miséria

Ascânio Seleme: Quem tem fome paga a conta

Estado tem que usar toda sua força e poder para evitar que pessoas morram de fome

Ascanio Seleme / O Globo

O Estado tem que usar toda sua força e poder para evitar que pessoas morram de fome. Hoje, 19 milhões de cidadãos nacionais passam fome, de acordo com levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Em casos extremos, até mesmo furar teto de gastos definido por lei deve ser permitido de modo que os famintos possam receber dinheiro para comprar comida. Mais da metade dos brasileiros, 116 milhões para ser mais exato, passam por algum tipo de insegurança alimentar. E é claro que isso é inadmissível.

A fome se caracteriza pela ausência do consumo de proteínas, vitaminas, sais minerais e glicose. Na sua primeira fase, o organismo humano busca fontes alternativas de energia armazenada para sobreviver. Em seguida, passa a subtrair tecido adiposo ou gorduroso e depois consome músculos para manter os órgãos funcionando. Sem fontes renovadas de energia, o cérebro perde funções fundamentais de comando, com prejuízos para o raciocínio. No estágio final, o metabolismo passa a funcionar muito lentamente até parar.

O problema é igual para todos os que passam fome, mas é mais dramático para as crianças. Se submetidas por tempo prolongado à insegurança alimentar, além de perder massa muscular, os mais jovens sofrerão desaceleração e até interrupção do crescimento, depressão, anemia, raquitismo, baixa imunidade e incapacitação cognitiva. Com a redução da capacidade de manter a atenção, o prejuízo para a memória e o aprendizado é imediato. Com isso, as crianças brasileiras pobres e famintas, que já perderam mais do que as outras em razão da pandemia, estão sendo condenadas a um futuro ainda mais duro e miserável. Isso se para elas futuro houver.

As imagens da fome no Brasil, que tinham sumido do noticiário, voltaram com pessoas comprando carne de segunda nos açougues. Depois, comprando pés de galinha e ossos com alguma carne. Em seguida, com gente buscando carcaças de animais em portas de frigoríficos e, finalmente, vasculhando caminhões de lixo. O número de pessoas com fome no Brasil subiu de 10,3 milhões para 19,1 milhões em quatro anos. Significa aumento de 85%, quase todo ele medido nos três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro.

Estamos claramente diante de um caso extremo que justificaria em qualquer lugar do mundo furar teto de gastos. Isso, claro, se não houvesse fontes alternativas de recursos. Estas não apenas existem, elas abundam. Num Orçamento de mais de R$ 1 trilhão, os R$ 30 bilhões para atender a emergência podem ser deslocados de diversos pontos, mas sobretudo dos aportes abusivos conhecidos como emendas parlamentares. Apenas as emendas do relator do Orçamento somam R$ 20 bilhões, ou mais de 60% do necessário para aplacar a fome de 19 milhões.

Evidentemente que não vai se mexer nas emendas. Elas servem para alavancar candidaturas em ano eleitoral e garantem apoio parlamentar ao presidente da República, como se o dinheiro do Orçamento da União fosse dele. O senador Jorge Kajuru explicou ontem à revista “Crusoé” como a banda toca. Ele denunciou o líder do governo no Senado, Eduardo Gomes, por ter lhe oferecido R$ 100 milhões em emendas se ele parasse de bater no governo.

Como não se consegue reduzir as emendas, poderia se cortar alguns gastos militares, os únicos que aumentaram injustificadamente no governo Bolsonaro, em benefício de quem tem fome. Mas alguém acha que o capitão marchará por aí? O governo poderia ainda negociar como contrapartida projetos consistentes de reforma administrativa e tributária e um programa de privatizações em áreas onde a presença do Estado só seja necessária na regulação. Como não tem credibilidade para tanto, o governo tenta construir uma saída para a emergência atual criando emergências futuras. Serão os mais pobres que pagarão a conta dos erros de agora. Com mais fome.

RESPONSABILIDADE

Somente um governo sério e comprometido com o equilíbrio fiscal conseguiria respaldo da sociedade para furar o teto em caso emergencial. Não é o caso de Bolsonaro, Guedes e o que sobrou de sua turma, que estão mais perto de cometer um crime de responsabilidade do que eventualmente demonstrar alguma responsabilidade.

