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Luiz Sérgio Henriques: Esquerda positiva, a hora e a vez?

É necessária uma aguda reflexão sobre a ‘questão democrática’ e o centro político

Luiz Sérgio Henriques / O Estado de S. Paulo

Num momento em que nosso passado de golpes e atropelos parece obstinar-se em não querer passar, oprimindo como um pesadelo, segundo a frase famosa, o cérebro dos vivos, podemos também, paradoxalmente, nele buscar sinais que nos orientem ou permitam discernir rotas menos tortuosas. É que tivemos tempo suficiente de aprendizado na luta contra o autoritarismo e nos educamos coletivamente por meio de experiências que não se deixam apagar e, seja como for, estão disponíveis para quem veio depois e não as viveu em primeira pessoa.

Exercícios contrafactuais são sempre arbitrários, mas não de todo inúteis. Não era inevitável, por exemplo, que a modernização brasileira se revestisse do caráter autocrático assumido a partir de 1964. Tal caráter não estava escrito nas estrelas ou latente na “natureza do processo”, mas decorreu também de más escolhas políticas. No seu conjunto, os atores do campo “progressista” tinham da democracia uma concepção limitada, como se ela fosse uma variável subordinada às “reformas de base”. Defender a Constituição de 1946 e apostar nas eleições de 1965 teria sido um caminho menos aventuroso, cuja viabilidade dependia da existência mais vigorosa de uma “esquerda positiva”, à moda de San Tiago Dantas, que desgraçadamente não tínhamos.

A seguir, a luta contra o regime autoritário conheceria uma esquerda dividida e muitas vezes impotente, a travar o seu “combate nas trevas”. Parte dela negava as transformações em curso e se apegava aos fortes mitos revolucionários da época, como o da China ou o de Cuba. Outra parte, no entanto, que por sinal abrigava a maioria dos egressos do putsch de 1935, seguia rumo diametralmente oposto ao do passado, avalizando – mesmo na clandestinidade – o partido dito de “oposição consentida”, o MDB de Ulysses e Tancredo. Sem dúvida, um sinal de esquerda positiva, preocupada com os humores e as posições do centro político, sem o qual não seria possível derrotar o arbítrio.

O País que surgiu dos anos de chumbo carregava promessas radiosas. Antes de mais nada, uma sociedade civil plural, pujante e diversificada. Entre tal sociedade e o seu Estado se consolidava uma relação mais equilibrada, de tal forma que parecia banida a hipótese que sempre estimula as aventuras autoritárias, a saber, a tentação de impor mudanças “pelo alto”, depois de controladas as alavancas do poder estatal. O que os atores políticos prometiam generalizadamente, desde os dissidentes da velha Arena até os representantes da esquerda velha e nova, era o rompimento definitivo com toda e qualquer ideia de golpe. O golpismo, em suma, passaria a ser palavra censurada naquele Brasil reinaugurado em 1988.

É possível, antes, é certo que havia alguma ingenuidade sobre a fase que se abria. Reformas sociais, mesmo de grande alcance, seriam possíveis, e de fato algumas o foram, como atestado pelo magnífico exemplo da construção (ainda em progresso) do SUS. A crença, afinal, era de que a democracia política não discrimina interesses nem valores e, por conseguinte, promove e requer a recomposição de todos os conflitos com base no consenso. Reformas assim obtidas, rigorosamente legais e nunca “na marra”, pavimentariam a via mestra de uma contínua democratização social. Para coroar, eleições competitivas, travadas com a regularidade “monótona” típica das sociedades ocidentais a que agora nos juntávamos, garantiriam a obtenção de patamares cada vez mais altos de igualdade e liberdade.

Dispensamo-nos aqui de descrever o impacto que os processos de mundialização tiveram sobre a estrutura de classes, a ordem social e os variados sistemas políticos nacionais. Em boa parte os benefícios da “globalização chinesa” possibilitaram avanços sociais generalizados na primeira década do novo século, e não só no Brasil, mas é duvidoso que entre nós se tenha afirmado com intensidade a “alma democrática” que dá vida interior às instituições, para lançar mão de uma imagem de Fernando Henrique Cardoso. Nas brechas e fissuras aí surgidas se insinuaria paulatinamente, com uma audácia que poucos poderiam supor, uma nova direita autocrática, fortemente crítica dos mecanismos da democracia clássica, a começar pelo que preside a alternância regular de poder.

A esquerda certamente é um fator indispensável para a saída do abismo em que nos metemos. Indispensável, mas muito longe de ser o único. O aprendizado coletivo a que nos referimos sugere que, uma vez mais, é necessária uma aguda reflexão sobre a “questão democrática” e, em consequência, o centro político. Recorrendo à conhecida metáfora, esse é o único elo a partir do qual se consegue dominar toda a corrente. Por isso mesmo, não se trata de prometer, com as mãos contritas, eventual “aliança com a burguesia” para “acalmar os mercados” e, menos ainda, de reincidir em esquemas de cooptação e loteamento. Trata-se, bem ao contrário, de redefinir a própria posição diante dos mais delicados temas da democracia e da República, sem o que não será possível a obra de reconstrução nacional que nos desafiará.

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil


Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,esquerda-positiva-a-hora-e-a-vez,70003811050


Comandante do Exército diz que ‘não há interferência política’ na Força

Equilibrando-se entre as tentativas de Bolsonaro de influenciar instituição e a expectativa de parte da cúpula militar, o general Paulo Sérgio Nogueira afirma ao GLOBO que 'o Alto Comando está com o comandante'

Jussara Soares / O Globo

BRASÍLIA — Desde quando assumiu o comando do Exército, em abril, o general Paulo Sérgio Nogueira se equilibra em uma linha tênue de expectativas. De um lado, o presidente Jair Bolsonaro almeja demonstrações de apoio irrestrito e influência na Força que lhe deu a patente de capitão. Do outro, integrantes do Alto Comando esperam que Nogueira blinde a caserna da política e evite um agravamento da crise de imagem da instituição. Diante disso, Nogueira negou ao GLOBO o desgaste e deixou claro:

— Não há interferência política no Exército — disse o general por telefone ao GLOBO após participar ao lado de Bolsonaro de uma cerimônia na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) neste sábado — O Alto Comando está com o comandante — garantiu.

Mensagens: Ex-mulher de Bolsonaro atuou por cargo na Saúde

A declaração ocorre após mais uma semana de tensão. Na terça-feira, o general foi convocado para uma reunião ministerial no Palácio do Planalto. Ao fim, o primeiro escalão do governo se perfilou no alto da rampa, junto a Bolsonaro, para acompanhar um desfile de blidandos em frente à Praça dos Três Poderes. Entre eles, estava Nogueira. Militares quatro estrelas ficaram desconfortáveis em vê-lo no evento. Nem o próprio comandante parecia à vontade na cena.


Bolsonaro e o General Paulo Sérgio Nogueira


(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 31/03/2021) Encontro com os novos comandantes das Forças Armadas. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 20/04/2021) Solenidade de Passagem do Cargo de Comandante do Exército, do General de Exército Edson Leal Pujol ao General de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
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(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 31/03/2021) Encontro com os novos comandantes das Forças Armadas. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 20/04/2021) Solenidade de Passagem do Cargo de Comandante do Exército, do General de Exército Edson Leal Pujol ao General de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Não foi a primeira situação em que Nogueira ficou no meio de interesses difusos de fardados e de Bolsonaro. Em maio, a cúpula do Exército defendia a punição do general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que participou de uma manifestação no Rio ao lado do presidente, o que é proibido a militares em atividade. Bolsonaro, por sua vez, agiu para blindar o ex-ministro, que acabou ganhando um cargo Palácio do Planalto. O recado foi entendido, e Pazuello se livrou da punição. O comando do Exército ainda impôs um sigilo de cem anos sobre o processo administrativo de Pazuello.

Nogueira enfrentou outra saia justa. Em julho, o ministro da Defesa, Braga Netto, preparou uma nota oficial, assinada também pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, para rebater críticas feitas pelo presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM). O texto oficial diz que as Forças Armadas não aceitariam “ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo.” Na ocasião, Nogueira estava em viagem ao Rio Grande do Sul. O texto, apresentado a à distância, estava pronto para ser assinado.

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Esses e outros episódios já foram debatidos nas reuniões de integrantes do Alto Comando, que têm se mostrado preocupados com ataques de Bolsonaro às instituições. Ao final, generais estrelados, diante do momento de tensão, reafirmaram apoio irrestrito ao comandante do Exército. O argumento é que Nogueira não pode se opor ao presidente sob risco de conflagrar uma crise no país.

Nogueira chegou ao topo do Exército quando seu antecessor, o general Edson Leal Pujol, foi demitido junto com o então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes da Marinha e da Aeronáutica. O argumento principal é que Bolsonaro queria uma relação mais próxima com os chefes das tropas.

Descrito como afável, extrovertido e sociável, Nogueira adotou a discrição como regra. Em aparições públicas, calcula o tom das falas para não gerar conflito com o presidente e tampouco parecer que referenda eventuais posições políticas. Na estratégia de fugir de polêmicas, Nogueira deixou de usar o Twitter, um dos canais prediletos dos apoiadores de Bolsonaro. A sua última publicação ocorreu no dia 2 de abril, dois dias após ser anunciado no posto mais alto do Exército. Essa postura o diferencia dos comandantes da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, e da Marinha, Almir Garnier dos Santos, que utilizam as redes sociais.

