motim

Míriam Leitão: O perigo da ambiguidade

É espantoso que um governo com tantos generais tenha sido leniente com a atuação delinquente de servidores públicos armados

Entre as anomalias deste tempo está a ambiguidade com que o governo Bolsonaro tratou o motim da Polícia Militar no Ceará. O presidente, seus filhos e seus ministros, inclusive os generais — com raras exceções — não condenaram a ação criminosa dos policiais e usaram o evento para os seus objetivos políticos. O governador Camilo Santana (PT) se comportou de maneira firme e mesmo depois de tudo resolvido evitou as polêmicas, para focar no principal: este tipo de movimento é crime e passar mensagens dúbias em relação a ele é pôr em risco a ordem pública.

É espantoso que um governo que tem tantos oficiais generais tenha sido leniente com o comportamento delinquente de servidores públicos armados. Se há um valor que as Forças Armadas costumavam prezar é a hierarquia. Os amotinados a quebraram. Eles usaram as armas compradas com o dinheiro dos nossos impostos contra os cidadãos. Com balaclava no rosto, à moda de bandidos, ameaçaram comerciantes e aterrorizaram cidadãos.

O episódio em que ficou mais claro o apoio implícito do governo federal aos amotinados foi o discurso do coronel Aginaldo Oliveira, comandante da Força Nacional, num palanque, elogiando os amotinados. Eles seriam “gigantes” e “corajosos”. “Os senhores se agigantaram de uma forma que não tem tamanho”, disse ele. “Demonstraram isso ao longo de 10,11,12 dias que estão aqui dentro desse quartel, em busca de melhoria da classe, e vão conseguir. Os covardes nunca tentam, os fracos ficam pelo meio do caminho, só os fortes conseguem atingir seus objetivos”. Era um sinal para policiais de outros estados para fazer o mesmo em busca dos seus “objetivos”.

O mais impressionante não foi o que o coronel disse, mas o silêncio dos seus superiores. Um eloquente silêncio como o do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Semanas antes, Moro fora padrinho no casamento do coronel com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e, no discurso da cerimônia, usou para definir a noiva uma palavra considerada elogiosa: “caveira.” No caso do Ceará, Moro escondeu-se no silêncio. Em outros momentos foi loquaz.

No Twitter ele politizou o caso afirmando que “a crise no Ceará só foi resolvida pela ação do governo federal, Forças Armadas e Força Nacional que protegeram a população e garantiram a segurança”. É falso. O governador Camilo Santana foi bem mais equilibrado. Ele reconheceu, em entrevista à Central Globonews, o papel do governo federal, mas afirmou que o governo estadual foi fundamental para debelar a crise e criar os parâmetros para além das fronteiras do Ceará. Santana mandou uma Proposta de Emenda à Constituição do estado proibindo a concessão de anistia a policiais amotinados. Ela já foi aprovada com um adendo feito pelos parlamentares: a própria assembleia fica proibida de analisar aumentos de salários por seis meses após um motim. Se o governador cedesse, o problema se espalharia por outros estados. A tibieza do governo federal tem um motivo conhecido: Bolsonaro fez sua carreira política apoiando motins de policiais. Ele próprio saiu do Exército num caso de insubordinação.

O senador Cid Gomes (PDT-CE) tentou entrar com uma retroescavadeira em um quartel de amotinados. O governo aproveitou esse ataque de insensatez para fazer política. O governador Camilo Santana, por sua vez, não quis criticar o senador porque ele é seu aliado. Disse que ele estava demonstrando indignação. Há muitas formas de demonstrar esse sentimento. Essa não é uma delas. Mas o fato é que hoje Cid Gomes carrega duas balas no corpo. O deputado Eduardo Bolsonaro protocolou denúncia na Procuradoria-Geral da República contra Cid Gomes por “tentativa de homicídio” e “dano ao patrimônio público”. Não houve a mesma preocupação de criticar os amotinados ou quem atirou contra o senador, nem por parte do deputado, nem por parte de integrantes da cúpula do governo.

Moro conseguiu a proeza de dar um nó num princípio jurídico. Afirmou que a “paralisação” era ilegal, mas os policiais não podiam ser tratados como criminosos. Para o ex-juiz, descumprir a lei deixou de ser crime. Aliás, é a lei maior, a própria Constituição, que proíbe greve de militares. Por isso, a definição correta não é a palavra “paralisação” que o ministro usou, mas motim.


Maria Cristina Fernandes: A guarda pretoriana do comediante

Se estava difícil de entender, o coronel Aginaldo desenhou com o estímulo à insubordinação policial

Como estivesse difícil entender, o coronel Aginaldo de Oliveira resolveu desenhar. Ao celebrar a coragem dos policiais militares na assembleia que deliberou pelo fim do motim policial no Ceará, o coronel, que é diretor da Força Nacional de Segurança, mostrou que o presidente Jair Bolsonaro hoje dispõe de meios para arregimentar uma guarda pretoriana. Não é um feito solitário. Tem a decisiva ajuda do ministro da Justiça, Sergio Moro, cuja autoridade se mostrou incapaz de repreender amotinados.

