Míriam Leitão
Míriam Leitão: A recuperação em ‘V’ da indústria
A recuperação da indústria foi em “V”, mas não se pode dizer que é de vitória. Neste caso, é “V” de volta de uma queda. Em maio, a indústria despencou. E o 13,1% de crescimento de junho seria um número maravilhoso se tivesse ocorrido isoladamente. De qualquer maneira, foi um alívio confirmar a expectativa de recuperar o prejuízo que a produção teve com a paralisação do transporte de carga. A alta de 13,1% em junho anulou a queda de 11% em maio e deixou um pequeno número positivo. O problema é que o impacto na confiança foi muito forte, e isso afetou a economia como um todo.
Todas as grandes categorias industriais pesquisadas pelo IBGE subiram em junho, com alta em 22 dos 26 ramos pesquisados. A recuperação foi espalhada, disseminada pelo setor. A produção de bens de consumo duráveis subiu 34%, mais do que compensando a queda de 26% de maio, puxada principalmente pela produção de veículos. Os bens de capital também tiveram forte recuperação, de 25%, mostrando que apesar da queda da confiança os investimentos conseguiram se manter de pé. Ainda assim, a indústria fechou o segundo trimestre com um tombo de 2,5% em relação ao primeiro, pelas contas do economista Lucas Souza, da Tendências Consultoria.
— A indústria teve uma recuperação em “V”, ou seja, com queda forte e alta também muito forte. Isso aconteceu pela própria natureza do setor, que pode, por exemplo, abrir um terceiro turno de produção para compensar o tempo parado. Mas, ainda assim, um mês foi perdido no segundo trimestre, e houve contração de 2,5%. Nossa projeção de 4% para a produção industrial este ano está com viés de baixa — disse Lucas Souza.
O comércio e os serviços devem ter mais dificuldade para repor as perdas da greve, explica o economista, porque não conseguem ampliar as vendas fora dos horários comerciais. Além disso, o mês de junho foi de Copa do Mundo, com muitas paralisações na hora dos jogos. Por isso, a Tendências estima uma retração de 0,3% nas vendas do varejo em junho, após um recuo de 0,6% em maio. Tudo somado, o PIB do segundo trimestre deve ter uma alta de apenas 0,2%, pelos cálculos da consultoria.
A projeção do banco Itaú é de queda de 1,5% na indústria em julho, e isso mostra que a recuperação continua oscilando. Há números positivos, como o de bens de consumo duráveis, que tem estado positivo consistentemente tanto na produção quanto na importação. No ano, bens de capital têm alta de 9,7%. Normalmente, esse dado tão positivo indica aumento de investimento. Mas nesse caso o que tem havido é troca de maquinário velho, após o pior da recessão, e não o início de novos empreendimentos e ampliações.
Na quarta-feira, o Banco Central manteve a taxa de juros em 6,5%, como esperado, mas afirmou que a recuperação estava mais lenta, por causa da greve. A paralisação deixou um sentimento generalizado de que a economia ficou mais vulnerável, exposta à incapacidade de um governo terminal e com dúvidas sobre o que virá a partir de janeiro. Além disso, a situação fiscal ficou agravada pelo subsídio dado ao diesel, que custará só este ano R$ 13,5 bilhões, como mostrou O GLOBO esta semana. Isso afeta principalmente os investimentos de longo prazo. No comunicado da decisão sobre os juros, o BC afirmou que irá monitorar os próximos dados de inflação e atividade, mas tudo indica que deve manter a Selic inalterada também na próxima reunião, em setembro, já muito próximo das eleições.
Além da greve, a incerteza eleitoral é o que mais pesa sobre a recuperação neste momento. O primeiro turno está muito próximo, e os programas econômicos são muito obscuros. Como a questão fiscal é assunto difícil de atrair eleitores, os candidatos se limitam a afirmar que resolverão a crise sem explicar os caminhos.
A indústria vive dilemas no mundo inteiro diante das mudanças tecnológicas. O Brasil ainda não superou o desafio velho que era o da integração nas cadeias produtivas globais. Por isso, ela enfrenta dois problemas: recuperar-se do longo encolhimento nesta recessão, que produziu 33 meses consecutivos de queda em relação ao mesmo mês do ano anterior, de março de 2014 a novembro de 2016, e se adaptar às novas ondas de modernização que estão transformando totalmente a indústria no mundo todo.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: Desemprego exige solução inovadora
O desemprego não aumentou, mas está cronicamente alto. A crise no mercado de trabalho é mais desafiadora do que o país parece entender pela qualidade do debate em torno dela. Políticos terceirizam as causas, empresários alegam que gerarão empregos se receberem benefícios, sindicatos se mobilizam para ter de volta o dinheiro fácil do imposto sindical. As transições do Brasil e do mundo mostram que este desafio exige soluções muito mais inovadoras e disruptivas. Antes de tudo é preciso enxergar a dimensão do problema.
Há uma parte da crise que é estrutural. A recessão sugou empregos aos milhões. O pior momento da degradação, pelos dados do IBGE, foi dezembro de 2015, quando o desemprego saltou 40% na comparação com dezembro do ano anterior. Depois disso, continuou subindo, em percentuais menores, mas a base já era alta. De qualquer maneira, foram 12 trimestres consecutivos de aumento da taxa desde o fim de 2014 e o maior número absoluto de desempregados foi 14,17 milhões. No final de 2017 a desocupação começou a cair, mas a um ritmo tímido. De lá para cá foram três quedas de menos de 4%. Ou seja, subiu num ritmo frenético e cai muito lentamente.
O olhar nos dados mostra que mesmo neste tempo de escassez o emprego no setor público voltou ao recorde desde 2012, quando teve início essa série da Pnad. Chegou a 11,6 milhões em junho deste ano, 2,7% a mais do que no mesmo período de 2017 e se igualando a dezembro de 2014. Na outra ponta, onde estão trabalhadores mais vulneráveis, aumentou o número de empregados domésticos sem carteira. Hoje, para cada três domésticas, duas não têm direitos trabalhistas garantidos. São 4,39 milhões sem carteira, e 1,83 milhão registradas.
Nosso mercado de trabalho tem perversidades antigas, desigualdades crônicas e novos desafios. Pelo estágio atual das mudanças tecnológicas, a indústria cria menos emprego mesmo quando está crescendo. Mas ela é que recebe a atenção dos presidenciáveis e do debate público. O agronegócio também cria pouco emprego. Ambos, indústria e agricultura recebem muitos subsídios. O setor de serviços oferta mais vagas, mas é pulverizado em milhões de empresas e é visto como uma abstração.
