Moro
El País: HRW cobra de Moro inclusão da Amazônia nas políticas de combate ao crime organizado
Relatório anual da ONG internacional afirma que política ambiental de Bolsonaro deu “carta branca” às redes criminosas que atuam na destruição da floresta e pede sua inclusão nas políticas de segurança
A Amazônia protagonizou uma das maiores tragédias ambientais no ano passado. Cenário histórico de disputas de terra —seja para a extração ilegal de madeira ou grilagem—, a região viu seus conflitos se agravarem no último ano e ardeu em incêndios criminosos. Com o desmatamento (que aumentou em mais de 80% entre janeiro e outubro de 2019 em relação ao mesmo período de 2018), cresceu também a violência contra os defensores da floresta. Ao menos 160 casos de extração ilegal de madeira, invasões e outras infrações foram contabilizados nos territórios indígenas entre janeiro e setembro do ano passado. Essa conjuntura colocou a Amazônia em destaque no 30º relatório mundial da Human Rights Watch (HRW), ONG internacional que atua em defesa aos direitos humanos. Embora o Brasil já fosse considerado o país mais perigoso do mundo para ambientalistas antes de o presidente Jair Bolsonaro assumir o poder, a entidade afirma em seu texto, publicado nesta terça-feira, que a atual política ambiental brasileira dá “carta branca” às redes criminosas que atuam na região e requer que o problema não seja tratado apenas no âmbito ambiental. Para isso, pressiona o ministro de Segurança Pública e Justiça, Sergio Moro, a incluir a crise da Amazônia nas políticas prioritárias de sua pasta.
O relatório, que revisa anualmente as práticas de direitos humanos em mais de 100 países, também confirma uma preocupação apresentada no informe do ano passado com relação ao aumento de mortes por policiais no Brasil, após novo recorde no Rio de Janeiro. A HRW define a agenda do primeiro ano do Governo Bolsonaro como “contrária aos direitos humanos” pela adoção de uma série de medidas que colocam em risco populações vulneráveis, em especial os indígenas. Em um contexto de aumento da degradação na Amazônia e de debilidade na fiscalização ambiental, a entidade destaca que redes criminosas que lucram com o desmatamento ilegal estão não apenas destruindo a floresta, mas ameaçando e atacando os que a defendem, inclusive chegando a assassiná-los. Por isso, pede respostas enérgicas em políticas de segurança na região ao Governo Federal. "O ministro Sergio Moro determinou como prioridade de sua gestão o combate ao crime organizado e à corrupção. Esses crimes são elementos centrais da dinâmica que está impulsionando a destruição desenfreada da Amazônia”, justifica a diretora do escritório do Brasil da Human Rights Watch, Maria Laura Canineu. A HRW afirma que tem encontro marcado com Moro e com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para discutir como combater a criminalidade na Amazônia.
A entidade critica o presidente Bolsonaro por sugerir que não cumprirá os compromissos do país com a emergência climática, além de, internamente, enfraquecer as agências ambientais, reduzir orçamentos para a área e restringir a capacidade dos fiscais ambientais de atuarem em campo. O relatório aponta que o número de multas por desmatamento ilegal emitidas pelo Ibama, por exemplo, caiu em 25% entre janeiro e setembro de 2019 comparado ao mesmo período de 2018. E que as audiências de conciliação pactadas em outubro para todos os processos administrativos por infrações das leis ambientais não estão sendo realizadas, conforme resposta do próprio Governo à ONG por meio da Lei Geral de Acesso à Informação. Sem as audiências, o prazo para pagamento das multas ambientais, assim como todos os processos administrativos contra pessoas ou empresas que praticaram infrações, ficam suspensos. “O ataque do presidente Bolsonaro às agências de fiscalização ambiental está colocando em risco a Amazônia e aqueles que a defendem”, afirma Maria Laura Canineu. Em novembro e dezembro do ano passado, três indígenas foram assassinados. Além disso, dados do Inpe apontam que o crescimento do desmatamento tem sido constante. No último mês de dezembro, cresceu 183% em comparação ao mesmo mês do ano anterior, conforme apontam dados do Deter (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real).
Novos recordes de má conduta policial
As questões relacionadas à liberdade de expressão, à violência policial e à violência de gênero foram outros destaques negativos desta edição do relatório. Sob o argumento de que os criminosos deveriam “morrer na rua igual a baratas”, Bolsonaro enviou ao Congresso o pacote anticrime, que ficou conhecido como uma espécie de licença para matar por permitir o excludente de ilicitude, que consideraria automaticamente determinadas mortes causadas por policiais e militares em serviço como atos de legítima defesa. Essa retórica, já usada pelo presidente desde a campanha eleitoral, havia sido considerada no relatório anterior da HRW, que anunciava preocupação de que a violência policial crescesse no país diante do que considerava uma “carta branca” do presidente.
Um discurso semelhante foi adotado pelo governador Wilson Witzel no Rio de Janeiro, que entre janeiro e novembro de 2019 contabilizou 1.686 mortes por policiais, um novo recorde para o Estado. O número é maior do que o registrado no mesmo período de 2018, quando o Rio de Janeiro esteve quase todo o ano sob intervenção militar. Os dados de mortes por policiais em São Paulo também chamam atenção da ONG internacional: houve um aumento de 8% de janeiro a setembro de 2019 em relação ao mesmo período do ano anterior. Esses números incluem tanto as mortes em legítima defesa quanto àquelas decorrentes do uso da força. Fora do eixo Rio-São Paulo, as cifras também não são otimistas. Em 2018, as mortes cometidas por policiais aumentaram 20% e atingiram 6.220 óbitos no país, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Os abusos policiais dificultam o combate à criminalidade porque desencorajam as comunidades a denunciarem crimes”, alerta a entidade.
O relatório também dá destaque ao não cumprimento da determinação do Supremo Tribunal Federal de conceder prisão domiciliar a mulheres grávidas, mães de crianças de até 12 anos ou de crianças ou adultos com deficiência, presas preventivamente por crimes não violentos, exceto em situações “excepcionalíssimas”. Apesar de 5.100 detentas estarem aptas para progredir à prisão domiciliar, 310 delas grávidas, elas ainda aguardam julgamento atrás das grades. Outro problema apontado pela ONG é que, embora o Conselho Nacional de Justiça tenha determinado em 2016 que todos os detidos tivessem uma audiência em um prazo de até 24 horas para avaliar se deveriam continuar presos, até setembro de 2019 pelo menos sete estados não realizavam as audiências de custódia em todo o seu território. Isso faz com que os presos precisem esperar meses na prisão antes de ver o juiz e ter sua situação avaliada, contribuindo também para um problema grave no Brasil, a superlotação dos presídios.
