nomes ligados à tortura nos anos de chumbo, de herói e combatente anticomunista. “Mourão é mais preparado e mais perigoso que Bolsonaro. Ele comanda o Bolsonaro, e não o contrário”, afirma o oficial.
Para Souza, os generais terão a paciência necessária para aguardar que o agravamento da crise “consolide a ideia de Mourão é o cara”.
Em programa semanal, Mourão defende vacina e cita Gilberto Gil
Presidente do Conselho Nacional da Amazônia, Mourão tem se ocupado dos temas que considera relevantes para o país. É de sua lavra o levantamento que levou Bolsonaro a prometer neutralidade na emissão de gases de efeito estufa até 2050 e o fim do desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, no discurso de quinta-feira (22/4) à Cúpula do Clima, visto como bom sinal pelos líderes mundiais, mas irreal diante do desmonte dos órgãos de fiscalização e da falta de previsão de recursos.
Dias antes, quando o número de vítimas do coronavírus batia a trágica marca dos 4.000 mortos diários, ele reagiu com aparente perda de paciência com a gestão da saúde: “Pô, já ultrapassou o limite do bom senso”, disse, ressaltando que era necessário um plano para salvar vidas.
Se Bolsonaro tem as já famosas lives das quintas-feiras para falar contra as medidas de combate à pandemia, Mourão tem o Por dentro da Amazônia, um programa semanal gravado às segundas-feiras destinado aos 23 milhões de habitantes da Amazônia Legal. O programa é transmitido pela Rede Nacional de Rádio pelo mesmo sinal da Voz do Brasil, gerido pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e chega a regiões sem acesso à internet ou à energia elétrica. Pode ser acessado também pelo YouTube.
Mourão antagoniza com Bolsonaro e expõe as contradições do Governo.VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
Ali ele lista focos de desmatamento, pede ajuda dos moradores e se diz preocupado com a pandemia, fazendo recomendações que deveriam partir do Palácio do Planalto. “A covid-19 está na esquina, à espreita. Não deixe de se vacinar, mantenha distância e não se aglomere”, repete sempre. Num desses programas, descontraído, se despediu com uma citação que irrita os ouvidos do presidente: “Como diria o grande Gilberto Gil, alô povo da Amazônia, aquele abraço!”. Gil, como se sabe, foi ministro da Cultura de Lula.
Na mesma transmissão, em 29 de março, ele anunciou o fim do programa Brasil Verde II, destinado a combater as atividades ilegais na Amazônia e uma espécie de menina dos olhos do vice, que havia montado uma superestrutura militar para auxiliá-lo.
No dia em que apresentava um balanço que considera positivo ―a queda de 23% no desmatamento entre 1º de junho de 2020 e 31 de março deste ano, a apreensão de 500 mil metros cúbicos de madeira, 335 tratores e mais de mil máquinas de serrarias e mineração ilegal e 3,3 bilhões de reais em multas―, Mourão foi surpreendido com boatos segundo os quais Bolsonaro pretendia criar um ministério para a Amazônia como prêmio de consolação ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que havia perdido o combate contra o vírus.
O vice desconfiou, no entanto, que o movimento não era só para socorrer Pazuello. Um assessor do Conselho da Amazônia disse à Pública que Mourão reagiu com perplexidade por não ter sido sequer consultado sobre uma opção que, de cara, esvaziaria o órgão que estruturou a duras penas, enfrentando inclusive desconfianças do entorno do próprio presidente. Mas reagiu em público com bom humor, declarando que, se um novo ministério não tivesse como meta dar corpo ao que chama de “bioeconomia”, termo que usa para se referir ao desenvolvimento sustentável, o presidente estaria procurando “deserto para mais um camelo”.
O programa Brasil Verde, uma vitrine ainda embaçada que Mourão tentou vender ao mundo, chega ao fim melancólico neste final de abril, como mais um paliativo governamental de resultado pífio no combate ao desmatamento e às queimadas.
Na contramão do ministro Ricardo Salles ―que chegou a se reunir em seu gabinete com madeireiros de Santa Catarina fornecedores da empresa que foi o principal alvo da apreensão recorde de madeira ilegal na Amazônia, realizada durante a Operação Handroanthus GLO, como revelou a Pública― o general Mourão tem apoiado as ações de repressão e, ao ser obrigado a encerrar o Brasil Verde por falta de recursos, criou o Plano Amazônia 21/22, para tentar estancar a alta incidência de crimes ambientais.
