Moro
Bruno Boghossian: Debate sobre transferência de Lula resume uma política contaminada
Petista está preso há quase 500 dias, mas opositores ainda buscam revanche
As decisões dos juízes de São Paulo e do Paraná animaram a militância bolsonarista. “O presidiário pode ficar em cela coletiva!”, comemorou a deputada Carla Zambelli (PSL). Lula está preso há quase 500 dias, mas alguns de seus opositores ainda estão em busca de revanche.
A discussão sobre uma possível transferência do petista de uma sala da Polícia Federal para uma penitenciária comum resume a contaminação do debate público no Brasil. O episódio conseguiu desgastar ainda mais as relações políticas e institucionais dos dois lados do fosso.
O ex-presidente estava na superintendência da PF em Curitiba por determinação da Justiça. Quando mandou prendê-lo, Sergio Moro afirmou que, em razão do cargo que havia ocupado, Lula deveria começar a cumprir sua pena “separado dos demais presos, sem qualquer risco para a integridade moral ou física”.
Um subordinado de Moro achou que isso deveria mudar. O superintendente Luciano Flores disse que a presença do ex-presidente mudou a rotina do prédio e que apoiadores do petista passaram a se aglomerar na região, demandando a presença constante de policiais. Isso acontece há 16 meses, mas só agora o órgão pediu a transferência do preso.
Ao saber que o ex-presidente poderia ser levado para o sistema prisional de seu estado, João Doria (PSDB) tentou passar a mão no troféu. “Ele será tratado como todos os outros presidiários”, escreveu. “Se desejar, terá a oportunidade de fazer algo que jamais fez na vida: trabalhar!”
O tom de vingança provocou reação de deputados de vários partidos. Na Câmara, um tucano foi ao microfone e disse que a decisão era absurda. Parlamentares pediram ao Supremo que julgasse o assunto no plenário. Os ministros suspenderam a transferência por 10 votos a 1.
O STF pôs de pé uma resposta institucional. A imagem de Moro se deteriorou um pouco mais, tanto no tribunal quanto no Congresso. De outro lado, os apoiadores do ex-juiz e de Bolsonaro tomam fôlego para atacar essa aliança. O fosso aumenta.
Bernardo Mello Franco: Moro quer acumular papéis de vítima, investigador e juiz
Os vazamentos da Lava-Jato indicaram que Moro atuou como juiz e assistente da força-tarefa. Agora ele acumula os papéis de vítima, investigador e acusador
Amanhã completam-se 50 dias desde que o site Intercept Brasil divulgou os primeiros diálogos da LavaJato. De lá para cá, a Polícia Federal identificou e prendeu os responsáveis por interceptar conversas de agentes públicos. As instituições parecem estar funcionando na apuração dos vazamentos. Falta se interessarem pelo teor das mensagens.
A facilidade com que hackers de Araraquara violaram segredos da República é tão espantosa que arrisca ofuscar o resto da história. Num resumo rápido, os chats revelaram que Sergio Moro acumulou os papéis de juiz e assistente de acusação nos processos de Curitiba.
O atual ministro passou dicas, indicou testemunhas e antecipou ao menos uma decisão ao procurador Deltan Dallagnol. Além disso, orientou o Ministério Público a recusar a delação de um político (do ex-deputado Eduardo Cunha) e desistir de uma investigação sobre outro (o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso).
Os diálogos indicam que Moro abandonou a neutralidade exigida de um magistrado. O Código de Processo Penal afirma que o juiz deve se declarar suspeito “se tiver aconselhado qualquer das partes”. Vale para a acusação e para a defesa.
Dois dias depois da primeira reportagem, o Conselho Nacional de Justiça arquivou um pedido para investigar a conduta de Moro. O corregedor Humberto Martins afirmou que o ministro deixou a carreira de juiz para embarcar no governo de Jair Bolsonaro. É verdade, mas as sentenças que ele assinou continuam a produzir efeitos.
A primeira reação do Conselho Nacional do Ministério Público também foi a de jogar uma pedra sobre o assunto. O corregedor Orlando Rochadel arquivou um pedido para apurar se Dallagnol violou os princípios da “equidistância das partes” e da “vedação de atuação político-partidária”. Alegou “inexistência de ilícito funcional”.
No episódio das palestras, Rochadel aceitou reclamação disciplinar contra Dallagnol e seu colega Roberson Pozzobon. Neste caso, os dois deverão explicar o plano de ganhar dinheiro com a fama obtida graças à Lava-Jato. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, escreveu o chefe da força-tarefa.
Fora das arenas corporativistas do CNJ e do CNMP, restaria a possibilidade de uma investigação da Procuradoria-Geral da República. Deste mato, não deve se esperar coelho. A procuradora Raquel Dodge está em campanha pela recondução e tem feito o possível para não melindrar o governo. Ela já repetiu o discurso de Moro ao ignorar o conteúdo das mensagens e condenar seu vazamento como um “grave atentado às autoridades constituídas”.