O conceito de emprego mudou e vai continuar mudando, mas as leis estão desatualizadas. A reforma trabalhista flexibilizou pontos engessados da era varguista, mas teve uma tramitação atabalhoada, introduziu pontos grotescos, como o do trabalho insalubre da mulher gestante, e permanece sob insegurança jurídica. De qualquer maneira teríamos que entender melhor o caminho da organização do mundo do trabalho em países que têm enfrentado crises destruindo menos vagas. A Alemanha teve menos desemprego que o resto da Europa no auge da crise. Os Estados Unidos reduziram mais rapidamente a taxa após a superação da crise financeira de 2008. Cada estudo de caso pode nos ajudar a enfrentar a aguda crise que deixa 13 milhões de brasileiros procurando emprego sem encontrar. Isso sem falar nos milhões em desalento, que já desistiram de achar.
Neste último dado, divulgado ontem pelo IBGE, a população ocupada aumentou em 1 milhão de pessoas em abril, maio e junho, comparada com o mesmo trimestre do ano anterior. A população desocupada diminuiu em 520 mil pessoas. O número de empregados com carteira assinada diminuiu em 497 mil. Isso significa que a pequena melhora que houve foi mais uma vez por oferta de vagas na informalidade e no emprego por conta própria. Houve, desde o segundo trimestre de 2014, uma perda de quatro milhões de postos com carteira assinada no setor privado. E aumento de um 1,2 milhão de postos informais desde 2016.
Os números devem ser esmiuçados para se entender o presente porque ele é a aflição imediata. Mas é preciso entender a direção das mudanças no mercado de trabalho para preparar os jovens que estão batendo às portas do mercado. O percentual de jovens entre 18 e 24 anos que procuram e não encontram emprego está em 28% pelo último dado divulgado em março.
Os demógrafos nos alertam que a população em idade de trabalhar vai diminuir daqui para diante em relação à população na faixa que eles chamam de dependentes. A taxa de dependência vai aumentar. É urgente que o Brasil entenda como funciona a nova economia para ter políticas públicas e estímulos à geração de emprego. Por óbvio, a educação de qualidade é a primeira delas. Mas há uma lista de tarefas urgentes para preparar o país para a nova economia e o novo emprego. Ao mesmo tempo é preciso resgatar os atingidos por essa longa e dolorosa crise do mercado de trabalho.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: PT esqueceu que governou
O PT nesta eleição tem muitos dilemas. O mais importante, claro, é saber quem será candidato e em que momento o partido sairá do processo de negação para encarar a realidade. O coordenador do programa do PT Fernando Haddad cometeu ato falho, ao falar que “se” Lula fosse candidato toda a esquerda estaria em torno do ex-presidente. Definida a candidatura viável, o partido terá que olhar para a própria experiência, de erros e acertos, e parar de fingir que concorre a primeira vez “contra tudo isso que está aí”.
Nas suas entrevistas, Haddad tem esboçado um programa cheio de confusões que um economista não deveria fazer. É como se o PT não aprendesse nem com seus acertos. Ao assumir em 2003, o partido fez uma mudança importante e deixou de lado demagogias para entender que era preciso manter as bases do Plano Real, que colocara fim ao longo tormento hiperinflacionário.
O então ministro Antonio Palocci escolheu uma equipe competente, e Lula buscou no partido adversário o presidente do Banco Central. O governo elevou a meta de déficit primário, fortaleceu o sistema de metas de inflação e câmbio flutuante. Confirmou o tripé. Os índices de preços caíram, os temores se dissiparam e o partido levou o país a um período de prosperidade com políticas mais fortes de inclusão social. É essa a origem do bom recall do ex-presidente.
Depois disso, o PT considerou que era hora de implantar as suas ideias. Foi a era Guido Mantega. Inventou a nova matriz, deixou a inflação subir, manipulou dados fiscais e tomou uma série de decisões desastradas que levaram o país à recessão. Houve duas políticas econômicas, a segunda deu errado. Agora o dilema é como usar esta experiência e manter um discurso que atraia seu eleitor e ao mesmo tempo convença outras parcelas do eleitorado.
Fernando Haddad defendeu recentemente em entrevista ao “Valor” o que chamou de um “choque liberal” contra os elevados spreads bancários. Ele criticou a concentração do setor, mas ela se aprofundou a partir de 2008. Os quatro maiores bancos tinham 58% dos ativos bancários e quando Dilma saiu eles tinham 78%. Nada foi feito contra essa tendência no período. O choque que ele propõe é aumentar os tributos para os spreads altos e reduzir para os mais baixos. Se os impostos forem aumentados para as taxas mais altas, elas ficarão ainda maiores porque os bancos vão repassar, como sempre, o custo para o tomador do dinheiro ou toda a sua rede de clientes. Se reduzirem os impostos para os juros baixarem, isso seria na prática subsidiar o crédito bancário. E ele volta a falar em usar Banco do Brasil e Caixa para reduzir o custo dos financiamentos. Já foi feito no governo petista e deu errado.
O que complica a vida de Haddad é o fato de o PT ter governado o país durante 13 anos, quatro meses e 11 dias. Para dizer que há 60 milhões de pessoas com cadastro negativo, tem que esquecer que era esse mesmo o número quando o partido deixou o poder. Quando diz que o programa prevê taxação de dividendos, imposto sobre herança, maior progressividade no sistema tributário, ele repete o que estão dizendo outros candidatos, mas precisa explicar por que isso não foi feito antes. Além do mais, ele propõe, segundo disse ao “Valor” na semana passada, que será “acompanhado de redução da carga sobre pessoa jurídica”. Acabará dando no mesmo resultado do ponto de vista da arrecadação. É apenas uma forma diferente de cobrar.
Quando Haddad critica os problemas econômicos atuais ele tem que apostar que ninguém se lembrará de que a crise começou no governo do próprio PT e não foi devido ao ex-ministro Joaquim Levy, como ele disse. O déficit público e a recessão começaram no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Haddad disse ao “Valor” que as agências reguladores foram “capturadas”. Sim, foram, mas não agora. O processo avassalador de escolha de indicados políticos para esses órgãos é dos governos petistas.