O plano prevê a sinergia de pelo menos dez órgãos de controle, mas até agora é só uma intenção. Mourão diz que a ideia é organizar concursos públicos para fiscais que se disponham a formar equipes permanentes por seis anos ininterruptos na Amazônia e que atuariam auxiliados por centrais de inteligência baseadas em Porto Velho, Belém e Manaus, em operações deflagradas de acordo com o surgimento de focos de incêndio monitorados por satélite. O vice estima que, com um gasto anual de 100 milhões de dólares, é possível chegar em 2030 com desmatamento zero.
Enquanto não deslancha, o programa Por dentro da Amazônia continua, dando voz semanalmente ao vice-presidente, todas as 2ª feiras às 9h e às 20h30. O último episódio teve pouco mais de 200 visualizações no Youtube.
Analistas veem Mourão desde como “incógnita” até “contradição emulada”
A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) enxerga o vice como uma incógnita. “Ainda é cedo para saber de que lado está o general Mourão. Ele tem uma característica que o difere dos demais [militares do Governo], que é ser indemissível. Pode questionar, pode se posicionar, que continuará sendo o vice-presidente da República. De certa forma, ele representa uma parcela dos militares. Mas por mais que tenha um discurso mais moderado, ainda é uma pessoa que defende que não houve golpe militar. Espero que a gente não dependa dele para a sobrevivência da democracia”, diz a deputada à Pública.
Tabata fez um levantamento em parceria com o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) mostrando que, além de nove dos 21 ministros serem militares ―todos eles levaram coronéis da reserva e da ativa como assessores―, em outros escalões os cargos de confiança ligados ao Palácio do Planalto mais que triplicaram desde o Governo Dilma (eram 102 e agora são 343), com amplo destaque para o Ministério da Saúde, no qual a presença militar saltou de um para 30 na gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello.
O antropólogo Piero Leiner, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), avalia que as diferenças públicas entre presidente e vice fazem parte de uma estratégia. “Desde a eleição, Mourão faz o papel de um ‘contraditório’: Bolsonaro diz, ele desdiz. Mas é preciso ter em mente que essa é uma contradição emulada. Este é um Governo pensado e executado por militares, e Mourão está lá também para fazer esse papel de subordinação militar, que é a ideia do ‘ele manda, nós obedecemos’. A ideia é que nas várias instâncias fique clara a aparência de que Bolsonaro seria uma coisa, os militares outra. Assim, eles podem aparecer como uma instância de moderação, o que é uma premissa falsa, uma vez que Bolsonaro é obra deles”, afirma.
Um dos maiores estudiosos das Forças Armadas no Brasil, o cientista político João Roberto Martins Filho diz que a conta pelo apoio a Bolsonaro já está chegando aos militares. “As Forças Armadas, em especial o Exército, estão muito comprometidas com esse Governo e pagam o preço com grande desgaste. Tem pesquisa mostrando que já estão em terceiro lugar (18%) entre as instituições que apresentam perda de confiança da população e em último (1%) entre as que apresentaram aumento da confiança”, diz à Pública. Martins Filho se refere à pesquisa Exame/Ideias sobre o efeito da gestão da pandemia nas instituições, com 1.259 entrevistados, feita entre 5 e 7 de março e publicada no último dia 10, portanto antes das mudanças feitas por Bolsonaro no Ministério da Saúde e nos comandos da Defesa e das Forças Armadas.
O pesquisador acha que já há sintomas de insatisfação entre os militares da ativa pelo fato de Bolsonaro ter tentado interferir nos comandos em busca de uma lealdade no conflito com o STF e certa fissura no generalato que ocupa cargos no Governo. Ele, no entanto, não acredita em rompimento. “Vão procurar remendar o que foi feito e estão pensando nas eleições do ano que vem. Se perceberem que Bolsonaro pode cair, vão de Mourão, que faz aquecimento no canto do campo e é palatável”, afirma.
O coronel Jorge de Souza acha que esse desgaste será ainda maior quando a população perceber com mais clareza que os militares “são o Governo”, já que o prestígio da tropa junto à população era motivado justamente pelo distanciamento da política, rompido, segundo ele, pelo envolvimento do Alto-Comando do Exército nos movimentos que antecederam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Dos 17 oficiais que integravam a cúpula da força à época, 16 estão ou estiveram em funções políticas nos Governos de Michel Temer e de Bolsonaro, que simplesmente militarizou a Esplanada.