Nos bastidores, porém, o comandante do Exército faz questão de sinalizar que está aberto a conversar com todas as autoridades. Já recebeu o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, e esteve com os governadores Ratinho Jr (PSD), do Paraná; Paulo Câmara (PSB), de Pernambuco; e Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul. Os dois últimos são adversários políticos de Bolsonaro. Nogueira também já se encontrou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Nessas conversas, segundo o relato de interlocutores, evitou comentários sobre o presidente ou qualquer crise no país.PUBLICIDADE

A reserva do general à exposição política do Exército já era percebida por interlocutores do militar desde que ele estava à frente o Comando Militar do Norte (CMN), em Belém. A divergência se acentuou no 7 de agosto de 2020, um dia antes de o Brasil superar a marca de 100 mil mortos pela Covid-19, quando Nogueira assumiu o Departamento-Geral de Pessoal do Exército, a maior autoridade de saúde na Força. Na gestão, adotou as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), incluindo uso de máscara nos quarteis e distanciamento social. A adoção dessas medidas era contrária ao posicionamento de Bolsonaro.

Em função disso, o general não cogitava ser promovido ao comando do Exército. Até mesmo porque à frente dele estavam os generais José Luiz Freitas e Marco Antonio Amaro, atual chefe do Estado Maior, que havia sido chefe da segurança da ex-presidente Dilma Rousseff. Segundo integrantes do Planalto, Amaro foi preterido pelo passado de serviços à petista, e Freitas por não ter proximidade com Braga Netto.

Quem conhece o general mais intimamente diz que o ar reservado nas cerimônias ao lado do presidente contrasta com o perfil extrovertido que o marca desde os tempos da Aman, onde se formou em 1980. Natural de Iguatu (CE), PS, como gosta de ser chamado, é filho de um funcionário do Banco do Brasil e de uma dona de casa. Católico praticante, tem três filhos: dois majores do Exército e um engenheiro. Na academia, o jovem de 1,82m e bom preparo físico praticou atletismo e futebol. É torcedor do Ceará.

Na trajetória militar, o general foi três vezes instrutor na Aman, e em uma delas como comandante do Curso de Infantaria. Ao menos dez turmas de cadetes passaram por ele, o que faz com que Nogueira tenha relacionamento com oficiais espalhados por todo o Brasil. Na prática, é o comandante que tem as tropas nas mãos.


Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/comandante-do-exercito-diz-que-nao-ha-interferencia-politica-na-forca-25155942


CPI da Covid decide propor indiciamento de Bolsonaro por charlatanismo

Medida deve fazer parte do relatório final da comissão que será encaminhado ao MPF; para senadores, presidente foi ‘garoto-propaganda’ de medicamentos e disseminou informações falsas durante a pandemia

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid decidiu encaminhar o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por charlatanismo após o chefe do Planalto incentivar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. A medida foi discutida por senadores nesta quarta-feira, 11, e deve fazer parte do relatório final da CPI, a ser apresentado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL).

A CPI ouve nesta quarta o diretor executivo da Vitamedic, Jailton Batista, um dos fabricantes da ivermectina no Brasil. A empresa aumentou os ganhos com a venda do medicamento durante a pandemia e patrocinou publicações incentivando o chamado medicamento precoce, contrariando evidências científicas.

Para os senadores, Bolsonaro foi o principal “garoto-propaganda” de medicamentos como a ivermectina e a hidroxicloroquina durante a pandemia, disseminando informações falsas para a população e levando pessoas à morte. O relatório de Renan, para se tornar uma conclusão final da CPI, precisa ser aprovado na comissão. A maioria dos integrantes do colegiado é aliada ao senador.

“E o custo foi pago em vidas. Está aqui a tragédia. E, com certeza, a Vitamedic colaborou para que isso acontecesse ao continuar produzindo e comercializando, para tratamento da covid, um medicamento inútil, ineficaz, tido como tal pela ciência, por todos de responsabilidade no Brasil e no mundo”, disse Renan Calheiros durante o depoimento, exibindo uma placa com o número de mortos pela doença no País, que chegou a 564.890 na terça-feira, 10.

De acordo com senadores, Renan Calheiros vai propor o indiciamento de Bolsonaro com base nos artigos 283 e 284 do Código Penal, que punem os crimes de charlatanismo e curandeirismo. As penas para as duas condutas variam de três meses a dois anos de prisão e multa. O relatório da CPI deve ser encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF), responsável por encaminhar uma denúncia contra o presidente por crime comum.

“O senhor Jair Bolsonaro atuou como se fosse um curandeiro, anunciando cura infalível para uma doença em que isso efetivamente não existe”, disse o senador Humberto Costa (PT-CE). “É um constrangimento ver o presidente da República se prestar a um papel desses, ou seja, de charlatão, ao prescrever sem autorização para tal", afirmou o senador Rogério Carvalho (PT-SE).

Com prazo final marcado para 5 de novembro, os senadores da CPI já discutem um rol de crimes pelos quais Bolsonaro será acusado no relatório final. Outra conduta apontada é o crime de prevaricação no caso da vacina indiana Covaxin. Nesta quinta-feira, 12, a CPI ouvirá o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), acusado de atuar em um suposto esquema de corrupção na compra do imunizante. O deputado nega qualquer influência ou atuação irregular.

Além do indiciamento por charlatanismo, Renan Calheiros anunciou que vai sugerir uma onda de ações de indenização nos Estados para que as famílias de vítimas da covid-19 processem a União e as empresas que lucraram com medicamentos sem eficácia comprovada. A iniciativa dependerá das próprias famílias, mas Renan sugeriu que as Advocacias dos Estados e da União auxiliem nos processos.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cpi-da-covid-decide-propor-indiciamento-de-bolsonaro-por-charlatanismo,70003807803


Ameaça de golpe militar: General nega envolvimento das Forças Armadas

Francisco Mamede de Brito Filho, que participa de webinar organizado pela FAP nesta sexta (30), a partir das 16h, diz não ver riscos de os militares reagirem se Bolsonaro perder a eleição em 2022

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

O general da reserva do Exército Francisco Mamede de Brito Filho, de 59 anos, 40 deles na ativa, diz não ver risco de as Forças Armadas serem usadas em reação ao resultado das urnas diante de uma possível derrota do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em 2022. Francisco, que também foi chefe de gabinete do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) nos quatro primeiros meses do atual governo, vai participar de evento online sobre o tema A questão militar: do Império aos nossos dias. O webinar será sexta-feira (30/7), a partir das 16h.


Assista ao vivo!




Coordenado pelo professor Hamilton Garcia de Lima, o evento será realizado pela FAP e também terá a participação do professor de história José Murilo de Carvalho e do ex-ministro da Defesa Raul Jungmann. O webinar terá transmissão em tempo real no portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade.



“É inimaginável achar que as Forças Armadas vão ser empregadas em favor de um posicionamento ou de um chefe de governo contrário ao parecer das urnas e do próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Isso seria uma ruptura institucional grave”, afirma, em entrevista ao portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.

Desprestígio
Ex-instrutor da Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Ecme) e ex-chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Nordeste, o general explica que “a questão militar é um fato histórico pontual”. Segundo ele, está relacionada ao desprestígio da categoria de maneira geral, por causa da questão salarial, e à legislação leniente.

“Os fatores ali presentes na questão militar vão se replicar em outras situações de ruptura, além da República, como na Revolução de 30, no Estado Novo e no movimento de 1964”, analisa ele.

O conjunto de leis, por exemplo, de acordo com o general, ainda é leniente por não estabelecer limites para a participação política do segmento militar. “Era de se esperar que o Estado propusesse mecanismo de controle para se evitar interferências políticas”, ressalta.

“Controle não é, simplesmente, ter arcabouço legal que venha impor restrições”, explica. “Mas é preciso reconhecer que a despolitização ocorre, principalmente, por meio de legislação que coíba situações que favoreçam a politização”, acrescenta.


General Francisco Mamede de Brito Filho considerou "obscura" a razão que levou à absolvição de Eduardo Pazuello. Foto: 4ª Brigada de Infantaria Leve (Montanha)

Caso Pazuello
Além disso, ele chamou de “obscura” a razão que levou à absolvição do general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Em junho deste ano, o colega de corporação se livrou de punição administrativa após discursar em ato político em defesa de Bolsonaro, apesar de regulamento disciplinar definir como transgressão a participação de militar da ativa em evento de natureza político-partidária.

“Quanto a isso, a coisa está obscura porque o comandante do Exército decretou 100 anos de sigilo sobre os motivos que o levaram a não punir Pazuello. Deve ter levado em conta algum dado que o deixou à vontade para tomar aquela decisão, mas está clara a situação transgressora, considerando os dados aos quais tive acesso”, diz Francisco.

Na avaliação do general da reserva, é preciso fortalecer ainda mais a legislação para evitar brechas interpretativas que favoreçam militares em cenários de transgressão disciplinar. “Se estamos vivendo situações que colocam a sociedade ansiosa ou com clima de confiança indesejável na democracia, é porque não tratamos bem o arcabouço legal”, assevera.

PEC
O general ressalta que um passo importante será a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que visa impedir que militares da ativa ocupem cargos políticos em governos.

A autora da PEC, deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), afirmou que a “sensação” é de que não se sabe mais onde termina o governo e onde começa o Exército. “É o que pode acontecer de pior para esta instituição e as demais Forças Armadas”, disse, nas redes sociais.