O PT tenta encontrar algum discurso radical, que agrade à militância, mas para isso é necessário esquecer o que ele fez quando esteve no poder. Haddad criticou o fato de o Comperj e Abreu e Lima estarem parados, mas esses dois investimentos foram superfaturados, usados para o pagamento de propina, produziram um volume enorme de prejuízo para a Petrobras. Há pontos que são apenas do governo Temer, como a reforma trabalhista e o teto de gastos. Mas a maioria das nossas aflições econômicas começaram na administração petista. E ele finge não saber.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: O futuro não pode esperar
Há 20 anos as teles foram privatizadas, mas os candidatos ainda são ambíguos em condenar o capitalismo estatal
O Brasil vai para esta eleição com agenda velha. Há 20 anos as telecomunicações foram privatizadas, pondo fim ao monopólio da Telebrás, e os candidatos ainda são ambíguos em condenar o capitalismo de Estado. Como teria sido enfrentar as vertiginosas mudanças do mundo das comunicações amarrado a uma estatal? A ruptura demográfica já aconteceu, e os políticos resistem a mudar a Previdência.
A abertura da economia começou há 28 anos, já passou da hora de o Brasil se integrar às cadeias econômicas globais, e ainda há candidatos falando em proteção à indústria nacional e elevação de tarifas. O início da privatização foi há quase três décadas, mas há batalha judicial até para a venda de empresas quebradas. O país tem 143 estatais, 42 delas criadas nos governos do PT. Dezenas das empresas públicas dependem parcial ou totalmente do Tesouro para fechar suas contas.
Um dilema agudo é o demográfico. O que querem os partidos, políticos e candidatos quando resistem a uma reforma da Previdência e tentam evitar a idade mínima? O IBGE nos informou esta semana que o bônus demográfico está no fim e o país o desperdiça na mais profunda crise de desemprego. Mesmo assim, a defesa das fórmulas velhas de contratos de trabalho, dos subsídios às indústrias poentes, e das castas do sistema previdenciário permanece embutida nas opacas e confusas declarações de campanha.
A reação contra a privatização da telefonia em 1998, em ano eleitoral, foi descomunal. Naquela época, havia fila de espera para comprar telefone fixo e cada linha custava uma fortuna. A estatal não conseguia atender à demanda. O número desse aparelho, que está caindo em desuso, dobrou no período. Era de 20 milhões e no ano passado estava em 40 milhões. A cobertura do celular era de 4,4 aparelhos por 100 habitantes e hoje é 113 por 100.
Em números absolutos, saltou de 7,4 milhões para 236 milhões. O setor investiu nestes 20 anos, segundo Eduardo Levy, presidente-executivo do Sinditelebrasil, R$ 1 trilhão. Mesmo que quisesse, o Estado não conseguiria acompanhar a rapidez da tecnologia da informação. As reclamações contra as empresas existem e o consumidor deve ser cada vez mais exigente. Antes não havia nem a quem reclamar. Problemas permanecem, contudo. Fundos criados para a universalização do serviço acumulam hoje R$ 80 bilhões que não são usados. A Anatel que foi instalada para ser uma agência reguladora ocupada por técnicos hoje tem diretores escolhidos por partidos. Mas há vitórias importantes, como a que disseminou o uso da comunicação celular.
— Somos a única área em que há queda de preços de serviços. O setor de telecomunicações é deflacionário todos os anos. Mas é claro que é preciso avançar, principalmente na legislação, que praticamente permanece a mesma desde 1998, com uma ênfase muito grande na telefonia fixa —diz Levy.
Esta é apenas uma das questões que o Brasil tem olhado pelo espelho retrovisor, nesta eleição em que o dinheiro público para os partidos aumentou, mas a distribuição dos recursos mostra que os dirigentes partidários querem manter o mandato dos mesmos representantes que nos trouxeram ao dilema atual.
Os dados de população revelam como as possibilidades do país estão se estreitando. Os demógrafos chamam de bônus demográfico o período em que a estrutura etária é mais favorável ao crescimento econômico, porque a população ativa aumenta mais do que a soma dos muito jovens e dos mais velhos. Este ano, um pouco antes do que o previsto, a relação começou a se inverter. Este período bom, de ter um percentual crescente de brasileiros em idade de trabalhar, está sendo desperdiçado num alto índice de desemprego. Era necessário que o emprego estivesse na ordem do dia do debate político e com propostas concretas.
Era hora de discutir o que fazer diante das rápidas mudanças na estrutura etária da população. Contudo, o Brasil acaba de adiar mais uma vez a reforma da Previdência. E em vez de tratar de temas sérios, alguns dos candidatos ocupam o espaço dedicado a eles ao show de horrores das declarações constrangedoras.
A tecnologia continuará transformando rapidamente o modo como produzimos e como vivemos. Seremos mais velhos. O Estado precisa proteger a juventude dos riscos da baixa escolaridade, do desemprego, da morte prematura. O futuro não pode esperar. E ele já deu a direção da História.
Míriam Leitão: O real e o abstrato
O mercado tende a olhar o último evento para explicar movimentos que foram formados por questões bem mais estruturais. Isso vale para qualquer tipo de mudança brusca de valor. A queda das ações do Facebook foi explicada como decepção com o desempenho do segundo trimestre, mas o que acontece com a rede é bem mais amplo. Ela enfrenta uma crise de reputação e de incerteza sobre o futuro.
Há dúvidas mais agudas pairando sobre a empresa de Mark Zuckerberg. Seu valor caiu uma Petrobras e um Bradesco, mas ela permanece sendo uma gigante de meio trilhão de dólares. A perda fez com que seu criador apenas descesse dois degraus na lista dos mais ricos do mundo, com seus US$ 70 bilhões.
O mundo aprendeu na crise das pontocom, no fim dos anos 1990, portanto há duas décadas, que sim, tudo que parece sólido desmancha no ar. Durante o período de alta das empresas de internet, as bolsas americanas chegaram a níveis nunca vistos antes, e a impressão era de que o valor das companhias de alta tecnologia, comércio eletrônico e todas as novidades do então admirável mundo novo, teria crescimento infinito. Até o dia em que a bolha estourou como tulipas.
As empresas do mundo da tecnologia voltaram mais fortes e mais concretas, mas têm na sua natureza a volatilidade e o efêmero. O Facebook nasceu de saltos tecnológicos, mas não é o fim da história. Outras redes surgiram e surgem a cada momento. Fenômenos como ele podem se repetir e ser superados. Essa riqueza abstrata é parte da nova economia, completamente diferente da lógica de outrora onde só havia o mundo físico. A Amazon, outra gigante, tem ponte bem mais direta com o real das coisas. O curioso caminho do seu fundador, Jeff Bezos, o levou do comércio eletrônico de livros à mais clássica das mídias, o jornal impresso.