“A geração dos anos 70 é o problema. Eles estão gostando do poder”, diz Jorge de Souza, para quem “é necessário fazer regredir a marcha da politização nos quartéis” e desgrudar a imagem das Forças Armadas de Bolsonaro. “Os generais não têm jogo de cintura para exercer funções políticas que são civis.”
Esta reportagem foi publicada originalmente no site da Agência Pública.
Fonte:
El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-01/a-espera-de-mourao.html
Correio Braziliense: Bolsonaro estuda ter vice à reeleição que não o incomode tanto quanto Mourão
Incomodado com o vice, que atende jornalistas e não se furta em emitir críticas ao próprio governo, presidente estuda possibilidade de colocar como segundo na chapa à reeleição alguém que não cause tanto desconforto a ele e aos filhos
Ingrid Soares e Augusto Fernandes, Correio Braziliense
Com uma rotina de conflitos com integrantes do próprio governo, Jair Bolsonaro vem se desentendendo com o vice, Hamilton Mourão, e se distanciou do general nos últimos meses — em 2020, eles falaram apernas por oito horas. Incomodado com o comportamento do seu sucessor imediato no comando do Poder Executivo, que costuma se posicionar de maneira às vezes conflitante em diversos temas, o presidente da República tem dado cada vez menos ouvidos a ele, priorizado a relação com ministros sobre os quais tem ascendência. Com isso, crescem os rumores de que Mourão não deve compor a eventual chapa que concorrerá à reeleição, em 2022.
A avaliação de Bolsonaro, de acordo com assessores do Palácio do Planalto, é de que Mourão tem tentado se projetar politicamente. Desconfiado, já o vê como um adversário para o próximo pleito. Para o presidente, o fato de o vice constantemente atender os jornalistas e não se furtar em comentar o desempenho do governo, muitas vezes de forma crítica, é sinal de que ele tem pretensões maiores. Por conta disso, é preciso frear o ímpeto do general.
Bolsonaro evita repreender Mourão publicamente, mas, neste mês, já deu declarações que serviram como um recado claro ao vice. Há duas semanas, depois de o general apoiar a participação da empresa chinesa Huawei no leilão do 5G no Brasil, o presidente foi no sentido contrário. “Ninguém vem falar (sobre) 5G comigo, e não está aberta a agenda para quem quer que seja a pessoa, a não ser que ela venha acompanhada do ministro Fábio Faria, das Comunicações. Repito: 5G ninguém fala comigo sem antes conversar com Fábio Faria”, afirmou, durante solenidade no Planalto.
Ainda que tente desconversar sobre se candidatar à reeleição daqui a dois anos, Bolsonaro tem cogitado outros nomes para vice, como as ministras Tereza Cristina (da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e Damares Alves (da Mulher, Família e Direitos Humanos). Com isso, o general avalia as saídas para o seu futuro. Chegou a admitir que pode se candidatar para uma vaga ao Senado e que, a princípio, não pensa em tentar disputar o Governo do Rio Grande do Sul, seu estado natal, por causa da idade.
De qualquer maneira, o vice tenta evitar os ruídos com Bolsonaro. No começo do mês, afirmou que vê influência de “intrigas palacianas” no relacionamento com o presidente. De acordo com o general, há assessores palacianos que “distorcem os fatos”. Esses mesmos palacianos veem Mourão muito próximo do MDB, e não descartam uma candidatura futura do general, em 2022, rumo ao Planalto.
Na última quarta-feira, os dois tiveram uma reunião pessoal, depois de semanas sem conversarem a sós. Segundo Mourão, os dois ainda não trataram sobre a próxima eleição geral, mas o general garantiu que vai se manter leal ao presidente aconteça o que acontecer.
“Até o presente momento, o presidente Bolsonaro não tocou neste assunto comigo. Eu estou em condições, estou pronto para acompanhá-lo, caso ele deseje e ele vá ser candidato em 2022, porque tudo é possível daqui para lá. Então, se ele decidir que vai ser candidato e me convidar, ele sabe que tem o meu apoio e minha lealdade para continuar com ele”, disse.
Possibilidades
Na avaliação do cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, caso Mourão queira um protagonismo maior, o lugar que ele tem mais chances de conseguir algum resultado é disputando o Senado. Afinal, se resolvesse entrar na corrida pelo Palácio do Planalto, brigaria por votos na mesma parcela do eleitorado que é fiel ao presidente.