Na esteira desses problemas, ainda está a precarização da política de combate à tortura no Brasil, um ponto que também foi evidenciado pela HRW. Em junho do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro exonerou todos os onze cargos de peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão responsável por fiscalizar abusos nos presídios brasileiros. A Procuradoria Geral da República declarou que o decreto de Bolsonaro violava direitos fundamentais e solicitou ao Supremo Tribunal Federal que declarasse sua inconstitucionalidade. Um juiz federal suspendeu liminarmente o decreto que exonera os peritos do Mecanismo no último mês de agosto.
El País: Criação do juiz de garantias indispõe Bolsonaro e base e abre debate sobre implementação
Presidente sanciona texto com emenda criticada por Moro. Ex-ministro do Supremo vê inconstitucionalidade enquanto professor da USP aponta avanço na proteção de direitos
Jair Bolsonaro de sancionar, no dia 24, a versão do Congresso do pacote anticrime, de autoria do ministro Sergio Moro, mantendo algumas das alterações propostas pelos parlamentares provocou uma série de críticas ao Governo por parte de sua própria base. A celeuma gira em torno da criação da figura do juiz de garantias, magistrado que irá acompanhar a fase de investigação e coleta de provas do processo para se assegurar de que os direitos dos investigados não estão sendo atropelados durante o inquérito. As etapas de julgamento e sentença ficarão, segundo o novo desenho do Judiciário sancionado, a cargo de um outro juiz. Havia a expectativa de que Bolsonaro vetasse este ponto, que foi incluído no pacote via emenda do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e era criticado por Moro. Para além do tremor político no mundo bolsonarista, a lei também abriu um debate imediato entre especialistas e acadêmicos sobre a constitucionalidade da medida e sua viabilidade econômica.
A mudança foi, na prática, uma derrota para Sergio Moro, especialmente porque o presidente barrou outras 25 alterações consideradas sensíveis, mas deixou esta passar. A proposta de criar um juiz de garantias vem na esteira das críticas ao próprio Moro quando à frente da Operação Lava Jato. O então juiz sempre foi acusado de agir em dobradinha com a acusação, rompendo a figura do juiz imparcial no direito brasileiro. A situação mudou de patamar com a revelação de conversas privadas entre o magistrado e os integrantes da força-tarefa de procuradores publicadas pelo The Intercept em parceria com outros veículos, como o EL PAÍS. Se a regra já tivesse valendo na Lava Jato, por exemplo, Moro, que decidiu a controversa condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não teria ditado a sentença contra o petista no mesmo caso.
Nesta quarta, o agora ministro da Justiça se manifestou no Twitter de forma comedida sobre o assunto: “Não é o projeto dos sonhos, mas contém avanços. Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente”.
O próprio presidente considerou o saldo do pacote anticrime “extremamente positivo”. Ele fez questão de destacar o aumento da pena máxima de prisão, de 30 para 40 anos, e o fim da saída temporária para condenados por crime hediondo que resultou em morte. Sobre o juiz de garantias, nenhuma palavra, enquanto até aliados o chamavam de “traidor”. Coube aos filhos de Bolsonaro saírem em sua defesa neste ponto. Carlos Bolsonaro retuitou comentários que apontariam para uma estratégia “de mestre” do pai. Segundo a visão propagada nas redes sociais, o Judiciário não conseguiria arcar com o custo de contratação de centenas de novos juízes —uma vez que supostamente os quadros atuais não dariam conta de acumular funções—, o que faria com que este ponto do pacote anticrime seja derrubado posteriormente via uma Ação Direta de Incostitucionalidade (Adin). A jogada do presidente teria sido não vetar o juiz de garantias para não “indispor” o Governo com o Legislativo, tendo em vista uma série de reformas que o Planalto irá propor no ano que vem e que precisam de apoio do Congresso para serem aprovadas.
Apesar de ter ido contra o desejo de Moro sobre a criação de um juiz de garantias, Bolsonaro afirmou, nesta quinta-feira, que o Brasil estará em boas mãos se o ex-juiz e atual ministro da Justiça for candidato à sua sucessão em 2022.
Debate sobre a implementação
Em um cenário de arrocho nas contas públicas e com um teto de gastos que deve apertar ainda mais o orçamento —reportagem do O Estado de São Paulo aponta que Judiciário deve cortar até estagiários em 2020— esta leitura tem sua lógica, ainda mais quando se leva em conta que quase a metade dos municípios não tem sequer um juiz. Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, classificou a criação do cargo de juiz de garantias “inconstitucional (...) ou ilegal, por inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal”. Ela também destacou o déficit já existente de magistrados em várias comarcas.
Sancionado hoje o projeto anticrime. Não é o projeto dos sonhos, mas contém avanços. Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente.
Quanto ao custo da alteração, que seria um impeditivo à sua execução, Gustavo Badaró, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo, acredita que o impacto econômico não seria tão grande quanto está sendo alardeado. “Será necessária a contratação de menos juízes do que se afirma, basta que se crie um sistema eficiente no qual os magistrados atuem em pares, com o juiz de uma vara atuando como garantista de um colega da segunda vara, e vice-versa”. No entanto haveria um empecilho: “É claro que os juízes nunca irão querer ter mais trabalho ganhando o mesmo salário”. Badaró, que considera a medida um avanço que fortalece a imparcialidade do processo penal, também minimiza o discurso de que essa mudança tem como objetivo cercear a atuação da Lava Jato. “Existia um projeto de lei de 2009 que já previa a criação desta figura, cinco anos antes da operação começar”, afirma. Ele destaca também que o juiz de garantias é comum em vários países e órgãos internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Apesar das dificuldades apontadas pelos críticos da medida, já existem experiências positivas neste sentido no Brasil. É o caso do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) na capital em São Paulo, que conta com juízes que atuam justamente na concessão de medidas cautelares (tais como interceptações telefônicas, busca e apreensão, etc). “Com exceção de homicídios e casos mais leves, o Dipo funciona com uma estrutura semelhante à proposta pelo pacote anticrime”, explica Fábio Toffic, advogado criminalista e presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Ele destaca ainda que com o modelo de processos virtuais já vigente em várias varas do país, no qual os casos são organizados digitalmente e informatizados, também facilita a reorganização do Judiciário proposta. “Um juiz de Campinas pode ser juiz de garantias de um processo que corre em Jundiaí sem problema algum, porque na fase de investigação o magistrado quase que não precisa manter contato com as partes”.