Pré-celebração do bicentenário da Independência
A questão militar: do Império aos nossos dias
Dia:
30/7/2021
Transmissão: a partir das 16 horas.
Onde: Portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da Fundação Astrojildo Pereira
Realização: Fundação Astrojildo Pereira

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General revela o voto de confiança traído pelo capitão

Aluysio Abreu Barbosa, da Folha da Manhã
Com Cláudio Nogueira e Matheus Berriel

“Um voto de confiança que foi traído”. Foi assim que o general Francisco Mamede de Brito Filho definiu a atuação do presidente e capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (sem partido), diante da aposta de parte do alto oficialato das Forças Armadas Brasileiras, incluindo ele mesmo, no governo do Brasil eleito em 2018. Militar também da reserva, ele comandou o contingente brasileiro nas Forças de Paz da ONU no Haiti, a Força de Pacificação no Complexo da Maré-RJ e o Estado-Maior do Comando Militar do Nordeste, antes de servir à atual administração federal como chefe do gabinete do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), do ministério da Educação. Mas, nas suas palavras, “a decepção chegou muito rápido”. Sobre esse e outros assuntos, o general tratará no debate virtual “A questão militar: do Império aos Nossos Dias”, ao lado do ex-ministro da Defesa Raul Jungmann e do historiador José Murilo de Carvalho, professor da UFRJ, em evento da Fundação Astrojildo Pereira, a partir das 16h da próxima sexta (30), com transmissão ao vivo na Folha FM 98,3 e da Plena TV.

Em entrevista na manhã de ontem, ao programa Folha no Ar, da Folha FM, o general Brito Filho foi sereno, mas firme, nas críticas ao governo que ajudou a eleger e integrou. Como participou da gestão Lula, em função técnica no ministério do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). À qual foi designado pelo comando do Exército. Diferente da “decisão pessoal” que levou Bolsonaro a fazer do general Eduardo Pazuello ministro da Saúde, em plena pandemia da Covid-19 no país. Ele tampouco contemporizou a ameaça que, segundo o jornal O Estado de São Paulo, o também general da reserva e ministro da Defesa, Walter Braga Netto, teria feito ao presidente da Câmara Federal, o governista Arthur Lira (PP/AL): “Sem o voto impresso, não haverá eleições em 2022”. “Ele (Braga Netto) não tem esse direito de manifestar um pensamento (…) que agride frontalmente outro Poder”, asseverou Brito Filho. Sobre a possibilidade de o Brasil ter sua democracia de fato ameaçada, o general garantiu: “trago aqui o testemunho, por conhecer as pessoas que estão no alto comando (das Forças Armadas), de que é uma situação inimaginável”.

General de brigada do Exército Brasileiro Francisco Mamede de Brito Filho (Foto: Divulgação)

Generais do governo – Os militares que estão ali junto ao governo Bolsonaro, o general (Augusto) Heleno (hoje, ministro do GSI) comandou o componente militar da missão de estabilização da ONU no Haiti. Desempenhou o mesmo cargo o general (Luiz Eduardo) Ramos (ministro da Casa Civil, de mudança ao ministério da Secretaria Geral, para dar mais espaço ao Centrão no governo). O general Braga Netto não teve nenhuma participação, pelo menos de comando, nas operações no Haiti. Mas comandou o Comando Militar do Leste, como responsável pela coordenação de segurança dos Jogos Olímpicos. Então, traz uma bagagem de experiência que é referência de sucesso na parte de competência de técnicas militares. De alguma maneira, isso foi levado em conta e colocado, talvez, como algum critério na escolha do presidente Bolsonaro em cima desses militares que trazem essa bagagem de experiências exitosas na carreira militar.

Voto de confiança – É lógico, todos tinham conhecimento a respeito do perfil do candidato Jair Bolsonaro à presidência. É um político que se mantinha na mídia através de declarações polêmicas. Então, a estratégia ao longo da sua carreira política, além do seu passado como militar, estavam todos presentes. Durante a campanha, ele, por ser proveniente de um partido político muito pequeno, que não dispunha de quadros suficientes para montar um governo, já anunciava que ia mobilizar o governo com militares das Forças Armadas. Então, ao surgir essa oportunidade, alguns militares depositaram um voto de confiança, até mesmo porque acreditavam que se aquele perfil que o presidente Bolsonaro, se era para se manter em evidência, uma vez eleito presidente ele estava no cargo máximo, poderia abandonar essa estratégia das polêmicas, se conscientizar da responsabilidade do cargo, assumir não apenas a chefia do governo, como também a chefia do Estado, na condição de estadista, num país com a dimensão do Brasil. É lógico que não levaram em consideração aquilo que acabou se configurando, que é o desejo de se manter no poder e, uma vez eleito, passar a pensar na sua própria reeleição. E com isso manter a mesma atitude inadequada de um presidente, como se estivesse em campanha. Com isso, houve a decepção de grande parte dos militares que se apresentavam ou que aceitaram o convite para participar do governo.

Experiência no governo – Muitos abandonaram o barco, eu fui um deles, acreditei nessa promessa. Embora tenha aceitado um cargo de não muita evidência, de chefe do gabinete do Inep, que é uma autarquia dentro do ministério da Educação, na condição de não participar de nenhum evento de natureza política. Mas, mesmo assim, num cargo de terceiro escalão, a decepção chegou muito rápido. Então, acabei decidindo por não participar mais do governo.

Voto de confiança traído – Aqueles que permanecem têm as suas motivações pessoais. Não podemos, em princípio, condenar que essas motivações sejam com base em má fé ou interesses escusos ou pessoais. Mas, acredito que, ainda, de alguma maneira, permanecem no cargo com a intenção de contribuir com o país e, de alguma maneira, impor ainda alguns limites oferecer sugestões e aconselhamentos em cima de atitudes não muito democráticas que o próprio presidente às vezes assume em manifestações públicas e declarações públicas. Acredito que o que aconteceu foi isso: um voto de confiança que foi traído. Quando se manifestou a certeza dessa traição, era tarde demais, talvez, para abandonar, e talvez até mesmo um ato de responsabilidade se ausentar do governo, em razão de tudo o que já tinha ocorrido e em razão do que poderia acontecer ainda, de pior, sem a presença deles no governo. Prefiro acreditar nessa boa fé dos militares que ainda permanecem no governo ao lado do presidente Bolsonaro.

Que traição? – Não acredito que seja apenas eu a ter essa visão. As atitudes do presidente foram muito explícitas. Promessas de campanha foram abandonadas já no primeiro momento de exercício do governo, culminando agora com essa declaração mais recente, inclusive, de que ele sempre foi Centrão. Isso já traduz o nível de não comprometimento com as coisas. Imagino a vergonha do general Heleno ao ver a realidade dos fatos, hoje, ao lembrar das suas primeiras declarações públicas (cantou “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”, na convenção nacional do PSL de 22 de julho de 2018, em paródia ao samba “Se gritar pega ladrão”, de Bezerra da Silva) e suas primeiras atitudes no início do governo.https://www.youtube.com/embed/rgnJjcAmO0U?start=1&feature=oembed

Bolsonaro de “o que tinha de velho ficou para trás”, em 2020, ao “eu sou Centrão” de 2021 – É difícil avaliar, diante de tantas inconsistências, o comportamento do nosso presidente, infelizmente. Nós vimos aí, inclusive, até mesmo declarações de militares, que lamento, de que há um discurso presidencial para a internet e um discurso presidencial para a realidade. Isso, de alguma maneira, já deixa bastante claras as contradições pessoais do presidente Bolsonaro nas suas declarações. De alguma maneira, isso aí nos leva a desacreditar em tudo o que ele fala. Mas, a questão da participação dele na frente do QG (do Exército, em Brasília, quando disse a frase de 2020) por si só, é uma imagem bastante forte. No dia, inclusive, 19 de abril, se comemora o Dia do Exército. Há brechas, inclusive, que nós podemos identificar, que acabaram possibilitando que o general (Eduardo) Pazuello, um militar da ativa, viesse a ocupar um cargo de ministro (da Saúde) e permanecer na ativa. Isso daí mostra um pouco o descuido que, eu diria, o meio político teve em inibir essas questões que permitem criar essas situações que podem levar à politização das Forças Armadas.

PEC contra participação de militares em cargos civis da administração pública – Hoje, nós já temos uma PEC (21/21) da deputada Perpétua Almeida (PCdoB/AC), até apelidada de PEC do Pazuello, que pretende justamente proibir a participação de militares da ativa em cargos civis no governo. Veja em que retardo isso acontece. Nós estamos em 2021. E outra: foi necessário acontecer a crise para que se tomasse uma providência. Acredito que isso demonstra, de alguma maneira, o descuido que o meio político dedica a regular essa relação do Estado com o segmento militar. E digo mais: essa PEC ainda vem de uma maneira incompleta, porque ela apenas proíbe que o militar da ativa ocupe o cargo civil. Eu acredito que tem que ser debatido no Congresso, durante a aprovação, talvez um complemento que imponha inclusive quarentena. Porque, se a pessoa pode assumir de imediato um cargo de governo político, nada impede que ele, durante os últimos dias na ativa, esteja a realizar campanhas em seu próprio nome ou até mesmo no sentido de arrebanhar partidários ou eleitores.

General Edson Pujol: “Pazuello ferrou a si e ferrou o Exército” – Não há como não concordar. Sempre me manifestei contrário às possibilidades de um militar da ativa ocupar cargo civil no governo. Agora, antes de abordar exatamente a questão, no que diz respeito à situação criada pelo general Pazuello, é muito importante a gente fazer uma distinção entre cargos de natureza militar e de cargos de natureza civil. Nós temos cargos de natureza militar dentro do governo, como, por exemplo, no próprio GSI, comandado pelo general Heleno.

