Míriam Leitão

Míriam Leitão: Os erros de Lula na crise de 2008

Erros de Lula e Dilma, antes e depois da crise financeira, fazem com que o ano de 2008 ainda não tenha acabado para o Brasil na economia

Na economia, 2008 é o ano que não terminou. E talvez tenha começado antes do seu princípio. Entender a sucessão de eventos que nos infelicita é fundamental neste período eleitoral em que estão sendo feitas as escolhas. A crise internacional iniciada com a quebra do Lehman Brothers no dia 15 de setembro assustou o mundo e bateu na nossa praia. “Uma marolinha”, gabou-se Lula. Mas os erros cometidos antes e depois daquele dia explicam o buraco fiscal no qual estamos. A onda ainda nos derrota.

A crise não havia começado, o mundo crescia mais do que o Brasil, em 2007, quando foram tomadas decisões que abririam um rombo nas contas públicas. Lula editou o PAC I, com a meta de crescer 5% ao ano, e para isso ampliou muito os gastos públicos. Daí nascem as milhares de obras hoje paradas.

O governo tomou várias decisões na mesma direção. Iniciou a construção de quatro refinarias, começou as transferências do Tesouro para o BNDES, ampliou o conceito de micro e pequena empresa para o faturamento de R$ 2,4 milhões. Isso elevou a despesa tributária com o Simples. Existe em outros países, mas o teto é muito menor do que no Brasil. É dessa época também a criação do FI-FGTS, que pegou dinheiro do trabalhador para entregar a empresários a juros baixos e, em algumas ocasiões, em negociatas como a que se viu no caso JBS. O PAC deu também dinheiro à Caixa, R$ 5,2 bilhões.

A crise de 2008 foi um tsunami que ameaçou engolir todas as economias do mundo. Os bancos centrais dos países ricos adotaram medidas para expandir a oferta de crédito, de dinheiro na economia e de gastos públicos. Foi feito aqui no Brasil também. Uma coisa é a emergência que precisava de atenção imediata. Outra coisa foram os estímulos excessivos que começaram antes da crise e continuaram após o pior já ter passado no Brasil.

A ordem dos eventos foi assim: o país crescia a 4% quando em janeiro de 2007 o ex-presidente Lula lançou o programa para acelerar o crescimento. “Não vamos descer a Rua Augusta a 120 por hora. O objetivo é acelerar o crescimento sem comprometer a estabilidade”, disse. Mas ele apertou o acelerador em hora errada e em intensidade perigosa. Chegou a 2008 crescendo a 6% quando estourou o tsunami no mundo, provocado pelos empréstimos arriscados e sem lastro no mercado hipotecário americano e europeu. Bancos ameaçavam quebrar nas maiores economias. Lehman Brothers, com 170 anos, não abriu as portas na manhã do dia15.

No Brasil, algumas empresas haviam feito operações perigosas no mercado de derivativo cambial. Sadia e Aracruz encabeçavam a lista de empresas que apostaram em queda constante do dólar. Com a crise, o dólar disparou.

O BNDES teve que entrar financiando a fusão da Sadia com a Perdigão, da Aracruz com a Votorantim Celulose. O braço financeiro da Votorantim foi vendido para o Banco do Brasil. O Unibanco uniu-se ao Itaú. O Banco Central ampliou a oferta de dólar na economia usando recursos das reservas cambiais.

Como resultado da crise, o crescimento foi a zero em 2009. As medidas anticíclicas para enfrentar a emergência da crise global foram acertadas. O problema é que haviam começado antes e permaneceram depois. Em 2010, o país crescia 7,5%, e o governo em vez de reduzir os estímulos os aumentou. Era ano eleitoral e a candidata Dilma Rousseff fora uma escolha pessoal de Lula. Neófita em eleições e sem carisma, precisava de um ambiente de euforia econômica e de toda a maquiagem que João Santana e Monica Moura sabem fazer, quando são bem pagos.

O governo manteve os estímulos usados antes, durante e depois da crise. Reduziu impostos para setores escolhidos, turbinou bancos públicos, aumentou o subsídio do BNDES e estimulou o endividamento das famílias. Com isso, houve o período da euforia de 2010, que está na mente dos eleitores como boa lembrança que o PT tenta avivar, e o rombo fiscal que jogou o país na recessão, que o PT tenta apagar da história. São filhos da mesma política, nascida no governo Lula e mantida enquanto foi possível no governo Dilma.

O mundo saiu da crise, nós estamos nela. Dilma poderia ter feito o ajuste, mas expandiu ainda mais os estímulos. Foram os erros locais de Lula-Dilma que produziram a crise da qual ainda não saímos.


Míriam Leitão: Alto custo da paz de Toffoli

O ministro Dias Toffoli pregou paz e conciliação em seu discurso de presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Um pouco antes desferiu um golpe violento em direção à Lava-Jato: suspendeu uma ação penal contra o ex-ministro Guido Mantega, Mônica Moura e João Santana, mandou-a para a Justiça Eleitoral e ainda acusou o juiz Sérgio Moro de tentar “burlar” decisão do STF. Se casos de corrupção tiverem que ser julgados como crimes eleitorais é o sepultamento da Lava-Jato. Haverá paz. A dos cemitérios.