A guerra de facções do crime organizado no Ceará, Estado que se tornou corredor de exportação do narcotráfico andino, foi a primeira crise enfrentada pelo presidente da República. Na semana da sua posse, Bolsonaro optou pelo envio da Força Nacional de Segurança para o Estado que havia acabado de reeleger um governador do PT.

Um ano depois, nova crise eclodiria sob a forma de motim policial. Como a força especial composta por policiais militares já não desse conta de reprimir seus próprios colegas, o presidente foi pressionado a decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), conduzida por militares do Exército. Entre uma e outra crise, deterioraram-se as bases da hierarquia e da disciplina das tropas locais e a capacidade de operação da força nacional. O governador é o mesmo, Camilo Santana, reeleito pelo PT. Quem mudou foi o presidente, ocupado, desde a posse, em incutir, nas bases policiais, o vírus da insubordinação que marcou sua carreira militar.

É uma barafunda bolsonarista por excelência. Desde sua criação, em 2000, a Secretaria Nacional de Segurança Pública, chapéu, no MJ, para a Força Nacional de Segurança, foi ocupada por policiais e especialistas. No governo Michel Temer, assumiu o primeiro general, Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro do governo Bolsonaro e um dos poucos militares da reserva a expor publicamente sua crítica à insubordinação policial.

Com a posse de Bolsonaro, o cargo seria ocupado por um segundo general. Secretário de segurança do governo Tasso Jereissati nos anos 1990, o general Guilherme Theophilo viria a ser o candidato tucano ao governo do Estado em 2018. Seu programa de segurança foi elaborado pelo coronel Aginaldo Ribeiro. Derrotado pela reeleição de Camilo Santana, Theophilo assumiria a secretaria nacional de segurança e, em retribuição aos serviços prestados na campanha, colocaria o coronel para dirigir a força nacional.

O casamento, amplamente coberto pelas redes sociais, com a deputada Carla Zambelli, entusiasta de primeira hora dos protestos de 15 de março, já havia tirado Aginaldo Ribeiro da obscuridade. Mas foi o discurso na assembleia dos amotinados cearenses que o tornou um ícone da era bolsonarista.

Nota do ministério de Sergio Moro limitou-se a informar que o coronel fez um discurso interno para os policiais. Foi outro “discurso interno”, de 30 de março de 1964, no salão do Automóvel Clube do Brasil no Rio de Janeiro que precipitou o golpe contra João Goulart. Ao contrário do coronel, Jango se dirigiu aos sargentos presentes com um apelo pelos valores militares da hierarquia e da disciplina, mas sua presença na posse da Associação dos Sargentos foi capaz de dobrar o último general que resistia ao golpe, Castelo Branco.

O coronel não é presidente da República mas é por ele mantido no cargo a despeito de estimular a sublevação de policiais num Estado em que o governador resiste à anistia de PMs com apoio do general Freire Gomes, comandante militar do Nordeste.

Chefe de uma força de segurança formada por homens recrutados na elite das polícias militares de todo país, Aginaldo não deixou dúvidas de que é capaz de colocá-la a soldo de interesses da conjuntura. Os policiais militares obedecem a tantos poderes que não surpreende se deixarem de se curvar a algum deles. Em “Desmilitarizar: segurança pública e direitos humanos” (Boitempo, 2019), Luiz Eduardo Soares, secretário de segurança nacional no governo Luiz Inácio Lula da Silva, lista as cadeias de comando cruzadas.

A Constituição trata as PMs como forças auxiliares e reserva do Exército, que também aprova o nome indicado pelo governador para seu comando. Ou seja, se o presidente da República é o comandante-em-chefe das Forças Armadas, o governador não o é de suas polícias. Sua orientação está a cargo das secretarias estaduais de segurança, mas o controle é repartido entre o governador e o Exército ou, em última instância, seu comandante, Bolsonaro.

A consternação dos meios militares com a insubordinação consentida dos policiais é lastreada nessa baderna legal. Ao fraquejar na imposição de sua autoridade, o ministro Sergio Moro já perdeu o prestígio de que desfrutava no generalato. Não é entrando no presídio da Papuda, hoje sob GLO, num tanque de guerra, que o ministro o recuperará.

Nenhuma autoridade preocupa mais os generais hoje, no entanto, do que o presidente da República. A inquietação foi ampliada com a convocação para a manifestação do dia 15. O último artigo de Fernando Henrique Cardoso em “O Estado de S.Paulo” sugere que o ex-presidente foi porta-voz dessa preocupação: “Não é para ‘dar um golpe’ que os militares aceitam participar do atual governo. Sentem sinceramente que cumprem uma missão... O risco para a democracia e para as próprias Forças Armadas é que se borre a fronteira entre os quartéis e a polícia”.