Passagem técnica no governo Lula – Eu mesmo servi lá (no GSI), no governo Lula, e era responsável por assessorias militares dentro de uma secretaria de coordenação e acompanhamento de assessorias militares. É um cargo de natureza militar, eu ia trabalhar fardado e desempenhava atividades de natureza militar; Atividades de Estado, não de governo. Essa natureza militar, não vejo problema algum, deve ser ocupada por militares da ativa. São cargos que vão exigir um desempenho em cima daquilo que está relacionado com a minha formação como militar. Mais uma observação: a minha indicação para servir lá no GSI, ocupando esse cargo de natureza militar, foi uma decisão do comando do Exército. O comandante do Exército faz uma seleção, utilizando a diretoria de avaliação, e seleciona perfis que são condizentes com a execução daquele cargo. Então, eu fui parar lá com aval do comandante da minha Força.

Pazuello na Saúde foi decisão pessoal – O general Pazuello, que ocupou um cargo de natureza civil, ele não seguiu esse protocolo. É um convite de caráter pessoal do presidente ao general Pazuello. Não foi uma indicação do comandante da Força, do comandante do Exército. Foi um convite pessoal. E, ao aceitar o convite, ele manifestou a sua decisão pessoal de participar do governo. No meu entender, pode ser que ele tenha se julgado, ao aceitar o convite, com a competência necessária para o desempenho do cargo. No meu caso, eu, de antemão, recusaria esse convite. Numa autocrítica muito superficial, muito rápida, eu poderia chegar à conclusão de que não tenho as competências necessárias para desempenho daquele cargo. E tenho certeza que o comandante da Força, se fosse chamado para participar do processo, chegaria à mesma conclusão. O cargo de ministro da Saúde é muito específico, tem muitas peculiaridades que eu entendo que o general Pazuello não tinha. E a Força, se fosse chamada a intervir ou a participar do processo decisório para indicação do seu nome, ela iria se manifestar dessa maneira. Mas não foi. Para nós, que conhecemos a dinâmica, os protocolos nas relações entre as Forças Armadas e o governo, nós, facilmente, chegamos à conclusão de que, ao decidir aceitar o convite para ser ministro da Saúde, ele assume uma responsabilidade pessoal, que não pode ser transferida para a instituição. Agora, é impossível que essa mesma visão seja compartilhada com toda a sociedade, pelo fato de ele ter permanecido na ativa.

Imagem na sociedade – O nome do general Pazuello no cargo de ministro vai estar sempre vinculado, na maior parte da sociedade, à instituição a que ele pertence. Ele chegou a general, com certeza mostrou qualidades para isso, passou por um processo de seleção muito sério. Mas, para ser general oriundo do quadro do serviço de intendência, ao qual ele pertence; ele não pertence a nenhuma arma combatente. O que faltou, talvez, nesse processo todo, foi essa consciência do militar na ativa, que foi convidado para assumir um cargo complexo e, ao aceitar, não ter suposto ou imaginado a responsabilidade que ele assumia também perante à instituição. Isso, para mim, era evidente. E, para muitas pessoas, ficava evidente que o resultado dele não seria satisfatório e acabaria comprometendo a imagem da instituição, como acabou acontecendo. Mas, por conta de todas essas questões que regularam esses processos que levaram à nomeação de um general da ativa ao cargo de ministro da Saúde. O fato de o presidente ter feito um convite de caráter pessoal e ele ter aceitado e ter assumido o cargo de um ministério para o qual ele não tinha preparo nem competência.

Decisão pessoal e responsabilidade de Bolsonaro – Ele (Pazuello) ocupou o cargo de ministro da Saúde não como militar, mas como cidadão. E é uma decisão pessoal do presidente. Então, se alguma medida tivesse que ser tomada no sentido de mantê-lo no cargo diante do quadro da pandemia e do seu desempenho inicial, ou de retirá-lo do cargo diante das peculiaridades que foram trazidas pela pandemia, colocando alguém mais experiente, é uma decisão que cabia ao chefe de governo, ao presidente Bolsonaro, e a ele deve ser atribuída a responsabilidade, seja pelos erros como pelos acertos. Para o bem e para o mal. Se o general Pazuello tivesse tido um desempenho excepcional no combate à pandemia, essa glória toda caberia ao presidente que escolheu aquela pessoa para ocupar aquele cargo. Se o desempenho foi fraco e, mesmo, durante bom tempo, ele ainda permaneceu com a decisão de mantê-lo no cargo, a decisão é pessoal do presidente. Agora, se a decisão do presidente foi acertada ou não, a minha opinião pessoal é de que foi equivocada. Por isso nós temos hoje instalada no Senado uma Comissão Parlamentar de Inquérito no sentido de apurar as irresponsabilidades. Isso demonstra o vigor das nossas instituições democráticas. Mas é muito importante deixar muito claro a responsabilidade pessoal daqueles militares que aceitam desempenhar cargos civis no governo, quebrando qualquer relação com a instituição, uma vez que a escolha dos nomes não passa pelo comando da Força.

General da ativa, Pazuello participa de ato político em apoio a Bolsonaro no Rio de Janeiro, em 25 de maio, o que é vetado pelo estatuto das Forças Armadas. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Pazuello participa de ato político vedado pelo estatuto do Exército e é perdoado – Como militar da reserva, ainda pertenço e nunca deixarei de pertencer à instituição. E ainda estou subordinado ao comando do Exército. Por uma questão de disciplina, subordinados não podem fazer comentários a respeito de decisões superiores. Então, eu me manifestei, inclusive no meu Twitter, sobre o processo decisório. Mas, também faz parte da cultura militar, uma vez tomada a decisão por quem de direito, não cabe mais nenhum tipo de crítica. Tem que ser aceito. Mas, a minha preocupação durante o processo decisório era justamente para que fosse tomada uma medida enérgica.

Sigilo de 100 anos ao perdão – Prestar contas à sociedade daquilo que ocorre no âmbito das Forças é uma obrigação do comando. Então, volto a dizer que houve aí também alguma falha de comunicação em uma decisão, no sentido de decretar sigilo nas razões que foram levadas em considerações pelo comandante, que nos deixa sem acesso. E nós, como militares disciplinados, temos que acreditar que ali existem boas e fortes razões para que ele tenha adotado isso, sem deixar que se possa fazer análises, e aqui não é nenhuma crítica, no sentido de defender sempre a questão da transparência e da clareza como a obrigação de qualquer servidor público, no sentido de manter informada a sociedade a que serve.

Troca do comando das Forças Armadas por Bolsonaro – Ela aconteceu numa situação diferenciada, numa situação em que não é normal. Mas, não colocaria dentro do contexto de uma grande crise. Até por conta, mais uma vez, do comportamento do nosso presidente, que foi quem tomou a decisão. Então, ele costuma ter decisões um pouco inesperadas, surpreendentes, assim como fez para a escolha (do procurador-geral da República), desprezando a lista tríplice, ou seja, a fuga completa ao protocolo. Então, a troca do comando do ministério da Defesa e dos comandantes militares, não é que tenha sido normal. O normal é que, durante todo o mandato presidencial, os comandantes, pelo menos, permaneçam os mesmos.

Saída do ex-ministro da defesa, general Fernando Azevedo e Silva – Aí eu fico muito livre para falar, porque não posso fazer críticas àqueles que estão na ativa, aos quais estou subordinado. Mas posso a um militar da reserva que desempenha um cargo civil, assim como já critiquei o desempenho do general Ramos na secretaria do Governo, quando estava lá. No caso específico da saída do general Fernando, o que aconteceu foi uma saída inesperada e não justificada. A mensagem de despedida do general Fernando do cargo é lacônica e dá margem a muitas leituras e interpretações, ela é enigmática, diz simplesmente que sai do cargo com a certeza e convicção de que trabalhou firmemente no sentido de não permitir a politização das Forças. Daí eu posso depreender várias coisas: será que ele foi cobrado de algum envolvimento político por parte das Forças Armadas, da parte do presidente, e se recusou a fazer isso? A sociedade merecia uma explicação a esse respeito dos motivos que levaram à demissão do general Fernando e à troca dos comandantes. Porque, se isso não vem à tona, não é tornado como claro, a sociedade como um todo, diante do inesperado, passa a fazer uma série de conjecturas que podem confundir tudo e não ter nenhuma aderência à realidade dos fatos. Achei muito salutar o fato de o Congresso ter sinalizado à possibilidade de chamar o (ex-)ministro da Defesa para que ele ali colocasse para a sociedade os motivos daquela troca ministerial e da troca dos comandantes. Mas, isso não chegou a ser concretizado.

Página 2 da Folha da Manhã

Primeiro à direita, general Francisco de Brito Filho no comando do contingente brasileiro nas Forças de Paz da ONU no Haiti. (Foto: Divulgação)

Gratidão? – Na demissão do ministro Fernando, causa estranheza também, mais uma vez, o comportamento do presidente, que nem ao menos agradeceu aos comandantes militares o trabalho que eles realizaram durante o governo dele. Isso aconteceu de uma maneira muito singela, e acredito que também depois de uma certa pressão, alguns dias depois, (dizendo) que deixava ali o agradecimento aos comandantes militares. Mas, isso entra no rol das estranhezas que nós encontramos no perfil do nosso presidente.