QUEM DIRIA

Depois de entregar todas as suas convicções a Bolsonaro com o único e mesquinho objetivo de manter-se no cargo, Paulo Guedes quase foi demitido. E, se fosse, seria por esta mesma razão, por ter abandonado os fundamentos que o fizeram ministro. Guedes, que já não tinha o apreço da ala política do governo, sobretudo do guloso Centrão, perdeu a credibilidade junto ao mercado quando subscreveu a ideia de furar o teto em favor do auxílio emergencial. Todo mundo sabia que havia outros roteiros possíveis para se atender à emergência, mas Paulo Guedes ignorou as alternativas, assumiu a função de tesoureiro da campanha de Bolsonaro e continuou feito ostra agarrado na cadeira achando que manteve sua credibilidade.

O DONO DO BRASIL

O ex-presidente da Petrobras disse que deixou a empresa por não suportar as pressões de Bolsonaro. Nas palavras de Roberto Castello Branco, “Bolsonaro acha que é dono da Petrobras”. Na verdade, o capitão se considera dono do Exército, que já chamou de “meu”, da Saúde, onde manda quem pode, do Meio Ambiente, em que autorizou o estouro da boiada. E do orçamento, que fura desavergonhadamente. O homem acha que é o dono do Brasil.

A COLÔMBIA PODE ESPERAR

A comitiva já estava embarcada nos carros que a conduziria ao aeroporto quando chegou o último passageiro, o presidente da Colômbia, Iván Duque. Ele acenou aos porteiros do hotel em Brasília, como se estivesse cumprimentando eleitores colombianos, e entrou no seu carro. A comitiva percorreu menos de um quilômetro e Duque mandou parar o motorcade. Viu uma churrascaria no caminho e mandou o motorista encostar. Com ele, estacionaram todos os demais. Duque sentenciou: “Vamos comer um churrasco brasileiro”. Todo mundo estranhou o gesto inesperado, mas ninguém reclamou. Melhor um rodízio do que aquele lanchinho de avião. A Colômbia podia esperar.

PLANO B

Bolsonaro não desistiu da reeleição. Com o auxílio emergencial acha que consegue sobreviver e crescer ao longo dos primeiros meses do ano que vem. Mas o plano B está mantido. Se mais adiante as pesquisas apontarem um inevitável fracasso eleitoral, ele retira sua candidatura como forma de inviabilizar Lula. E dirá alto e claramente que deixa a disputa para impedir que o PT ganhe a eleição. A saída de Bolsonaro não derrota automaticamente Lula, mas sua candidatura se enfraquece diante de um candidato de centro que atraia os eleitores da direita bolsonarista. Claro que antes de sair, Bolsonaro tentará um acordo de blindagem para si e seus filhos.

MORO AINDA

Para se viabilizar como candidato a presidente com chances de brigar por uma vaga no segundo turno, Sergio Moro deverá explicar ao Brasil seus métodos na condução da Lava-Jato e o fato de ter aceitado o Ministério da Justiça de Bolsonaro. O ex-juiz diz que os resultados da força-tarefa serão seus argumentos. Segundo ele, nunca se atingiu de maneira tão sólida e consistente a corrupção no Brasil. Foram 179 ações penais, 209 acordos de colaboração e 17 de leniência, 295 prisões preventivas ou temporárias, 174 condenações, com a recuperação de R$ 4,3 bilhões, em valores devolvidos aos cofres públicos, e R$ 14,8 bilhões, em multas. Não é pouca coisa. Sobre sua participação no governo Bolsonaro, Moro prefere falar sobre sua saída e não sua entrada. Acha que rende votos ter denunciado o presidente por querer interferir na Polícia Federal. O tempo dirá se ele tem razão.