Essa fronteira estará tanto mais em risco quanto maior for a dificuldade de a economia brasileira reagir. O comediante da porta do Alvorada não representa o desdém do presidente apenas pela pauta do crescimento. Se não for capaz de fazer o país crescer, como sugere o PIB de 2019, o presidente pode se valer da imprudência de sua guarda pretoriana para fazer graça com a Constituição.

Daí porque o ministro Paulo Guedes, que já havia perdido apoio no Congresso, no empresariado e nas finanças, está sem lastro no generalato palaciano. Seu preferido é o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, coringa de técnico com formação militar e trânsito legislativo. É uma tentativa de garantir que o governo Bolsonaro possa acabar como começou, pelo voto. Ou não.


Bernardo Mello Franco: Cheiro de pólvora no ar

A Polícia Militar do Ceará voltou às ruas, mas deixou um cheiro de pólvora no ar. O motim expôs a cumplicidade do Planalto com a agitação nos quartéis. Isso pode servir de incentivo a novos levantes armados pelo país.

No sábado, o ministro Sergio Moro admitiu que a greve era proibida, mas afirmou que os policiais amotinados não eram criminosos. Isso equivale a dizer que nenhum brasileiro está autorizado a afrontar a Constituição, exceto aqueles que vestem farda da PM.

No domingo, o diretor da Força Nacional chamou os policiais que cruzaram os braços de “gigantes” e “corajosos”. “Só os fortes conseguem atingir seus objetivos”, elogiou o coronel Antônio Aginaldo de Oliveira. Ele é casado com a deputada bolsonarista Carla Zambelli, e Moro foi padrinho do enlace.

Não houve gigantismo nem coragem no motim da PM cearense. Os grevistas aterrorizaram a população desarmada, que permaneceu nove dias como refém. Em algumas cidades, policiais adotaram práticas do tráfico e saíram encapuzados para ordenar o fechamento do comércio.

O motim deixou um saldo de 241 mortos em nove dias. Um senador tentou avançar contra os grevistas e foi baleado no peito, mas Moro declarou que “prevaleceu o bom senso, sem radicalismos”.

No Congresso, circulam duas explicações para o corpo mole do Planalto. Jair Bolsonaro sabe que os líderes do movimento são seus eleitores, e preferiu compactuar com a desordem a perder votos. Ao mesmo tempo, o presidente farejou uma nova oportunidade para enfraquecer os governos estaduais.

A oposição acredita que o capitão também aproveitou o episódio para mostrar força. Depois de se cercar de generais, o presidente indicou que conta com o apoio de escalões inferiores da PM na hipótese de uma crise que ameace seu mandato.

O fato positivo do motim foi a articulação dos governadores de diferentes partidos para socorrer o petista Camilo Santana quando Bolsonaro ameaçou retirar as tropas federais. Sem isso, o Planalto poderia ter abandonado os cearenses à própria sorte.


Igor Gielow: Motins estimulados pelo governo apontam politização dos quartéis

Confraternização do chefe da Força Nacional com PMs no Ceará acende alerta nos estados

Desde que as Forças Armadas cristalizaram a aliança com Jair Bolsonaro, já com o segundo turno da eleição de 2018 em curso, o risco da militarização da política foi cantado em prosa e verso.

Se tal movimento é praticamente impossível de negar, apesar do esforço da cúpula do serviço ativo para tentar distanciar-se de seus inúmeros membros no primeiro escalão do governo, seu corolário ainda era visto mais como uma hipótese assustadora do que como realidade.

Até aqui. A mão inversa da politização dos quartéis parece ter virado uma avenida, e o ponto de inflexão é o empenho do governo no estímulo velado aos motins policiais.

O tema estava na boca de governadores de estado ouvidos pela Folha nas duas últimas semanas, devido aos rumos da mobilização policial no Ceará —cujo saldo de 241 homicídios é um monumento à irresponsabilidade da gestão pública do país.

O malabarismo do ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), que admitiu o óbvio (greve de policial é ilegal) para sapecar uma esperteza retórica (os policiais parados não seriam criminosos), acendeu luzes de alerta.

Elas se transformaram numa piscante árvore de Natal com o complemento feito pelo coronel Aginaldo Oliveira, da Polícia Militar do Ceará por origem, na chefia da Força Nacional por oportunidade.

Ele se esqueceu da distinção e chamou os amotinados de “gigantes” quando deveria estar enquadrando seus pares.

Oficiais da ativa e pelo menos dois governadores lembraram, nesta terça (3), que o último homem em missão semelhante que resolveu confraternizar com rebeldes acabou em desgraça —ninguém menos que o “general do Lula”.

Conhecido como G. Dias, o general Marco Edson Gonçalves Dias foi figura carimbada durante os oito anos de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Chefe da segurança presidencial, era boa-praça e chamava a atenção com sua lustrosa calva.