O Facebook nos últimos tempos enfrentou a acusação — e investigações — de ter sido a plataforma para manipulação de eleições nos Estados Unidos e do plebiscito no Reino Unido. Este ano, ele se prepara para dar garantia aos eleitores de vários países, como o Brasil, de que aumentaram as defesas contra seu uso indevido nas escolhas políticas. Mas os critérios não estão claros. As mudanças de algorítimo não agradaram. Eles parecem estar sempre correndo para corrigir o erro já ocorrido e não o que pode vir a acontecer. Até que ponto os novos filtros limitarão a liberdade dos usuários e quanto essa tem sido uma liberdade vigiada desde sempre?
Questões reputacionais são mais importantes do que um pequeno declive no número de usuários na Europa ou um crescimento menor da base de usuários. Na quarta-feira, a empresa anunciou que a base de usuários ativos por dia ficou em 1,47 bilhão em junho, e os analistas calculavam que seria 1,48 bilhão. Essas minúcias não explicam o tombo histórico. Com o Facebook, como ocorre também com empresas da economia real, o panorama mais amplo é mais relevante para explicar a criação ou a destruição de valores.
O escândalo ainda não dissolvido do uso irregular dos dados dos usuários pela Cambridge Analytica é o que está por trás do movimento das ações. Ele colocou vários dilemas para a empresa, seus usuários e seus anunciantes. Os novos filtros e regras de privacidade darão o conforto que os usuários querem ou apenas reduzirão o apelo da rede? E se agradarem seus adeptos, diminuirão o interesse dos anunciantes? O uso da rede na disseminação de notícias falsas ameaça o que há de mais caro no processo civilizatório, as escolhas democráticas.
Por trás do tranco que as ações levaram permanece também uma velha questão de todas as fases da economia e dos negócios com papéis de qualquer empresa. Nada se valoriza para sempre. Até quando ela poderá continuar agregando valor?
O Facebook amanheceu um pouco menor, mas as notícias ontem cedo já eram outras. A economia americana cresceu 4,1% no segundo trimestre e isso é mais do que o projetado. Cresce, mas o déficit americano chega a US$ 1 trilhão — pelo corte de impostos das empresas decidido pelo presidente Donald Trump — e as sombras de uma guerra comercial com seu maior parceiro permanecem no horizonte. O equilíbrio de empresas e países é precário nesse mundo em que o abstrato e o concreto se misturaram tão completamente.
Míriam Leitão: Combate múltiplo
Esta é a primeira eleição geral no país após o grande impacto da Lava-Jato. Apesar de as prisões terem começado em 2014, as delações ocorreram em 2015. De lá para cá, as investigações mostraram a dimensão multipartidária da corrupção. Tendo isso em mente, um grupo de pesquisadores de áreas diversas e tendências diferentes formulou o mais amplo pacote de medidas anticorrupção.
Na visão de um dos organizadores do “Unidos contra a Corrupção”, o professor de Direito Michael Mohallem, da FGV, “o resultado das urnas pode mandar sinais para todos, para os que são investigados e os que eventualmente têm condenações”. Este é o momento ideal de discutir tecnicamente essa questão e enviar os sinais. As 10 medidas contra a corrupção foram formuladas basicamente pelo Ministério Público e algumas das medidas foram criticadas, apesar das boas ideias que estavam lá. Desta vez, são 70 medidas que foram definidas após discussão numa plataforma que reunia várias visões do problema. Elas serão encaminhadas em forma de projeto de lei ao Congresso, com ideias que vão desde a regulamentação do lobby, à proteção da pessoa que reporta o caso de corrupção, até uma nova forma de fiscalização dos partidos.
A reação da sociedade precisa ser ampla, porque o problema também é disseminado, diz Bruno Brandão, da Transparência Internacional Brasil.
— A Lava-Jato mexeu com interesses de poderosos de todos os lados do país. Da esquerda, da direita, do poder econômico, do poder político. E ela vem sob ataque desde o dia um. Em quatro anos, a Lava-Jato está constantemente sob ataque, sob uma guerra de comunicação, desinformação, que tenta deslegitimar a operação. Alguns candidatos já se manifestaram contra ela, e outros defendem a sua continuidade e avanço. Alguns se posicionam a favor e têm propostas que contradizem esse apoio. O professor Joaquim Falcão fala que a Lava-Jato é uma atitude, mais do que uma operação — diz Bruno.
O fato de transcender às investigações e ser uma atitude de juízes, procuradores e também da sociedade é que levou a esse esforço multidisciplinar de formular propostas concretas para avançar.
— As pesquisas têm mostrado que esse passou a ser o problema número um dos brasileiros. E olha que o Brasil tem problemas sérios. Fica acima da segurança, desemprego, educação. Portanto, uma resposta precisava ser dada. Organizações como a Transparência, universidades como a FGV e outros parceiros acharam que era preciso dar uma contribuição. As 10 medidas tiveram o mérito de colocar o debate, mas faltaram alguns elementos. Mais organizações, mais ideias, mais pontos de vista — diz Mohallem.
Ele explicou que foram reunidas pessoas que trabalham nessa agenda há décadas. Buscou-se inspiração no que deu certo no exterior.
— Juntaram-se professores, servidores, juízes, promotores, advogados, acadêmicos. Juntaram-se inteligências. Houve um processo que passou por consulta pública. Depois tudo foi revisado para se tirar os excessos, a gente depurou do ponto de vista técnico. E são 70 medidas, formuladas por 200 especialistas — explica o professor.
Bruno Brandão diz que a Transparência Internacional trabalha com esse assunto em 110 países, pesquisando planos nacionais, as grandes reformas. Ele diz que este é o programa mais extenso já formulado.
— Hoje enfrenta-se uma polarização exacerbada. Aqui não. A divergência foi bem-vinda. Nós buscamos a divergência porque ela ajudou a fazer filtros.
Eu entrevistei os dois no meu programa na Globonews. Um dos pontos propostos é a regulamentação do lobby, que existe em muitos países. Não resolve o problema, mas aumenta a transparência. Outra proposta tem a ver com os partidos políticos. Eles têm recursos públicos, muita autonomia, e vários viraram negócios familiares, ou são controlados por caciques. Há propostas que estimulam a democratização dos partidos. Uma medida que funciona muito no exterior é a proteção do whistleblower, o denunciante. Não o que faz a delação, por estar dentro do problema, mas sim o que vê algo errado e comunica.
