Moro

Elio Gaspari: Moro, pede pra sair

Permanência do doutor no governo ofende a moral, o bom senso e a lei da gravidade

As conversas impróprias de Sergio Moro com o procurador Deltan Dallagnol enodoaram a Lava Jato e fragilizaram a condenação imposta a Lula pelo tríplex de Guarujá (SP). Se isso fosse pouco, a postura arrogante do ministro da Justiça nas horas seguintes às revelações do site The Intercept Brasil, obriga muitos daqueles que gostariam de defendê-lo a ficar no papel de bobos: “Basta ler o que se tem lá e verificar que o fato grave é a invasão criminosa do celular dos procuradores”. Antes fosse. O fato grave é ver um juiz, numa rede de papos, cobrando do Ministério Público a realização de “operações”, oferecendo uma testemunha a um procurador, propondo e consultando-o a respeito de estratégias.

As mensagens de Moro e de Deltan deram um tom bananeiro à credibilidade da Operação Lava Jato e mudaram o eixo do debate nacional em torno de seus propósitos. O ministro e o procurador reagiram como imperadores ofendidos, tocando o realejo da invasão de privacidade. Parolagem. Dispunham de uma rede oficial e segura para trocar mensagens e decidiram tratar de assuntos oficiais numa rede chumbrega e privada. Noves fora essa batatada, precisam explicar o conteúdo de suas falas. Sem explicações, a presença dos dois nos seus cargos ofende a moral e o bom senso. No caso de Moro, ofende também a lei da gravidade. Ele entrou no governo amparando Jair Bolsonaro e agora depende de seu amparo. Se o capitão soltar, ele cai.

Em nome de um objetivo maior, a Lava Jato e Moro cometeram inúmeros pecados factuais e algumas exorbitâncias, tais como o uso das prisões preventivas como forma de pressão para levar os acusados às delações premiadas. Como não houve réu-delator que fosse inocente, o exorbitante tornou-se conveniente. Ao longo dos anos, Moro e os procuradores cultivaram e, em alguns casos, manipularam a opinião pública. Agora precisam respeitá-la.

Uma das revelações mais tenebrosas das mensagens é aquela em que, dias depois de divulgar o conteúdo do grampo de uma conversa da presidente Dilma Rousseff com Lula, Moro diz que “não me arrependo do levantamento do sigilo, era a melhor decisão, mas a reação está ruim”.

Não houve “levantamento”, mas quebra, pois a conversa foi interceptada depois que expirara o prazo para as escutas. Dias depois de cometer a exorbitância, Moro explicou-se ao ministro Teori Zavascki com uma argumentação desconexa, até sonsa.

A conversa de Dilma com Lula deu-se no dia 16 de março de 2016, quando eles concluíam a armação da ida do ex-presidente para a Casa Civil.

A reportagem do The Intercept Brasil informa que às 12h44 Moro e Deltan discutiram a divulgação “mesmo com a nomeação”. Sabia-se que Dilma pretendia nomear Lula, mas o telefonema só ocorreu às 13h22. Às 15h27 Deltan disse que sua posição era de “abrir” o assunto e às 18h40 ele estava no ar, detonando a manobra do comissariado petista.

Para quem tinha esse objetivo, foi um sucesso, mas não está combinado que juízes e procuradores se metam em coisas desse tipo. O viés militante de Moro e Deltan na Lava Jato afasta-os do devido processo legal, aproximando-os da República do Galeão, instalada em 1954 em cima de um inquérito policial militar que desaguou no suicídio de Getúlio Vargas.


Hélio Schwartsman: A tragédia do normal

Relacionamentos promíscuos entre juízes e partes são normais demais

As mensagens trocadas entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol sobre os processos de Lula deixam o ex-juiz em maus lençóis. O prejuízo político é líquido e certo. Se o pacote de medidas de segurança proposto pelo herói da Lava Jato e atual ministro da Justiça já era visto com certa má vontade pelos parlamentares, sua tramitação fica agora empacada. Moro tem muitas explicações a dar. Até sua nomeação para uma vaga no STF se tornou mais difícil.

Na esfera jurídica as implicações são mais nebulosas. Pelo que o site The Intercept Brasil divulgou até agora, não há sugestão de que Moro e os procuradores tenham interferido na realidade fática das provas, o que seria inapelavelmente razão para anular tudo. Está claro, porém, que o ex-juiz e os procuradores estabeleceram uma relação de proximidade absolutamente inadequada, que dá substrato à suspeita, desde sempre levantada pela defesa do ex-presidente, de que Moro não atuava com imparcialidade.

Ao fim e ao cabo, caberá ao STF determinar se isso é o suficiente para anular feitos da Lava Jato e, em caso positivo, em qual extensão. Se o vazamento tivesse ocorrido um ano atrás, Moro muito provavelmente passaria incólume. Hoje, contudo, a situação é outra. Em parte devido a erros táticos e posicionamentos políticos inoportunos da força-tarefa, o Supremo já não chancela todas as ações de Curitiba.

Concordo com praticamente tudo o que Celso Rocha de Barros escreveu em sua coluna desta segunda na Folha, mas acho que ele escolheu mal as palavras quando disse que o vazamento dá força à tese de que o julgamento de Lula não foi “normal”.