“Ocupação em massa de militares em cargos civis” – Voltando ainda especificamente à saída do ministro Fernando, eu acho que ele, ao declarar que combateu a politização, e isso até coloquei em comentário no Twitter, a realidade não mostra que aquela declaração realmente corresponde à realidade. Porque foi na administração dele que o general Pazuello saiu da ativa e ocupou o cargo no ministério da Saúde. Foi na administração dele que muitos militares saíram da ativa, não apenas o Pazuello, e ocuparam cargos no governo. E aí passava pelo crivo dele como ministro. Caberia a ele, se quisesse defender dessa politização, realmente, se manifestar contra essa ocupação maciça, em massa, de militares em cargos civis no governo. E isso não ocorreu. Então, eu fico imaginando que ponto limite se chegou ao ponto de ele não aceitar permanecer mais no cargo diante de uma eventual demanda do presidente que possa ter ferido esse princípio, que dizia ter, de combater a politização das Forças.

Reação forte do almirante Ilques Barbosa à sua substituição no comando da Marinha – Também li essa reportagem. Infelizmente, foi um relato, uma notícia com base em fontes não reveladas. Então, fica sempre aquela suspeita de que se aquilo realmente aconteceu e se aconteceu daquela maneira. De qualquer maneira, é aceitável imaginar que a decisão tomada pelo presidente quanto à demissão não só do ministro da Defesa, como do comandante do Exército (general Edson Pujol), e parece que depois foi adotada como pedir demissão dos outros dois (Ilques Barbosa e Antonio Carlos Bermudez, da Aeronáutica) pode causar indignação diante de um quadro em que um comandante que está desempenhando as suas funções institucionais com zelo, com seriedade, com responsabilidade, de uma hora para a outra ser excluído, ser destituído daquele comando sem nenhuma explicação razoável.

Saídas de Sergio Moro e Santos Cruz do governo – Faço um paralelo à situação do ministro (da Justiça) Moro, e à própria saída do ministro (da Secretaria de Governo e general da reserva) Santos Cruz também. Eles saíram, mas colocaram à sociedade os motivos que os levaram a sair. Eles deixaram claro, foram transparentes e comunicaram as razões à sociedade. Eu fico muito triste em saber que isso não foi feito na época pelo general Fernando. Eu acho que, se ele tivesse deixado um testemunho a respeito das razões, ele teria feito uma grande contribuição, não só para a sociedade, no sentido de dar a ela essa oportunidade de tomar conhecimento das razões que levaram àquela decisão, até mesmo para a instituição a que ele pertence, as Forças Armadas, no sentido de deixá-las protegidos no que diz respeito ao desempenho pessoalmente daqueles outros comandantes que iriam assumir. Podem ter ocorrido outras coisas nos bastidores, mas eu acho essencial que isso tivesse sido tratado em público, como uma prestação de contas à sociedade.

General Hamilton Mourão – Acredito que alguma afinidade existiu nas ideias, na maneira de pensar dele, ao aceitar construir a chapa, como vice-presidente, com o presidente Bolsonaro. Através das suas declarações públicas, ficou evidente para quem acompanha o cenário político esse alinhamento de pensamento com o presidente Jair Bolsonaro em alguns pontos, que, a meu ver, são negativos, indesejáveis, especialmente no que se refere a reverências a supostas participações de militares, durante o governo militar, em experiências de tortura. Mas, no conjunto, eu acho que ele vem desempenhando um papel, apesar de ter sido também traído em alguns desvios de rota adotados pelo presidente Jair Bolsonaro após a eleição. As declarações dele em cima de situações mais polêmicas sempre trazem uma mensagem de estabilidade. Ele, como vice-presidente, pois eu não poderia analisá-lo como general, é uma pessoa que está consciente da responsabilidade do cargo que ocupa. Ele tem noção do tamanho da cadeira em que ele está sentado. Tem sido uma coisa necessária, inclusive. Uma coisa é você transmitir estabilidade quando não é necessário, outra é vir a público com coragem e se posicionar em cima de crises, muitas vezes até mesmo contrário às próprias declarações do presidente, e passar à sociedade uma mensagem de tranquilidade.

Braga Netto a Arthur Lira: “Sem o voto impresso, não haverá eleições em 2022” – É um caso muito recente. Há versões diferentes envolvendo os três atores principais, que seriam o órgão de imprensa que noticiou (jornal O Estado de São Paulo); o autor da mensagem, que seria o ministro da Defesa, Braga Netto; e o suposto emissário, que teria levado essa mensagem. Não vou discutir a credibilidade do órgão de imprensa que noticiou, muito menos das declarações do presidente da Câmara e do ministro da Defesa, Braga Netto. O que não foi negado peremptoriamente, deixando bem claro, para trazer o fato concreto, é se ele em algum momento fez aquela declaração ou não. Porque o que foi negado na sua declaração, ontem (na quinta, dia 22), ao público, é que, se ele precisasse levar alguma mensagem ao presidente da Câmara, ele faria pessoalmente e não usaria um intermediário. Entretanto, ele não negou ter declarado aquilo que foi noticiado, que seria justamente essa mensagem a respeito de uma não realização de eleições caso o voto impresso não fosse aprovado.

General Villas Bôas antes da votação do habeas corpus de Lula no Supremo – Essa situação me leva até a fazer uma analogia com o tweet do general Villas Bôas em 2018. De alguma maneira, ali foi uma forma mais explícita, ele usou a conta pessoal do seu Twitter e se manifestou como comandante da Força, deixando ali no ar, uma coisa que foi muito criticada por toda a sociedade, uma ameaça velada às votações que iriam ocorrer no STF no dia seguinte (do habeas corpus de Lula).




PEC do voto impresso no Congresso e desinformação – Hoje, nós estamos diante de um movimento do Legislativo no sentido de aprovar ou não a adoção de medidas complementares de segurança ao sistema eleitoral que está em vigor. Não usou o Twitter, mas pode ter usado a desinformação ou uma declaração realizada em ambiente informal ou não. Mas, o fato é que a mensagem surgiu, foi explorada pela mídia e entrou no debate público. Não deixa de ser uma maneira de também exercer uma certa pressão, diante da indefinição de se de fato ocorreu ou não essa declaração. Mas, somente o fato da suposição já exerce, de alguma maneira, alguma pressão dentro do processamento dessa aprovação no que diz respeito ao voto impresso na Câmara.

Além da bravata? – Eu acredito aí que, sem entrar nos detalhamentos de como tudo aconteceu, até porque não temos certeza de como se processou, vamos ampliar um pouco o espectro e imaginar: se realmente nessa mensagem teria que haver uma conotação que vá além da simples bravata… As Forças Armadas estão muito bem comandadas e lideradas, têm passado mensagens de votação democrática e respeito às instituições; as Forças Armadas estrutura militar, militares da ativa, alto comando. Um sistema eleitoral que está estabelecido, e a autoridade competente para se manifestar a respeito da credibilidade ou não já se manifestou, o presidente do TSE, por inúmeras vezes, garantindo à sociedade de que é um sistema seguro e que não há a mínima possibilidade de fraude. E temos aí a palavra de um presidente que vem levantar suspeitas e que faz denúncias de que houve fraude nas eleições passadas, sem apresentar provas.

“Situação inimaginável” – Diante dessas três realidades, é possível que a sociedade imagine que essas Forças Armadas vão atuar em defesa do pensamento equivocado de um presidente em detrimento do respeito ao Poder Judiciário, que detém o sistema eleitoral e garante que é confiável? Eu, honestamente, trago aqui o testemunho, por conhecer as pessoas que estão no alto comando, de que é uma situação inimaginável. Está aí a declaração do nosso vice-presidente: nós não estamos numa república de bananas. As instituições estão já fortalecidas o suficiente para que se um tipo de bravata dessa, mesmo que tenha sido conduzida em ambiente informal, coisa que não deveria acontecer.

“Não tem esse direito” – O que eu gostaria de salientar é que, às vezes, os militares não têm noção do peso das suas declarações quando investidos de um cargo com a projeção que tem um ministro da Defesa, um chefe da Casa Civil, seja lá qual for o cargo do primeiro escalão. Eles têm que ter muito cuidado com o que falam, porque além de a mensagem ter um potencial muito grande, por trás daquela declaração, e mesmo sendo da reserva, ele coloca por trás da declaração a própria instituição a que ele pertence: as Forças Armadas. Então, é um cuidado redobrado. Acredito que todo civil que ocupa cargo público tem que ter essa consciência das declarações que fazem ao público, e muito mais cuidado deve ser tomado pelas autoridades que são militares da reserva, por conta dessa vinculação que a sociedade imediatamente faz, de uma maneira automática, em associar aquelas declarações feitas como cidadão ocupante de cargo civil e o vínculo com as Forças Armadas, que detêm o monopólio do uso da força. A associação é automática. Por isso, o general Braga Netto, como ministro da Defesa, em relação ao tema que foi abordado na notícia, ele estaria até obrigado de pensar isso. Ele não poderia em nenhum momento fazer esse tipo de declaração, mesmo em ambiente controlado ou em ambientes informais. Ele não tem esse direito de manifestar um pensamento dessa natureza, que agride frontalmente a um ou outro Poder. Eu estou aqui trabalhando suposições, não posso, de alguma maneira, dizer que ele fez a declaração ou não, porque é um ponto obscuro. Mas, a maneira como esse assunto chegou ao conhecimento da sociedade leva a acreditar que alguma coisa houve.