Após o fim do governo, ele foi chefiar uma tropa na Bahia. Em 2012, eclodiu um motim de PMs no estado. Num dado momento, na linha de frente, ganhou um bolo como presente de aniversário e resolveu bater um papo com a tropa aquartelada.

Prometeu-lhes anistia, ganhou uma remoção para um cargo burocrático seguido de uma ida expressa à reserva. Como diz um general que acompanhou o episódio à época, foi feito de exemplo.

Eram outros tempos. Para piorar, Oilveira integra a animada corte do bolsonarismo federal. Casou-se recentemente sob os olhares de Moro.

De branco a seu lado, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), uma das expoentes da bancada do selfie que emergiu das redes sociais estridentes para o Congresso em 2018.

Alguém pode apontar que Oliveira não é um oficial das Forças Armadas, e sim um policial. Cabe lembrar: PMs são forças de reserva e auxiliares do Exército, como define o artigo 144 da Constituição.

O militarismo de sua estrutura não é um detalhe, é o seu DNA. E a empolgação dos sacerdotes de missa negra do bolsonarismo pelo ideário policialesco é vista por integrantes dos dois corpos (o policial militar e o militar) como uma forma de legitimação.

Muitos oficiais e, principalmente, os mais jovens consideram o “ethos” vigente uma resposta ao suposto desprezo pela autoridade policial por parte das forças de esquerda que governavam o país —todas egressas do combate à ditadura de onde o arcabouço filosófico da PMs surgiu.

Nesse caldeirão, a frase de Oliveira com o beneplácito explícito de Moro e silencioso de outro superior, o secretário nacional de Segurança, general Guilherme Theophilo (aliás, ex-candidato a governador pelo PSDB do Ceará derrotado pelo petista ora sob pressão) soa natural.

Obviamente, não é, ou ao menos não deveria ser.

Se é verdade que a incompreensão da realidade dos policiais é uma marca registrada de partidos de esquerda, isso não significa que pessoas encapuzadas e armadas devam ser louvadas como meras trabalhadoras atrás de direitos.

Dois barris de pólvora se destacam: Minas Gerais, onde Romeu Zema (Novo) prometeu um aumento nababesco e inexequível de 41%, e Espírito Santo, terra em que Renato Casagrande (PSB) foi pela mesma linha.

Nos domínios capixabas, as feridas do motim de 2017 ainda não cicatrizaram, e o caso tem sido acompanhado com muita atenção em São Paulo.

No maior estado do país, o governo João Doria (PSDB) adotou uma retórica constante de valorização do trabalho policial —gerando inclusive as críticas previsíveis.

Por ora, a cúpula da segurança do estado vê a situação sob controle, mas há apreensão. Uma contaminação paulista do movimento nacional mudaria o status da crise.

Ninguém falará isso em público, mas entre aliados do tucano há o temor de que Bolsonaro busque desestabilizar o rival certo na eleição de 2022.

A tensão segue, num momento em que a fase mais aguda do embate entre Congresso e Planalto parece estar cedendo —embora não se saiba ainda o que será feito do ato do dia 15 em favor do governo e contra o resto.

Mal parafraseando T.S. Eliot, essa é uma crise que, tendo começado com um estrondo na forma de dois tiros de amotinados no peito do senador Cid Gomes (PDT-CE), não parece caminhar para o fim apenas com um sussurro


Marcelo Tognozzi: Uma lição não aprendida

Brasil repete era de violência extrema. O senador Cid Gomes invadiu uma manifestação da PM no Ceará com uma retroescavadeira e levou 2 tiros durante o protesto

Misturar política com forças de segurança sempre acaba em tiro, sangue e porrada. A cena dantesca do senador Cid Gomes partindo para cima de uma multidão de PMs grevistas nos remete ao Brasil de 98 anos atrás, quando o mineiro Artur Bernardes se elegeu presidente da República no dia 1º de março de 1922. Os anos Bernardes (1922 – 1926) foram ofuscados pela era Vargas. Representam um momento de grande ruptura política e confronto violento, num Brasil tão efervescente quanto o de hoje.

A começar pelas fake news. Bernardes recebeu o mais duro ataque da campanha através de duas cartas com sua assinatura falsificada, contendo duras críticas aos militares e publicadas pelo Correio da Manhã, então principal jornal da capital Rio de Janeiro. Elas foram meticulosamente preparadas por 3 partidários do Marechal Hermes da Fonseca que, antes de vende-las ao senador antibernardista Irineu Machado, procuraram o próprio Artur Bernardes pedindo 30 mil contos em troca delas. Bernardes mandou-os pentear macacos e achou que não teriam coragem de ir além.

Ledo engano. Machado entregou-as ao Correio. E aí vemos a história se repetir nos detalhes, quase que por inteiro 1 século depois, quando o vale-tudo de reportagens mal apuradas e erros grosseiros acabam sendo transformados em verdade, denegrindo a reputação da imprensa enquanto instituição. Naquele 1921, o Correio até tentou reconhecer a firma de Bernardes, mas o tabelião Djalma Fonseca Hermes recusou, porque a considerou incompatível com a assinatura arquivada no cartório.