“Não sei se Mourão quer partir para embate com Bolsonaro. Teria que dividir um grupo que já está muito próximo ao bolsonarismo e o apoia. O presidente tem dificuldade de conviver com qualquer pessoa que tenha elementos de liderança e que possa ofuscá-lo”, observa Prando. Ele lembra que a postura mais amena de Mourão, aberto ao diálogo com políticos, além do grau de conhecimento do vice, são fatores que intimidam Bolsonaro –– e também, por isso, o presidente tenta afastá-lo.
“No início do mandato, Mourão começou a dar entrevistas, a atender à imprensa, falar em outros idiomas e a conversar com governadores. Tudo isso incomodou demais Bolsonaro e seus filhos, que viam articulação do general como se um processo de impeachment estivesse em vias de prosperar. Qualquer movimento é entendido por eles, e pelo próprio presidente, como tentativa de golpe, de diminuir prestígio do presidente”, observa
Para a constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV) Vera Chemim, “Mourão demonstrou não apenas prudência, como também o seu conhecimento. Tais virtudes acabam provocando animosidade por parte dos filhos de Bolsonaro, que não perdem a oportunidade de hostilizá-lo em manifestações públicas”.
Controle da Câmara assegura menos problemas
Pressionado pelo escândalo da Agência Brasileira de Informações (Abin) e por questionamentos sobre a atuação do governo na pandemia, o presidente Jair Bolsonaro tem, na eleição para a Presidência da Câmara, marcada para fevereiro, um teste decisivo para o seu futuro político. Fazer o sucessor do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) no cargo, mais do que favorecer projetos de interesse do governo, seria, para o presidente, uma forma de navegar em águas menos agitadas, ante uma avalanche de complicações que estão por vir.
A corrida pela sucessão na Câmara transformou-se em um campo de batalha, com o enfrentamento entre as forças políticas que já começaram a se organizar para as eleições de 2022. A recente troca de acusações entre Bolsonaro e Maia a respeito do não pagamento do 13º do Bolsa Família expôs o acirramento da disputa.
A revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) produziu relatórios para orientar advogados do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) é a mais nova dor de cabeça do presidente. Seu filho mais velho é investigado por suspeitas de desvio de salários de funcionários do gabinete à época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro.
Ao mesmo tempo em que a oposição acusa o chefe do governo de ter cometido crime de responsabilidade, passível de um processo de impeachment, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) abra uma investigação para confirmar se a agência de inteligência do governo foi utilizada pelo presidente para fins pessoais. O caso, revelado pela revista Época.
Futuro partidário
A disputa pela Presidência da Casa tem importância também na decisão de Bolsonaro sobre o partido ao qual irá se filiar. Aliados têm orientado o presidente sobre a importância de ele contar com uma estrutura partidária para tentar a reeleição em 2022. Depois de não obter as assinaturas suficientes para criar o Aliança pelo Brasil, o presidente tem mantido conversas com lideranças de diferentes legendas, principalmente, do Centrão.
Na semana passada, ele voltou a dizer que anunciará o nome de sua nova sigla em março, ou seja, após o resultado da eleição da Câmara. Conforme afirmou, um dos partidos com os quais tem conversado é o PP, do deputado Arthur Lira (AL), líder do Centrão e candidato do Planalto para suceder Maia no comando da Casa –– Bolsonaro foi filiado ao PP até 2016. Entre outros partidos do bloco parlamentar, o presidente também tem na mira o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson (RJ), o PL e o Republicanos.
Um deputado filiado a um desses partidos, ouvido pelo Correio, afirmou que o presidente seria recebido de braços abertos, desde que não pretenda assumir o controle da legenda. Nessas discussões, Bolsonaro tem insistido que só formalizará uma filiação se puder assumir o comando de sua nova sigla, com autonomia, principalmente, para acessar os recursos dos fundos partidário e eleitoral.
O deputado Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos, já deixou claro, em diferentes ocasiões, que não abriria mão do comando da legenda para Bolsonaro. “Não abro mão do Republicanos, nem para o presidente”, tem repetido o parlamentar, que retirou a candidatura à Presidência da Câmara e passou a apoiar Lira.