CPI da Covid investiga denúncias de corrupção de militares na negociação de vacinas – Primeiro, em relação ao envolvimento dos militares, no caso o coronel Elcio (Franco, da reserva do Exército), secretário-executivo do ministério da Saúde (hoje assessor especial da Casa Civil) em suspeitas de corrupção. Eu entendo que os militares, por se levarem uma vida muito restrita, a caserna, de certa forma, podemos conceituá-los como ingênuos. Não estou querendo de antemão afirmar que as questões levantadas não são verdadeiras ou que os militares se deixaram envolver por ingenuidade. Mas, é uma possibilidade. O fato é que não existe nada comprovado ainda. É importante esperar, saber a comprovação dos fatos para se omitir algum juízo a esse respeito. Mas, eu deixo a mensagem em relação a esse primeiro aspecto da seguinte maneira: os militares são muito vulneráveis a se envolverem com essas negociatas, porque não têm a expertise do que com certeza eles não fazem na caserna, porque não lidaram com isso durante a sua carreira. Mas, não estou querendo dizer de antemão que tenha ocorrido isso, até porque, conhecimentos básicos, todo coronel que chega a esse posto tem conhecimento obrigatório. Nos comandos dos batalhões, eles têm atividades que estão relacionadas com essa questão administrativa, de conhecer bem a lei de licitações e contratos. Então, também não são tão ingênuos a ponto de se deixar envolver inadvertidamente. Mas, é algo que a gente tem que aguardar.

Presidente da CPI, senador Omar Aziz fala em “banda podre” dos militares e gera reação forte das Forças Armadas – Em relação ao atrito, à troca de declarações infelizes ambas, na minha opinião, entre o presidente da CPI e o comandante do Exército (general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira), é aquele ditado: existem três coisas que não voltam: a flecha atirada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida. Nesse caso, o presidente da CPI, o senador, foi infeliz ao usar o termo “banda podre”, porque transmite uma ideia de que há uma quantidade considerável de corruptos dentro do Exército, ao ponto de merecer esse rótulo, coisa que não têm aderência com a realidade. Em seguida, ao saber da repercussão daquela declaração, ele, de imediato, se pronunciou de maneira muito correta, muito educada, muito civilizada, deixando claro que aquela manifestação, aquela declaração não tinha nenhuma intenção de atingir a instituição como um todo. Mas, mesmo assim, veio a nota, que não saiu do comandante do Exército, a quem foi dirigida aquela palavra agressiva, mas já de uma maneira conjunta dos três comandantes das Forças e assinada pelo ministro da Defesa. Também veio em um tom inadequado, porque, embora tenha usado o termo infeliz, não havia o porquê, depois da retratação feita logo em seguida, de ter aquele tipo de reação.

Reações e reações – Acredito até que a maneira mais eficiente de se manifestar a esse respeito para alguém que está interessado em não alimentar discórdia, em promover a união, que é uma obrigação de toda liderança antes de tudo… Quando servimos a um Estado, temos que trabalhar para manter esse Estado unido, sua sociedade… Poderíamos ter declarações bem mais amenas, como no sentido de que, se há uma “banda podre”, conte com o nosso suporte, o nosso apoio, para que sejam identificadas as responsabilidades, porque também nós estamos imbuídos de identificar irregularidades e desvios, e punir de maneira adequada e justa. Ao invés de ir contra, se juntar a ele no sentido de manifestar interesse de identificar os possíveis erros, comprovadamente, e adotar as medidas justas, sejam elas criminais ou disciplinares. Então, acredito que foi uma infelicidade, não só em relação ao termo que foi usado pelo presidente da CPI, como também o tom da resposta dos três comandantes das Forças. Acho que não contribui em nada no processo de unidade, de não alimentar discórdias no âmbito da sociedade.

Carreira política? – A gente nunca pode dizer que dessa água não beberei. No momento, não tenho nenhuma ambição nessa área. As minhas participações têm sempre sido com a intenção de trazer informações, trazer esclarecimentos relativos a uma instituição à qual servi com orgulho durante 40 anos, e carrego esse orgulho até hoje. Então, eu, na condição de militar da reserva, sem querer ser porta-voz dessa instituição, mas com base na experiência desses 40 anos de serviço, tenho me manifestado, sempre que julgo necessário, no sentido de defender as ideias em que eu acredito, os valores com os quais fui formado na minha carreira militar.

Orgulho de Exército – Tudo o que eu tenho na vida, devo ao Exército. Entrei no Exército aos 15 anos de idade, oriundo de Fortaleza, de uma família que não tinha militares. Meus pais eram professora e advogado. E consegui chegar ao curso de general. Isso daí é uma coisa da qual me orgulho. E reconheço muito essa postura da instituição em cima de adotar a meritocracia e levar aos postos elevados pessoas que demonstram durante a sua carreira um desempenho merecedor. Então, tenho essa gratidão muito grande à instituição e sempre terei, pela minha formação e pelas minhas convicções. Tenho essa intenção de colaborar e defender a instituição quando é possível defender. Quando não é possível, não vamos defender o indefensável, vamos criticar, vamos trazer para o debate. Mas, sempre com o objetivo de melhorar a instituição e, no sentido mais amplo, já que agora sou cidadão numa maior plenitude do que já era como militar, contribuir para o pensamento do processo democrático e o desenvolvimento da nossa sociedade. Essa é a minha motivação, isso é o que posso responder no momento.

Página 3 da Folha da Manhã

Confira, abaixo e em vídeo, os três blocos com a íntegra da entrevista do general Francisco de Brito Filho ao Folha no Ar da manhã de sexta-feira (23/7):









Teste para o instituto da Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo

Grupo articula formas de melhorar ambiente de negócios

Fernando Exman / Valor Econômico

A criação da Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo, uma ideia promissora lançada no fim do primeiro semestre, será testada tão logo o Poder Legislativo retorne das férias de meio de ano.

Vá lá: o recesso é uma previsão legal. Está no artigo 57 da Constituição que a sessão legislativa será realizada de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1o de agosto a 22 de dezembro. Só não há paralisação em julho quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deixa de ser aprovada a tempo, o que foi evitado, às pressas, por deputados e senadores na primeira quinzena do mês.

Foi por pouco. Ficou no ar o questionamento se o Congresso deveria parar de trabalhar em meio à pandemia e aos graves efeitos da crise sobre a economia. Deputados mais ousados chegaram a usar uma expressão da moda, “direito adquirido”. Alguns ponderaram que a pausa poderia arrefecer a crise, cenário que não se transformará em realidade.

Outros permanecem trabalhando, mesmo longe de Brasília. É o caso do deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP), presidente da frente, cujo primeiro desafio é diferenciar esta das outras cerca de 350 que estão em funcionamento.

Banalizou-se o instituto da frente parlamentar, antes visto como um meio legítimo - e muitas vezes eficaz - na defesa de interesses no Legislativo e perante outros Poderes.

Até o presidente Jair Bolsonaro achou, no início do mandato, que poderia governar o país estabelecendo contato direto com elas e driblando as cúpulas partidárias. Vê-se que não deu certo: precisou formalizar o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), na Casa Civil.

A proliferação de frentes parlamentares acabou gerando dúvidas em relação à real efetividade desse instrumento e até mesmo quanto à legitimidade de determinadas ações por elas advogadas.

Mas a Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo tem algumas especificidades. Deputado de primeiro mandato, Alexis Fonteyne conta que a ideia de criá-la surgiu no fim do ano passado, quando muitas entidades setoriais o procuraram por ser um representante da classe produtiva, principalmente industrial. Elas queixavam-se que o governo não estava renovando medidas de antidumping ou outros benefícios voltados a segmentos específicos.

É o tipo de pressão que se vê com frequência no Legislativo. E raramente o que está em discussão é o bem do consumidor ou o interesse nacional.

Essas entidades haviam se esquecido da orientação ideológica do deputado. “Ninguém falando em melhorar o ambiente interno de competitividade. Todo mundo reclamando de novo que as proteções estavam caindo, e aí entrava num conflito de interesses comigo. Falei que não vou por esse caminho, não vou defender proteção”, lembra, acrescentando que, por outro lado, nenhuma associação se comprometia para valer a apoiar as reformas trabalhista ou tributária, por exemplo.

Olhando para fora do Congresso, percebeu que no Ministério da Economia duas instâncias convergiam com o que o grupo de parlamentares poderia ajudar a construir: a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade e a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Na sociedade civil, o Movimento Brasil Competitivo (MBC), presidido por Jorge Gerdau, já seguia a mesma trilha. “Mas não tinha o braço legislativo”, diz. “E ele é fundamental para este movimento, pois somos nós que vamos aprovar lei, propor leis, cobrar do Executivo.”

A frente parlamentar teve o diferencial de contar já em seu nascituro com o apoio técnico do MBC e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), argumenta. A bancada do agronegócio, uma das mais fortes no Congresso e caso de sucesso neste ramo de atuação, tem apoio semelhante do setor que representa. A propósito: o MBC possui um mapa dos principais custos que pesam sobre as costas dos empresários e deve lançar um índice periódico para medir sua evolução.

Decidiu-se, também, que o grupo trataria de temas estruturantes e horizontais. A ideia é evitar que o interesse específico de um setor esbarre nas sensibilidades de outros segmentos da economia. “Esta frente fala de competitividade, custo Brasil. Não há setor que vai ser contra. É uma frente parlamentar que vai ter uma visão zero corporativa de proteção ao mercado. Vamos ter a missão mais árdua, de fazer a tarefa de casa. Temos que mexer naquilo que atrapalha a nossa competitividade global.”