A tragédia da Justiça brasileira é que manipulações estratégicas e relacionamentos promíscuos entre juízes e partes são normais demais, da primeira à última instância. Se olharmos com lupa, não são muitos os processos que passariam num escrutínio ético um pouco mais rigoroso. É um horror, mas é a Justiça que temos.


Ricardo Noblat: Militares saem em defesa de Moro

Não se abandona um soldado ferido no campo de batalha

Não se sabe quem bateu o bombo. É possível que tenha sido o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, lotado no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da presidência da República, e apontado por seus colegas de farda como a voz mais influente da ala militar do governo do capitão Jair Bolsonaro.

Mas uma vez que o som do bombo ecoou, a tropa obedeceu sem vacilar à ordem de marchar unida em defesa do ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, atingido em sua reputação pelo vazamento das mensagens trocadas com o procurador Deltan Dallagnol quando os dois comandavam a Operação Lava Jato.

O que primeiro se pronunciou foi o general e vice-presidente Hamilton Mourão Filho. Hierarquia é hierarquia, afinal, e ninguém mais a respeita que os militares. Mourão disse que não viu “nada demais” no que foi revelado pelo site The Intercept Brasil. Repetiu a mesma cantilena tocada por Moro desde o último domingo.

A Mourão seguiu-se o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, que raramente aborda em público assuntos estranhos à sua pasta. O general afirmou que Moro continua a merecer a confiança de todos. Não se referiu apenas à sua própria confiança, mas também a das Forças Armadas pelas quais fala.

O general Augusto Heleno, ministro do GSI, engrossou o coro com a declaração mais política entre todas que foram feitas: “O desespero dos que dominaram o cenário econômico e político do Brasil nas últimas décadas levou seus integrantes a usar meios ilícitos para tentar provar que a Justiça os puniu injustamente”.

Ou o general já sabe onde irá bater a investigação da Polícia Federal sobre os responsáveis pelo vazamento do material publicado no The Intercept Brasil, ou cedeu ao viés ideológico que marca o discurso do seu chefe imediato. Augusto Heleno chamou para brigar o PT e seus aliados que não deixam Moro em paz e que jamais deixarão.

Embora presidente, Bolsonaro não pode ser excluído da ala militar do seu governo. No início da noite, seu porta-voz havia dito que ele nada diria por ora a respeito das vicissitudes de Moro e Dallagnol. Mas Bolsonaro acabou dizendo e bem ao seu estilo econômico de falar: “Nós confiamos irrestritamente no ministro Moro”. Táokey?

Está nos dicionários: irrestritamente quer dizer de maneira irrestrita; sem restrição nem limitações. Da Constituição se diz que deve ser “irrestritamente respeitada”, apesar de nem sempre ser. Ela manda, por exemplo, que juiz se comporte com total isenção no ato de julgar. Nada de favorecer parte alguma. Mas… Sabe como é…

Enquanto esteve à frente da Lava Jato, Moro recebeu todas as comendas que o Exército, a Marinha e a Força Aérea poderiam lhe conceder àquela altura. Era preciso pôr um freio à corrupção que crescera exponencialmente durante os governos do PT. E se o PT fosse derrotado nas eleições de 2018, tanto melhor. Foi.

É da ética militar que não se abandona um soldado ferido no meio de uma batalha. Moro foi ferido. A operação de socorro está em curso

Civis, por ora, observam tudo calados

À espera do que virá
Salvo os políticos de oposição, os demais preferiram observar em silêncio as primeiras horas do Caso Moro-Dellagnol detonado pelo site The Intercept Brasil. Prudência e caldo de galinha sempre fazem bem – ou não é?

No escurinho dos gabinetes ou dos apartamentos funcionais de Brasília, em sussurros para não serem ouvidos por estranhos, eles trocaram impressões sobre o que poderá acontecer a Moro, mas concluíram: melhor esperar.

Esperar o quê? As próximas revelações prometidas pelo site. Se elas não forem mais comprometedoras para Moro como as que já se conhece, ele deverá ficar ministro mesmo que baleado. Mas se forem mais comprometedoras, aí…

Mesmo assim ele poderá ficar. Bolsonaro pouco terá a perder se o conservar ao seu lado ou à distância segura. Se antes, com todo o gás, Moro rendeu-se a todas as suas vontades, quanto mais fraco. De resto, sua grife não se desvalorizará rapidamente.

O que se dá como certo no Congresso é que, ali, haverá a partir de hoje grande barulho e aumentarão as dificuldades para que se vote qualquer coisa importante. Mau sinal para quem cobra pressa na aprovação da reforma da Previdência.

O ministro Paulo Guedes, da Economia, identificou o perigo quando disse que sempre que uma decisão importante para o país está prestes a ser tomada, o governo é surpreendido “por uma avalanche de eventos” que acabam por paralisá-lo. Deu exemplos:

“Gravaram o presidente Michel Temer. Não vai ter reforma da Previdência. Pronto, acabou. Toda hora tem uma [divulgação]. Uma é o Michel Temer, outra é o filho do Bolsonaro, outra é não sei o que lá, hoje é o do Moro. Não foi por falta de tentativa, toda hora tem uma [bomba].”

Tempos estranhos, esses, onde um político na folha da Câmara dos Deputados há mais de 28 anos se elege presidente da República como se político jamais tivesse sido, e um juiz que condenou seu principal adversário aceita de bom grado o convite para ser seu ministro.