Desde o início da crise, o ministro viu seu boneco de super-herói murchar em praça pública, mas não desistiu de acumular funções. Neste momento, ele se reveza nos papéis de vítima, investigador e acusador. Na quinta-feira, também voltou a falar como juiz ao anunciar a destruição de provas. Ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp definiu a ideia como um “autoritarismo em nome da proteção de autoridades”. “Estamos vivendo num país surreal”, resumiu.
Bruno Boghossian: Tinta política se acumula no debate sobre hackers e mensagens
Embate sobre Moro e nome de Manuela acirram disputa partidária em torno do caso
O deputado Filipe Barros, do PSL, saiu indignado às redes sociais para anunciar um pedido de prisão de Glenn Greenwald. Jogando para sua plateia, ele afirmou que o jornalista do site The Intercept deveria ir para a cadeia por sua proximidade “evidente” e pelos “fortes indícios de financiamento” dos hackers presos pela Polícia Federal.
O parlamentar preferiu ignorar os significados das palavras “evidência” e “indício”. Enquanto investigadores ainda colhem depoimentos e abrem focos de apuração, alguns políticos se antecipam para fazer uma exploração rasteira do caso.
Para surpresa de poucos, o deputado do PSL resolveu atacar as liberdades garantidas pela Constituição e disse que Greenwald é coautor de um crime. Como se sabe, um jornalista tem o direito de publicar informações que recebe, mesmo que os dados tenham sido originalmente obtidos de maneira ilegal.
No jogo de xadrez iniciado com o vazamento de mensagens da Lava Jato, disputa-se para ver quem dá a pancada mais forte para quebrar o tabuleiro e acabar com a partida. As regras não importam e parece haver pouca gente interessada em esperar os próximos movimentos.
As tinturas políticas se acumulam. O PT também acionou a Procuradoria-Geral da República e pediu a prisão de Sergio Moro. A sigla diz que o ministro teve acesso ilegal a informações do inquérito sobre os hackers. De fato, o ex-juiz procurou autoridades para avisar que elas haviam sido atacadas, mas não se sabe se Moro teve acesso aos diálogos.
Até agora, a investigação descobriu que o hacker conseguiu contato com Greenwald depois de ter procurado a deputada estadual Manuelad’Ávila, do PC do B. Ela confirmou a intermediação e disse que não conhecia a identidade do homem.
A revelação leva o caso a novos canais políticos. Embora muitos detalhes do caso ainda precisem de explicação, a disputa partidária certamente se encarregará de embaçar as discussões sobre as circunstâncias do vazamento e sobre seu conteúdo.
Bernardo Mello Franco: Moro quer destruir diálogos, mas deveria divulgá-los
Moro deveria ser o principal interessado em esclarecer o caso, que pôs em xeque sua conduta na Lava-Jato. No entanto, ele se apressou a dizer que os diálogos seriam destruídos
O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima se tornou um dos rostos mais conhecidos da Lava-Jato. Numa entrevista recente, ele disse não ter dúvidas
sobre o vazamento de diálogos da operação.
“O ataque foi centralizado, altamente sofisticado, com um custo que ultrapassa em muito a capacidade financeira e tecnológica de meros hackers amadores em porões na casa da mamãe”, afirmou, ao jornal “O Estado de S. Paulo”.
Em tom assertivo, o procurador recém-aposentado disse que a captação e a divulgação do material “obedeceram comando único, dotado de um orçamento milionário e possivelmente com recursos tecnológicos de fora do país”. Ele acrescentou que a ação teria um objetivo claro: “libertar Lula e destruir Sergio Moro”.
Pelo que se sabe até agora, os fatos são um pouco diferentes da tese de Santos Lima. Apesar de fontes oficiais terem espalhado suspeitas contra hackers de Moscou, os quatro presos viviam em Araraquara. Três deles já tinham passagens por crimes como estelionato e clonagem de cartões de crédito.
Parecem menos próximos do Kremlin do que do porão da mamãe. Pelo que afirma a Polícia Federal, a quadrilha teria invadido contas de mais de mil usuários do Telegram, incluindo autoridades dos três Poderes. Isso também não combina com a tese de uma ação dirigida contra Moro e a Lava-Jato.
No Twitter, o ministro da Justiça voltou a se referir a “supostas mensagens obtidas por crime”. Desde o caso veio à tona, ele contesta a autenticidade dos diálogos de forma genérica, sem dizer o que seria falso ou verdadeiro. Se a PF copiou todos os arquivos dos hackers, é possível tirar a prova. Basta querer.
Moro deveria ser o principal interessado em esclarecer o caso, que pôs em xeque a sua conduta nos processos da Lava-Jato. No entanto, ele se apressou a dizer que os diálogos seriam imediatamente descartados — segundo disse o presidente do STJ, “para não devassar a intimidade de ninguém”. O ex-juiz teve que ser lembrado de que isso não depende da sua vontade. As provas só podem ser destruídas por ordem judicial.