A escalação do time teve método. O primeiro vice-presidente é o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Alexis Fonteyne explica que o colega, outro que estreou no Congresso após carreira no meio empresarial, é um exemplo de sucesso da abertura de mercado no setor de informática. “A Positivo foi fruto dessa abertura de mercado.” O segundo vice-presidente é o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), ex-ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços - o Mdic sempre foi um ponto de interlocução entre o empresariado e o governo federal, mas foi colocado sob o guarda-chuva da Economia na atual administração.

Há ainda coordenações setoriais. Cada uma delas é encabeçada por um deputado que se dedica a esses temas no dia a dia. Ou seja, são bandeiras que esses parlamentares já defendem e deverão manter nas próximas campanhas e mandatos. “Tudo isso é emprego. Brasil competitivo é emprego, que é a preocupação número 2 do brasileiro, depois da covid.”

O grupo definirá sua agenda legislativa em agosto, a qual conterá, por exemplo, a reforma tributária (consumo e renda), os marcos legais dos setores elétrico e ferroviário, as debêntures de infraestrutura e as novas regras para o licenciamento ambiental. São pautas que enfrentarão longo debate.

Na relação com o Executivo, a minirreforma ministerial gera incertezas. Há discussões em andamento com as áreas técnicas do Ministério da Economia que seguirão para a nova pasta do Trabalho a respeito das normas regulamentadoras sobre segurança do trabalhador (NRs). Reduzir a complexidade do eSocial é outra preocupação. Ainda resta tempo antes do início das campanhas eleitorais.


Fim da fila da vacina para quem tentar escolher o fabricante

O sommelier de vacina é um egoísta, um baita ignorante

Mariliz Pereira Jorge / Folha de S. Paulo

A Prefeitura de São Paulo, a exemplo do que já tinha feito a de Belo Horizonte, decidiu que vai para o fim da fila quem tentar escolher o fabricante do imunizante contra Covid-19. Aos críticos dos sommeliers a medida parece justa. Quem muito escolhe fica sem nada.

Com mais de 550 mil mortes, parece suicídio recusar qualquer que seja a oferta. Então, que se lasquem. Eu mesma pensei assim, num primeiro momento. Mas não é uma questão de revanche contra quem brinca com a própria sorte numa pandemia.

A medida não parece tão simples de ser cumprida. Aos profissionais de saúde, que já têm a enorme responsabilidade do corpo a corpo com a população, caberia fiscalizar e punir os dribladores. Num país onde a frase favorita é "você sabe com quem está falando?", dá para imaginar de que lado a corda roeria.
Parece também muito fácil chegar a um posto de saúde qualquer e, antes de entrar na fila, obter a informação sobre qual imunizante está sendo aplicado e dar marcha à ré, sem ser enquadrado nem receber uma advertência por escrito. Fazer de conta que o sommelier vai ficar de castigo faz barulho nas redes sociais, ganha espaço na impressa, mas resolve pouco o que de fato importa: ter vacinas, várias, para todos.

Importante dizer que o sommelier de vacina é um egoísta. E um baita ignorante. Sabemos que os imunizantes disponíveis têm performances distintas, mas os aprovados funcionam dentro de um plano nacional que inclui diferentes laboratórios.

Mais vale a maior parte da população vacinada com um imunizante que tem 50% de eficácia do que nem metade imunizada com um mais eficaz, como acontece nos Estados Unidos. O país já enfrenta uma nova pandemia, a dos não vacinados, e vê o número de casos e de internações disparar entre os negacionistas, que representam mais de 95% das mortes pela Covid-19 em alguns estados. Então, pior do que tomar qualquer uma, é não tomar nenhuma.


A batalha das variantes da pandemia da Covid-19

Resta-nos torcer pela gama, mas nos preparar para a delta

Hélio Schwaetsman / Folha de S. Paulo

variante delta vai provocar uma terceira onda de Covid-19 no Brasil? Não sabemos, mas essa é uma possibilidade para a qual precisamos estar muito atentos.

Lidamos aqui com um experimento biológico inédito, que consiste em lançar a nova variante num ambiente em que a cepa dominante é a gama. É Darwin quem dá as cartas. Se a delta apresentar uma vantagem competitiva sobre a gama, então a variante que fez sua primeira aparição na Índia deverá se espalhar com rapidez entre nós, com grandes chances de provocar um novo round de contaminações. A delta já mostrou que é capaz de vencer a alfa e a beta.

Há, é claro, outros fatores a considerar. O mais importante é a quantidade de pessoas que ainda são suscetíveis à infecção por Covid-19. Mesmo que a delta seja muito mais contagiosa do que a gama, a devastação que ela pode causar ficará limitada se a grande maioria da população já estiver imunizada, por vacinas, por ter se recuperado da doença ou por uma combinação dos dois.

E aqui, de novo, a delta preocupa. O Brasil já vacinou 62% da população adulta com a primeira dose, mas apenas 24% estão com o esquema completo. Estudos sugerem que a imunização parcial, que já assegura uma proteção razoável contra as variantes tradicionais, não funciona tão bem contra a delta. Mesmo países que estavam bem mais adiantados na imunização (e com um gap menor entre primeira e segunda doses), como Israel, Reino Unido e EUA, experimentaram repiques quando a nova variante se espalhou.

Nesse contexto, resta-nos torcer pela gama, mas nos preparar para a delta. Não é obviamente o caso de promover lockdowns preventivos, mas prefeitos e governadores deveriam redobrar a cautela antes de relaxar restrições que ainda estão em vigor. É politicamente muito mais custoso ter de recuar em alguma liberação do que prosseguir com cuidado na reabertura. As próximas semanas nos trarão as respostas.


PP escancara a porta para Bolsonaro, mas sob certas condições

Tudo é uma questão de confiança

Blog do Noblat / Metrópoles

Entende o novo chefe da Casa Civil da presidência da República, o senador Ciro Nogueira (PI), que se filiar ou não ao Progressista (PP) é uma decisão que cabe unicamente a Jair Bolsonaro. A porta do partido está escancarada para que ele entre. Será bem recebido.

É só uma questão de Bolsonaro confiar menos ou mais nas chances de se reeleger por um partido de médio porte. O PP ganharia com isso porque certamente aumentaria suas bancadas nas Assembleias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado.

O PSL era um partido nanico até que Bolsonaro o escolhesse para ser candidato a presidente da República. Hoje, mesmo tendo sido abandonado por ele, é dono da segunda maior bancada de deputados na Câmara. Deverá reeleger parte dela.

Mas que Bolsonaro não conte com as facilidades que o PSL lhe ofereceu à época, as mesmas que o PTB e outras siglas lhe oferecem hoje. O PP tem muitos donos e interesses diversos nas regiões do país. Nada disso poderá ser desconsiderado.

O que o Centrão prepara para servir ao general Augusto Heleno

Nada como um dia depois do outro

A sabedoria política ensina que a vingança é um prato que se come frio. Os líderes do Centrão nunca engoliram a ofensa que lhes fez o general Augusto Heleno, atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República.

Quando Bolsonaro lançou-se candidato em 2018, criticou o Centrão chamando-o de nata do pior que existia no Brasil, e disse que jamais se juntaria a ele. Foi no Centrão que Bolsonaro nasceu para a política. Sua reconversão ao Centrão basta para perdoá-lo.

Mas, o general, não. Segue em dívida desde que aproveitou um evento da campanha de Bolsonaro e cantou: “Se gritar pega Centrão não fica um, meu irmão”. A vingança está programada e será servida se Bolsonaro se filiar a um dos partidos do Centrão.

Nesse caso, o general será convidado a filiar-se também. E, se quiser, poderá até disputar um mandato de deputado federal pelo Rio de Janeiro. Ou pelo Estado que preferir.


Está uma farra danada

A conquista da chefia da Casa Civil, coração do governo, é o caminho mais seguro para as ambições do Centrão

Zeina Latif, O Globo

É amplamente reconhecido que a excessiva fragmentação partidária constrange a governabilidade do presidente, pois dificulta a conquista de apoio majoritário no Legislativo. Como aponta Carlos Pereira, a saída encontrada pelos constituintes para conciliar multipartidarismo e presidencialismo foi delegar mais poderes ao Executivo.

 Permitiu-se assim coalizões pós-eleitorais, ao que Sérgio Abranches denominou “presidencialismo de coalizão”. Trata-se de dividir recursos políticos com aliados, como cargos e recursos, em troca de apoio. Não é uma exclusividade brasileira, mas talvez aqui a dependência seja maior.

As reformas eleitorais dos últimos anos começam a surtir efeito, mas há um longo caminho adiante. As cláusulas de desempenho e a proibição de coligações eleitorais para cargos legislativos têm levado à redução do número de partidos. Em 2018, atingiu-se o pico de 30 partidos no Congresso; atualmente são 24 — cifra muito distante dos 12 em 1986.

Os cientistas políticos ensinam que o presidencialismo de coalizão é inevitável; não é uma escolha do presidente. O que varia é sua qualidade: se está associado a um projeto de governo estruturado; o quanto um presidente cede a pressões, a depender de sua força e habilidade política; e seu desenho — por exemplo, ao ceder mais cargos, respeitando o peso legislativo de cada partido aliado, despende-se menos recursos.

Sendo inevitável, era uma questão de tempo Bolsonaro abandonar o discurso da “nova política”. No primeiro ano de governo, com capital político elevado, foi possível driblar a realidade, contando ainda com um Congresso reformista.

Em 2020, porém, assistimos à sua aproximação com o centrão; não por compreender a essência do presidencialismo de coalizão, mas porque precisou ceder, frente à desidratação precoce de sua popularidade.