Brilham os olhos do Zero Um

A esperança do garoto
O enfraquecimento temporário ou não do ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, acendeu a esperança do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) de que seus rolos junto com o ex-motorista Fabrício Queiroz acabem não dando em nada.

Flávio limitou-se a postar em sua página no Twitter a nota de defesa de Moro. Seus irmãos Carlos (Zero Dois) e Eduardo (Zero Três) foram enfáticos ao defender Moro. Quem imaginou que Moro um dia precisaria da ajuda dos garotos do capitão?


Marcus Pestana: Pacote Moro, desarmamento e segurança pública

Não há dúvidas que dois foram os vetores principais a desencadear o tsunami de 2018 e impulsionar as escolhas feitas: a repulsa radical à corrupção e a sensação de insegurança que tomou conta da população diante do crescimento do crime organizado.

Em 2018, foram 51.589 homicídios, representando uma taxa de 25 mortes por cada 100 mil habitantes. Taxa muito alta para os padrões internacionais. Temos baixa capacidade de investigação e esclarecimento de crimes. O processo judicial é lento. O sistema penitenciário é uma tragédia. Temos um déficit de vagas estimado em 288 mil.

A sociedade demanda mais segurança. Mas, mais uma vez, estamos fazendo uso da máxima sobre problemas complexos e soluções simples e equivocadas.

A tentação para abordagens demagógicas sobre o tema foi reforçada no debate nacional por uma parte das lideranças da chamada “nova política”, que vocalizou visões do tipo: “bandido bom é bandido morto”, “precisamos armar o cidadão de bem”.

Diante da forte demanda social por mais segurança, o Governo Federal enviou ao Congresso Nacional um conjunto de medidas já conhecidas como “Pacote Moro”.

Recentemente participei de um debate promovido pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade – RAPS e pelos Institutos Igarapé e Sou da Paz, com a presença de diversos senadores e deputados federais. De tudo o que foi dito, concluí: não é um “pacote” de segurança pública, mas de qualificação da repressão já que é centrado no agravamento das penas, mesmo diante de um sistema penitenciário em crise, que serve mais à morte e como manancial de recrutamento para as organizações criminosas, do que para a recuperação e reinserção social dos que transgridem as leis.

Não cuida da prevenção em nenhum nível: seja no plano educacional e familiar, seja no fortalecimento das estruturas policiais e estratégias de dissuasão ou no, plano terciário, em evitar a reincidência. Não avança o SUSP e nem revoluciona o processo penal. Não cuida da integração das polícias e não fortalece alternativas como as APACs e as PPPs para construção e manutenção de presídios. O viés principal é o aumento de penas, o que já se revelou ineficaz.

O pior de tudo é que paralelo a tudo isto, o Governo Federal publicou decreto presidencial, considerado inconstitucional por muitos, desmantelando o Estatuto do Desarmamento e flexibilizando a posse e o porte de armas. Moro ficou distante, quase omisso, neste debate.

Cabe realçar a iniciativa de onze ex-ministros da Justiça e da Segurança Pública de publicar na Folha de São Paulo, no dia 4 de junho de 2019, a sua “Carta aberta pelo controle de armas”. Lá está dito:

“O controle de armas e munições é uma agenda central para o enfrentamento do crime organizado e para a redução de homicídios”... “Apesar desses avanços, agora se articula o desmantelamento de uma lei largamente discutida, democraticamente votada e universalmente executada por diferentes governos”... ”Como ex-ministros e cidadãos, estamos convencidos de que ampliar o acesso às armas e o número de cidadãos armados nas ruas, propostas centrais dos decretos publicados pelo Executivo federal, não é solução para a garantia de nossa segurança, de nosso desenvolvimento e de nossa democracia”.

Tudo indica que na questão vital da segurança pública, estamos pegando o atalho errado.


Vera Magalhães: Bolsonaro deixa Moro mais de um ano na chuva

Jair Bolsonaro parece ter pretendido acalmar Sérgio Moro ao dizer em entrevista que vai nomeá-lo para a primeira vaga que aparecer no Supremo Tribunal Federal. O presidente pareceu querer dar uma satisfação à opinião pública de que seu ministro mais popular tem seu aval e, ao mesmo tempo, dizer ao auxiliar para aguentar o tranco do desgaste político porque, ao fim e ao cabo, o tão esperado prêmio da Mega Sena virá.

Será que o presidente é tão ingênuo assim politicamente? Porque ao tornar pública uma promessa que, agora revela, fez em público a Moro quando do convite para que ele aceitasse ser seu ministro da Justiça, Bolsonaro acaba por desgastá-lo ainda mais.

A ficha de Moro também demorou a cair. Em entrevista a uma rádio paranaense, recostado confortavelmente numa cadeira e esboçando um risinho orgulhoso, o ex-juiz parecia feliz com a promessa pública do presidente em entrevista na manhã de ontem.

Depois, diante da evidência de que anúncio tão prematuro o expõe e o deixa ao sabor das intempéries políticas por mais de um ano, Moro passou a dizer que a futura ida ao Supremo não foi condicionante para que aceitasse a Justiça.