PALAVRAS E EXPRESSÕES

Depois da confusão que se criou na CPI da Pandemia em razão do vazamento do relatório inicial, onde se classificava como genocídio os crimes cometidos pelo governo Bolsonaro contra os índios brasileiros, chegou-se a um entendimento. Saiu a palavra genocídio e entrou o termo “crimes contra a humanidade”. Eles significam mais ou menos a mesma coisa: o ataque sistemático a grupos ou coletividades que sejam identificados por sua etnia ou aspirações políticas, culturais, religiosas ou de gênero. Nas duas hipóteses, e ambas cabem ao governo, o que se almeja é o extermínio de um grupo.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/quem-tem-fome-paga-conta-25248471


Fernando Canzian: Fenômeno dos anos Lula, classe C afunda aos milhões e cai na miséria

Mais de 30 milhões deixam classificação; perspectiva para 2021 é de mais perda de renda nas classes D e E

Maior novidade da paisagem econômica brasileira no início deste século, a chamada classe C está sendo empurrada rapidamente de volta às classes D e E.

Ou, o que é pior, indo direto para a miséria pelas consequências da Covid-19 e da desorganização das políticas de mitigação da pandemia do governo Jair Bolsonaro (sem partido).

Pesquisas de diferentes órgãos revelam não só que dezenas de milhões de brasileiros retrocedem a situações mais precárias desde o ano passado mas que suas vidas podem continuar piorando em 2021.

Enquanto classes mais favorecidas começam a estabilizar a renda ou a obter ganhos, as classes D e E —cada vez mais numerosas— devem amargar nova queda de quase 15% em seus rendimentos neste ano.

Isso não só aumentará a desigualdade social brasileira mas retardará a recuperação econômica.

Mais pobre, a gigantesca população de baixa renda consumirá menos, exigindo menos investimentos e contratações de novos empregados pelo setor produtivo.PUBLICIDADE

Com a paralisação de muitas atividades em 2020 e a interrupção do auxílio emergencial em dezembro —só retomado em abril, com valores bem menores—, milhões de brasileiros estão despencando diretamente da classe C para a miséria.

Em 2019, antes da pandemia, o Brasil tinha cerca de 24 milhões de pessoas na pobreza extrema, ou 11% da população, vivendo com menos de R$ 246 ao mês. Agora, são 35 milhões, ou 16% do total, segundo a FGV Social com base nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios Contínua e Covid-19.

Entre esses novos participantes da pobreza extrema, muitos não se encaixam no clássico perfil do miserável brasileiro —oriundo de famílias muito pobres, desestruturadas e de baixíssima escolaridade.

A família de Noemi de Almeida, que estudou até o primeiro colegial, é uma das que fizeram um percurso rápido, e sem escalas, da classe C direto para a miséria.

Com renda domiciliar de quase R$ 4.000 antes da pandemia, ela, o marido e duas filhas agora vivem de doações para comer e moram em um terreno invadido no Jardim Julieta, na zona norte de São Paulo.

Ali, com redes de água e luz irregulares, ao lado de centenas de casas improvisadas, temem, dia e noite, acabar despejados e sem ter para onde ir.

Antes da pandemia, Noemi vendia quentinhas a alunos de uma faculdade na Vila Maria enquanto o marido trabalhava como garçom.

Sem aulas e com o fechamento do comércio, ambos ficaram sem renda, não tiveram mais como pagar o aluguel e agora ocupam, com outras 2.000 pessoas, a área invadida em meados de 2020.

Com os filhos longe da antiga escola, o casal tenta obter alguma renda vendendo água e refrigerantes. “Tem dias que ganho R$ 30. Outros, que não entra nada”, diz Noemi.

A poucos metros dela, Ingrid Frazão, que concluiu o ensino médio e que conseguia com o marido, até a pandemia, cerca de R$ 3.000 mensais, agora vive na mesma ocupação e depende, para se alimentar, de doações e de um sopão distribuído nas redondezas.

Antes o casal se sustentava com empregos formais (ela, faxineira; ele, instalador de alarmes) e conseguia bancar aluguel de R$ 700 mensais na região do Parque Edu Chaves, também na zona norte paulistana. Hoje, não têm a menor perspectiva de sair de onde estão.

No começo, a ocupação iniciada pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) no Jardim Julieta tinha sido organizada para manter terrenos de 4,5 metros de frente por 9 metros de profundidade.