Por parte dos magistrados, como era de se esperar a medida não foi recebida com louvor. O presidente da Associação de Juízes Federais, Fernando Mendes, destacou que sempre se posicionou de forma contrária à criação da figura do juiz de garantias. No entanto, ele afirmou que uma vez regulamentada, esta nova figura precisa atender a todo o Judiciário e não se limitar aos casos como o da Lava Jato, que envolvem crimes de colarinho branco. “Se o instituto é realmente importante, tem se ser aplicado para todos, seja nos processos da Lava Jato, seja nos processos de crimes comuns, que são milhares tramitando no interior do país e que precisam ter as mesmas garantias”, afirmou. Ele ainda apontou para o imbróglio estrutural que a medida traz: “A Justiça Federal terá de redesenhar a sua estrutura e redefinir a competência penal para tornar possível a implementação do juiz de garantias”.
O debate deve se alongar nas próximas semanas e caberá ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) orientar o Judiciário sobre a implementação, que, segundo a lei, tem de começar em 23 de janeiro. Nesta quinta, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), Antonio Dias Toffoli, determinou a criação de um grupo de trabalho para avaliar a aplicação do mecanismo de juiz das garantias. A instância tem 15 dias para apresentar seu parecer.
Merval Pereira: Montando as peças
Bolsonaro tirou Moro da lista de indicados para o STF e passou a citá-lo como um vice ideal para a chapa de reeleição
O presidente Jair Bolsonaro vai montando seu quebra-cabeças com vista à reeleição presidencial nas respostas sobre as indicações que poderá fazer para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Já anunciou dois candidatos para as duas vagas, e nenhum deles é o ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, a quem a primeira vaga estava prometida. Em novembro de 2020 o ministro Celso de Mello se aposenta compulsoriamente por ter chegado aos 75 anos, e Bolsonaro colocou ontem o atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, na disputa, dizendo que ele “é um bom nome para o STF”.
Oliveira trabalha com Bolsonaro há cerca de 10 anos, e é filho de um seu antigo colaborador. O presidente reafirmou que o ministro da Advocacia Geral da União, André Luiz Mendonça, “terrivelmente evangélico”, é um bom nome para a outra vaga no Supremo, que se abrirá no meio de 2021, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.
Com isso, Bolsonaro tirou Moro da lista, e passou a citá-lo como um vice-presidente ideal para a chapa de reeleição em 2022. “Seria imbatível essa chapa”, é o pensamento generalizado entre os principais assessores do presidente no Palácio do Planalto, embora Moro em nenhum momento tenha indicado que gostaria de trocar uma vaga certa no STF pela possibilidade incerta de vir a ser candidato a vice-presidente.
Ao mesmo tempo em que especula em voz alta sobre essa escolha, o presidente Bolsonaro vê-se às voltas com outras vertentes de seus auxiliares que querem esvaziar o papel do ministro Sérgio Moro, mais popular que o próprio presidente, e volta e meia apontado como possível candidato ele mesmo.
Surgiu recentemente a proposta de dividir o ministério de Moro em dois, dando a parte de Segurança Pública para o ex-deputado Alberto Fraga, da chamada “bancada da bala”. Bolsonaro demorou alguns dias para desmentir o boato, e só o fez depois que Sérgio Moro deu uma declaração pública de que não acreditava nessa divisão, apontando os avanços alcançados no combate à corrupção e à melhoria da segurança pública.
A queda dos índices de criminalidade é argumento indesmentível sobre a eficiência do novo ministério que ocupa. Além disso, o projeto anticrime está no Palácio do Planalto para sanção do presidente Bolsonaro, e precisará ser retomado mais adiante para voltar a ter a cara que Moro gostaria.
Sem a segurança pública, Moro ficaria em um ministério da Justiça esvaziado, pois na atual estrutura ministerial a costura política não é feita lá, e nem Moro seria a pessoa indicada para exercer essa função.
A simples possibilidade de Alberto Fraga assumir a segurança pública, porém, já é uma indicação de que qualquer mudança seria para radicalizar a atuação do governo. Assim como acontece com o ministro da Economia Paulo Guedes, embora continuem sendo superministros, os dois já tiveram que se adaptar à presidência imperial de Bolsonaro, e engoliram muitos sapos.
Se a crise econômica for mesmo sendo superada, e o crescimento se confirmar nos próximos anos, o perigo é que ocorra com Bolsonaro o mesmo que aconteceu com Lula. O ministro da Fazenda Antonio Palocci tendo que deixar o governo ainda no primeiro mandato, por conta de denúncias de negociatas com seus amigos da República de Ribeirão Preto, foi substituído por Guido Mantega, que começou a mudar a política econômica, tornando-a mais ao gosto de Lula e do PT.
Bolsonaro, que nunca foi um liberal, pode ser tentado a colocar no lugar de seus superministros pessoas ligadas a ele, com o mesmo pensamento. Mas isso só acontecerá se recuperar a popularidade perdida, o que depende paradoxalmente do desempenho dos dois.
As indicações dos candidatos às vagas do Supremo mostram essa tendência de valorizar a proximidade pessoal e a supremacia dos valores conservadores, inclusive religiosos. O ministro Moro já deu uma indireta ao declarar que a religião não diz muito da pessoa escolhida para o STF.
Se não lhe for oferecida a primeira vaga ano que vem, Moro terá que se manter no cargo até o meio de 2021, para ver para onde o vento sopra. Para isso terá que conservar a popularidade atual, que o torna um ministro quase indemissível e um companheiro de chapa desejável.
Bruno Boghossian: Governo ignora alertas e manipula debate sobre pacote de Moro
Ministro contaminou projeto de combate ao crime com lei mais frouxa para policiais
Sergio Moro disse que vai buscar “denominadores comuns” para aprovar seu pacote de projetos de combate ao crime. O anúncio conciliatório, depois de uma série de choques com a Câmara, foi seguido de um argumento traiçoeiro. O ministro afirmou que as propostas recebem críticas de pessoas que “se dão bem dentro desse sistema”.
O governo aposta na manipulação de uma sociedade polarizada para aplicar suas vontades. Ao insinuar que a resistência serve a corruptos e criminosos, Moro passa o recado de que a lei pode ignorar muita gente que vive o dia a dia da violência.
Na terça (8), Bruna Silva estendeu um uniforme escolar manchado de sangue na mesa do presidente da Câmara. Em junho do ano passado, Marcos Vinícius, de 14 anos, morreu com um tiro nas costas durante uma operação na favela da Maré, no Rio.
“Eu mandei meu filho impecável para a escola, e o Estado me devolveu ele assim”, disse a mãe. Ela diz que o disparo partiu da arma de um policial e pediu que os deputados não aprovem a proposta de imunidade para agentes que matam em serviço. “Vai ser muito sangue derramado.”
O projeto traz avanços que podem ajudar na elucidação de crimes, como a ampliação da coleta de DNA de criminosos, e que podem sufocar facções que controlam o tráfico de drogas, como o endurecimento de regimes de segurança máxima.