É óbvio: ao associar os dois movimentos, Bolsonaro deixa Moro ao sabor das teorias de que agiu politicamente quando juiz da Lava Jato, transforma uma das pastas mais importantes de seu próprio governo num mero pedágio para um objetivo maior e dá tempo aos que não toleram Moro de tramar algo para dinamitar seu caminho ao Supremo nesse longo período de exposição.

Esse último movimento já começou: parlamentares se movimentam para aprovar nova extensão na idade compulsória para aposentadoria de magistrados, de 75 para 80 anos, para tentar tirar de Bolsonaro a prerrogativa de indicar o sucessor de Celso de Mello.

Moro é neófito na política, daí por que os tombos que vem levando nessa relação sejam compreensíveis. Bolsonaro, não. Que erre tanto e de forma tão sistemática em tudo que exige um mínimo de sofisticação de raciocínio é um bom indicador de por que seu governo patina tanto nesse começo.


Ricardo Noblat: Suprema maldade com Moro

De mãos abanando

Deputados e senadores ferozmente contrários à aprovação do pacote de combate ao crime e à corrupção enviado pelo governo ao Congresso cogitam uma suprema maldade para atingir diretamente o ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, a quem temem e querem ver pelas costas.

Moro foi o autor do pacote. E uma das medidas ali propostas proíbe a indicação para o Supremo Tribunal Federal de quem tenha, nos quatro anos anteriores, “ocupado mandato eletivo federal ou cargo de procurador-geral da República, advogado-geral da União ou ministro de Estado”.

A maldade em estudo: aprovar só parte do pacote, desidratado das medidas mais duras contra a corrupção e de outras que, segundo eles, demonizam a política. Mas manter entre as medidas aprovadas a que impediria Moro de ser indicado a ministro do Supremo como o presidente Bolsonaro promete fazer.

Pela primeira vez em público, Bolsonaro confessou que garantiu a Moro fazê-lo ministro do Supremo, condição para que ele afinal aceitasse ser ministro do seu governo. Sua entrevista à rádio Bandeirantes foi uma maneira de afagar o ex-juiz no momento em que Moro só colhe dissabores.

O mais recente deles foi a aprovação por Comissão Especial do Congresso da devolução ao Ministério da Economia do Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão que na Medida Provisória que deu nova configuração administrativa ao governo foi transferido para o ministério ocupado por Moro.

Dissabor tão recente quanto foi também a assinatura por Bolsonaro do decreto que ampliou o porte de armas. Moro teve apenas 24 horas para examinar o decreto e dar sua opinião. Foi contra ampliação tão ambiciosa. Fez uma série de reparos. Não foi atendido por Bolsonaro.

Daí o afago que ganhou ontem do presidente. “Eu fiz um compromisso com ele porque ele abriu mão de 22 anos de magistratura. Eu falei: a primeira vaga que tiver lá, vai estar a sua disposição”, declarou Bolsonaro, a propósito da futura indicação de Moro para uma vaga de ministro no Supremo.

Tradução do recado de Bolsonaro para Moro: fique comigo até o fim do próximo ano que cumprirei o que combinamos. É claro que a nomeação depende da aprovação do seu nome pelo Senado, e aí é com você. (Moro entrou numa fria por excesso de vaidade.)

Para que Bolsonaro tenha renovado seu compromisso com Moro, expondo o ex-juiz a críticas dos seus desafetos, só parece haver uma explicação razoável: Moro, como alguns dos seus assessores admitiram, ameaçou largar o ministério por já ter sido obrigado a engolir muitos sapos.

Boletim sobre os garotos Bolsonaro

Positivo e operante
Foi um fim de semana de trabalho para os filhos do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais e também fora delas.

A deixa foi dada pelo patriarca, que em entrevista declarou sobre Flávio, o Zero Um:

“O PSL do Rio tem a acusação de três mulheres laranjas. Cada uma recebeu R$ 2,8 mil. Por que recebeu? Para pagar contador. E a imprensa nos acusa, porque meu filho era presidente do PSL, em cima disso. Agora, vai afastar meu filho do Senado por causa de R$ 2,8 mil para três mulheres? Uma acusação política maldosa.”

Flávio valeu-se da deixa para falar ao jornal O Estado de S. Paulo. Disse que não sabe o paradeiro do seu ex-assessor Fabrício Queiroz, acusado de movimentar mais dinheiro do que podia dispor. E que ele traiu sua confiança.

Acusou mais uma vez o Ministério Público do Rio de investiga-lo ilegalmente e de quebrar o seu sigilo bancário. Flávio quer que a investigação seja anulada. Sua entrevista parece uma vacina contra novas informações sobre o assunto que possam vazar a qualquer momento.

Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, alertou seus seguidores no Twitter com uma mensagem enigmática: “Quem achou que as eleições seriam a guerra errou. As eleições foram uma batalha, a guerra está apenas começando”.

Quanto a Carlos, o Zero Dois, que costuma psicografar o pai, limitou-se a reproduzir uma postagem do jornalista Alexandre Garcia no Twitter, acrescentando-lhe um curto comentário. Garcia escreveu:

“Fácil de perceber: os derrotados nas urnas querem impedir no tapetão que sejam postas em prática as teses vitoriosas na eleição.”

Carlos comentou: “Os traíras e caroneiros também”.