Mas a demanda da população foi tanta que eles foram encolhidos para 4,5 metros por 4,5 metros para acomodar mais gente. Segundo Valdirene Ferreira, uma das organizadoras do local, pessoas não param de chegar e há filas para tentar acomodá-las.

De acordo com a FGV Social, quase 32 milhões de pessoas deixaram a classe C desde agosto do ano passado, ápice do pagamento do auxílio emergencial pelo governo Bolsonaro, em direção a uma vida pior.

A classe E, com renda domiciliar até R$ 1.205, segundo os critérios da FGV Social, foi a que mais inchou: cresceu em 24,4 milhões de pessoas. Já a classe D (renda entre R$ 1.205 e R$ 1.926) aumentou em 8,9 milhões.

Embora o Brasil não possua uma classificação oficial para delimitar classes sociais, algumas dessas tentativas, como da FGV Social e da consultoria Tendências (ver quadro), enquadram as famílias de Noemi de Almeida e Ingrid Frazão —assim como outras encontradas pela Folha no Jardim Julieta e em ocupações no centro de São Paulo— como ex-participantes da classe C.

Mesmo usando parâmetros diferentes, ambas as classificações revelam o mesmo movimento: encolhimento da classe C, cuja expansão ganhou fama no governo Lula (2003-2011), e, agora, o inchaço acelerado das classes D e E —a última na estratificação e que engloba os mais pobres.

Marcelo Neri, diretor da FGV Social, compara a um “terremoto” a mudança brusca de patamar sofrida pela classe C desde o início da pandemia.

Em sua opinião, o auxílio emergencial foi muito mal calibrado: generoso demais em 2020 e insuficiente agora, quando a pandemia faz mais mortos e obriga estados e municípios a interromper atividades.

No auge do pagamento do auxílio, em agosto do ano passado, 82% das pessoas que eram consideradas muito pobres (renda per capita abaixo de R$ 246) um ano antes deixaram de sê-lo momentaneamente —para logo depois voltar à miséria. Em muitos casos, encontram-se hoje em situação pior do que antes.

“O governo acabou produzindo muita instabilidade, o que é péssimo, em particular, para os mais pobres”, diz Neri. “A generosidade de 2020 mostrou que o governo não foi sábio, pois agora não tem dinheiro para socorrer os que mais precisam em um momento muito difícil.”

No ano passado, o auxílio emergencial foi pago entre abril e dezembro empregando R$ 293 bilhões (R$ 600 ao mês inicialmente, e depois R$ 300, a 66 milhões de pessoas).

Mas a nova rodada deste ano tem previsão de duração de só quatro meses e de somar R$ 44 bilhões —15% do total de 2020 (pagando R$ 250, em média, a 45,6 milhões de pessoas).

O auxílio emergencial menor mais a lentidão na vacinação contra a Covid-19 no Brasil por ​falta de planejamento federal devem redundar em recuperação econômica lenta, que afetará sobretudo os mais pobres, ampliando a desigualdade.

Segundo Lucas Assis, economista da Tendências, a massa de rendimentos (salários, Previdência, programas sociais, etc.) das classes D e E deve encolher 14,4% neste 2021.

Já a da classe A (empresários, funcionários públicos, etc.) pode crescer 2,8%, sobretudo por causa da recomposição das margens de lucro que os empregadores vêm perseguindo.

Com menos renda disponível e cada vez mais numerosas, as classes D e E, que normalmente gastam imediatamente quase tudo o que ganham, não devem funcionar como grandes propulsoras da atividade econômica neste ano.

“Pior remuneradas, ainda mais informais do que antes e diante da inflação de alimentos e combustíveis, essas parcelas da população terão pouca renda disponível”, afirma Assis.

Outra pesquisa, da consultoria IDados e publicada pela Folha, mostrou que oito em cada dez famílias com rendimento mensal superior a R$ 5.225 também perderam renda no último trimestre de 2020, na comparação com o mesmo período de 2019.

Diante da realidade dos baixos rendimentos do Brasil, no entanto, essas famílias podem ser consideradas como pertencentes às classes média, média-alta e alta —uma minoria, portanto, no país.