Mesmo assim o Correio da Manhã insistiu na fake news. A primeira carta foi publicada na edição do dia 21 de outubro de 1921. O jornal atacou duramente o candidato do Partido Republicano Mineiro. Edmundo Bittencourt, dono do jornal, foi para a Europa em janeiro de 1922 tentar arranjar um perito que confirmasse a autenticidade das cartas e da assinatura. Conseguiu um francês para atestar a autenticidade.

Em fevereiro, o lendário Virgílio de Melo Franco –um dos artífices do Manifesto dos Mineiros 21 anos depois– zarpou para a Itália, mostrou as cartas a peritos da Faculdade de Direito de Roma e, depois, a especialistas do Instituto de Ciências Políticas de Lausanne, na Suíça, comprovando a falsidade das 2 cartas e enchendo de água o chope de Bittencourt.

Mesmo com a recusa do tabelião em reconhecer a firma de Bernardes e as perícias de italianos e suíços, as cartas falsas continuaram repercutindo e incendiando. Serviram de estopim para a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1922, quatro meses depois da eleição de Artur Bernardes, na primeira ação do que veio a se tornar conhecido como Movimento Tenentista.

Empossado em 15 de novembro de 1922, o 12º presidente do Brasil formou um gabinete de 9 ministros e governou um país conflagrado pela violência, mantendo o Estado de sítio durante todo o mandato. Em 1923 explodiu no Rio Grande do Sul a guerra entre os ximangos liderados por Borges de Medeiros e os maragatos de Assis Brasil.

Uma guerra famosa pela degola, daí o lenço vermelho usado pelos maragatos. Em 5 de julho de 1924, estourou a revolução em São Paulo liderada pelo general Isidoro Dias Lopes, guerreiro da Revolução Federalista gaúcha de 1893 contra Floriano Peixoto, o que lhe valeu uma temporada de exílio em Paris. Anistiado pelo presidente Prudente de Morais, voltou ao Exército. Em 1924, Isidoro conspirou com Miguel Costa, então comandante da Força Pública Paulista, equivalente à PM de hoje em dia.

A mistura venenosa de fake news, agitadores militares e membros da Força Pública rendeu uma revolução curta e sangrenta. São Paulo foi bombardeada inúmeras vezes durante os 23 dias da revolta pelas aeronaves Morane Salnier e Nieuport 21E1, ambas de 80HP, soltando bombas de 60 kg, além de artilharia de 75, 105 e 155mm. Havia gente morta e despedaçada pelas ruas, especialmente na Mooca e regiões operárias, prédios desmoronados, incêndios e nem o Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo paulista, escapou das bombas. A população se escondia como podia, muitos fugiram e São Paulo viveu uma onda de saques e estupros.

O governo de Bernardes ganhou esta guerra, mas uma outra começou em seguida com o surgimento da Coluna Prestes-Miguel Costa, mostrando que o conflito viera para ficar. Em 1930, Washington Luís, sucessor de Bernardes, foi derrubado por uma revolução apoiada pelos tenentes e a burguesia. A pacificação só aconteceria 10 anos depois, em 1932, quando Getúlio Vargas sufocou a Revolução Constitucionalista de São Paulo, desta vez sem bombardear a capital dos paulistas, mas castigando especialmente cidades do Vale do Paraíba e Campinas, em operações comandadas pelo então major Eduardo Gomes a bordo do seu vermelhinho, como eram conhecidos os aviões Waco do governo. Os aviões paulistas eram os gaviões de penacho, comandados pelo major Ivo Borges.

Quase 1 século depois da violência e do extremismo dos anos 1920, assistimos à repetição da explosiva combinação de política com forças de segurança no Ceará. O ex-governador Paulo Hartung sabe muito bem o que é isso. Em 2017, 217 pessoas morreram durante a greve da PM iniciada em 4 de fevereiro. A reivindicação era a mesma de sempre: melhores salários.

O caos se instalou no Espírito Santo durante 20 dias até que Hartung conseguiu negociar a paz. Com o movimento do Ceará sendo tratado a golpes de retroescavadeira, o Brasil dá uma marcha à ré rumo a uma era de violência extrema, um trauma não superado e uma lição da história até hoje não aprendida.


Bernardo Mello Franco: Radicais em causa própria

Motim no Ceará expõe aliança entre as PMs e Bolsonaro. Os policiais querem aumento a qualquer custo, e o presidente busca enfraquecer os governos estaduais

Em julho de 2003, um deputado subiu à tribuna com uma ideia incendiária. Queria convencer policiais militares de todo o país a entrarem em greve contra mudanças na Previdência. “Sem a Polícia Militar, senhor presidente, o Brasil vai se transformar num caos”, disse. “Isso tem que ser feito!”, animou-se.