Caminhos para combater e prevenir a corrupção existem. Mesmo que o cenário pareça desanimador é preciso persistir. Na visão de Bruno Brandão, essa é uma luta por direitos.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: Algo de novo no front
O anúncio surpresa de que EUA e União Europeia fizeram um acordo para pôr fim à guerra comercial entre eles desarma pelo menos uma das frentes de batalha. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e o presidente Donald Trump afirmaram que reduzirão tarifas a começar de aço e alumínio que haviam sido elevadas pelos americanos. Isso desanuvia, mas não encerra a guerra comercial.
A tensão com a China continua elevada e todos os movimentos dos dois lados até agora são perigosos para nós. Os ganhos brasileiros com a guerra comercial Estados Unidos-China são passageiros, as perdas podem ser mais prolongadas. O Brasil vende neste momento mais soja para a China, mas a escalada do subsídio aos produtores americanos, anunciada por Trump na terça-feira, deve deslocar o país em terceiros mercados. No extremo, o risco é de queda da atividade no mundo inteiro e de perda da função da OMC, o que instauraria a lei do mais forte.
O entendimento entre EUA e seu tradicional aliado foi o lado bom de ontem. Na véspera, a notícia de que a China iria elevar incentivos à economia local foi comemorada no mercado, mas é um movimento defensivo que pode ter efeitos negativos.
Nesse aumento da incerteza e da instabilidade internacional, como estamos? O Brasil está lentamente recuperando a corrente de comércio. Este ano será melhor do que o que passou, mas US$ 90 bilhões abaixo do pico de 2011. O cenário do comércio internacional tem boas e más notícias, todas derivadas do tempo presente. E é ele, o presente, que está ficando mais fluído e incerto.
Os dados do comércio externo brasileiro este ano têm surpresas e problemas antigos. Apesar de o PIB estar patinando, as exportações cresceram 5,58% e as importações aumentaram 17,19%. Na média, a corrente de comércio saltou 10%. Principalmente o dado da importação é positivo, porque indica que o consumo está um pouco mais forte. As importações de bens de capital dispararam 53% e isso é sinal de que as empresas estão voltando a investir ou repondo a depreciação de máquinas e equipamentos. É surpreendente diante da queda do índice de confiança empresarial.
As exportações de produtos manufaturados cresceram 9%, com aumento na venda de aviões, tratores, motores e vários outros produtos industrializados. Poderia ser melhor, se não fosse a crise na Argentina, que impactou a venda de veículos. O saldo comercial foi de US$ 29,9 bilhões nos seis primeiros meses do ano, e a projeção da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) é de que chegue ao final do ano em US$ 56 bilhões. Um valor muito elevado, apesar de ser 15% menor do que em 2017.
Ao mesmo tempo, os velhos problemas persistem. Três produtos, soja, minério de ferro e petróleo, concentram 30% de toda a pauta exportadora, e 9 entre os 10 principais itens vendidos são commodities. Isso quer dizer que o país continua exposto às oscilações de preços nos mercados internacionais. Mesmo com toda a desvalorização do real, a exportação de manufaturados parece estagnada quando se olha a série histórica. Pela estimativa da AEB, ficará em US$ 82 bilhões este ano, contra US$ 80 bilhões do ano passado e US$ 83 bi de 2007, há mais de 10 anos. E o que chama atenção é que o dólar, naquele ano, caiu a R$ 1,73, enquanto neste ano disparou a R$ 3,92. Mais uma vez, fica demonstrado que a perda de valor da moeda, por si só, não é suficiente para fazer o país ser competitivo internacionalmente.
A indústria brasileira tem enorme dificuldade de vender para além do Mercosul. E o nosso principal parceiro na região, a Argentina, está atravessando novamente uma crise econômica que está tendo impacto sobre as nossas exportações. O peso já perdeu mais de 50% do seu valor e isso, por si só, retira poder de compra dos importadores argentinos.
Pelas estimativas da AEB, o Brasil continuará representando apenas 1,1% do exportação mundial. Chegaremos ao final do ano no 25º lugar entre os maiores exportadores e na 27ª posição na importação.
Se o caminho for desmontar as barricadas, como aconteceu ontem na Europa, melhor. Se a tensão se elevar como aconteceu entre a China e EUA os desdobramentos serão imprevisíveis e difusos. Péssimo ambiente para o Brasil sair da sua crise.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: O papel central do TCU
A Lei de Responsabilidade Fiscal é a mesma desde 2000, mas sua interpretação foi endurecendo pelo TCU. Esse avanço tem sido fundamental neste momento em que há uma onda de criação de gastos pelo Congresso e um governo enfraquecido. Quando algo é aprovado, que representa criação de despesa, a equipe econômica aciona o TCU. Assim conseguiu desarmar algumas bombas.
Foi o que aconteceu diante da versão final do Refis do setor rural ou das mudanças na emenda 99. No primeiro caso, o Congresso ampliou de forma exponencial os descontos dos juros e das multas por atrasos das dívidas. O governo vetou. O Congresso derrubou os vetos. E o custo final ficou em R$ 17 bilhões. Representantes da equipe econômica foram ao TCU e receberam a orientação de que a despesa não fosse criada. Com base nisso, a Fazenda propôs uma nova Medida Provisória que reduziu o custo para R$ 1,7 bilhão e focou o benefício nos pequenos agricultores do Norte e Nordeste. No segundo caso, o Congresso aprovou que a União deveria financiar o pagamento dos precatórios.
— Hoje temos instrumentos, e o TCU tem nos pressionado sobre todos esses casos. Essa postura mais dura nos ajuda a lidar com os atuais riscos fiscais — explica um integrante da equipe econômica.
O TCU tem publicado acórdãos com os novos entendimentos, explicando, por exemplo, que reduzir tributo em um ano fiscal exige elevar outro para que haja uma compensação. Uma despesa só pode ser criada se houver a definição da receita. Esse é de fato o espírito da lei, e o TCU quando faz essa interpretação mais dura está respeitando exatamente o que diz a legislação.
Isso tudo ajuda a levar o país até o fim do ano sem maiores aumentos de despesas. Por enquanto, o corte foi tão grande que este ano terá o mesmo nível de gasto discricionário real de 2009. É como se a despesa estivesse sob a lei do teto, explica um economista do governo.
A lei do teto de gastos tem sido criticada por todos os candidatos. Um estudo do Tesouro, no entanto, mostra que o desembolso com educação cresceu 91% de 2008 a 2017, crescimento real de 7,1% na despesa federal da educação, que é apenas 30% do total no setor. O país consome 6% do PIB com educação e 1,8 ponto percentual do PIB é o do governo federal, que destina recursos principalmente para as universidades. O número de funcionários no Ministério da Educação, explica o estudo do Tesouro, aumentou em torno de 10 mil entre 1996 e 2008. De 2008 a 2017, o crescimento foi de 100 mil.