Bye, bye, 2019

O ano já deu o que tinha que dar
Se a reforma da Previdência for aprovada no Congresso sem sofrer um radical processo de emagrecimento, agradeça-se em primeiro lugar a Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, em segundo a David Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, e em seguida ao ministro Paulo Guedes, da Economia, e à sua equipe.

Essa é a convicção não só do mercado financeiro, mas também de ministros que cercam o presidente Jair Bolsonaro dentro do Palácio do Planalto. Se a reforma fosse recusada, Bolsonaro não sentiria o menor abalo. Jogaria a culpa no Congresso pela derrota e o culparia também pela paralisação do governo por falta de dinheiro.

Hoje, o governo está parado menos por escassez de dinheiro e mais por falta de comando, de planos, e excesso de conflitos internos. Bolsonaro tenta repetir o que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu com sucesso no seu primeiro mandato – governar no gogó. Com a vantagem de dispor das redes sociais onde é psicografado pelo filho Carlos, o Zero Dois.

A reforma da Previdência será aprovada, admitem líderes de todos os partidos, mas não tão rapidamente como deseja o governo. O mais provável é que fique para ser votada pela Câmara depois do recesso do meio do ano, lá por agosto. Se mais tarde o Senado aprová-la com modificações, voltará à Câmara para novamente ser votada. E assim se consumará 2019.

Não há no horizonte o mais pálido sinal de recuperação da economia. As projeções de crescimento do Produto Interno Bruto estão sendo remarcadas para baixo mês após mês – e tudo indica que assim será até o fim do ano. O desemprego deverá crescer, bem como a inflação, ambos em proporções modestas. O primeiro Natal do país sob Bolsonaro deverá ser uma tristeza.


Bruno Boghossian: Governo não faz muito esforço para manter poderes de Moro

Ex-juiz veste capa de superministro, mas descobre que política é sua criptonita

O governo não faz muito esforço para segurar o Coaf nas mãos de Sergio Moro. A recente derrota do superministro no Congresso mostra que, além da resistência de alguns partidos à expansão de seus poderes, nem sempre Jair Bolsonaro estará na retaguarda para defendê-lo.

A decisão que abriu caminho para tirar o órgão de controle financeiro do Ministério da Justiça expõe uma vulnerabilidade política. Até a última hora, Moro tentou convencer os parlamentares a apoiarem o fortalecimento de sua pasta. O Planalto, no entanto, agiu como se aquela fosse uma batalha particular do ex-juiz.

Quando a votação foi aberta na comissão especial, o líder do governo usou apenas 22 segundos para defender a vontade de Moro. O sempre estridente Major Olimpio (PSL) não brigou pela palavra e a deputada Joice Hasselmann (PSL) só chegou para acompanhar a derrota.

O isolamento ficou completo quando o chefe da Casa Civil pediu que o PSL, partido do presidente, deixasse o trem seguir sem o vagão de Moro. Onyx Lorenzoni procurou os deputados e pediu que aprovassem logo no plenário a medida que reorganiza o governo, deixando o Coaf de lado.

Bolsonaro entregou Moro de bandeja ao Congresso para evitar derrotas maiores. O presidente tem um capital político limitado e, até agora, não conseguiu formar uma base aliada que seja fiel a suas causas. Ele decidiu preservar seus poucos trocados para outras brigas.

Quando convidou Moro para o governo, Bolsonaro lhe prometeu amplos poderes, incluindo o Coaf. Antes de dar de ombros para o órgão, o presidente já havia vetado uma escolha do ex-juiz para um conselho e atropelado as restrições feitas pelo ministro aos decretos que facilitaram o acesso a armas de fogo.

Moro é um personagem mais popular do que Bolsonaro, mas as derrotas sucessivas e o respaldo vacilante do presidente impedem que o subordinado ofusque o próprio chefe. O ex-juiz trocou a toga pela capa de superministro, mas descobriu que a política é sua criptonita.


Bernardo Mello Franco: Ao esnobar Funai, Moro empurra índios para evangélicos e ruralistas

Sergio Moro não quis contestar Bolsonaro na agenda da liberação das armas. Ao fazer o mesmo com a Funai, empurra os índios para o colo de evangélicos e ruralistas

Sergio Moro mobilizou a tropa lavajatista para tentar manter o Coaf no Ministério da Justiça. Não demonstrou o mesmo interesse em reaver a Funai, retalhada numa canetada de Jair Bolsonaro.

Em janeiro, o presidente transferiu o órgão indigenista para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, da pastora Damares Alves. A atribuição de demarcar terras indígenas foi para o Ministério da Agricultura, entregue à bancada ruralista.

Na quarta-feira, Damares informou que pretende manter o que restou do órgão. “A Funai tem que ficar com a mamãe Damares, não com o papai Moro”, disse. O titular da Justiça lavou as mãos sobre o assunto. “Não tenho interesse de ficar com a Funai”, desdenhou.

Entre a gracinha da pastora e o desprezo do ex-juiz, joga-se o futuro de quase 900 mil indígenas. Eles se dividem em 305 etnias, falam 274 línguas e dependem da proteção do Estado. Dezenas de tribos estão sob ameaça permanente de grileiros, garimpeiros e jagunços.

Apesar do desdém de Moro, uma comissão mista do Congresso aprovou ontem o retorno da Funai à configuração original, na pasta da Justiça. Agora o tema será votado nos plenários da Câmara e do Senado.