Além de pregar a desobediência à Constituição, o orador incentivou a quebra da hierarquia e da disciplina nas polícias. Sugeriu que as tropas de Minas Gerais e do Distrito Federal ignorassem seus comandantes e cumprissem ordens de políticos da bancada da bala. “Eles têm liderança sobre suas respectivas Polícias Militares e devem realmente partir para uma greve”, afirmou.

A paralisação geral não ocorreu, mas o deputado continuou a apoiar motins ilegais nas polícias. Em fevereiro de 2017, seu grupo se engajou numa greve por aumento de salários no Espírito Santo. O movimento esvaziou as ruas e provocou uma onda de saques e assassinatos. Agora a situação se repete no Ceará, e o parlamentar que estimulava levantes nos quartéis ocupa o gabinete presidencial.

Aliados de Jair Bolsonaro estão à frente do motim iniciado na noite de terça-feira. O deputado Capitão Wagner e o ex-deputado Cabo Sabino atuam como porta-vozes da tropa rebelada. Em Sobral, o vereador bolsonarista Sargento Aílton bateu boca com Cid Gomes antes do atentado contra o senador. O pedetista levou dois tiros ao confrontar os PMs a bordo de uma retroescavadeira.

O presidente e seus três filhos com mandato já criticaram o senador baleado, que continua no hospital. Até aqui, nenhum integrante do clã condenou o motim ilegal, que emparedou o governador petista Camilo Santana.

A politização dos quartéis tem inspirado temores de um efeito dominó. Governadores de outros dez estados estão sob pressão para aumentar salários e benefícios de policiais. Se a situação no Ceará continuar fora de controle, o risco de novas greves tende a se ampliar.

O diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, aponta uma convergência de interesses entre as associações de PMs e o Planalto. As entidades querem arrancar vantagens a qualquer custo, e o bolsonarismo busca enfraquecer os governos estaduais.

“É uma aliança tática. Bolsonaro tenta usar reivindicações legítimas dos policiais para desestabilizar os governadores, em especial os de oposição”, afirma.

As corporações armadas nunca se sentiram tão poderosas. Em 2018, apoiaram a eleição de quatro senadores e 32 deputados com origem nas polícias. Boa parte deles se projetou ao liderar greves. O cearense Capitão Wagner, que apoia a baderna em curso, já havia capitalizado outra paralisação em 2011.

Essa turma vê em Bolsonaro um exemplo a ser seguido. O presidente começou a carreira como um agitador no Exército. Chegou a ser preso por indisciplina e julgado sob acusação de planejar atentados a bomba nos quartéis. Seu objetivo era o mesmo dos PMs: radicalizar para aumentar o próprio salário.


Hélio Schwartsman: Greve ou motim?

Policiais militares nunca se limitam a ficar em casa sem comparecer ao serviço

Ao contrário da Constituição, do STF e de quase todo o mundo, não creio que a greve devesse ser vedada aos militares —pelo menos não em tempos de paz. A razão é doutrinária. Desde a abolição da escravidão, ninguém pode ser forçado a trabalhar contra a sua vontade. Assim, se os PMs se limitassem a ficar em casa sem comparecer ao serviço, que é a definição mais básica de greve, penso que estariam exercendo um direito legítimo. Mas eles nunca se limitam a isso.

Em suas campanhas salariais, eles se valem das armas que lhes são fornecidas pelo Estado para cometer ilegalidades como impedir colegas de trabalhar e obrigar comerciantes a fechar suas portas, sem mencionar a ocupação de espaços públicos contrariando ordens dos superiores. O nome disso já não é greve, mas motim —e como tal deveria ser tratado.

E o problema é que os líderes desses movimentos não apenas não são processados como sediciosos —males do corporativismo: oficiais também se beneficiam de aumentos— como também acabam recebendo ampla aceitação social nos meios em que circulam, a ponto de já formarem uma categoria identificável de políticos eleitos, como mostrou reportagem da Folha publicada na sexta (21). O próprio Bolsonaro é, se quisermos, o precursor desse tipo de parlamentar-sindicalista com penetração entre militares.

Parte da culpa pode ser atribuída a nosso sistema de voto proporcional puro, que facilita a eleição de parlamentares de nicho e com um discurso mais exaltado. Se o modelo fosse o distrital-majoritário, candidatos com bandeiras muito específicas tenderiam a ficar de fora. Não estou aqui advogando pela troca de sistema. O distrital também tem o seu quinhão de problemas. Mas, num momento de forte polarização como o que vivemos, o proporcional não se afigura como uma escolha particularmente feliz, já que ele tende a acirrar as divisões na sociedade.