Do outro lado do balcão, Bolsonaro encontra agora aliados com, aparentemente, menor apetite por ministérios (setoriais e sociais) de um governo mal articulado e com chances limitadas de reeleição. A principal moeda de troca é outra: dinheiro na mão, para beneficiar currais eleitorais e elevar as chances nas urnas em 2022. É o caso das emendas parlamentares.

A novela começou no governo Dilma, que tinha a fama de não honrar acordos políticos. Em 2015, uma Emenda Constitucional (EC) fixou valor para emendas individuais (1,2% da receita corrente líquida prevista no Projeto de Lei Orçamentária). Com Bolsonaro, mais desconfianças.

Em 2019, uma EC definiu que os recursos devem ser transferidos diretamente aos estados e municípios, sem controle da União, e outra tornou obrigatórias as emendas de bancada (equivalem a 1% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior).

A baixa confiança nos presidentes levou, provavelmente, os congressistas a blindarem seus recursos. O resultado foi o aumento da rigidez orçamentária e a redução dos instrumentos de negociação do presidencialismo de coalizão, já que essas emendas estão garantidas.

Assim, foram necessárias novas concessões. Foi criada a emenda do relator para o orçamento de 2020 — mantida para 2021. Não é impositiva, mas consome valor expressivo (R$20 bilhões em 2020).

No total, as emendas parlamentares alcançaram R$35 bilhões em 2020. Seria importante reduzi-las, mas não se resolveria o problema. Os parlamentares buscariam outros caminhos para obter recursos políticos. Se aperta aqui, escapa ali. Exemplos recentes disso são a proposta de fundo eleitoral inflado, a reforma tributária populista que o Congresso quer chamar de sua e o novo Bolsa Família mal desenhado.

Isso sem falar do que já foi aprovado, como os jabutis no projeto de capitalização da Eletrobras. O Orçamento de 2022 promete dor de cabeça.

A conquista da chefia da Casa Civil, coração do governo, é o caminho mais seguro para as ambições do Centrão. Não se trata de prover governabilidade em benefício de uma agenda de governo estruturada, mas sim de um casamento de conveniência em que o presidente-refém sobrevive e o grupo maximiza seus ganhos.

A fraqueza de Bolsonaro aumenta o poder de barganha do Centrão, mas o impeachment não o interessa, pois demandaria a repactuação de acordos com alguém desconhecido.

Bolsonaro fere o espírito de um bom presidencialismo de coalizão. Em um cenário de renovação política, caberá ao próximo presidente acabar com essa farra.


Brigar com vice é mau negócio. O Brasil não precisa de mais esse rolo

Elio Gaspari /O Globo

Em apenas dois meses, Bolsonaro ameaçou não realizar eleições, insultou senadores da CPI, disse que faltou maconha nos protestos contra seu governo e queixou-se da Receita Federal por ter ido “com muita sede ao pote” num projeto que não é dela, mas do ministro da Economia do seu governo. É compreensível que uma pessoa capaz de acreditar que a cloroquina remedeia a Covid-19 e que as vacinas são experimentais acredite em bizarrices. Ex-aluno da Academia Militar das Agulhas Negras, somou -4 com +5, obteve um +9 e viu no desempenho econômico do seu governo “um milagre”: “É inacreditável”.

Atitudes inacreditáveis, porém pontuais, são uma coisa, mas presidente atacando seu vice publicamente é coisa perigosa, que, além de tudo, traz falta de sorte. Bolsonaro disse que seu vice, Hamilton Mourão, “por vezes atrapalha”. Comparou-o a um cunhado: “Você casa e tem de aturar (...), não pode mandar o cunhado embora”. Ao contrário do que acontece com seus cunhados, quem escolheu Mourão para vice foi ele. Aturá-lo faz parte da ordem constitucional.

Fernando Henrique Cardoso e Lula tiveram nos vices Marco Maciel e José Alencar colaboradores exemplares. Nos últimos 50 anos, dois presidentes encrencaram com seus vices: Dilma Rousseff e João Baptista Figueiredo. Ambos se deram mal. Ela foi retirada do cargo, e Michel Temer tomou-lhe o lugar. Figueiredo saiu do palácio por uma porta lateral, enquanto o vice Aureliano Chaves tomava posse no ministério escolhido por Tancredo Neves. Indo mais longe, Jânio Quadros não se dava com João Goulart e renunciou achando que ele não seria empossado. No mínimo, brigar com vice não dá sorte.

Mourão foi escolhido às pressas (o preferido era o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança ) e acreditou que teria uma função relevante no governo, talvez cuidando da infraestrutura. Esqueceu-se da lição de Stanislaw Ponte Preta, o inesquecível personagem do jornalista Sérgio Porto: “Vice acorda mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada”.

Mourão está acima da média da equipe de Bolsonaro e poderia ter ajudado em tarefas mais meritórias do que embarcar para Angola numa missão municipal. Ademais, ele só foi colocado na chapa porque traria consigo um apoio militar. Fosse qual fosse o tamanho desse apoio, também não dá sorte perdê-lo. Sobretudo numa fase durante a qual, para um militar, a associação com Bolsonaro pode trazer vantagens, mas cobra prestígio.

O pior que pode acontecer a um país com mais de 550 mil mortos numa pandemia e 14,7 milhões de vivos desempregados é ter um capitão na Presidência desentendido com um general na Vice. Mourão e Bolsonaro não conseguiram criar uma relação parecida com as dos dois presidentes da ditadura que tiveram vices militares. O almirante Rademaker (vice de Emílio Médici) e o general Adalberto Pereira dos Santos (vice de Ernesto Geisel) dormiam até tarde e foram felizes para sempre.

É sabido que o presidente e seu vice afastaram-se. Contudo uma separação pública de Bolsonaro e Mourão conduzirá inevitavelmente a um reflexo no meio militar. Quando esse veneno entra nos quartéis, a desintoxicação custa caro e demora anos para cicatrizar.


Democratas liberais, em quem votar em 2022?

Augusto de Franco / Democracia Política e novo Reformismo

Democratas liberais não esperam que as mudanças sejam feitas de cima para baixo a partir de um líder escolhido para chefiar o governo. A democracia liberal não é propriamente sobre governo e sim sobre controlar o governo a partir da auto-organização da sociedade.

Por isso, o que nós - os democratas liberais - desejamos é um chefe de governo que assegure um ambiente democrático para que a sociedade, diretamente e por meio de seus representantes eleitos, introduza inovações políticas que, salvaguardada a democracia que temos, permita a continuidade do processo de democratização para que alcancemos as democracias que queremos.

Dito isto, fica claro que a opção dos democratas para chefiar o governo não pode ser manter ou recolocar na presidência um populista, seja um populista-autoritário de extrema-direita (como Bolsonaro), seja um neopopulista de esquerda (como Lula). Líderes populistas, pela sua alta gravitatem, são espécies de buracos negros que introduzem perturbações no campo social, engolindo as energias da sociedade.

Pela sua própria natureza, caudilhos e condutores de rebanhos populistas, desarmam continuamente a sociedade democrática para que ela não possa cumprir o seu papel de controlar o governo e de realizar mudanças moleculares que permitam a continuidade do processo de democratização. Sua busca constante por hegemonia se contrapõe aos legítimos desejos de autonomia de pessoas e comunidades.

Também fica claro, por razões semelhantes, que não se pode entregar a chefia do governo a qualquer líder antipolítico, que pretenda implantar cruzadas de limpeza (como Moro). Nenhuma cruzada de limpeza - seja étnica, ética, religiosa ou nacional - resultou em mais democracia. Pelo contrário, essas iniciativas, em geral moralistas e punitivistas, em qualquer lugar do mundo ou época da história em que foram tentadas, constituíram-se como antessalas de governos mais autoritários.

Via de regra toda antipolítica de limpeza - como o restauracionismo robespierriano - exige a terra arrasada para começar de novo, separando os bons dos maus e com isso sacrificando as liberdades em nome da pureza ou da segurança.

Afastada essas três tentações messiânicas, qualquer candidato que não seja populista ou punitivista - que se comprometa a manter a democracia realmente existente, sem tentar enfrear a continuidade do processo de democratização - é bem-vindo.

Não é necessário que tal candidato seja um democrata radical (quer dizer, liberal - no sentido democrático original do termo). Pode ser um democrata eleitoral ou liberal formal que não queira dar um golpe de Estado (rápido, com tanques nas ruas, ou lento, por erosão da democracia).

Pode ser qualquer um que não queira transformar nossa democracia eleitoral em uma autocracia eleitoral ou mesmo paralisar o processo de democratização para que nossa democracia eleitoral não chegue a ser uma democracia liberal.

Pode ser qualquer um que não queira usar seu cargo para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado por um partido ou por algum movimento para se delongar no governo.

Pode ser qualquer um que não queira, a partir do Estado, educar a sociedade.

O melhor é que não seja alguém muito carismático, que ocupe excessivamente a cena pública com seu protagonismo, sufocando os demais atores e suas iniciativas.

O ideal é que seja alguém discreto, que cumpra suas funções constitucionais e que seja como aquele juiz que pouco aparece numa partida. Governos existem para servir a sociedade e não para tomar o seu lugar.

Sendo assim, não estaríamos mal-servidos com (em ordem alfabética) Amoedo, Doria, Eduardo Jorge, Huck, Leite, Maia, Mandetta, Marina, Meirelles, Roberto Freire, Rossi, Tasso, Tebet - entre outros. Ou até, como última alternativa, com Ciro (ainda que isso possa significar ter que assinar um contrato temporário com o século 20).

*Consultor, palestrante e escritor