Por isso é que preocupam os efeitos da rápida degradação das condições da numerosa classe C, pois considera-se crucial que ela faça o caminho de volta para que o país engate um ritmo de crescimento mais acelerado.


Douglas Belchior: Metade da população brasileira hoje enfrenta a fome e a falta de direitos

Uma multidão de miseráveis cresce a cada dia, sob a anuência de um governo fraco, arrogante, incapaz

O Brasil vive um momento de anormalidade democrática. Enfrentamos um progressivo desmonte das políticas de direitos sociais e civis da população. Durante a pandemia, o que temos observado é uma gestão negligente que está sendo imposta ao país.

Essa negligência pode ser comprovada pela demora na aquisição de vacinas e pela ausência de um plano nacional de vacinação efetivo que defina os grupos prioritários e cuide das pessoas que são as mais expostas, vulneráveis. No entanto, o que vemos é uma tentativa perigosa de privatização da vacina, que vai instituir um sistema de fura-fila.

Enquanto isso, o presidente ignora perigosamente os apelos de quem tem fome e os índices que revelam a quantidade absurda de quase 117 milhões de brasileiros que, em algum momento, já viveram algum tipo de insegurança alimentar. Esses dados fazem parte do estudo realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), divulgado há poucos dias.

A fome já é a realidade vivenciada por 19 milhões de pessoas e mais de 43 milhões não dispunham de alimentos suficientes. Ou seja, o empobrecimento da população está se agravando e a pandemia está evidenciando os nichos e os abismos sociais existentes neste país.

Como resposta ao agravamento da pandemia, ao invés de propor um auxílio digno, o Governo responde com um benefício que é quatro vezes menor. Quem consegue fazer uma análise mais ampla, vê o quanto o país piorou ―e muito― em todos os setores nos últimos dois anos, especialmente na área social.

Pior ainda é saber que, do orçamento geral da União, sobrou o equivalente a 28 bilhões de reais de verba destinada ao auxílio emergencial no ano passado. Mas, para este ano, estabelece-se o limite de 44 bilhões de reais acima do teto. Qual a razão disso: maldade ou indiferença?

A fome e a miséria aumentaram, assim como a concentração de renda. Basta lembrar dos 11 novos bilionários que este ano entraram para o seleto grupo dos mais ricos do mundo da revista Forbes.

Essa política higienista, racista e genocida tem escancarado e explicitado todas as desigualdades e intensificado o sofrimento das pessoas. Falta habitação, acesso à água limpa e potável, trabalho, renda e educação. Todos esses segmentos sofreram mudanças radicais e profundas.

Não vemos qualquer iniciativa por parte do Governo para atuar preventivamente, evitando mortes que, a cada dia, batem recordes absurdos. Não é possível achar normal 4 mil mortes diárias. Como também não é natural obrigar os médicos a praticarem a tortura à medida que faltam medicamentos do kit intubação.

Na ausência dessas drogas mais modernas e eficientes, hospitais do Rio de Janeiro já amarram seus pacientes semiconscientes, alguns até conscientes, para não retirarem os tubos usados na intubação.

O país piorou muito nos últimos dois anos porque tem na sua direção um presidente insano e indiferente, que não esconde suas características de supremacista branco. Infelizmente, não chegamos ainda ao pior dessa situação.

Com a pandemia sem controle e sem perspectiva de vacinar o maior número possível de pessoas, estamos condenando os mais pobres a uma vida miserável. E os mais pobres entre os pobres estão sendo empurrados para a fome na sua versão mais cruel. Aqui, falamos, na grande maioria, de mulheres negras, periféricas, mães-solo.

Além de todas as mazelas que assistimos cotidianamente, este ainda é um país que sangra com o racismo e todas as desigualdades decorrentes do racismo presente nos países de herança colonial e escravocrata.

Tem gente com fome, aos milhares, dependendo quase exclusivamente da ação da sociedade civil organizada e de suas campanhas de apoio humanitário. E o Estado e seus gestores prevaricam, à revelia da Constituição. Até quando viveremos essa situação?