Migração constante
Desde que ingressou na política, em 1988, o presidente Jair Bolsonaro passou por oito partidos:
1988 a 1993PDC
1993 a 1995PPR
1995 a 2003PPB
2003 a 2005PTB
2005PFL
2005 a 2016PP
2016PSC
2017firmou
compromisso
com o Patriotas
2018 a 2019PSL
2019 a 2020sem partido
Elio Gaspari: Bolsonaro e Mourão mostram o caos
O general e o capitão tiveram posições diferentes, mas fazem parte do mesmo pandemônio
Pelos mais diversos motivos, 57 milhões de pessoas votaram em Jair Bolsonaro. O general da reserva Hamilton Mourão fez mais que isso, aceitando ser o seu vice-presidente. Hoje os dois mal se falam e não se ouvem.Mourão tinha grandes expectativas para si e para o governo. Nas suas palavras:-- Eu me vejo como um assessor qualificado do presidente, um homem próximo ali, junto dele, dentro do Planalto, ali do lado dele, nossas salas serão juntas. Não seremos duas figuras distantes, como já aconteceu, um para o lado e o outro para o outro lado. Aquelas reuniões que ocorrem ali, eu estarei presente.Ou ainda:-- Posso atender à necessidade de coordenar trabalhos que sejam interministeriais. Ele pode me delegar essa tarefa. Por exemplo, em projetos de infraestrutura, de parceria público-privada, coisas que a gente tenha algum conhecimento.
Deu em nada. Hoje, Mourão reconhece que "faz algum tempo" que não conversa em particular com Bolsonaro. Era apenas ilusão de um general ajudando a campanha do capitão. Mourão sempre soube onde se metia.
O grande Stanislaw Ponte Preta ensinou que o vice-presidente acorda mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada. Marco Maciel (vice de FHC) e José Alencar (vice de Lula) seguiram a lição, cada um à sua maneira.
Mourão agora revela que está "pronto para acompanhar Bolsonaro caso ele deseje e vá ser candidato em 2022, porque tudo é possível daqui para lá".
Tudo é possível, mas com recessão, uma pandemia e tanta maluquice solta por aí, o que o país menos precisa é de uma crise entre o presidente e seu vice. Michel Temer detonou Dilma Rousseff, mas sua origem e força política estavam no Congresso. Mourão veio da caserna e, como muitos militares, entrou numa campanha e caiu num governo que pouco tem a ver com o que esperava. O general Eduardo Pazuello não sabia o real tamanho da encrenca em que se meteria. Militar, ele é capaz de achar que manda em quem o ouve e obedece ao que determina o presidente. Melhor destino teve o paisano Nelson Teich, que aceitou o ministério da Saúde e foi-se embora 28 dias depois, salvando sua biografia de médico.Tudo é sempre possível, mas há o tudo indesejável. O capitão Bolsonaro governa criando conflitos.Sua última proeza foi a construção de uma briga sanitária que, se não for aplacada, caminha para um desfecho desfavorável ao Planalto no Supremo Tribunal Federal. Supremo esse no qual ele já achou que poderia "intervir".
O vice-presidente tornou-se um personagem secundário nessa usina de conflitos, mas é parte dela. Bolsonaro pode ter exagerado quando disse que "Mourão é mais tosco do que eu", mas os dois se conhecem melhor do que a maioria das pessoas que votou neles.
Em dois anos de coabitação palaciana, o general e o capitão tiveram algumas posições diferentes mas, no essencial, fazem parte do mesmo pandemônio. Bolsonaro não fez de Hamilton Mourão um "assessor qualificado" e o general deslizou para uma condição de eventual contraponto.
Como ensinou o poeta, no vasto mundo das confusões de Bolsonaro, se ele se chamasse Raimundo, seria uma rima, não seria uma solução.
Miguel Reale Júnior: Cegueira deliberada
Fazer de conta que não há racismo não é daltonismo, é imensa hipocrisia
João Alberto Silveira Freitas, negro de 40 anos, soldador, foi massacrado por dois seguranças, um deles policial militar fazendo bico numa loja do Carrefour em Porto Alegre. Caído ao chão, João foi espancado e esmagado até morrer asfixiado, sob a supervisão de fiscal do supermercado. É tristemente reiterada a violência praticada contra pessoas negras pelas autoridades, no caso, os “seguranças” particulares fardados.
A exclusão do exercício de direitos da população negra, vítima de discriminação ao longo da História, traz à tona a constatação do racismo estrutural vigente no Brasil. Com o racismo instala-se a inferiorização do outro, que se considera diverso, não se lhe atribuindo a possibilidade de estar “entre nós”, gozar dos mesmos direitos. É uma manifestação cultural, fruto do sistema social, político e econômico, presente no comportamento cotidiano produtor da diminuição de determinadas pessoas por causa de sua cor, orientação sexual, etnia, religião.