Moro, no entanto, abraçou uma obsessão de Jair Bolsonaro e contaminou o próprio pacote. Embora o ministro diga que não instituirá uma “licença para matar”, os itens que afrouxam punições nas mortes provocadas por policiais são um risco.
Na última semana, uma nota produzida pela Comissão Arns afirmou que esses tópicos deixam uma “porta aberta para que o agente, mesmo em legítima defesa, se exceda dolosamente”. Para o grupo de defesa dos direitos humanos, essas normas seriam uma ameaça para os cidadãos.
“Estamos diante de um arcabouço legislativo que, ao contrário de proteger a vida, estimula a sua destruição”, diz o texto.
Bernardo Mello Franco: O poder amoleceu o coração de Moro
Em Curitiba, Moro se vendia como um implacável caçador de corruptos. Agora ele se mostra um aliado compreensivo, disposto a perdoar todos os suspeitos que o cercam
O exercício do poder amoleceu o coração de Sergio Moro. Antes de virar ministro, ele se vendia como um implacável caçador de corruptos. Agora se mostra um aliado compreensivo, disposto a perdoar todos os suspeitos que o cercam.
Quando pontificava em Curitiba, o então juiz dizia que o caixa dois era “um crime contra a democracia”. “A corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito”, sentenciou, numa palestra em 2017.
Ao pendurar a toga, ele foi confrontado com as confissões de Onyx Lorenzoni, que admitiu ter recebido R$ 100 mil no caixa dois. Generoso, disse que o colega continuava a contar com sua “grande admiração”. “Ele admitiu o erro, pediu desculpas e tomou providências para repará-lo”, justificou.
No caso Queiroz, Moro continuou a tapar os olhos. O Coaf apontou as movimentações suspeitas de Flávio Bolsonaro e os cheques na conta da primeira-dama, mas o ex-juiz não viu nada de errado. Ao ser questionado no Congresso, alegou que as perguntas eram “ofensivas” e saiu de fininho, sem responder.
Cada vez mais longe da sonhada vaga no Supremo, Moro passou do silêncio complacente à defesa aberta do chefe. No domingo, ele correu ao Twitter para defender Jair Bolsonaro no caso do laranjal do PSL.
De acordo com reportagem da “Folha de S.Paulo”, um depoimento e uma planilha apreendida pela Polícia Federal indicam que a campanha do presidente recebeu dinheiro de caixa dois.
Moro disse que o relato “não condiz com a realidade” e que Bolsonaro fez a campanha presidencial “mais barata da História”. “Nem o delegado, nem o Ministério Público, que atuam com independência, viram algo contra o PR (presidente)”, escreveu.
A declaração revela que o ministro teve acesso privilegiado a um inquérito da PF, e já se apressou a absolver o chefe. Além disso, contraria outra promessa de Moro: a de não usar o cargo para atuar como advogado de defesa do governo.
O que diria o juiz da Lava-Jato?
O Globo: Sergio Moro tem estratégia permanente de 'tentar acuar instituições democráticas', diz Maia
Presidente da Câmara voltou a criticar o ministro da Justiça
RIO — O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, voltou a fazer duras críticas ao ministro da Justiça, Sergio Moro, que tenta aprovar o pacote anticrime no Congresso. Para Maia, o ministro erra ao insistir aprovar a possibilidade da prisão após condenação em segunda instância por meio de projeto de lei e, se algumas das teses de Moro fossem seguidas ao pé da letra, ele seria réu, e não ministro da Justiça. Em entrevista para o jornal "Folha de S. Paulo", o presidente da Câmara disse ainda que o ex-juiz da Lava-Jato tem como "estratégia permanente" tentar acuar as instituições democráticas do país.
— Acho que o ministro Sergio Moro tenta, como sempre, a estratégia permanente dele, a estratégia de um pouco de pressão, de tentar acuar as instituições democráticas deste país — disse ao criticar pontos do pacote anticrime de Moro.
Para Maia, colocar a prisão em segunda instância em projeto de lei "parece mais uma vontade de desgastar o Parlamento do que uma vontade de aprovar o projeto".
— O projeto que foi apresentado pelo governo tem coisas boas. Agora, acredito que a discussão da prisão de segunda instância... Ele, que é jurista, que conhece o tema, encaminhar por projeto de lei parece mais uma vontade de desgastar o Parlamento do que uma vontade de aprovar o projeto.
O deputado também lembrou que em 2016, na votação das dez medidas contra corrupção, elaboradas pela força-tarefa da Lava-Jato, o Congresso não aprovou a proposta de uso de prova obtida de forma ilícita, desde que de boa fé.
— Naquelas dez medidas (contra corrupção) nós rejeitamos a prova ilícita de boa fé. Hoje eles criticam a prova ilícita de boa fé no caso do Intercept. Você vê como são dois pesos e duas medidas que, se nós tivéssemos feito o que eles gostariam, hoje eles eram réus, não eram procuradores, e ele não era ministro da Justiça — disse à "Folha de S. Paulo".
Sobre a relação de Moro com o Congresso, Maia diz que o ministro começou o governo com uma visão distorcida e "achou que podia marcar a data da votação do projeto e como o projeto iria tramitar".
— O que eu espero é que se respeite a legitimidade do Parlamento, coisas que no passado, o grupo do entorno do ministro Moro, principalmente os procuradores, não respeitaram — ressaltou.
Na entrevista, Maia afirmou, no entanto, que a Lava-Jato teve um saldo positivo e que a possibilidade de criar uma CPI para investigar as mensagens vazadas na operação, que já possui número de assinaturas suficientes, é “próxima de zero”.
Elio Gaspari: O direito difuso concentrou interesses
Muita gente estrilou com a fundação da Lava Jato, como se fosse novidade
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) decidirá na quarta-feira a legalidade do contingenciamento de R$ 720 milhões do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Quem nunca ouviu falar nisso ganhou uma oportunidade para entender como o dinheiro da Viúva vira fumaça no alambique de leis e normas da burocracia. Em março, o desembargador Fábio Prieto botou o pé na porta com um voto que evitava a fuga desse dinheiro.
"Direito difuso" é a indenização que uma empresa deve pagar por ter lesado uma comunidade. Por exemplo: se uma pessoa compra um carro e ele tem um defeito, pode pedir indenização, mas se uma fábrica contamina o ar de uma cidade cria um direito difuso, pois não é possível ressarcir cada vítima.
Assim, quando o Conselho de Administração de Defesa Econômica, o Cade, condena essa empresa a pagar uma indenização, manda o dinheiro para um Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, FDDD. Desde 2011 ele arrecadou R$ 2,3 bilhões.