Bruno Boghossian: Operação contra hackers da Lava Jato ainda deixa perguntas
Por que apenas as conversas entre membros da força-tarefa vazaram até agora?
Em seu depoimento na Câmara no início do mês, Sergio Moro lançou uma suspeita. O ministro disse três vezes que o vazamento de mensagens da Lava Jato teria sido orquestrado por “alguém que ainda não foi atingido” pela operação.
A ação realizada pela Polícia Federal não revelou até agora um esquema desse tipo, mas Moro celebrou, nesta quarta (24), a prisão dos suspeitos de invasão dos telefones de autoridades. Além de alimentar teorias de todo tipo, a investigação deixa, por ora, algumas perguntas.
Os responsáveis pelo inquérito afirmam que o grupo hackeou mil celulares, mirando procuradores, juízes e políticos. Um dos suspeitos teria acabado de capturar o telefone do ministro da Economia, Paulo Guedes. A extensão e a abrangência desses alvos levanta certas dúvidas sobre os interesses dos invasores.
Se os integrantes da Lava Jato não foram as únicas vítimas, a ideia de que o objetivo central era aniquilar a operação precisa de novos elementos. Ao mesmo tempo, se os invasores acessaram tantos telefones, por que apenas as conversas entre membros da força-tarefa vazaram até agora?
Quando as primeiras mensagens foram divulgadas, o ex-juiz e os procuradores passaram a descrever uma rede sofisticada de hackeamento. Os suspeitos presos nesta semana, porém, integram uma quadrilha que comete fraudes bancárias e de cartões de crédito, segundo a investigação.
Na Câmara, o ex-juiz declarou que “alguém com muitos recursos está por trás dessas invasões”. A PF relata movimentações financeiras de R$ 627 mil pelos presos e diz que alguém pode ter patrocinado a ação. Afirma, entretanto, que ainda é preciso descobrir a origem do dinheiro.
As investigações vão prosseguir para responder a essas e outras dúvidas do caso. Moro já aproveitou para explorar a ficha corrida dos suspeitos e ironizar a publicação dos diálogos da Lava Jato. O ministro tenta se desviar das revelações que lançaram questionamentos sobre sua atuação como juiz. Essas perguntas também precisam de explicações.
El País: Truque com Telegram Web foi usado para tentar obter mensagens de Moro, diz juiz
Magistrado de Brasília detalha investigação que resultou na prisão de quatro suspeitos de hackear mais de mil números, mas não faz relação com vazamentos do 'Intercept'
Um truque que combina a versão para computador do aplicativo Telegram, a clonagem de números telefônicos e a vulnerabilidade dos serviços de caixa postal de celulares é a base do golpe que foi usado para tentar acessar mensagens de mais de mil autoridades dos três Poderes, entre elas o ministro Sergio Moro. A técnica relativamente simples é descrita pelo juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, de Brasília, na sentença que expediu as ordens judiciais para prender temporariamente quatro supostos hackers na terça-feira, acusados de formar uma quadrilha para cometer crimes cibernéticos. Em seu despacho, o magistrado não faz referência às mensagens vazadas trocadas por Moro e o procurador Deltan Dallagnol e publicadas pelo The Intercept como produto do suposto grupo criminoso. Mesmo assim, o ministro da Justiça e primeiro na linha de comando da Polícia Federal fez questão de fazer a associação entre os detidos e a série de reportagens publicadas em uma postagem do Twitter.
Para o juiz Oliveira, "há fortes indícios de que os investigados" — estão detidos o DJ Gustavo Henrique Elias Santos, de 28 anos, sua mulher, Suelen Priscila de Oliveira, 25, Danilo Cristiano Marques, 33, e Walter Delgatti Neto, 30— "integram organização criminosa para a prática de crimes e se uniram para violar o sigilo telefônico de diversas autoridades públicas brasileiras via invasão do aplicativo Telegram". O magistrado não cita entre os alvos o procurador-chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, de onde partem as principais conversas do Telegram publicadas pelo The Intercept e outros veículos.
Segundo o jornal O Globo, no entanto, Delgatti confessou aos investigadores ter acessado mensagens inclusive de Dallagnol. O advogado de defesa do DJ e sua mulher, Ariovaldo Moreira, afirmou que seus clientes atribuem a Delgatti o golpe contras as autoridades, com o objetivo de vender as informações "para o PT". Nas redes, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, acusou Moro de tramar contra o partido. "Tenha vergonha Moro, você não pode comandar investigação na qual está envolvido", escreveu.
À imprensa, os investigadores da Polícia Federal afirmaram que entre outras possíveis vítimas do grupo está o ministro da Economia Paulo Guedes, que afirmou nesta semana também ter sido hackeado. Os agentes também explicaram que os presos são suspeitos de integrar uma organização que já praticava crimes de "estelionato bancário eletrônico" e "fraude de cartão de débito e crédito".