O senador Randolfe Rodrigues, da Rede, diz que a Funai foi “esquartejada e esvaziada” por Bolsonaro. “Entregar as demarcações para os ruralistas foi o mesmo que nomear raposas para cuidar do galinheiro”.

A ambientalista Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), lembra que os índios ajudam a manter a floresta em pé. “O índice de desmatamento nas terras indígenas é menor até do que nos parques nacionais”.

Nos últimos 40 anos, a Amazônia perdeu 20% da sua cobertura florestal. Nas terras indígenas, a devastação foi de apenas 2%, segundo dados oficiais.

Bolsonaro já deixou claro o que pensa sobre a questão indígena. “Não demarcarei um centímetro quadrado a mais de terra”, disse. Em outra ocasião, ele comparou índios em reservas a animais no zoológico.

Moro não quis contestar o chefe na liberação geral das armas. Ao fazer o mesmo com a Funai, ajuda a empurrar os índios para o colo de evangélicos e ruralistas.


José Roberto de Toledo: O presidente inseguro

Enquanto Guedes e Mourão tratam do que importa, Bolsonaro demite civis do segundo escalão

Quem assegura o presidente? Jair Bolsonaro mandou demitir a suplente de uma comissão de segundo escalão para provar que ainda manda. Ilona Szabó havia sido nomeada horas antes por Sérgio Moro para um cargo simbólico, sem poder nem salário. Daria aparência de diversidade a um governo que – como o episódio provou – se preocupa mais com as redes antissociais do que com a sociedade. Mas bastou uma campanha contra ela no Twitter para Bolsonaro ignorar seus conselheiros, desmoralizar Moro e mandar o ministro demiti-la.

Queimou, assim, mais um punhado de fichas de seu declinante cacife político – e sem ganhar nada com isso: nenhum voto a mais no Congresso, nenhum simpatizante que já não fosse convertido.
Não, não foi apenas uma demissão. Foi ato de quem carece de autoafirmação. O presidente agiu em defesa da própria autoridade, numa tentativa de impor a aceitação de seu poder por quem o cerca. É atitude de quem se acha fragilizado ou de quem busca se libertar de algum tipo de tutela. Qual governante faz isso com dois meses no cargo? E pela segunda vez em poucas semanas? Sim, porque a demissão de Szabó tem a mesma matriz que levou à defenestração precoce do ministro Gustavo Bebianno.

Nos áudios de WhatsApp da conversa que ele disse não ter tido com o ministro, ouve-se Bolsonaro invocar o próprio cargo – “como presidente da República” – para mandar Bebianno cancelar um encontro e uma viagem também desimportantes. Como se precisasse lembrar a si próprio e aos subordinados quem é quem.

Tanto uma quanto outra demissão nasceram da paranoia antiesquerdista de Bolsonaro e família. Da necessidade de perseguir inimigos reais ou imaginários para afirmar a própria identidade. Mas, se fosse só isso, a reação intempestiva do presidente seria acalmada por conselhos temperados de assessores mais experientes e racionais. Sua intransigência mesmo quando confrontado com o desgaste que imporia ao próprio governo é sinal de que a insegurança presidencial tem causa mais complexa.

Talvez Bolsonaro precise de episódios assim para perceber-se empoderado. Enquanto o agora único superministro Paulo Guedes comanda a reforma da Previdência, enquanto o vice Hamilton Mourão se junta aos demais presidentes sul-americanos para tentar evitar um conflito armado na Venezuela, Bolsonaro vai ao hospital, participa de cerimônias decorativas ou mofa no palácio. Demitir civis desimportantes é uma compensação.

Os generais que avalizaram a chegada de Bolsonaro à Presidência devem estar se perguntando quantos outros surtos libertários do presidente eles terão que administrar daqui pra frente. Quem será o próximo sacrificado para assegurar ao chefe que ele é respeitado, que manda, que faz e acontece? E essa próxima vítima vestirá terno, toga ou farda?

Além de tornar evidentes as fragilidades do governo, a demissão forçada de Szabó escancarou a passividade de Moro diante do clã Bolsonaro. O subministro já parecia titubeante ao ter que investigar os laranjas do PSL e as conexões milicianas. Agora, desautorizado publicamente pelo presidente, optou pelo cargo à própria autoridade. Deu mais um passo do laranjal ao bananal.

Aonde tudo isso vai dar? Já está dando. Em apenas um mês, Bolsonaro perdeu dez pontos de popularidade. Uma pesquisa feita no fim de janeiro e que nunca chegou a ser divulgada dava 67% de aprovação ao presidente. A da CNT, feita um mês depois, apontou 57%. Significa que Bolsonaro ainda tem a aprovação da maioria, mas está gastando à toa e rápido demais o estoque de boa vontade dos brasileiros. E faz isso antes de um momento crítico, quando precisará de popularidade para convencer deputados e senadores das mudanças que quer fazer no sistema de aposentadorias e pensões.

Como tubarões que sentem uma gota de sangue no mar, os congressistas perceberam a fragilidade do governo, impuseram uma derrota simbólica revogando um decreto presidencial e estão exigindo contrapartida em cargos e emendas ao orçamento. Já os grupos de pressão e lobbies corporativos vão cobrar sua parte em exceções e privilégios na reforma da Previdência. As demissões autoafirmativas de Bolsonaro custam caro. E, a se repetirem, custarão muito mais.