É por isso vamos continuar repetindo, como um mantra, #auxilio emergencial até o fim da pandemia!

Douglas Belchior, professor da Uneafro Brasil e membro da Coalizão Negra por Direitos e Paola Carvalho, diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica


Vinicius Torres Freire: Brasil ainda pode ter sucesso com a vacina e alta do PIB com mais miséria em 2021

Como será possível vacinar contra Covid e gripe ao mesmo tempo?

É fácil fazer previsão. Difícil é acertar. Desde o começo do século, dois terços das previsões de crescimento da economia feitas em dezembro (para o ano seguinte) estavam muito erradas: não ficaram nem dentro do intervalo das estimativas mínima e máxima de “o mercado”.

Talvez seja útil mencionar obviedades importantes para o que vai ser de 2021. O óbvio não tem charme, mas quebramos a cara quando não nos damos conta de que ele é o muro adiante das nossas fuças.

VACINAS. O Brasil pode vacinar 1,5 milhão de pessoas por dia ou mais, em esforço de guerra (se não precisar usar essas supergeladeiras para vacinas modernas). Em tese, daria para vacinar todo o mundo com mais de 18 anos em quatro meses.

Butantan e Fiocruz dizem que podem produzir 1,3 milhão de doses por dia a partir de fevereiro (menos que isso em janeiro, mas mais no segundo semestre), bastantes para vacinar 650 mil pessoas por dia.

Desde que a eficácia e/ou efetividade dessas vacinas não seja uma porcaria e os crimes de Jair Bolsonaro não atrapalhem muito, lá por outubro daria para ter acabado o serviço. Bem antes, haveria grande alívio: daria para quase acabar com o morticínio de idosos, liberar os hospitais, reduzir custos do combate à doença, animar a economia etc. Problema de que pouco se fala: como será possível vacinar contra Covid e gripe ao mesmo tempo?

MISÉRIA. O número de novos miseráveis pode aumentar de 10 milhões a 20 milhões (sem auxílio e sem trabalho). Parece que o país se esqueceu dessa tragédia que começa já neste mês.

INFLAÇÃO: chegará a 6% ao ano em junho. Por mês, deve crescer mais devagar agora, mas o estrago acumulado em 12 meses chegará a isso. É uma dentada na renda real, na capacidade de consumo, da metade mais pobre do país em particular.

TETO. Essa inflação vai permitir um aumento considerável de gasto federal em 2022 (6%). Vai ser difícil manter o teto em 2021 (mas haverá gambiarras). Em 2022, o teto pode se manter graças à contribuição imprevista da inflação. Vantagem para Bolsonaro.

PIB PARA RICOS. Se governo e Congresso não arrumarem confusão maior com o teto, é possível que a economia cresça uns 4% em 2021, dados os juros baixos, os preços de commodities em alta, o dólar menos caro e o crescimento menor do que o previsto da dívida pública, afora acidentes.

Não se quer dizer que o teto seja intocável, mas é grande a chance de, agora, a emenda ser pior do que o soneto. De resto, 4% de crescimento nem repõe o que se perdeu em 2020. Mas pode ser o bastante para remediar a vida de metade da população.

É para pensar: o prestígio de Bolsonaro pode se manter perto de onde está, a depender do sucesso da vacinação, que ele pode faturar sem ter feito nada, e dos miseráveis (vão morrer de fome quietos?).

ELEIÇÃO NA CÂMARA. Desde meados do ano, era óbvio que a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados seria crucial e emperraria o Congresso. Se a turba de Bolsonaro vencer, facilita o projeto autoritário. A depender de quem ganhar, vai haver mais ou menos “reformas”, que não serão grande coisa.

REFORMAS. Alguém acha que o Congresso vai arrochar os servidores? Esse é o núcleo da PEC “emergencial”, o arremedo de plano fiscal do governo. Alguém acha que o Congresso vá aprovar reforma tributária “profunda” (que provocaria crise com setores como serviços, entre outros conflitos)? Se eu fosse jogar na “Mega das Reformas”, apostaria no seis por meia dúzia, reforminhas.

Este jornalista prevê também que volte de férias em fevereiro.