Vazamentos e dúvidas
As prisões são temporárias ou seja, durarão até cinco dias, e ainda não há uma acusação formal contra os suspeitos. Para Moro, no entanto, está claro o elo entre o grupo detido e as publicações do The Intercept: "Parabenizo a Polícia Federal pela investigação do grupo de hackers, assim como o MPF e a Justiça Federal. Pessoas com antecedentes criminais, envolvidas em várias espécies de crimes. Elas, a fonte de confiança daqueles que divulgaram as supostas mensagens obtidas por crime", escreveu no Twitter.
Moro havia revelado em 4 de junho ter sido hackeado por seis horas, durante as quais seus aplicativos de mensagem teriam sido acessados. "Leio, na decisão do juiz, a referência a 5.616 ligações efetuadas pelo grupo com o mesmo modus operandi e suspeitas, portanto, de serem hackeamentos. Meu terminal só recebeu três. Preocupante", escreveu ainda o ministro da Justiça nesta quarta.
A primeira série de reportagens do The Intercept foi publicada em 9 de junho e mostrava mensagens privadas entre o ex-juiz, responsável pelas decisões que levaram centenas de pessoas à prisão, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e Dallagnol, que os jornalistas do veículo contam ter recebido de uma fonte anônima semanas antes. Entre outras controvérsias, o conteúdo das reportagens mostra Moro orientando a acusação, o que conflita com a determinação constitucional do juiz imparcial. O ministro e a força-tarefa desde então vem repetindo que não respondem pelas mensagens porque dizem que são fruto de um crime cibernético e que podem ter sido alteradas —apesar de publicações, entre elas o EL PAÍS, ter corroborado elementos que apontam para a autenticidade delas.
Seja como for, a prisão dos suspeitos reacendeu o debate em torno do uso, inclusive legal, que pode ser feito das informações contidas na série do The Intercept, que passou a compartilhar os vazamentos com outros veículos como a Folha e a Veja. Nesta quarta, a Folha voltou a frisar que não incentiva ou promove crimes para obter informações, mas "que pode, no entanto, publicar informações que foram fruto de ato ilícito se houver interesse público no material apurado". Legalmente, as mensagens publicadas, seja qual for a origem comprovada delas, podem ser usadas nas defesa de réus, embora não para incriminar pessoas, avaliou ao EL PAÍS Ivar Hartmann, professor da FGV no Rio e coordenador do Supremo em Números, no começo do mês.
Como funciona o golpe
Os suspeitos de hackear os celulares de Sergio Moro teriam tentado invadir o Telegram do atual ministro da Justiça a partir do "acesso ao código enviado pelos servidores do aplicativo para a sincronização do serviço Telegram Web", escreveu o juiz federal Oliveira. Isso porque, ainda segundo o magistrado, "o Telegram permite que o usuário solicite o código de acesso via ligação telefônica com posterior envio de chamada de voz contendo o código". Mas a mensagem também pode ficar gravada na caixa postal das vítimas. Assim, prossegue o juiz, "o invasor realiza diversas ligações para o número alvo, a fim de que a linha fique ocupada". E o código é então direcionado para a caixa postal, posteriormente acessada pelos criminosos a partir da tecnologia VOIP (serviços de voz sobre IP), que permite os criminosos simularem o uso da linha telefônica da vítima.
O juiz Vallisney de Souza Oliveira explica ainda que a tecnologia VOIP utilizada pelos supostos hackers é oferecida pela empresa BRVOZ, cujo cliente pode utilizar a função identificador de chamadas para "realizar ligações telefônicas simulando o número de qualquer terminal telefônico como origem das chamadas", inclusive o número da própria vítima. Assim, explica o magistrado, a PF identificou que as ligações efetuadas para o telefone de Moro partiram do usuário registrado na BRVOZ como Anderson José da Silva. Em seguida, os agentes identificaram os IPs de onde partiram os ataques. "Com base nos registros cadastrais fornecidos pelos provedores de internet foram identificados os moradores dos endereços onde estariam localizados os IPs de onde partiram os ataques", completa o juiz.
Uma das dúvidas não esclarecidas no despacho é o fato de Moro dizer que não tem mais o Telegram desde 2017: mesmo sem o aplicativo instalado é possível que ele apareça como dono de uma conta web para ser alvo potencial do golpe? A polícia diz que nenhum dado de Moro foi violado.
O magistrado aceitou os pedidos de prisão temporária dos suspeitos por considerar que "são essenciais para colheita de prova que por outro meio não se obteria, porque é feita a partir da segregação e cessação de atividades e comunicação dos possíveis integrantes da organização criminosa". Além disso, acrescenta o magistrado, existe a "necessidade da realização de buscas e apreensões nos endereços residenciais dos investigados, sendo, portanto, necessária a sua privação de liberdade, a fim de viabilizar a coleta de provas, sem que as oculte ou destrua ou que desapareçam por completo". Ele ainda determinou o bloqueio dos ativos financeiros superiores a 1.000 reais e a quebra do sigilo telemático e bancário dos suspeitos. O casal Gustavo Henrique Elias Santos e Suelen Priscila de Oliveira movimento, segundo o despacho, mais de 600.000 reais em poucos meses, quantia incompatível com sua renda.