Quem segura o presidente?

*José Roberto de Toledo, Jornalista da piauí, foi repórter e colunista de política na Folha e no Estado de S. Paulo e presidente da Abraji


Hélio Schwartsman: Moro se apequena

Desnomeação de Ilona Szabó mostra que ministro não tem plenos poderes para lutar contra a corrupção

O episódio da desnomeação de Ilona Szabó para uma vaga de suplente no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) apequena a biografia do ministro Sergio Moro e engrandece a estultícia do núcleo duro do governo. Comecemos pela última parte.

Não se questionam as credenciais de Szabó para participar do Conselho. Ela atua há 15 anos como especialista em segurança pública, tem título acadêmico na área por instituição estrangeira de renome (Universidade de Uppsala) e goza de prestígio entre os pares. É verdade que ela se opõe à política do governo de flexibilizar a posse e o porte de armas, mas essa é uma posição quase consensual entre os acadêmicos.

Quando as redes sociais do bolsonarismo, capitaneadas pela incansável prole presidencial, “vetam” o nome de Szabó, revelam uma ignorância abissal em relação ao que sejam conselhos. Se o objetivo é consolidar certezas que governantes já têm, nem seria preciso dar-se ao trabalho de criar esses órgãos.

Eles só existem porque o dirigente sensato sabe que pode estar errado e procura precaver-se contra seus próprios vieses ouvindo opiniões qualificadas dissonantes da sua. Idealmente, para tentar contornar o viés de confirmação, conselhos deveriam reunir mais vozes identificadas com a oposição do que com a situação.

Quanto a Moro, ao ceder à pressão das hostes duras do bolsonarismo, revela que está longe de ser o ministro que teria plenos poderes para acabar com a corrupção. Até entendo que ele não tenha ido como um pitbull para cima de Flávio Bolsonaro logo na primeira semana de governo. Também acho razoável que tenha fatiado seu pacote de medidas legislativas. Política, afinal, se faz com negociações.

Mas, quando ele não consegue nem nomear o suplente de um conselho relativamente obscuro, é sinal de que a independência, se um dia existiu, já foi embora. Talvez seja hora de sair também, para preservar a biografia.


Maria Cristina Fernandes: Previdência testará serventia de Bolsonaro

Ambições de Moro, Guedes e caserna superam trapalhadas

A reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro foi talhada para arregimentar o apoio dos trabalhadores mais pobres dos centros urbanos contra a elite do funcionalismo. É este o fundamento da progressividade da proposta que reduziu a alíquota dos servidores públicos e dos trabalhadores da iniciativa privada com rendimento até um salário mínimo para 7,5% e aumentou aquela de carreiras de Estado com rendimentos alinhados pelo teto para 16,8%.

Esta será a propaganda que escorregará para a fantasia se incorporar o discurso de que a alíquota máxima será de 22%. Este percentual apenas incidirá para aqueles que recebem acima do teto de R$ 39 mil, só ultrapassado com penduricalhos que não entram na base de cálculo da contribuição previdenciária.

Entre aqueles que serão onerados com alíquotas de 16,8% estão servidores responsáveis pelo caixa do Estado (Receita, Tesouro e Banco Central), pelo sistema de Justiça (juízes, procuradores e defensores públicos) e pelas castas mais altas do Legislativo. Contra esta tropa, a proposta tem as digitais militares e a aposta redobrada na mobilização pelas redes sociais.

Entre os militares da reserva que compõem o primeiro escalão do governo, há generais que recebem aposentadorias de R$ 12 mil, o equivalente a menos de um terço dos rendimentos previdenciários da elite do funcionalismo alvo da proposta.

Ao reduzir, ainda que simbolicamente (meio ponto percentual), a alíquota dos trabalhadores de mais baixa renda, o presidente Jair Bolsonaro se dirige às periferias urbanas que engrossaram a votação do PT em 2018, e busca incorporá-las à sua base de apoio. Precisará delas para enfrentar desgastes em setores do seu próprio eleitorado que viu seu discurso de campanha envelhecer precocemente.

Ao manter a equiparação da idade mínima dos trabalhadores dos setores público e privado como cerne da proposta, o presidente apostará no discurso da justiça social para reverter o desgaste. Não terá, no entanto, facilidade em emplacar o figurino Robin Hood. Enfrentará o dissabor de trabalhadores rurais que terão que comprovar contribuição de 20 anos para uma aposentadoria hoje automaticamente concedida por idade. Encontrará ainda a resistência à elevação de 65 anos para 70 anos para o acesso ao Benefício de Prestação Continuada que atende os 3 milhões de idosos mais vulneráveis da população.

A proposta foi hábil em três lances. Mitigou os danos sobre categorias com poder de mobilização urbano, como professores e policiais. Protegeu os militares das barganhas corporativas, jogando as mudanças no seu regime para uma proposta posterior. E, finalmente, ao mandar para a legislação complementar as regras da previdência privada, também adiou o embate entre fundos de pensão de servidores e os bancos gestores de fundos de previdência.