O racismo em razão da cor da pele é fato inconteste na História e na realidade social e econômica de hoje. Os brancos privilegiados, como eu, têm o dever maior de primeiramente reconhecer a existência do racismo: dizer o contrário perpetua a odiosa discriminação.
Durante séculos, pretos eram tratados como coisas. Segundo Jacob Gorender, o escravizado era propriedade privada de outro indivíduo, trabalhava sob coação física e o produto de seu trabalho pertencia ao dono (A Escravidão Reabilitada, São Paulo: Ática, 1991, pág. 87). Reduzido ficticiamente o homem a objeto de propriedade de outro homem, como dizia Perdigão Malheiros, o escravo era vendido como semovente, alugado, doado, dado em penhor, separado de seus parentes e sua mulher, pois o “escravo não tinha família”, não se casava, apenas se unia, sem exercer pátrio poder sobre seus filhos. A pena de açoites, proibida pela Constituição imperial, era, todavia, prevista no artigo 60 do Código Criminal para os escravos.
Reconhecia-se o direito do senhor de pôr o escravo que perdera a perna a esmolar na rua, ficando, porém, o proprietário com o resultado da caridade prestada ao preto deficiente físico. Autorizava-se que moças pretas fossem a mando do senhor se prostituir, ficando o resultado do comércio carnal em poder do seu dono.
O Tribunal da Relação de Fortaleza, em 24/2/1887, decidiu que “a favor de escravo não tem lugar o recurso de Habeas-corpus por não ser cidadão e ter restrictos os direitos criminaes e civis…”.
O Ministério Público de Pernambuco, em nome da escravizada Honorata, de 13 anos, pessoa miserável, propôs ação penal contra o senhor que a estuprara. A condenação de primeira instância foi revista, pois Honorata era miserável, mas não pessoa.
Essa exclusão de pretos da possibilidade de vida digna, em todos os planos, estendeu-se no tempo, porque a Abolição, sem medidas de auxílio ao escravizado liberto, tornou-o um miserável na sociedade competitiva.
A desvantagem persiste. O Observatório Afro-Brasileiro, com base em estudo do IBGE de 2000, destaca que de todo o rendimento, somando salários, aposentadorias, programas de renda mínima e aplicações financeiras, 74,1% ficam com os brancos. A população negra (pretos e pardos), quase 60% dos brasileiros, tem apenas um quarto dos resultados econômicos (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2011200315.htm).
No estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça, do IBGE, de 2019, há significativa constatação: “Enquanto as mulheres receberam 78,7% do valor dos rendimentos dos homens, em 2018, as pessoas de cor ou raça preta ou parda receberam apenas 57,5% dos rendimentos daquelas de cor ou raça branca. O diferencial por cor ou raça é explicado por fatores como segregação ocupacional, menores oportunidades educacionais e recebimento de remunerações inferiores em ocupações semelhantes” (https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf). Em suma, as pessoas negras receberam ainda menos do que as já discriminadas mulheres.
São inaceitáveis as declarações do presidente da República e do vice. Disse Bolsonaro: “Somos um povo miscigenado. Brancos, negros e índios edificaram o corpo e espírito de um povo rico e maravilhoso. Foi a essência desse povo que conquistou a simpatia do mundo. Contudo há quem queira destruí-la. E colocar em seu lugar o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre raças. Sempre mascarados de lutas por direitos, igualdade ou justiça social. Tudo em busca de poder”. O vice negou veementemente haver racismo no Brasil.
Como diz Sueli Carneiro, o argumento da miscigenação dá suporte ao mito da democracia racial na medida em que o intercurso sexual seria o indicativo de nossa tolerância sexual, omitindo-se o estupro colonial (Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil, pág. 55).
Fazer de conta que não há racismo é imensa hipocrisia, especialmente quando se acusa quem aponta a verdade como destruidor da “simpatia” brasileira. Não é daltonismo, é cegueira deliberada.
*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça
Elio Gaspari: Há racismo e também demofobia
Desigualdade não explica assassinato de Beto Freitas em Porto Alegre
Só na semana que vem será possível medir o impacto eleitoral do assassinato de João Alberto Silveira Freitas pela milícia formalizada da rede francesa Carrefour em Porto Alegre. No dia 9 de novembro de 1988 uma tropa do Exército matou três operários que ocupavam a usina de Volta Redonda. Seis dias depois, para surpresa geral, a petista Luiza Erundina foi eleita para a Prefeitura de São Paulo.