Em entrevista recente, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, explicou à coluna que o “teto não congelou a despesa com saúde”. O que houve foi uma antecipação de uma mudança feita pelo Congresso.
— Antes o gasto constitucional com saúde era calculado como um percentual do PIB nominal. Em 2014, o Congresso começou um debate sob o argumento de que era injusto porque a arrecadação havia crescido mais do que a alta do PIB. E aprovou-se uma emenda trocando a base de cálculo do mínimo constitucional. O problema é que com a recessão a arrecadação caiu. A emenda do teto antecipou o gasto de 2019 para 2017 e portanto deu um ganho inicial de R$ 10 bilhões. E estabeleceu que este é o mínimo, e não teto. Se o governo quiser gastar além disso, pode. Mas terá que cortar outras despesas — explicou Mansueto.
E aí a que mais cresce é a da Previdência. Volta-se portanto ao ponto do qual não se consegue fugir quando os dados das despesas são olhados em detalhe. Há divergências entre os candidatos sobre qual é a melhor reforma da Previdência, mas a maioria admite que ela é necessária. Só o INSS teve um salto de três pontos percentuais do PIB, o que é uma enormidade. Em 1999, era de 5,4% do PIB e no ano passado foi 8,5%. O Brasil ainda é um país jovem e que passará por um processo de envelhecimento rápido. O próximo governante pode ignorar isso, derrubar a lei do teto de gastos e aumentar as despesas. Se fizer isso, vai inviabilizar seu mandato.
Neste fim de governo, o que resta à equipe econômica tem sido buscar a ajuda do TCU para evitar o que tem tramitado no Congresso. E, nas conversas com os economistas dos candidatos, mostrar os números da realidade fiscal brasileira.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: O difícil retorno
País não criou antídotos contra a mentira, e enganos já estão sendo distribuídos aos eleitores. Em época de eleição, candidatos mentem ou simplificam situações complexas. Em 1990, Collor iria derrotar a inflação com um tiro, em 1998, Fernando Henrique adiou o ajuste do câmbio, em 2014, Dilma Rousseff negou que o país estivesse entrando em recessão. Quem diz agora que será fácil resolver a crise fiscal e retomar o crescimento sustentado está vendendo gato por lebre.
Em 1990, o tiro de Collor saiu pela culatra e atingiu o país inteiro. Com o plano do sequestro da poupança, houve uma recessão de 11 trimestres, e a economia precisou de sete trimestres para voltar ao ponto em que estava em 1989, como mostrou a reportagem de ontem de Cássia Almeida neste jornal. Em 1998, Fernando Henrique adiou o ajuste do câmbio que explodiu em 1999. Em 2014, Dilma em todas as entrevistas negava a crise, explicava que os “indicadores antecedentes” mostravam que a economia não estava em crise, como fez no Jornal Nacional. Que nada! Os erros que ela cometeu durante o primeiro mandato estavam cobrando a conta já em 2014. Os números vieram depois, mas os sinais eram visíveis e uma propaganda cara, e paga com dinheiro sujo aos marqueteiros João Santana e Monica Moura, criou o biombo que enganou milhões.
Era o começo da mais longa das nossas recessões. Olhando o passado, dos nove períodos recessivos desde 1980, só dois têm o tamanho do que entramos no último ano eleitoral. A recessão da crise da dívida nos anos 1980, nos estertores do regime militar, e a do Plano Collor. A atual consumirá ao todo, segundo a FGV, que fez o estudo citado na reportagem, 16 trimestres na lenta caminhada de volta ao ponto de partida, ou seja, ao começo de 2014.
A mentira de 2014 não criou antídotos no Brasil e enganos já estão sendo distribuídos aos eleitores. A versão muda conforme a conveniência de cada grupo. Entender o passado só é importante para preparar a cura do presente. O país saiu oficialmente da recessão em 2017 mas está prisioneiro do baixo crescimento e das expectativas cadentes.
Há um conjunto de motivos para explicar a lentidão da retomada. Na saída da recessão do Collor, havia uma proposta eficiente de reorganização da economia no governo Itamar, com o Plano Real. Em 1998-1999, a recessão derrubou o PIB, mas a taxa anual continuou levemente positiva (0,3% e 0,5%) e o país estava com superávit primário. Desta vez, o governo Michel Temer conseguiu administrar o país por um ano, mas em maio de 2017, com a delação de Joesley Batista, ele perdeu o rumo. Hoje ainda tem uma equipe econômica séria, mas no Congresso tem perdido todas as batalhas fiscais.
A crise tem camadas: o desajuste fiscal é grave demais e não foi revertido, a base parlamentar está aprofundando o buraco das contas, a greve do setor de transporte de carga abateu o pouco de melhora no índice de confiança de empresários, está havendo um aumento dos juros de longo prazo e do risco-país, o desemprego é alto demais e trava o consumo das famílias. A arrecadação vinha aumentando este ano todos os meses, mesmo quando se desconta as receitas extraordinárias, como o Refis, mas a melhora é insuficiente. Quando se olha para o futuro não há razões para se confiar na superação da crise.
O cientista político Carlos Mello, em entrevista publicada ontem no jornal, enumerou as vezes em que os economistas erraram na análise recente, quando previram o fim da crise. Não há mais espaço para o autoengano. A crise é grave. O buraco fiscal no qual o país caiu exigirá, como disse o secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida, em entrevista que me concedeu, um ajuste de 4% do PIB. E vários candidatos, mesmo quando falam em ajuste e mudança da trajetória de crescimento da dívida, apresentam soluções mágicas. Nenhum dos nossos problemas é simples ou terá solução fácil.