Bruno Boghossian: À beira do ridículo
Contaminados pelo prestígio, poderosos simplesmente não admitem ser contrariados
Sergio Moro deve ter se animado com os aplausos que recebeu no voo que tomou para a Flórida, na semana passada. O ministro interrompeu as férias com a família e foi às redes sociais para criticar, mais uma vez, a divulgação de conversas da força-tarefa da Lava Jato.
"Sou grande defensor da liberdade de imprensa, mas essa campanha contra a Lava Jato e a favor da corrupção está beirando o ridículo", escreveu o ex-juiz, nesta terça-feira (16). "Se houver algo sério e autêntico, publiquem por gentileza."
O ministro mostrou que não aceita questionamentos sobre sua atuação como julgador. Segundo sua lógica tortuosa, a única justificativa para a publicação dos diálogos é uma conspiração para proteger criminosos e matar os processos de Curitiba.
Moro ignora o interesse público ao atacar os veículos que publicaram reportagens sobre o assunto. O ministro parece ter adotado o comportamento típico de autoridades que preferem agir como seres intocáveis. Contaminados pelo prestígio, muitos poderosos simplesmente não admitem ser contrariados.
Nesse episódio, o ex-juiz espelha seu novo chefe. Jair Bolsonaro é um mestre em abafar verdades inconvenientes e desqualificar seus críticos. Na segunda-feira (15), ele elaborou um raciocínio esdrúxulo para tentar desmerecer os reparos feitos à indicação de um filho sem qualificações para o posto mais importante da diplomacia brasileira no exterior.
"Se está sendo tão criticado, é sinal de que é a pessoa adequada", disse o presidente. Bolsonaro não quis mencionar que também houve desaprovação à escolha de Eduardo entre seus aliados. Sempre ouvido e elogiado pela primeira-família, o ideólogo Olavo de Carvalho refutou a indicação, mas foi desprezado.
O presidente e seus auxiliares confundem críticos com inimigos, insistem em decisões inadequadas e são incapazes de reconhecer seus erros. Dessa maneira, eles buscam uma blindagem para seus atos. Correm o risco, no entanto, de ficar isolados dentro dessa redoma.
Bernardo Mello Franco: O pedestal de Moro
Moro se diz vítima de uma “campanha contra a Lava-Jato e a favor da corrupção”. Mas a operação não se limita à figura dele, e apontar excessos não significa defender a impunidade
Sergio Moro saiu de férias, mas não saiu de cena. Diante de um novo lote de vazamentos, o ministro imitou o chefe e foi ao Twitter. Mais uma vez, ignorou a mensagem e atacou o mensageiro. “Sou grande defensor da liberdade de imprensa, mas essa campanha contra a Lava-Jato e a favor da corrupção está beirando o ridículo”, escreveu.
O ex-juiz cometeu duas impropriedades na mesma frase. Na primeira, indicou que a sua fé na liberdade de imprensa não é tão desinteressada assim. Quando a notícia não o favorece, o jornalismo deixa de merecer sua defesa.
Na segunda, Moro tentou desqualificar as reportagens como uma “campanha contra a Lava-Jato e a favor da corrupção”. É um argumento duplamente falso. A operação não se limita à figura do juiz, e apontar excessos em investigações não significa defender a impunidade dos investigados.
Desde que os diálogos começaram a vir à tona, o ministro já adotou ao menos três estratégias diferentes. Inicialmente, disse que o único “fato grave” seria a invasão dos celulares de procuradores. O discurso só convence quem não quer ler o conteúdo dos chats.
Em seguida, Moro passou a sugerir que as mensagens seriam falsas ou adulteradas. A conversa caiu por terra quando ele se desculpou por ter chamado os os militantes do MBL de “tontos”, em bate-papo com o procurador Deltan Dallagnol.
Agora o ex-juiz tenta vender uma tese conspiratória. A se acreditar no tuíte de ontem, imprensa e oposição teriam se associado num complô contra a Lava-Jato. É um discurso enganoso, semelhante ao de políticos que ele condenou.
Retratado em atos governistas como um Super-Homem, Moro parece ter se convencido de que está acima dos mortais. Do alto de seu pedestal, ele não teria que se submeter a cobranças e questionamentos como qualquer agente público.
Quem ousar criticá-lo deve ser queimado na fogueira dos hereges.
A favor do ex-juiz, diga-se que ele não está sozinho. Ontem Jair Bolsonaro adotou o mesmo tom ao defender a indicação de seu filho Eduardo para o cargo de embaixador do Brasil em Washington. “Se está sendo criticado pela mídia, é sinal de que é a pessoa adequada”, afirmou.
Quando faltam argumentos, o presidente e o ministro atacam os culpados de sempre.