Como disse o vice-presidente, Hamilton Mourão, João Alberto, o Beto, era uma “pessoa de cor”. Seu assassinato aconteceu no mesmo dia em que o Carrefour anunciava na França sua disposição de boicotar os produtos brasileiros vindos de áreas desmatadas do cerrado. Beleza, em Paris milita-se na defesa das árvores enquanto em Porto Alegre mata-se gente.
Esse tipo de comportamento é velho e disseminado. Em 2001 a milícia formalizada da rede Carrefour prendeu duas mulheres no Rio de Janeiro e entregou-as à milícia informal de traficantes de Cidade de Deus. Foram espancadas, mas os bandidos não cumpriram a ameaça de queimá-las vivas. Quando o caso foi denunciado, o embaixador francês era o professor Alain Rouquié, um conhecido intelectual parisiense. Ele foi ao governador Anthony Garotinho e reclamou do noticiário que prejudicava a imagem internacional do Carrefour.
Pelos critérios americanos do século 19 e sul-africanos do 20, Mourão é uma “pessoa de cor”. A escrava de Thomas Jefferson com quem ele se acasalava era mais branca que o general.
Segundo o vice-presidente e muita gente boa, no Brasil não existe racismo, existe desigualdade. O que pretende ser uma explicação é um agravo. Desigualdade não explica esse tipo de assassinato. Eles são produto da demofobia, onde o racismo tem um papel funcional, pois a cor identifica as pessoas sem direitos. Se Mourão tivesse razão, a coisa funcionaria assim: se você é pobre, ferra-se, se ainda por cima é negro, dana-se. Pelo menos um dos três mortos de Volta Redonda era branco.
Brincando com computadores
O presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Luiz Fux, anunciou que “nós precisamos nos aprimorar em aspectos tecnológicos, principalmente porque estamos lançando, pelo CNJ, o Juízo 100% Digital.”
Atrás desse nome bonito está a ideia de colocar todos os processos do país numa rede de computadores. Coisa de sonho. Como ensina a cartilha do CNJ: “Os magistrados poderão dar vista às partes para que digam se concordam com a tramitação de ação já distribuída de acordo com o rito do ‘Juízo 100% Digital”.
Entre a ficção de Brasília e a realidade de Pindorama, o projeto perfilhado por Fux equivale a uma cerimônia na qual o prefeito de Macapá anuncia um novo sistema de iluminação pública para a cidade.
O sistema foi exaltado durante a primeira reunião do Comitê de Segurança Cibernética do Poder Judiciário, criado do dia 11 de novembro. A porta havia sido arrombada uma semana antes, quando a rede do Superior Tribunal de Justiça foi invadida e a corte ficou vários dias fora do ar. Quatro dias depois o computador do Tribunal Superior Eleitoral engasgou, atrasando por algumas horas o resultado da eleição de domingo.
O problema seria despiciendo se não tivesse sido precedido por promessas megalomaníacas de pontualidade que chamavam o equipamento de “supercomputador”. Investigado, o acidente revelou-se consequência de um atraso na entrega de máquinas que deveriam ter chegado em março e só vieram em agosto.
Um Judiciário 100% digital é boa ideia, mas precisa de muita transparência e pouca pressa. Essa panela está no fogão do CNJ desde o ano passado e começou a andar depressa em julho, no meio da pandemia.
A iniciativa depende da utilização de um programa de integração das varas, criando um padrão que deverá ser seguido por todos os tribunais. Não se conhece o detalhamento da demanda. É coisa grande e tramita no sistema de reuniões virtuais dos ministros. Felizmente, a ministra Maria Thereza Assis Moura, corregedora nacional de Justiça, pediu que assunto fosse discutido numa reunião presencial. Ela deve se realizar na terça-feira (24).
O escurinho de Brasília já produziu um edital do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que pretendia torrar R$ 3 bilhões comprando computadores, laptops e notebooks para os alunos da rede pública. A Advocacia-Geral da União mostrou que a licitação estava viciada e que os 255 alunos de uma escola mineira receberiam 30.030 laptops. Até hoje não se sabe quem botou esse jabuti na árvore.
O “Juízo 100% Digital” precisará de software. Sem ameaçar a segurança da rede, o CNJ tem meios para divulgar as exigências técnicas para equipá-lo. Além disso, está embutida na ideia um discutível encanto pelo trabalho remoto.
Fux tem toda razão quando diz que “precisamos nos aprimorar em aspectos tecnológicos”. Quem já comprou um computador ou já contratou um serviço sabe que a melhor maneira para fazer isso é estudar direito as propostas, para cantar vitória depois. Em Brasília cultiva-se outro modelo: havendo um problema, lança-se um novo projeto.