El País: Ala radicalizada da PM no Ceará ecoa bolsonarismo e cria bomba-relógio difícil de desarmar

Motim expõe disputas internas na corporação e não tem liderança clara. Eleição municipal e contexto nacional turvam xadrez político. Estado, que terá Exército nas ruas, contabiliza 51 mortos em 48 horas

Está fragmentado e sem lideranças definidas o movimento grevista de policiais militares no Ceará ―cuja escalada de tensão chegou ao ápice na última quarta-feira, quando o senador Cid Gomes foi atingido por dois tiros enquanto tentava entrar, dirigindo uma retroescavadeira, numa área militar ocupada por pessoas encapuzadas na cidade de Sobral. O episódio agravou uma crise que começou a se desenhar no fim do ano passado, com as negociações por reajuste salarial para a categoria. O governador Camilo Santana chegou a incorporar algumas das reivindicações na sua proposta inicial e, embora associações ligadas aos policiais tenham chegado a aceitar um acordo, parte da base o recusou e se rebelou. Batalhões em distintas cidades foram ocupados desde então. E um clima de pânico se abateu sobre o Estado diante da paralisação de parte da PM às vésperas do Carnaval. Quatro policiais foram presos e outros 300 estão sendo investigados por crimes que vão da tomada de viaturas civis ao incêndio de veículos de cidadãos críticos ao movimento. Em meio a uma categoria rachada e uma crise explorada à exaustão por políticos locais e nacionais, um novo protagonista tem se fortalecido: uma ala mais radical da corporação, formada principalmente por jovens soldados e empoderada por um discurso autoritário que vem ganhando força nas polícias na esteira do bolsonarismo.

“Foi a primeira vez na vida que vimos um quartel ocupado dessa forma. Todos encapuzados. Não dá pra saber quantos são policiais nem se eles são mesmo policiais”, relatou o senador pelo Estado de São Paulo, Major Olímpio, que visitou um dos batalhões ocupados, em Fortaleza. O político integra a comitiva de senadores que foi até o Ceará para buscar uma saída à crise. O receio deles é de que a grave crise local provoque um efeito dominó violento no restante do país, em um contexto no qual pelo menos seis estados já receberam demandas desses trabalhadores, que têm porte de armas de fogo e são proibidos por lei de fazer greve. Os holofotes sobre o Ceará, porém, também expõem um xadrez de políticos locais e nacionais que têm ajudado a converter a crise em uma bomba-relógio difícil de ser desarmada. Segundo levantamento do site G1, foram ao menos 51 mortes nas últimas 48 horas no Estado, contra uma média de 6 assassinatos por dia em 2020 até então. Entre as vítimas, há desde uma mãe que foi morta diante dos filhos durante um assalto a um adolescente morto por homens em motocicletas.

O presidente Jair Bolsonaro, principal autoridade do país e eleito com apoio de categorias policiais, ainda não condenou os motins em unidades militares cearenses. Em uma live no Facebook na noite da última quinta-feira, anunciou ter autorizado o envio das Forças Armadas ao Estado e voltou a defender o excludente de ilicitude para militares que atuarão na crise. “Se estamos em guerra urbana, temos que mandar gente para lá para resolver esse problema", afirmou. Horas antes, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) havia acusado Bolsonaro de empoderar os manifestantes mais radicalizados com seu discurso, que inclui perdão a agentes de segurança pública que tenham cometido crimes culposos. “Você acha que um garoto de 20 e poucos anos teria coragem de atirar em uma pessoa assim se não achasse que estava a serviço do poder maior no Brasil?”, perguntou o pedetista a jornalistas. Ciro também citou como parte desse empoderamento a presença de uma deputada federal do Rio de Janeiro ligada à família Bolsonaro no Estado. Major Fabiana chegou ao Ceará na quarta-feira acompanhada de lideranças locais que fizeram carreira política a partir de uma greve anterior, em 2012, quando Cid era governador. “Pela primeira vez a gente tem um presidente que sabe o que é ser policial militar”, discursou a grevistas num quartel ocupado, interrompida por gritos de “mito! mito!”.

Em meio a essa disputa política, o motim que começou com as reivindicações salariais ganhou ainda outra pauta prioritária diante da escalada de tensão dos últimos dias que terminou com um senador baleado: a anistia de policiais amotinados nos batalhões. O governador Camilo Santana ―aliado da família Ferreira Gomes― já sinalizou não estar disposto a discutir a proposta. O Governo não demitiu nenhum grevista até o momento, mas já anunciou que cortará salários de quem não se apresentar ao trabalho. Ainda assim, policiais decidiram manter a paralisação. “Quem pode resolver isso está fazendo uma estratégia equivocada. Eles [policiais] agora precisam lutar para garantir pelo menos a anistia”, diz o vereador de Fortaleza, Sargento Reginauro, que também fez carreira política na esteira das mobilizações policiais dos últimos anos. As tensões que explodem agora não são inéditas. A atual crise no Ceará é marcada por uma série de mudanças alcançadas a partir de outro movimento grevista, há quase uma década, que influenciou tanto decisões nas políticas de segurança do Estado quanto mudou estruturas na corporação. Especificamente no Ceará, as principais forças de oposição tanto no âmbito da Prefeitura de Fortaleza quanto do Governo do Estado é composta por políticos que alçaram carreira a partir de greves policiais.