Bernardo Mello Franco: Os lucros do procurador
A pregação da ética pode se tornar uma atividade lucrativa. Foi o que descobriu Deltan Dallagnol. Ele fez um plano de negócios para enriquecer com o prestígio da Lava-Jato
A pregação da ética pode se tornar uma atividade lucrativa. Foi o que descobriu Deltan Dallagnol, chefe da Lava-Jato em Curitiba. Nos novos diálogos revelados
pelo Intercept Brasil e pela “Folha de S.Paulo”, o procurador faz planos de enriquecer às custas do prestígio da operação. A ideia era transformar em dinheiro a fama construída com entrevistas e PowerPoints.
“Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, escreveu, em dezembro passado.
Em outra mensagem, o procurador se mostra animado com o reforço em sua conta bancária: “Se tudo der certo nas palestras, vai entrar ainda uns 100k (R$ 100 mil) limpos até o fim do ano. Total líquido das palestras e livros daria uns 400k (R$ 400 mil)”. Ele já recebe salário de R$ 33,6 mil por mês, além de R$ 3 mil extras em auxílio alimentação e auxílio pré-escolar.
Os chats indicam que Dallagnol mobilizou duas servidoras públicas para tocar suas atividades privadas. Ele também discutiu com o colega Roberson Pozzobon uma tática para driblar questionamentos jurídicos. A ideia era registrar a firma de palestras em nome das mulheres, já que a lei impede procuradores de gerenciar empresas.
Numa das conversas, o chefe da Lava-Jato discute a alternativa de criar uma organização sem fins lucrativos. “Escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários”, observa. “Temos que ver se de fato é um instituto sem fins lucrativos, ou apenas instituto no nome...”, emenda Pozzobon.
Os diálogos expõem a fórmula de Dallagnol para capitalizar a imagem de caçador de corruptos: “Para o modelo dar certo, teria que incluir coisas que envolvam como lucrar, como crescer na vida”. Ele propõe tópicos como “Turbine sua vida profissional com ferramentas indispensáveis”, “Liderança:
influencie e leve seu time ao topo” e “Ética nos negócios e Lava-Jato”. Nada diferente do lero-lero motivacional que movimenta a indústria da autoajuda. “Cada palestra teria que ser muito bem desenhada, ter uma pegada de pirotecnia”, acrescenta.
Em outros tempos, Millôr Fernandes avisou: “Desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal”.
Malu Delgado: Energia para os combatentes
Estrago a Moro foi maior no mundo jurídico que no real
Se as curtas férias do ministro Sergio Moro servirão para o ex-juiz "reenergizar o corpo e prosseguir no combate", como atestou o porta-voz da Presidência, a reforma da Previdência, quando aprovada, servirá a Jair Bolsonaro como a vitamina necessária para que ele caminhe até 2022 e dispute a reeleição, desejo já exposto sem nenhuma dissimulação pelo presidente.
Tanto Bolsonaro quanto Moro foram abatidos por desgastes evidentes em seis meses de mandato e tiveram perdas de popularidade expressivas, mas ambos hoje conservam fôlego para concluir o percurso político que traçaram a si mesmos.
O mundo jurídico reagiu com muito mais perplexidade que o mundo real diante das mensagens de Moro com a força-tarefa da Lava-Jato, vazadas e publicadas pelo site "The Intercept Brasil". A abordagem jocosa e criativa com o qual o assunto é tratado nas redes sociais por profissionais do direito não exime a gravidade. Há, por exemplo, a propaganda do fictício 'Moro App': "Você cadastra o processo e ele te avisa dos prazos. Na versão premium, ele te lembra de incluir provas e ainda corrige a sua petição. Aproveite! Descontos especiais para membros do Ministério Público".
Em três meses, a aprovação pessoal do ministro da Justiça caiu de 59% para 52%, apontou o Datafolha. Para 58% dos entrevistados, a conduta de Moro, explicitada na troca de mensagens do então juiz em Curitiba com procuradores que comandavam a força-tarefa da Lava-Jato, é inadequada. Não é preciso muita matemática para entender que Moro ainda é idolatrado pela maioria.
Porém, é pouquíssimo provável que advogados, em especial os especialistas em direito penal e criminal, e também os ministros do Supremo, não tenham ficado "escandalizados" com o que leram, confidencia um renomado criminalista. Sabe-se que provas ilícitas não poderão ser usadas contra Moro e contra os procuradores, explica este profissional, mas obviamente poderão ser usadas em benefício dos réus - entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para pânico dos profissionais do Ministério Público que atuam em Curitiba.
Moro e os procuradores não reconhecem a autenticidade das mensagens, mas nenhuma das partes envolvidas colocou em xeque, e de forma contundente, a veracidade das conversas via Telegram. A estratégia de defesa do ministro está corretíssima, ironizam criminalistas, pois reconhecer as mensagens como autênticas seria esquentar provas (ainda que ilícitas) e fazer a confissão.