Até aí, foi fácil, pois a burocracia sabe tomar o dinheiro alheio. A dificuldade, ou a verdadeira facilidade, estava em dizer para onde iria o ervanário. De saída, a União mordeu a maior parte, pois reteve (em burocratês, contingenciou) R$ 2,3 bilhões. Liberou apenas R$ 43 milhões. O Congresso havia decidido que o dinheiro poderia ir para "qualquer outro interesse difuso".
Transformou o difuso num concentrado para quem tivesse acesso ao cofre.
O dinheiro vai para entidades credenciadas pelo Conselho Gestor do FDDD, nominalmente dedicadas ao bem comum. Assim, uma fábrica mineira de rapaduras recebeu R$ 156 mil. Já uma associação de proprietários, artistas e escolas de circo do Ceará ficou com R$ 100 mil para cuidar da memória de seus espetáculos. Um projeto de construção de 5.000 cisternas em escolas do semiárido nordestino poderá vir a receber R$ 301 milhões.
Rapaduras, circos e cisternas refletem um compreensível interesse benemerente. Contudo outra parte do dinheiro destinou-se a financiar entidades não governamentais. Três delas receberam um total de R$ 1,1 milhão. Em duas, há membros do Ministério Público em suas diretorias.
Uma dessas entidades credenciadas para distribuir o dinheiro, o Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, recebeu, por um caminho lateral, R$ 7,6 milhões para pagar aluguéis, impostos, comprar móveis, contratar funcionários e consultorias. Traduzindo: pelo menos R$ 8,7 milhões difusos, se concentraram na rede credenciada.
A liberação dos R$ 720 milhões, determinada por um juiz de Campinas, talvez explique a presença do ministro Sergio Moro na reunião de março do Conselho Gestor Fundo de Direitos Difusos. Nela, o doutor louvou a ação do Ministério Público que batalha pela liberação dos recursos.
Muita gente estrilou, com razão, quando estourou o caso da fundação arquitetada pelos procuradores de Curitiba para gerir R$ 1,2 bilhão, como se ela fosse uma novidade. Os direitos difusos dos contribuintes já foram usados para construir uma máquina muito parecida, capaz de pedir, a qualquer momento, R$ 2,3 bilhões. Por enquanto, querem R$ 720 milhões, metade do que queriam os doutores de Curitiba.
O que fazer? Botem todo esse dinheiro numa Kombi e deixem-no na porta da Receita Federal, nome de fantasia da velha Bolsa da Viúva.
Bernardo Mello Franco: Licença para matar (e ocultar as provas)
O governo vai gastar R$ 10 milhões para promover o chamado pacote anticrime. O ministro Moro insiste que o texto não dá licença para matar. Falta combinar com o presidente Bolsonaro
O governo vai gastar R$ 10 milhões para promover o chamado pacote anticrime. As peças publicitárias foram apresentadas ontem, em solenidade no Planalto. Usam viaturas cenográficas e linguagem sensacionalista, no tom dos programas policiais de TV.
A campanha tem lances de propaganda enganosa. Um dos anúncios trata da prisão em segunda instância, que os deputados já retiraram do texto original. Quem assistir aos comerciais ficará com a impressão de que a proposta está prestes a ser aprovada.
O pacote tem sido criticado por proteger policiais que cometem excessos “sob escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Ontem o ministro Sergio Moro insistiu que isso não significa uma licença para matar. Faltou combinar com o presidente Jair Bolsonaro, que voltou a defender PMs acusados de execuções.
“Muitas vezes, a gente vê um policial militar que é mais conhecido ser alçado para uma função e vem a imprensa dizer: ‘Ele tem 20 autos de resistência’.
Tinha que ter 50! É sinal de que ele trabalha”, disse. O presidente contou que batia ponto na cadeia de Benfica para visitar PMs presos. Ele acrescentou que muitos seriam vítimas de “ativismo” da Justiça e do Ministério Público. “Um absurdo isso daí!”, esbravejou.
Desde a campanha, Bolsonaro repete que o policial que mata “tem que ser condecorado e não processado”. Ontem a Polícia Civil prendeu quatro pessoas ligadas ao PM reformado Ronnie Lessa, acusado de executar a vereadora Marielle Franco. De acordo com as investigações, o grupo jogou a arma do crime no mar.
A suspeita de ocultação de provas também ronda a morte da menina Ágatha Félix, de oito anos. A PM alega que ela morreu durante tiroteio, versão contestada pela família. Dos onze policiais chamados para a reconstituição do crime, só dois apareceram. O caso mobilizou o país, mas Bolsonaro se recusa a comentá-lo.
Ontem a PM prometeu apurar o relato, publicado pela revista “Veja”, de que agentes teriam ido ao hospital para pegar a bala que matou a menina. Em Brasília, Moro foi questionado sobre o silêncio do presidente. “A pergunta não é apropriada”, desconversou.
César Felício: Um voto de desconfiança
Congresso já tinha respondido a Moro; agora foi o STF
O alcance da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que potencialmente pode anular sentenças proferidas no âmbito da Operação Lava-Jato só deve ser conhecido na próxima semana. Há uma primeira vítima clara, contudo, chamada Sergio Moro. Para quem quer ser um integrante da corte suprema na próxima vaga que se abrir, é uma derrota e tanto.
O escândalo provocado pela divulgação dos diálogos de Moro com integrantes da Força-Tarefa, obtidos pelo site “The Intercept” em circunstâncias obscuras, chega plenamente ao estágio das consequências concretas. Se Moro foi contido na troca de mensagens, o mesmo não pode se dizer dos procuradores de Curitiba e quem paga a fatura política é o ministro. A aprovação do projeto de lei do abuso pelo Legislativo e a derrubada dos vetos presidenciais já havia sido uma resposta. Ontem ficou transparente o troco do Supremo. O ministro Gilmar Mendes deixou no ar o que motivava a decisão, em uma menção indireta a integrantes da Força-Tarefa. “Chamam-nos de vagabundos, falam mal do ministro Fachin, ultrapassam todos os limites, mentindo, e nós temos que honrar a Lava-Jato?! Precisamos honrar as calças que vestimos!”
É provável que a decisão do STF seja delimitada de modo a não ter um efeito disruptivo na cena política brasileira. É provável que dias, quando não semanas, ou quem sabe meses, sejam consumidos de forma febril nesta discussão. O fato é que não se tratou ontem, em termos políticos, naturalmente, de um julgamento a favor de alguém. O que houve foi um voto de desconfiança.
MDB
O MDB hoje é uma sombra do que já foi, mas o emedebismo segue saudável e mais vivo do que nunca. Desaparece a sigla como elemento central da política brasileira, mas, sobrevive o princípio, a razão de existir que tornou o partido protagonista do chamado presidencialismo de coalizão.