Até tu, OAB?
A Ordem dos Advogados do Brasil se mete em tudo. Agora a Operação Biltre da Polícia Federal bateu em doutores que mexiam com processos do Tribunal de Ética e Disciplina da sua seccional paulista. Segundo as denúncias, a tarifa era de R$ 250 mil.
Diante dos mandados de busca e apreensão a seccional informou que “em razão da investigação a que tivemos notícia nesta data foi determinada a imediata apuração interna sendo que a OAB e o seu Tribunal de Ética e Disciplina estão cooperando com as autoridades competentes”.
Ótimo, mas o uso da expressão “está cooperando” tornou-se uma girafa desde quando foi usada pela Odebrecht.
No caso da Odebrecht, como se viu, o problema estava no fato de que a colaboração só começou quando chegaram os homens da Federal.
Para o bem de todos, a OAB de Raymundo Faoro não deixará essa história sair a preço de custo.
MADAME NATASHA
Natasha não perde uma fala de Bolsonaro e acredita que ele merece uma sugestão astroidiomática. A senhora acredita que deve pensar duas vezes antes de usar diminutivos.
Na metade de março, quando a Covid havia matado menos de dez pessoas, ele falou em “gripezinha” e “resfriadinho”. Na sexta-feira, 13, quando já haviam morrido mais de 160 mil pessoas, ele disse que “agora tem essa conversinha de segunda onda”. Na véspera a pandemia teve um pico, com 908 mortes.
Natasha é supersticiosa e suspeita que os diminutivos do capitão chamam desgraças.
Bernardo Mello Franco: O negacionismo no poder
A Amazônia não está em chamas. O aquecimento global é uma ficção. O Brasil nunca teve ditadura. A Covid é só uma gripezinha. Não há mais corrupção no governo.
Na sexta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão deu uma nova contribuição à galeria de mentiras oficiais. “No Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar”, afirmou o general.
O negacionismo é um dos pilares do bolsonarismo. O capitão e seus aliados travam uma guerra permanente contra a verdade. Não se trata de discordar do politicamente correto. A ordem da extrema direita é desacreditar os fatos, a ciência e as instituições que fiscalizam o poder: imprensa, universidades, organizações não governamentais.
Mourão negou a existência do racismo no Dia da Consciência Negra, criado para lembrar o que figuras como ele tentam esconder. Neste ano, a data foi banhada de sangue. Na véspera do feriado, dois seguranças brancos espancaram um homem negro até a morte numa filial do Carrefour em Porto Alegre.
A negação do racismo é coerente com o histórico de declarações do general. Em agosto de 2018, ele culpou a miscigenação por uma suposta aversão dos brasileiros ao trabalho.
“Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem, nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano”, afirmou, numa palestra em Caxias do Sul.
Dois meses depois, Mourão fez uma piada racista ao elogiar a aparência do neto. “Meu neto é um cara bonito, viu ali? Branqueamento da raça”, disse, em Brasília.
O crime do Carrefour escancara o que hoje é chamado de racismo estrutural. João Alberto Silveira Freitas pode não ter sido morto por ser negro, mas provavelmente estaria vivo se fosse branco. Brasileiros pretos e pardos sabem o que é entrar numa loja e serem tratados como suspeitos em potencial. Estão mais expostos a revistas, humilhações e espancamentos.
A rotina de discriminação se reflete nas estatísticas da violência. Negros têm 2,7 vezes mais chances de serem assassinados, informa o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Representam 56% da população e 74% das vítimas de homicídio doloso no país. Oito entre dez brasileiros mortos pela polícia são pretos ou pardos. João Alberto foi espancado até a morte por um PM e um segurança particular.
O racismo sempre esteve entre nós, mas agora se instalou no gabinete presidencial. Bolsonaro já responsabilizou os negros pela escravidão, chamou a política de cotas de “coitadismo” e equiparou quilombolas a animais que têm o peso medido em arrobas. A Procuradoria-Geral da República o denunciou por crime de racismo, mas o Supremo arquivou o caso às vésperas da eleição de 2018.
Cada ofensa que permanece impune vira um novo incentivo à violência. No poder, o capitão entregou a Fundação Palmares a um provocador profissional, cuja única tarefa é atacar ativistas negros. O general Mourão não está na Vice-Presidência por acaso. Apesar das divergências eventuais, ele é um legítimo representante da turma.