Os candidatos seguirão sua natureza de culpar o adversário, simplificar o complexo e prometer a virada rápida caso sejam eleitos. Mas a dolorosa verdade é que reorganizar a economia brasileira, para sair da crise fiscal e retomar o crescimento com geração de emprego, é um trabalho difícil e vai levar anos. Dependendo de quem for eleito, o que pode acontecer é o país afundar ainda mais na crise que ainda não superamos. Mentira sobre a economia em 2014 não criou antídoto e enganos já estão sendo distribuídos aos eleitores
Vários candidatos, mesmo quando falam em ajuste fiscal, apresentam soluções mágicas Nenhum dos problemas é simples ou terá solução fácil, reorganizar a economia levará anos
Míriam Leitão: Na visão do Tesouro, país precisa de ajuste de R$ 300 bilhões
O Brasil tem que fazer um ajuste fiscal de 4 pontos do PIB, ou R$ 300 bi, diz Mansueto de Almeida, secretário do Tesouro. O Brasil tem que fazer um ajuste fiscal de quatro pontos do PIB, ou R$ 300 bilhões, diz o secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida. Este ano a arrecadação está crescendo, subiu até em junho, e o déficit será menor do que o previsto. As estatais têm resultados bons e os ministérios não gastaram o que podiam. “Mas não é possível comemorar num país que está no quinto ano de déficit primário”, diz.
Ele defende que o curto prazo está controlado e que essas pautas-bomba no Congresso terão efeito no próximo governo. Mas podem ser desarmadas:
— Agora haverá apenas mais três semanas de votação, uma em agosto, outra em setembro e outra em outubro. Depois disso o país terá dois governos lutando pela agenda fiscal. O governo que vai entrar terá um grande incentivo para não deixar evoluir esses projetos.
O grande problema, na visão dele, é o tamanho do ajuste que precisará ser feito:
— Desde a Constituição, o único ajuste desta magnitude foi feito entre 1998 e 2002, no final do primeiro governo Fernando Henrique e durante o segundo. Mas foi principalmente com aumento de carga tributária. Agora não será mais possível fazer isso porque a carga é muito alta. Terá que ser corte de despesas. O Brasil é um país que tem um desequilíbrio fiscal muito grande, já tributa muito, tem uma carga tributária mais alta.
Mansueto acha que algum ganho se conseguirá com a redução dos benefícios tributários. Uma parte deles cairá até 2020 com a reoneração da folha de pagamentos. Mas há outros a serem corrigidos. Ele cita o Simples, e explica:
— No mundo todo se tem uma tributação especial para pequena empresa, mas em geral esta faixa não passa de US$ 150 mil dólares. O Simples no Brasil inclui empresas com faturamento acima de US$ 1 milhão por ano. Estamos falando de um país em desenvolvimento em que o regime especial para pequena empresa é mais benéfico do que o dos países ricos.
Nas desonerações de cesta básica há produtos que não fazem parte do consumo dos mais pobres, como salmão, ovas de peixe, filé mignon e todos os tipos de queijos. Isso tem que revisto. Mansueto defende que se reveja também a forma de cobrança de impostos por lucro presumido e dá um exemplo:
— No mundo todo o que se paga de imposto de renda, depende da sua renda. No Brasil não é assim, depende do seu regime de trabalho. Um advogado que ganha R$ 30 mil por mês, se ele for celetista, paga 27,5%, se estiver no Simples, a carga é 9%, se estiver no lucro presumido, a carga é 14,5%.
Segundo Mansueto, todos esses ajustes permitiriam um ajuste de 1% a 1,5% do PIB. O total dos benefícios chega a 4% do PIB, mas ele não acredita que se possa reverter tudo. O grande ajuste terá que ser feito pelo lado da despesa, na opinião do secretário:
— Se a gente fizer esse ajuste, sem controlar o que determina o crescimento da despesa, isso logo vai embora. O primeiro desafio é mudar a dinâmica do crescimento do gasto público. Quando se tem um ano como 2015, de inflação alta, causa um enorme estrago, porque as despesas estão indexadas. Essas regras precisam ser revistas.
O aumento de gastos com o INSS torna a reforma inevitável, na visão do secretário:
— As despesas do INSS eram 5,9% do PIB em 2002. Doze anos depois eram 6,8%. Nos anos de 2015 e 2016 saltaram para 8,1%. Em dois anos aumentou mais do que em 12 anos. Quando se tem recessão com inflação alta isso cria uma rigidez fiscal que leva anos para reverter. A gente não tem alternativa, vai ter que lidar com a reforma da previdência e com os reajustes das outras despesas. A Constituição determina que todo ano funcionário público tem aumento, mas não diz de quanto. Nos últimos anos, com o país em recessão, eles tiveram aumento real. O próximo governo terá que ver isso.
O déficit da previdência, somando INSS e servidores federais, dará, segundo o secretário do Tesouro, R$ 294,5 bilhões este ano. Ele não vê possibilidade de se evitar essa reforma. A DRU é R$ 90 bilhões, mas não incide em cima de receita previdenciária. Não há mágica que explique a subestimação desse problema.
Míriam Leitão: Elas julgam
Por um breve período de duas semanas, mulheres estarão nos principais postos do Judiciário. Quando a ministra Rosa Weber assumir em 15 de agosto o Tribunal Superior Eleitoral, as mulheres estarão no STF, TSE, STJ, PGR e AGU. Esse alinhamento das estrelas tem muito a dizer sobre o avanço das mulheres no Judiciário e no país. E esta semana, uma delas, Laurita Vaz, brilhou nos autos.
Foi uma semana de ressaca de uma crise que estourou no domingo com a decisão do desembargador de plantão Rogério Favreto, de mandar soltar o ex-presidente Lula. Favreto não aceitou esperar segunda-feira, nem ouvir o relator da ação e repetiu a ordem, até que o presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores, encerrou a discussão na sua instância. A situação foi pacificada durante a semana graças à atuação de várias dessas mulheres do Judiciário, principalmente de Laurita Vaz. Na sexta-feira, neste jornal, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, escreveu que o país tem assistido “perplexo” a cenas de “contradições entre decisões judiciais”. Ela explica que o “contraditório dá-se entre as partes”. E lembra um ponto central da nossa insegurança jurídica do momento. “Juiz que toma partido, juiz já não é”.
Da mesma forma que a capacidade não é monopólio masculino, os erros também não são. Contudo, as mulheres que estão nos postos de comando têm currículo e chegaram ao topo após fazerem uma carreira e não através de um pulo pela janela partidária. Isso é que unifica as trajetórias de Cármen Lúcia no Supremo Tribunal Federal, Laurita Vaz no Superior Tribunal de Justiça, Raquel Dodge na ProcuradoriaGeral da República, Grace Mendonça na AdvocaciaGeral da União, e Rosa Weber que assumirá em um mês o Tribunal Superior Eleitoral na mais difícil das eleições presidenciais que o Brasil já teve desde a redemocratização.
Esse domínio feminino será breve, mas emblemático. No dia 15 de agosto, Rosa assume, mas no dia primeiro de setembro vence o mandato de Laurita, e no dia 12 completam-se os dois anos de Cármen na presidência do Supremo Tribunal Federal. Seria a hora de o ministro Dias Toffoli assumir, mas ele escolheu o dia 13 para a sua posse.