O que um dia foi o MDB hoje é representado pela soma deste partido com o Centrão, o DEM e o PSDB congressual. É um eixo moderador, ou diluidor, das vontades presidenciais: tudo que sai do Palácio do Planalto de uma forma transforma-se em outra depois de passar no Congresso dominado pelo emedebismo. O conceito formulado pelo filósofo Marcos Nobre para explicar a dinâmica política nos governos FHC, Lula e Dilma no primeiro mandato mostra sua resiliência.
Este eixo moderador tende a apoiar uma reeleição do presidente Jair Bolsonaro, na opinião do cientista político Carlos Pereira, da FGV do Rio, também estudioso do MDB. Analisando tanto casos brasileiros como de outros países, Pereira constatou que partidos sem definição ideológica clara e com grande base congressual tendem a crescer como linha auxiliar. Quando se tornam protagonista, sob a ribalta, encolhem.
Pereira lembra que em 2015 o então PMDB tinha a presidência das duas casas legislativas, a Vice-Presidência, sete governos estaduais, entre eles o do Rio de Janeiro e o do Rio Grande do Sul, 18 senadores, 66 deputados federais e seis ministérios. Ao optar por patrocinar uma ruptura política e disputar nas urnas a eleição presidencial no ano passado, o partido perdeu metade de seu tamanho, aproximadamente. “O PSDB e o PT, quando estiveram no poder, superaram crises de governabilidade nos momentos que estavam em sintonia com o PMDB”, comenta Pereira.
Os partidos que encarnam o emedebismo hoje piscam o olho para Luciano Huck, andam de mãos dadas com João Doria, mas gostariam mesmo de ser o esteio da governabilidade de Bolsonaro. O próprio PSDB, mesmo tendo um presidenciável óbvio como o governador de São Paulo, não foge a esta força centrípeta. Não é produto do acaso tucanos terem tido a relatoria da reforma da Previdência na Câmara e no Senado e terem estado no centro da negociação do lado do Executivo, por intermédio de Rogério Marinho. Doria deverá ser o candidato tucano, mas pode ter dificuldades de unir o partido contra o Planalto. O ar da oposição é rarefeito. A grande aliança com o Planalto, porém, não depende dos que encarnam hoje o emedebismo.
“A grande diferença entre Bolsonaro e antecessores é que ele não aposta em coalizão permanente, quer estabelecer uma aliança conforme a sua agenda no momento. Nada garante que estas coalizões pontuais se reproduzam nas eleições. O presidente se recusa a dar estas garantias”, diz Pereira. Ao demarcar esta distância do eixo moderador, o presidente aumenta o risco que ele próprio corre, segundo o cientista político. “Se escândalos se aproximarem de seu círculo mais íntimo, o presidente passa a estar sujeito a pautas-bomba, por exemplo”, afirma.
Desigualdade
Cinco meses seguidos de saldo líquido positivo na criação de empregos formais e o melhor agosto na geração de vagas desde 2013 são números tão eloquentes que mereceram comemoração presidencial anteontem pelo Twitter.
Há sinais de que já funciona, há algum tempo, a engrenagem que Bolsonaro prometeu acionar, a de que o trabalhador está sujeito a ter menos direitos para ter mais emprego. Isto porque a desigualdade no mercado de trabalho cresce, mesmo depois que a tendência de aumento do desemprego se deteve, conforme indicou o estudo
“Estagnação desigual: desemprego, desalento, informalidade e a distribuição de renda do trabalho no período recente” (2012-2019), de Rogério Jerônimo Barbosa, publicado este mês pelo boletim do Ipea,
O levantamento mostra que desemprego e desalento não são mais os motores para o crescimento da desigualdade. Tanto um como o outro pararam de crescer em 2017, primeiro pela expansão da informalidade e depois porque as perdas no setor formal se estancaram, após a lipoaspiração pela qual a CLT passou. Agora, registra o autor, as disparidades entre os trabalhadores são o principal fator. “ Benefícios e direitos típicos (e sazonais) do setor formal se tornaram mais escassos e concentrados”, indicou.
O crescimento de desigualdade constatado pelo estudo não é banal. Em 2014, os 50% mais pobres ficavam com 5,7% da renda obtida pelo trabalho. No primeiro trimestre de 2019, este percentual desceu para 3,5%. Já os 10% mais ricos tinham 49% e agora estão com 52%.
João Domingos: Bolsonaro, Moro e os dilemas do ministro da Justiça
Mesmo com um gesto simbólico de reaproximação, não dá para dizer que a situação do ex-juiz é segura
Mesmo que Jair Bolsonaro e Sérgio Moro tenham se acertado, e até feito um gesto simbólico de reaproximação na semana passada, não dá para dizer que a situação do titular da Justiça é segura. Quando Bolsonaro diz, e repete, que quem manda é ele, o destinatário da mensagem é Moro. Porque a autoafirmação de autoridade de Bolsonaro, nesses casos, quase sempre é feita quando se trata de algum órgão ou alguma pessoa ligada a Moro.
Sabe-se que os dois tiveram discussão ríspida na semana passada, por causa da PF. Bolsonaro queria mudar o superintendente no Rio, encontrou resistências e ameaçou demitir o diretor-geral, Maurício Valeixo. Não contente, deu declarações dizendo que é ele o responsável pela direção-geral da instituição, não Moro.
Ora, se é ele quem cuida da direção da PF, poderia ter demitido Valeixo, ou exigido dele a troca do superintendente, sem precisar dizer que a responsabilidade é dele, não de Moro. Ou Bolsonaro terá de pedir autorização de algum ministro quando quiser demitir outro? É lógico que não. Acontece que, ao deixar clara a intenção de fazer uma interferência na PF, levará à conclusão de que ele está se imiscuindo numa área que não lhe pertence. Daí, a citação a Moro, para dizer que não é ele o responsável pela direção da PF, mas o próprio presidente.
Sabe-se que Bolsonaro pretende trocar a direção da Abin e da Receita. A primeira é subordinada ao general Augusto Heleno; a segunda, a Paulo Guedes. No momento em que se decidir pela troca, Bolsonaro certamente chamará um e outro e mandará mudar o comando. Portanto, se quem manda na PF é Bolsonaro, por que ele precisa dizer aos quatro ventos que o mando é dele, não de Moro?
Porque o ministro é popular e faz sombra ao presidente.
Feita a reconciliação, Bolsonaro já voltou ao ataque. À Folha de S. Paulo, disse que é preciso dar uma “arejada” na PF. O que está por trás da declaração é a certeza que ele tem de que a PF é corporação muito unida, com capacidade de reação e rebeldia, como a entrega dos cargos. Daí, a insistência em dar essa “arejada”, o que não conseguirá sozinho. Precisará de Moro. Mas não tem a certeza de que o ministro seguirá suas ordens ao pé da letra. Até porque, se segui-las, Moro perderá a autonomia e será apenas mais um a obedecer cegamente a tudo o que o presidente determina.