Enquanto Moro aguarda ansioso os dias para descansar com a família na Europa, ministros do STF mandam recados que não poderiam ser mais diretos. Curiosamente, as manifestações partem dos citados no Telegram. Nesta semana foi a vez de Edson Fachin ('Aha, Uhu, o Fachin é nosso', disse o procurador Deltan Dallagnol em uma das mensagens). O ministro é relator dos processos da Lava-Jato no Supremo e deu as declarações num discurso em Curitiba, no Tribunal Regional Eleitoral. Nada mais emblemático. Juízes cometem ilícitos e devem ser punidos, afirmou Fachin. Mas as instituições, acrescentou, devem ser preservadas. É um jeito pouco sutil de dizer que se Moro foi parcial e processos terão que ser anulados e sentenças revistas, a responsabilidade deve ser atribuída somente ao ex-magistrado, e não ao Supremo. Juiz não pode ter uma Constituição para chamar de sua e tampouco agenda pessoal e partidária, concluiu Fachin.
O "hedge" feito pelo ministro para preservar o Supremo difere do tom usado por Nelson Jobim, ex-presidente do STF e ex-ministro da Justiça. Jobim não é do tipo que adota meias palavras. Em entrevista ao portal "UOL", opinou que o Supremo foi "leniente, tolerou exageros e abusos" da Lava-Jato. Jobim não defendeu anulação de processos e a soltura de Lula. Fez um reparo, em nota, para enfatizar seu "respeito pelo juiz Moro, a despeito de eventuais críticas pontuais, como personagem central na construção de um Brasil mais justo, transparente e livre de corrupção".
Outro aviso veio do ministro Luiz Fux (do "In Fux we trust"), na semana passada, em evento da XP Investimentos: "Se impõe que o magistrado tenha vergonha na cara e prudência na língua". E assim vão se construindo os discursos para o que virá no segundo semestre, enquanto o "The Intercept" começa a divulgar áudios das conversas. Ainda que os conteúdos não sejam bombásticos (até o momento), a voz tem potencial para um estrago bem maior do que a palavra escrita. É mesmo aconselhável que o ministro Moro desfrute de férias.
Previdência
"Por que a Previdência dos servidores precisa mudar? Esta é a pergunta fundamental sobre a qual devemos refletir. Os regimes próprios são estruturalmente deficitários, porque, primeiro, não há teto no regime de repartição, o que, evidentemente, permite toda sorte de distorções; segundo, o benefício é igual à última remuneração. Essas duas regras combinadas distorcem ainda mais o sistema (...). As idades mínimas para se aposentar são baixas, se comparadas com os demais sistemas no mundo. São idades efetivamente inadequadas para o sistema previdenciário. E temos pensões altas e de longa duração." Não, não foi Paulo Guedes quem disse. Foi o petista Ricardo Berzoini, então ministro da Previdência do governo Lula, em audiência na comissão especial da reforma da Previdência na Câmara, em 25 de junho de 2003.
A política dá voltas e para no mesmo lugar, e as contradições à esquerda e à direita reservam poucas surpresas. Dezesseis anos depois, os próximos dias serão novamente animados na Câmara, com o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fazendo tripla jornada para tentar garantir a votação da reforma, o PT votando contra, o PDT recomendando a expulsão dos que não rejeitarem a proposta e o presidente Bolsonaro defendendo regras especiais para policiais. Em 2003, os rebeldes do PT votaram contra a reforma e dali surgiu o Psol. Em 2019, os rebeldes do PDT e do PSB querem votar a favor da reforma. Dali que devem sair expoentes autênticos de uma nova política que ninguém sabe ao certo o que é e o que será.
Elio Gaspari: A Moro tudo, menos o papel de bobo
O ex-juiz e o coletivo da Lava Jato repetem o erro do PT e insistem na desqualificação das informações
O ministro Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato decidiram se defender das acusações que derivam das mensagens divulgadas pelo The Intercept Brasil desqualificando o seu conjunto. Como os textos teriam sido obtidos a partir de uma ação ilegal, não mereceriam crédito. Falta combinar com quem lê os diálogos e não acredita que o fim justifica os meios. O ministro Edson Fachin pode não ter acreditado na autenticidade do “aha uhu o Fachin é nosso” atribuído ao procurador Deltan Dallagnol. Mesmo duvidando, Fachin parece ter-lhe dado uma resposta hiperbólica:
“Juízes também cometem ilícitos e também devem ser punidos. (...) E assim se aplica a todos os atores dos Poderes e das instituições brasileiras, incluindo o Ministério Público.”
A estratégia negacionista destina-se a evitar a discussão do conteúdo das mensagens que se transformaram em denúncia de parcialidade. Coisa parecida fez o PT quando a Lava Jato começou a expor seus malfeitos. Não só o fim justificava os meios, como era tudo uma conspiração que chegava ao braço clandestino do governo americano. Lula acabou na cadeia e continua repetindo a mesma cantilena. Trata-se de converter todas as questões a um jogo de sim ou não. Se a pessoa acredita em Lula, deve acreditar numa conspiração. Se uma pessoa acredita em Moro e no coletivo da Lava Jato, deve acreditar noutra conspiração. A ideia deu errado para o PT e está dando errado para Moro.