Bernardo Mello Franco: Um Portugal de miseráveis

O número de brasileiros na extrema pobreza cresceu 50% em quatro anos. Apesar da crise, o país reduziu a cobertura e o valor real do Bolsa Família

O IBGE informa: aumentou o número de brasileiros na extrema pobreza. Em 2018, o país passou a ter 13,5 milhões de pessoas sobrevivendo com menos de R$ 145 por mês. É um contingente maior do que a população inteira de países como Portugal, Grécia e Bolívia.

Desde 2014, houve um salto de 50% no número de miseráveis. Isso significa que 4,5 milhões de brasileiros foram empurrados para a base da pirâmide social. É a face mais perversa da crise, que reduziu os empregos e a renda de quem ainda tem trabalho.

A omissão do poder público também contribuiu para o aumento da extrema pobreza. A parcela de lares atendidos pelo Bolsa Família, que era de 15,9% em 2012, caiu para 13,7% no ano passado. O valor real dos benefícios diminuiu, com congelamentos e reajustes abaixo da inflação.

O economista Marcelo Neri, da FGV Social, diz que o arrocho agravou as dificuldades de quem luta pela sobrevivência. “O país resolveu economizar às custas dos mais pobres. Só que isso não gerou uma economia expressiva e ainda aumentou a miséria”, explica.

Em tempos de crise, é esperado que o Estado reforce a rede de proteção social. No Brasil dos últimos anos, deu-se o contrário. “O país recolheu a rede quando mais precisa dela”, resume o professor.

A Síntese de Indicadores Sociais revela outras faces do nosso abismo. Em 2018, o percentual de empregados com carteira assinada caiu para 47,4%, menor índice já registrado pelo IBGE. Isso ocorreu um ano após a aprovação da reforma trabalhista, vendida como panaceia por governo e entidades patronais.

O estudo divulgado ontem lembra que a precarização eleva a desigualdade. Sem vínculo formal, os trabalhadores perdem direitos básicos como salário mínimo, aposentadoria e licenças remuneradas.

A miséria cresce a olhos vistos, mas continua à margem do debate nacional. No pacote apresentado nesta terça, o governo propôs revogar o artigo 58 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Se o texto for aprovado, o benefício pago a idosos e deficientes de baixa renda poderá ficar abaixo do salário mínimo.


Política Democrática online faz raio-x da pobreza na maior favela do Brasil 

Sol Nascente tem área equivalente a 1.320 campos de futebol do tamanho do que existe no estádio Mané Garrincha 

Cleomar Almeida 

A reportagem especial da sétima edição da revista Política Democrática online faz um raio-x da maior favela do Brasil. Sol Nascente está localizada na cidade-satélite de Ceilândia, a 35 quilômetros do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. Vive uma explosão populacional sem precedentes na história, de acordo com estimativas da administração local.

» Acesse aqui a sétima edição da revista Politica Democrática online 

A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania. Sem infraestrutura básica para a população, Sol Nascente abriga 250.000 pessoas, segundo dados da administração de Ceilândia, a maior cidade-satélite de Brasília. Os moradores são castigados pela falta de serviços de segurança, educação e saúde públicas, por exemplo, conforme relata a reportagem.

Apesar de já ser a mais populosa do DF, a comunidade é a que mais recebe novos moradores de outras regiões do país. Em 2010, abrigava 56.483 pessoas e, naquele ano, só tinha menos habitantes que a Rocinha, no Rio de Janeiro, onde moravam 69.161 pessoas, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que deve realizar novo levantamento no próximo ano.

Devido à sua localização em um morro, segundo a reportagem, a favela carioca passou a ter dificuldade para novas explosões populacionais, após registrar surtos de crescimento nas décadas de 1970 e 1980 e no início dos anos 2000. Sol Nascente, que completou 19 anos no dia 11 de maio, tem uma área plana de 943 mil hectares, o equivalente a 1.320 campos de futebol do tamanho do que existe no Estádio Mané Garrincha. Ceilândia, onde fica a favela, terá 448.000 habitantes em 2020, aponta projeção da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) com base em dados do IBGE.