Durante o domingo da batalha judicial, ou “chicana” como juristas denominam esse tipo de demanda sem cabimento, a presidente do Supremo estava de plantão, mas apenas emitiu uma nota. Esteve em contato com quem de direito, mas quis que o problema se resolvesse onde surgiu, na segunda instância, para não atropelar quem tinha os poderes de tomar a decisão naquele domingo.
A palavra definitiva foi dada pela ministra Laurita Vaz, do STJ, onde estão os recursos em favor do ex-presidente Lula. E ela não economizou palavras. Disse que a decisão de Favreto causou “perplexidade”, “insegurança jurídica” e que houve um “tumulto processual sem precedentes na história do direito”. A decisão de Favreto, segundo ela, foi “inusitada” e repetiu a palavra que costuma encerrar discussões no Judiciário, “teratológica”. Ou seja, foi absurdo na visão da ministra a decisão do desembargador Favreto de mandar libertar Lula sob o argumento de que como ele é pré-candidato à Presidência deveria sair para participar com equidade dos debates e entrevistas. Laurita respondeu que é “óbvio e ululante que o mero anúncio do réu preso de ser candidato a cargo público não tem o condão de reabrir a discussão acerca da legalidade do encarceramento”. Esse ponto da ministra é simples e fundamental. Imagina se Favreto cria jurisprudência. Bastaria que os presos filiados a partidos se declarassem candidatos. Estariam todos soltos.
No dia seguinte, Laurita Vaz recusou de uma só vez 143 habeas corpus em favor de Lula. Eles tinham o mesmíssimo texto, ainda que apresentados por pessoas diferentes. Ela defendeu a garantia de qualquer cidadão de apresentar demandas à Justiça, mas disse que o Poder Judiciário não pode ser “o balcão de reivindicações ideológico-partidárias”.
As mulheres ainda têm presença muito menor do que deveriam em todos os espaços da vida brasileira. Mas nesta semana foram fundamentais para organizar o tumulto jurídico. E, nas duas últimas semanas de mês de agosto, estarão sentadas em cinco poderosas cadeiras.
Míriam Leitão: Caminho da facilidade
Uso do poder para beneficiar grupo religioso é desvio igual a corrupção. O prefeito Marcelo Crivella está tentando agora se salvar do processo de impeachment e pode ser que, com a moeda dos cargos, ele consiga. Se for vitorioso no seu processo de manipulação da Câmara de Vereadores, não deixará de ter cometido crime de responsabilidade. O que ele fez é corrupção, porque usa recursos públicos para oferecer vantagem a um grupo específico, no caso, religioso.
A impressionante revelação feita pela reportagem de Bruno Abbud e Berenice Seara comprova o que já se suspeitava. O uso do poder político para privilegiar o seu grupo religioso. E o faz de forma tão escancarada que choca. Para os outros munícipes ele oferece a espera, a burocracia, as dificuldades, para os evangélicos ali reunidos ele oferece a D. Márcia e o Dr. Rubens, o caminho das facilidades.
— Sem o Dr. Rubens seu processo vai demorar, demorar, demorar — disse ele, referindo-se à isenção de IPTU para igrejas.
A isenção para igrejas é constitucional, mas neste caso ele estava se referindo a imóveis alugados e não próprios. E oferecia uma via expressa. Quem não conhece esse caminho das pedras tem que ver seu processo “demorar, demorar, demorar”:
— Nós temos que aproveitar que Deus nos deu a oportunidade de estar na prefeitura para esses processos andarem.
O uso de Deus para fins políticos é condenável sob todos os aspectos, inclusive religioso, mas o que interessa à gestão pública é que a atitude do prefeito do Rio fere os princípios da República. O poder laico é um dos avanços civilizatórios do Ocidente. Ele foi escolhido pelos eleitores para ser o prefeito de todos, independentemente do credo. A impessoalidade, a igualdade entre os cidadãos, a transparência na distribuição dos recursos públicos, a ampla publicidade da oferta dos serviços, tudo isso foi ferido naquela reunião feita com alguns escolhidos.
Não cabe dúvidas sobre o que aconteceu naquele “Café da Comunhão”. O prefeito acha normal convidar seus amigos e dizer que eles terão vantagens em relação aos outros cidadãos da cidade na espera para a realização de cirurgias de catarata, varizes, vasectomia, solução para problemas tributários, e acesso a quebra-molas, sinais de trânsito e pontos de ônibus.
Crivella pediu para todos ficarem de olhos abertos para “vigiar a corrupção”. Bastava abrir os olhos naquela sala. Ali estava acontecendo exatamente um ato explícito de desvio de recursos públicos para atender a um grupo privilegiado, no caso, os que pertencem às igrejas ali representadas.
Qualquer que seja a religião do governante, é absolutamente inaceitável que os que comungam a sua mesma fé tenham qualquer tipo de vantagem. O prefeito se defendeu dizendo que estava divulgando os programas da área da saúde como o mutirão da catarata ou das varizes. Ótimo que ele faça esses mutirões. Mas a divulgação teria que ser ampla e não para um grupo fechado, escolhido por qualquer critério que seja, e além disso recebendo uma senha especial, “a Dona Márcia”. Só aqueles que falassem com a Dona Márcia é que teriam a vantagem de esperar apenas uma semana ou duas para a realização da cirurgia.
“Nós temos que mudar esse país”, conclamou o prefeito na reunião, sustentando a tese de que só o “povo evangélico” pode fazer isso. Ele estava exatamente confirmando o pior que existe neste momento de desvirtuamento da política brasileira. Ao oferecer aquelas vantagens para alguns e por esse motivo, ele confirmava o que tem ocorrido de mais lesivo no país. “Não importa se vai ser um trauma no princípio, se as pessoas vão reclamar, criticar”, disse ele referindo-se à ascensão política daquele grupo. Ou seja, não é religião, é projeto de poder.
A Constituição proíbe tratamento discriminatório seja qual for o motivo, inclusive religioso. Pessoa de qualquer religião pode almejar o poder no Brasil, mas não é correto que o busque para distribuir vantagens para seu grupo. É tão absurdo quanto distribuí-las para os amigos, a família, os do mesmo partido. Além disso, o prefeito usou espaço público para pedir votos para um candidato. O prefeito se diz vítima de intolerância religiosa. É uma desculpa fácil para acobertar um comportamento inaceitável.