Elio Gaspari: O inferno de Moro, uma tragédia brasileira
Ministro é hoje uma fritura ambulante. Fritam-no (ou frita-se) no Planalto, no Congresso e no Judiciário
Quando decidiu largar a toga, trocando o altar da Lava-Jato pelo serpentário de Brasília, Sergio Moro fez uma escolha arriscada. Ele havia se tornado um símbolo da luta contra a corrupção, mandando para a cadeia gente convencida de que aquilo era lugar de preto e de pobre. Na última quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro chamou-o de “patrimônio nacional”, mas Moro e as paredes do Planalto sabem que há poucas semanas ele o chamava de outra coisa. Quem já fritou um bife sabe que é preciso virar a carne, para não queimá-la. Moro é hoje uma fritura ambulante. Fritam-no (ou frita-se) no Planalto, no Congresso e no Judiciário.
Há dois anos ele seria um forte candidato na disputa pela Presidência da República. Essa viagem do paraíso ao inferno é uma tragédia brasileira que aponta para algo maior que ele. Mostra os vícios de soberba inerente à ideia do “faço-porque-posso”. Em 2004, antes de se tornar famoso, o juiz Sergio Moro escreveu um artigo sobre a Operação Mãos Limpas italiana e disse o seguinte:
“Os responsáveis pela Operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. (...) A investigação da ‘Mani Pulite’ vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no ‘L’Expresso’, no ‘La Repubblica’ e outros jornais e revistas simpatizantes. (...) Os vazamentos serviram a um propósito útil.”
Moro e os procuradores da Lava-Jato repetiram a mágica. Agora queixam-se de vazamentos, e o ministro da Justiça lastimou que seus projetos “não têm tido a necessária exposição na imprensa”.
O doutor não percebeu a mudança climática a que se submeteu trocando Curitiba por Brasília. Era um juiz que encarnava o combate à roubalheira e, junto com os procuradores, era também a melhor fonte de notícias. Afinal, era preferível ouvir Moro ou Deltan Dallagnol a dar crédito às patranhas virginais de empreiteiros ou de comissários petistas. Moro, Dallagnol e os procuradores sempre souberam que seus serviços seriam avaliados nas cortes superiores de Brasília. Confiaram numa inimputabilidade que lhes seria concedida pela opinião pública, até que vieram as revelações do The Intercept Brasil e, acima de tudo, a decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou a sentença de 11 anos de prisão imposta a Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil.
Os inimigos do procurador Dallagnol acusavam-no de manipular a fama com palestras bem remuneradas, mas ninguém seria capaz de supor que de 20 palestras vendidas entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2019, cinco fossem patrocinadas pelo plano de saúde Unimed, com um tíquete médio de R$ 32 mil. Em setembro de 2018 o procurador queria ir à Bahia e perguntou a uma agenciadora: “Será que a Unimed Salvador não quer me contratar para uma palestra na semana de 24 de setembro?” (A Lava-Jato passou ao largo dos planos de saúde.)
Dallagnol fez o que achava que podia fazer. Desde o aparecimento das mensagens obtidas pelo Intercept, os procuradores da Lava-Jato e Sergio Moro encastelaram-se numa defesa suicida de silêncio e negação. Danificaram a alma da Lava-Jato com a soberba do encastelamento que levou as empreiteiras e os comissários do PT à ruína e à cadeia.
Para Moro, a conta do “faço-porque-posso” veio na semana passada, com a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.
Alberto Toron estava certo
No dia 19 de janeiro de 2018 o advogado Alberto Toron, defensor de Aldemir Bendine, encaminhou ao então juiz Sergio Moro um pedido para que seu cliente apresentasse seus argumentos finais depois de conhecer os memoriais de Marcelo Odebrecht e de outros colaboradores que o acusavam de receber propinas.
Toron argumentava que eles eram réus, mas haviam se transformado em acusadores, em situação que “se assemelha ao papel de um assistente do Ministério Público”. Quatro dias depois, Moro negou o pedido. Pouco custava aceitá-lo. Sua decisão foi ratificada em duas instâncias superiores, até que na semana passada, por três votos contra um, a Segunda Turma do STF anulou a sentença de Moro que condenou Bendine a 11 anos de prisão, por ter cerceado sua defesa. Talvez o resultado fosse, quatro a um, se o ministro Celso de Mello estivesse na sessão.
Vale a pena voltar no tempo. Na véspera do pedido de Toron, dois procuradores da Lava-Jato discutiam o projeto de colaboração do ex-ministro Antonio Palocci e achavam que ele estava enrolando. Um deles cravou: “Pensamos numa entrevista com o candidato, colocando de modo claro que ou ele melhora, ou vai cumprir pena.”
Moro rebarbou o pedido de Toron no dia 23. Dois dias depois os procuradores da Lava-Jato romperam as negociações com Palocci, que começou a negociar uma colaboração com a Polícia Federal.
Uma coisa nada teve a ver com a outra, mas ambas tiveram a ver com o “faço-porque-posso”. Moro achou que podia, assim como Palocci achou que podia oferecer sua colaboração à Polícia Federal. Conseguiu, e em abril fechou seu acordo com a PF. Daí em diante, num ano eleitoral, as revelações de Palocci começaram a vazar.
Os dois “faço-porque-posso” encontraram-se no dia 1º de outubro, seis dias antes da realização do primeiro turno da eleição presidencial, quando Sergio Moro divulgou o teor de um anexo da confissão de Antonio Palocci à PF. Como logo disse uma procuradora, “o acordo é um lixo”, mas teve eficácia eleitoral. Moro fez porque podia.
Semanas depois Jair Bolsonaro foi eleito, e Moro aceitou o convite para o Ministério da Justiça. (Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, o primeiro “contato” da equipe de Bolsonaro com Moro ocorreu antes de segundo turno.)
Achavam, mas não podiam.
A PF e a pf
O presidente Bolsonaro pode não ter gostado da ação do Coaf acusando a bizarrice na movimentação financeira de seu filho Flávio e de seu amigo Fabrício Queiroz.
Tudo bem, mas seu entorno gostou de ter recebido a informação de que Queiroz estava sendo investigado. Essa informação teria vindo de uma voz amiga da Polícia Federal.
Graças a esse aviso, Queiroz pediu demissão do cargo que ocupava no gabinete do deputado Flávio Bolsonaro, uma semana antes do primeiro turno da eleição do ano passado. Por coincidência, no mesmo dia, Nathália, a filha de Queiroz, foi afastada do gabinete do próprio Jair Bolsonaro na Câmara.