Cinquenta e oito por cento dos entrevistados pelo Datafolha consideraram inadequada sua conduta. Enquanto isso, a percentagem de pessoas que consideram justa a condenação de Lula está em 54%, o mesmo patamar de abril, quando as armações reveladas pelo Intercept eram desconhecidas. Muita gente concorda com as sentenças e condena o comportamento de Moro. O mundo de sim e não só existe na cabeça de quem quer receber atestados de onipotência ou de infalibilidade.
Até hoje não apareceu um só fato relevante que permita duvidar da autenticidade das mensagens reveladas pelo Intercept. Verificações parciais confirmaram a veracidade de alguns textos. Num caso, uma procuradora disse que não se reconhecia num diálogo. O Intercept mostrou de forma convincente como conseguiu identificá-la.
Até agora o material divulgado reuniu centenas de informações que poderiam demonstrar uma fraude. Bastaria um conflito cronológico para que a névoa que hoje paira sobre Moro se mudasse para cima do Intercept. Em 1983 a revista alemã Stern comprou por milhões de marcos os “Diários de Hitler”. Um renomado historiador atestou a autenticidade dos manuscritos. Na primeira hora surgiu uma pergunta: como Hitler poderia ter escrito as entradas dos dias seguintes ao 20 de julho de 1944, quando sofreu um atentado e foi ferido no braço? Daí em diante, testes químicos e investigações paralelas mostraram que o diário era uma fraude.
No caso das mensagens do Intercept não há um manuscrito, e as conversas poderiam ter sido editadas. Vá lá, que seja. Mas Moro não lembra de nada, nadinha. Como ministro da Justiça, tornou-se um figurante de eventos, até mesmo vestindo camisas de um time de futebol. (Apesar da amnésia, Moro lembrou-se de pedir desculpas ao Movimento Brasil Livre por causa de uma indelicadeza.) Nenhum procurador se lembra de coisa alguma. O apagão coletivo zomba da inteligência alheia quando se sabe que diversas pessoas já se reconheceram nos diálogos. (O PT também não sabia das roubalheiras.)
Nunca é demais lembrar, pode-se fazer de tudo pela Lava Jato e por Sergio Moro, até mesmo sustentar ele foi imparcial. O que não se pode fazer é papel de bobo.
*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
Ricardo Noblat: O que fazer com Lula
Um abacaxi que o Supremo não gostaria de descascar
Se puder, o Supremo Tribunal Federal (STF) deixará para julgar no próximo semestre o pedido de habeas corpus para que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva seja solto. Caso sinta-se forçado pelas circunstâncias a julgá-lo hoje, deverá negá-lo.
A defesa alega uma série de motivos para que o pedido seja deferido – o mais recente, o fato de o ex-juiz Sérgio Moro que condenou Lula em 2017 ser hoje ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Isso provaria que ele agiu com parcialidade àquela época.
O argumento é fraco. Há dois anos, Bolsonaro não era candidato a presidente. A sentença de Moro foi confirmada e até expandida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Tribunais superiores negaram todos os recursos contra a condenação. É jogo jogado, pois.
Por jogar, o pedido da defesa para a progressão da pena de Lula. Quer dizer: para que ele possa ser transferido para o regime de prisão semiaberto uma vez que está preso há 443 dias. No semiaberto, dormirá na cadeia, mas poderá trabalhar durante o dia.
Caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir sobre a progressão da pena. E, ali, ainda não há uma data marcada para isso. O STJ é considerado um tribunal mais duro do que o STF. E aparentemente menos permeável a pressões.
No futuro haverá outro jogo a ser jogado: Moro prevaricou ou não quando conduziu a Operação Lava Jato? O conteúdo das conversas com procuradores da República prova ou não que ele faltou com o cumprimento do dever por interesse ou má fé?
Se prevaricou, o julgamento de Lula deverá ser anulado e ele posto em liberdade de imediato. O processo então recomeçaria sob o comando de outro juiz. O novo jogo só terá início quando o site The Intercept Brasil der conta do arquivo que recebeu de presente.
Justiça para Dilma
Não é pelo dinheiro, mas pelo reconhecimento
Está marcada para logo mais, sob o comando da ministra Damares Alves, dos Direitos Humanos, a reunião da Comissão de Anistia que concederá ou não indenização à ex-presidente Dilma Rousseff que alega ter sido demitida de uma fundação pública em 1977 por perseguição política.
Solitariamente, de janeiro último para cá, Damares já rejeitou mais de mil pedidos de indenização. A não ser que o alegado por Dilma seja uma fraude, a indenização deveria ser concedida por uma questão de justiça. O contrário seria mesquinhez e certamente perseguição política.
A demissão da fundação pública não foi o único nem o principal dano causado a Dilma pela ditadura militar de 1964, ainda tanto festejada pelo presidente Bolsonaro. Dilma ficou presa durante anos. E foi barbaramente torturada. Nada será capaz de um dia curar suas feridas. Ela as carregará para sempre.
O pagamento de indenização significará tão somente que o Estado reconhece o crime que cometeu