As origens da crise
Quando policiais militares do Ceará pararam suas atividades em dezembro de 2011, a capital Fortaleza se converteu praticamente em uma cidade fantasma, com comércios fechados e um toque de recolher informal que a população assumiu pelo medo. Um pânico generalizado tomou a quinta capital brasileira por ao menos um dia, que precedeu outros cinco de tensão, mesmo com os reforços da Força Nacional. Homens encapuzados ―supostamente policiais que reivindicavam melhorias salariais ao então governador Cid Gomes― furavam pneus de viaturas e tomavam as chaves de batalhões para impedir que colegas que não aderiram à greve trabalhassem. Cabia às esposas deles o papel de mostrar à sociedade as insatisfações da categoria, uma estratégia para blindar os maridos de represálias administrativas e buscar um apoio popular que acabou vindo em alguma medida.

No meio daquela crise, um nome se instalou no debate público cearense. Capitão Wagner ―um suplente de deputado até então desconhecido fora das corporações policiais― despontou como a principal liderança do movimento. Wagner havia fundado uma associação de agentes de segurança e costumava usar frequentemente as redes sociais (à época Orkut e Facebook) para denunciar a cúpula de segurança no Estado. Aglutinava em torno de si várias forças de uma categoria que conta com pelo menos oito associações representativas no estado do Ceará. A greve lhe impulsionou politicamente. No mesmo ano, foi eleito o vereador mais votado da história de Fortaleza. Depois, conquistou mandatos na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal. E ainda ajudou a eleger a diferentes Parlamentos pelo menos outros três policiais de distintas patentes que atuaram naquela greve ao seu lado: Cabo Sabino, Soldado Noélio e Major Reginauro.

Personagem central do aumento da representatividade dos policiais militares no parlamento cearense, Capitão Wagner (PROS) têm usado com frequência as redes sociais nos últimos para denunciar a “falta de diálogo” do Governo com os policiais militares, mas tem modulado o discurso. Ele é um dos principais pré-candidatos à Prefeitura de Fortaleza nas eleições deste ano e demorou a apoiar publicamente o presidente Bolsonaro, que não venceu as últimas eleições na capital cearense. Até o momento, Wagner não têm um oponente claro para a corrida municipal. Embora ainda seja influente na categoria, já não tem a mesma centralidade que tinha na greve de janeiro de 2012 sobre ela.

“Não existe uma representação homogênea [no movimento de policiais militares do Ceará]. Não dá pra tratar como se fosse uma coisa só”, explica o deputado estadual Renato Roseno (PSOL), com forte atuação na área de segurança e direitos humanos. Ele conta que o efetivo da PM no Ceará quase dobrou nos últimos dez anos e que há lideranças muito diferentes entre os 21.000 agentes que integram a corporação hoje. Além disso, são cerca de 10.000 novos agentes que não vivenciaram a greve de 2011. Uma ala mais radicalizada nesse movimento, a maioria de soldados, estaria agindo principalmente na periferia da capital e em cidades do interior. “Há policiais atuando como milícias, aterrorizando a população”, acusa.

A esse contexto, o pesquisador Luiz Fábio Paiva adiciona outro: o histórico processo de intervenção política nas polícias. “Cada nova gestão teve a Polícia Militar como objeto. No Ceará, tivemos políticos testando programas de segurança que interferiam na estruturação das polícias. Isso tem efeitos”, explica Paiva. Quando assumiu o Governo do Ceará, Cid Gomes criou um programa chamado Ronda do Quarteirão, que criava uma polícia de monitoramento com melhores salários, farda desenhada por estilistas e Hilux como veículos oficiais. As diferenças nas condições geraram animosidades dentro da corporação. Quando Camilo Santana assume o poder, institui uma política semelhante, dessa vez dando melhores condições ao Raio (polícia especializada que atua na Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas). “Os Governos historicamente tentam criar suas próprias polícias dentro da PM”, analisa o pesquisador.

O histórico conflito entre as bases policiais e os Governos agora ganham maior imprevisibilidade no Ceará. “Temos um Governo Federal que estimula a violência, a agressão contra politicos de oposição, contra jornalistas, contra quem pensa diferente. É preciso ficar atento a como esse discurso repercute nas bases das polícias”, alerta Paiva. Apesar da escalada violenta no Estado nos últimos dias (foram 51 homicídios em 48 horas de greve), o pesquisador pondera para falar de atuação de milícias no Ceará. “É complicado falar que há milícia no modelo que existe no Rio de janeiro. Historicamente, o Ceará tem grupos armados, grupos de extermínio, com a presença de policiais. Neste momento, o que a gente observa é como esses grupos estão se sentindo à vontade para operar. Por mais esdrúxulo que possa parecer, esses grupos encapuzados que estão secando pneus da viatura produzindo esse enfrentamento de fato mostram a fragilidade das instituições no Brasil”, afirma.