Agrotrogloditas
Os agrotrogloditas do andar de cima conseguiram o impossível: estimulando seus próprios instintos e os dos piromaníacos da Amazônia, impuseram ao setor uma encrenca internacional que custará centenas de milhões de dólares.
Rodrigues Alves
Bolsonaro repete que quem manda no governo é ele. Faria bem se refletisse sobre o que dizia o grande presidente Rodrigues Alves (1902-1906):
Meus ministros fazem tudo o que eles querem, menos o que eu não quero que eles façam.
Maria Cristina Fernandes: Estelionato eleitoral
Bolsonaro acumula atos que limitam atuação de Moro
Sergio Moro perdeu mais uma. Na queda de braço pelas nomeações no Cade não é o Senado, mas o ministro da Justiça o maior perdedor.
O Conselho, encarregado da maltratada concorrência empresarial no Brasil, tem quatro vagas a serem preenchidas. A nomeação é do presidente da República, mas desde 2015, uma enfraquecida presidente Dilma Rousseff cedeu a prerrogativa ao Senado. O Centrão se apossou dela e se esparramou pelo órgão durante o governo Michel Temer.
O impenetrável jargão do Cade encobre decisões sobre o arbítrio das empresas na definição de preços e tarifas e na qualidade dos produtos oferecidos ao consumidor. Por mais desoneradas estejam as empresas, os consumidores nunca serão beneficiários se o mercado estiver cartelizado.
O governo Jair Bolsonaro podia até querer retomar a prerrogativa, mas como já começou com o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, nas cordas, achou por bem negociar. Duas vagas ficaram com o governo e outras duas, com os senadores. Como já se vão mais de seis meses do início da legislatura, e o Senado ainda não instalou o Conselho de Ética, as cláusulas do acordo pareciam observadas.
Daí a surpresa quando o presidente retirou as indicações do Executivo. É bem verdade que o futuro de mais um filho, o deputado federal e potencial embaixador do Brasil nos Estados Unidos, também está penhorado no Senado mas o acordo sobrevivia até a véspera da edição do Diário Oficial na semana passada. Nada no currículo dos escolhidos parecia desabonar os escolhidos pelos ministros da Justiça e da Economia.
Ontem Bolsonaro disse que se reuniria com Paulo Guedes para preencher as seis vagas inflacionadas com aquelas que apenas serão abertas em outubro. Da declaração depreende-se que o presidente parcelou o cumprimento das cláusulas do acordo. Se está pressionado a liberar as nomeações para não estender a paralisação do órgão, precisa, por outro lado, garantir o passe de embaixador para o filho. Mas o Senado não é o único e talvez não seja nem mesmo o alvo principal do presidente. O órgão está submetido à estrutura da Justiça, mas o presidente fez questão de dizer que a questão seria discutida com Guedes.
Não é a primeira medida que toma para desidratar Moro. Na primeira primeira delas, vetou uma indicada do ministro para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Em seguida viriam duas decisões envolvendo o Coaf. O Conselho, que identifica operações financeiras suspeitas de ilicitude e as comunica para os órgãos de investigação, foi transferido, na reestruturação ministerial, da Economia para a Justiça.
O Congresso estrilou e o presidente não comprou a briga. Ainda que sob o chapéu da Economia, o Conselho permaneceu nas mãos do escolhido de Moro, um ex-auditor da Receita lotado na força-tarefa da Lava-jato. Agora o presidente decidiu também tirar o aval à permanência de Roberto Leonel na chefia do Coaf.
O ministro tirou uma semana de férias para tentar sair das cordas em que a #VazaJato o enredou. No retorno, determinado a retomar a iniciativa, meteu os pés pelas mãos com o decreto arbitrário na deportação de estrangeiros e armou um jantar com Guedes, testemunhado pela imprensa, para dizer que está fechado com a reeleição de Bolsonaro.
Não bastou para dissipar as desconfianças. Como tem limites para impedir que Moro se disponha a lhe fazer concorrência na sucessão, o presidente resolveu obstruir a alternativa mais evidente do ministro à política eleitoral ao declarar que seu escolhido para o Supremo será "terrivelmente evangélico". Como parece determinado a evitar que Moro tenha uma plataforma eleitoral para chamar de sua, resolveu barrar até mesmo a publicidade do pacote anticrime enviado pelo ministro ao Congresso.
O fogo amigo poderia ser abreviado por uma demissão. O risco, porém, é que, além de explicitado o estelionato eleitoral, a condição de vítima em que o ministro possa vir a se colocar se varrido, se volte contra o mandato presidencial.
Moro concorreu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como os dois personagens que, em extremidades opostas, foram os mais citados pelo candidato do PSL. Sete meses depois de sua posse já bastaram para mostrar que o convite a Moro não foi uma forma de honrar a promessa de combate à corrupção mas de frustrá-la.
Moro já desonrou a toga que inspirou a esperança de milhões de brasileiros, mas para o bolsonarismo mais recalcitrante, ainda é o maior símbolo anticorrupção do país. Mantê-lo no governo, devidamente podado, é a maneira mais segura de proteger sua família e a si, da sanha justiceira do ministro que lhe serviu de carona ao Planalto.
O presidente do Supremo Tribunal Federal tomou o lugar de Moro como parceiro preferencial do presidente. O ministro Dias Toffoli o faz também na condição de líder da legião de políticos e magistrados que, envoltos sob o véu da defesa do estado de direito, buscam um atalho para a procrastinação de processos da Lava Jato.
A frustrada transferência de Lula para o presídio de Tremembé foi um pedido da Polícia Federal de Moro atendido por uma juíza discípula de tudo o que emana de sua toga. Mas se Lula ainda é um troféu para as ambições do juiz militante, os novos aliados de Bolsonaro não o impedirão de continuar a disputar a liderança do antilulismo.
A ferocidade com a qual o governador João Dória aderiu à transferência mostra a resiliência do apelo antilulista. Ainda não apareceu outra maneira mais fácil de o presidente manter sua turma mobilizada senão continuar a disputar esse mercado. Ainda leva vantagem sobre os concorrentes, desde que seja capaz de manter, com a ajuda de seus novos aliados, Fabrício Queiroz de boca fechada por mais três anos e meio.
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O PT fez a lição de casa para se livrar da condição de refém do #LulaLivre com o lançamento de um plano emergencial de emprego e renda. Apresentou alternativas com cálculos de impacto fiscal na ponta do lápis. Sem afrontar o teto de gastos, propõe a emissão de debêntures lastreada nas reservas, o uso da parcela da União nos bônus do pré-sal e a reoneração de empresas para gerar 3 milhões de empregos em seis meses. Só não contava que, no mesmo dia, seria empurrado de volta ao confinamento de sua pauta com a decisão de Curitiba.