A proposta é talhada para o embate entre redes sociais, de um lado, corredores e galerias do Congresso, espaço por excelência das corporações, do outro. O espetáculo da demissão do secretário-geral da Presidência, no entanto, mostra um golpe no modelo virtual ainda a ser superado. Um governo minoritário não é capaz de se mover sem acordos no Congresso e não é possível mediá-los quando a política é operada "on the records".

Michel Temer perdeu qualquer capacidade de operar quando teve seus diálogos com Joesley Batista expostos à luz do dia. A diferença é que a iniciativa de exibi-los partiu de um réu acuado. No governo Bolsonaro, é uma manobra apadrinhada pelo próprio presidente. Nem se o PSL fosse um partido de anjos teria chance de dar certo.

A aposta redobrada nas redes terá a 'prensa' como órgão auxiliar de sua articulação política. A surpreendente companhia feita pelo ministro da Economia ao colega da Justiça na apresentação do pacote de combate à violência e à corrupção mostra que ambos esperam que a tramitação conjunta dos projetos lhes traga benefícios mútuos.

Verbalizado ainda na transição, por Paulo Guedes, o modelo da 'prensa' parte do pressuposto de que os parlamentares não negariam reformas a um governo intransigente na defesa da moral pública. O novo Congresso ainda não havia tomado posse quando o filho mais velho do presidente se tornou vítima desse alçapão. Foi apenas a primeira. A exibição do laranjal do PSL mostrou que o partido de Bolsonaro só contribuiu com a renovação das fichas corridas do Congresso.

O enfraquecimento de Bolsonaro levou Moro a transformar o combate ao caixa dois de eixo fundamental em acessório, enferrujando precocemente a 'prensa'. O ministro deixou seu pacote refém da crítica de que tem visão unilateral do combate à violência. Credita-o mais ao endurecimento das penas do que à transparência das políticas de segurança pública e ao combate da corrupção policial.

A aliança entre Moro e Guedes ainda cobrará do ministro da Justiça a defesa de uma proposta que atinge os benefícios previdenciários de sua base no Judiciário e no Ministério Público. O ministro conta, no entanto, com o apoio de fatia das redes sociais bolsonaristas que se afastaram do presidente mas mantêm sua aposta no Partido da Justiça e em suas pretensões de poder. A aliança com os ministros da caserna é nítida no entrosamento com o qual incorporaram o combate ao narcotráfico à política de segurança nacional, ícone do alinhamento militar entre Brasil e Estados Unidos.

A dobradinha entre Moro e Guedes mostra que as ambições deste governo ultrapassam as trapalhadas da família Bolsonaro. Juntos, abriram frentes de batalha contra o Sistema S, contra os adversários da Lava-Jato e, agora, se insurgem contra as castas da Previdência. Compraram mais inimigos do que a mobilização política do governo é capaz de enfrentar. Para lhes ser útil, Bolsonaro terá que ser capaz de mobilizar a audiência.

No melhor dos cenários, a reforma da Previdência, vai operar uma mudança na base de apoio bolsonarista semelhante àquela do governo Luiz Inácio Lula da Silva. No pior, cederá espaço à aliança entre a caserna e Moro, que usufruirá da prerrogativa de liderar um Estado policial que prescinde das baionetas para se impor.


Bernardo Mello Franco: O pacote de Moro e a licença para matar

Pacote de Moro dá forma a uma obsessão de Bolsonaro: o excludente de ilicitude. Hoje a polícia brasileira já é a que mais mata no mundo

O pacote de Sergio Moro deu forma jurídica a uma obsessão de Jair Bolsonaro: o chamado “excludente de ilicitude”. O presidente quer mudar a lei para permitir que os policiais atirem sem risco de punição. “Se alguém disser que quero dar carta branca para policial militar matar, eu respondo: quero sim”, ele explicou, no início da campanha.

O Código Penal já diz que não há crime quando o agente mata “em estado de necessidade”, “em legítima defesa” ou “em estrito cumprimento de dever legal”. O projeto de Moro amplia as hipóteses de impunidade. Afirma que o juiz poderá “reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la” se o policial matar sob “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

A eleição de 2018 consagrou o discurso do “bandido bom é bandido morto”. A bancada da bala aumentou, e Bolsonaro chegou ao Planalto repetindo que “soldado nosso não senta no banco dos réus”. “Enquanto nós não dermos essa carta branca para o policial atirar para matar, nós não teremos como reduzir a violência no Brasil”, ele disse. O problema é que os números indicam exatamente o contrário. A polícia nunca matou tanto, e o país nunca registrou tantos homicídios.

Em 2015, os policiais militares e civis da ativa mataram 3.330 pessoas. Em 2016, o número saltou para 4.240. Em 2017, chegou a 5.159, de acordo com dados atualizados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O total de homicídios também cresceu ano a ano, até alcançar o recorde de 63.895.

O professor Paulo Sérgio Pinheiro, secretário de Direitos Humanos do governo FH, vê a proposta de Moro como uma “apologia à violência policial”. “Facilitar as execuções extrajudiciais não vai melhorar em nada a segurança pública. Se isso funcionasse, o Brasil seria o país mais pacífico do mundo”, afirma.

O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, pede cautela com o “populismo penal”. “Estou muito preocupado, porque o volume de pessoas mortas pela polícia já bate todos os recordes. Se o agente disser que atirou sob violenta emoção, será absolvido sumariamente?”, questiona.