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Carlos Alberto Di Franco: Cenário demográfico

Recentemente, o IBGE publicou a estimativa da população brasileira, na qual aponta que o país tem mais de 206 milhões de habitantes. A cidade de São Paulo, a mais populosa do Brasil, tem 12,04 milhões de habitantes (5,8% do total nacional). Estima-se que, de 2015 para 2016, quase 24,8% dos municípios tiveram redução de população. Somos um grande país. É a boa notícia. A queda populacional, acentuada e crescente, é a má notícia. Explico, amigo leitor, a razão de fundo da minha opinião. A partir dos anos 1960, veio à tona com grande força a preocupação demográfica. Consolidou-se a leitura unívoca de que o crescimento populacional era um problema a ser combatido. A pobreza e a miséria no mundo estavam de certa forma mais próximas, tornavam-se mais conhecidas.

Imagens televisivas dos países extremamente pobres pareciam gritar: o mundo não comporta mais gente, falta alimento! E parecia urgente a necessidade de uma forte guinada. Era a cultura de uma época. Poucas décadas antes, não se via assim. No debate sobre a reconstrução da Europa, no pós-guerra, o crescimento da população não era visto como problema; muito ao contrário. Já, nos anos 60, ao avaliar o desenvolvimento dos países latino-americanos, a demografia estava na ordem do dia. Objetivamente, a Europa em 1945 era mais densamente povoada que a América Latina dos anos 60. No entanto, neste lado do planeta, o número de pessoas era encarado como um problema; lá, não. Essa visão transcendeu os anos 60, e nas décadas seguintes, era lugar-comum criticar o crescimento populacional. Chegou até agora; até quase agora, para ser exato. No apagar das luzes da década passada, sem grande estardalhaço, passou- se a falar o contrário. Aparecia na mídia a expressão “janela demográfica”. Ao contrário de todas as visões anteriores, população jovem passou a ser um aspecto positivo, considerada um valioso ativo.

Sociedades envelhecidas não têm capacidade de ousar e inovar. A experiência é fundamental. Mas o motor de um país é o atrevimento da juventude. Uma população em declínio também poderá afastar investidores internacionais, interessados no potencial do consumo interno. “Onde o investidor prefere aplicar recursos? Na Índia ou na China, onde a renda per capita cresce junto com a população, ou na Rússia, onde a renda per capita vem crescendo, mas o mercado consumidor vem encolhendo?”, indaga Markus Jaeger, economista do Deutsche Bank. O Brasil, mesmo sofrendo com o caos econômico, tem enfrentado o terremoto fiscal graças à sua janela demográfica: uma população em idade ativa expressivamente grande. O tamanho e a juventude do mercado brasileiro conspiram a nosso favor. Basta um mínimo de seriedade governamental. Ter tomado consciência apenas agora nos põe em outro problema: conseguir enriquecer como país antes de envelhecer. Estamos numa corrida contra o tempo. Queremos sucumbir ao inverno demográfico ou estamos dispostos a abrir a janela da renovação? Gente não é problema. É solução. (O Globo – 12/09/2016)

Carlos Alberto Di Franco é jornalista


Fonte: pps.org.br


Pobreza extrema no País só deixou de existir na propaganda do PT, mostra estudo da FGV

O fim da fome e da miséria extrema no Brasil só acabou na propaganda do PT, mostra levantamento do Centro de Estudos de Política Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) divulgado na edição semanal da revista Veja.

Coordenados por Marcelo Neri, os novos estudos “indicam que os miseráveis – aqueles que não deveriam mais existir em 2016 – estão, na verdade, prestes a aumentar”, ao contrário da pregação mediática do governo petista de que o País  erradicaria a extrema pobreza neste ano.

Os dados que mostram o “fenômeno”, segundo o levantamento, são a “queda inédita e simultânea de dois índices importantes no último trimestre de 2015: o da renda da população e o da ‘taxa de equidade’, que mede quanto o país está mais igual – e, portanto, menos desigual.”

Outro estudo da FGV, de acordo com Veja, aponta ainda que até “o fim de 2016, a renda per capita dos brasileiros deve recuar quase 10% em relação a 2014”.