A dúvida é: que paz quer o presidente do Supremo Tribunal Federal? Se é a paz da morte da Lava-Jato contraria tudo o que o Brasil tem feito nos últimos quatro anos. No discurso em sua homenagem, o ministro Luis Roberto Barroso disse que a maior tarefa atual é a luta contra a corrupção. Contudo, um pouco antes da festa, Toffoli tinha tomado sua decisão que, se confirmada e estendida a tudo e todos, a mais importante operação contra a corrupção vai caminhar para o fim.

Ele citou decisão anterior do ministro Ricardo Lewandowski, apoiada pela maioria da Turma, considerando que caixa 2 é crime eleitoral e inclusive os “crimes comuns conexos”. Caixa 2 nunca é fato isolado. O empresário faz a contribuição por fora e pede algo em troca. Esse algo em troca é o crime de corrupção em geral associado à lavagem de dinheiro, ou seja, os “crimes comuns conexos”. Se tanto o caixa 2 quanto os crimes que dela decorrem vão para a Justiça Eleitoral, o que ficará na justiça comum? E que tipo de punição recairá sobre o criminoso? Cassação de mandato? Mantega, Monica Moura e João Santana jamais tiveram mandato. Parece haver mais riscos nesta decisão do ministro Dias Toffoli, tomada por ele um pouco antes de subir ao primeiro posto do Judiciário e pregar a paz e a conciliação.

O motivo da ação contra Mantega e os dois marqueteiros é a acusação de que em 2009 ele teria pedido R$ 50 milhões a Marcelo Odebrecht em contrapartida à edição de duas medidas provisórias que criaram o Refis da crise e que beneficiou principalmente a Braskem, empresa do grupo Odebrecht. O caso ainda está sendo julgado, mas a grande questão é onde julgar. Se é crime eleitoral ou se, como sustenta a acusação, é crime de corrupção.

O dinheiro não foi usado em 2010, ficou na conta “pós-Itália” e foi sacado para cobrir despesas da campanha de 2014. No período entre outubro de 2013 e dezembro de 2015, Monica Moura e Guido Mantega teriam tido 59 encontros e sete conversas telefônicas. O que tanto conversaram a marqueteira e o ministro da Fazenda? Essa informação foi conseguida através de delações, emails, quebras de sigilo telefônico e documentos do setor de operações estruturadas da Odebrecht. Como Monica cuidava das finanças do casal que fazia o marketing da campanha de Dilma Rousseff, se houvesse qualquer dúvida financeira deveria ser tratada com Edinho Silva, tesoureiro da campanha.

O caminho desenhado a partir dessas decisões da 2ª Turma é extremamente perigoso. A Justiça Eleitoral vive sobrecarregada pelos processos eleitorais e não teria tempo para processar e julgar casos de corrupção. O que há de eleitoral no crime imputado ao ex-ministro Mantega de ter supostamente recebido R$ 50 milhões para fazer uma lei que beneficiou uma empresa? Se for assim, o destino que se dá ao dinheiro fruto de corrupção lavaria o crime.

O argumento do ministro Dias Toffoli é que em abril a maioria da 2ª Turma havia decidido transferir para a Justiça Eleitoral os depoimentos de Monica Moura e João Santana sobre os pagamentos recebidos da Odebrecht para a campanha de 2014, já que foram entendidos como doações não contabilizadas. O problema é por que a doação foi feita, em troca do que foi feita. Aí é crime de corrupção, que precisa ser julgado na justiça comum.

A maioria da 2ª Turma produziu nos últimos anos uma jurisprudência que vem minando a Lava-Jato. Um dos caminhos é mandar para a Justiça Eleitoral uma parte do caso e, em seguida, recorrer à decisão anterior para mandar o resto, sob o argumento de que os outros crimes, corrupção e lavagem de dinheiro, são “crimes conexos”. Na prática, isso pacifica tudo, acaba-se a luta, perde-se a chance histórica, morre a Lava-Jato. Nossos juízes supremos decidirão, sob a presidência de Dias Toffoli.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)


Míriam Leitão: Há problemas em todas as campanhas

Todos os grupos políticos nesta campanha enfrentam algum tipo de problema. Brasil navega no nevoeiro da imprevisibilidade eleitoral

Aumentou muito a imprevisibilidade da campanha. O Brasil navega no nevoeiro. Não é sem razão que os mercados estão voláteis. Todos os grupos políticos enfrentam algum tipo de incerteza ou problema. No caso do líder das pesquisas, Jair Bolsonaro, a campanha está em crise pela incapacidade de decidir o que fazer nestas três últimas semanas. O PT está embalado pela esperança da transferência de votos, mas se o crescimento não for rápido, vão se aprofundar as divisões internas.

Sobre a campanha de Alckmin recai sempre a mesma pergunta: “Por que o candidato não decola?” Ele disse com bom humor ontem, na sabatina deste jornal, que queria ser jornalista, cobrir uma campanha, e que todos nós fôssemos candidatos para ele poder repetir essa pergunta. Sua resposta é que nesta eleição nada está decidido ainda e ninguém está garantido no segundo turno. Além de não decolar, Alckmin enfrenta a pressão das últimas investigações em torno de políticos do próprio PSDB.

Marina Silva, da Rede, enfrenta o temor da dispersão de aliados, colaboradores, apoiadores e, principalmente, eleitores com a sua queda nas pesquisas. As intenções de voto podem migrar para outros que pareçam mais viáveis, por isso qualquer erro pode ser fatal.

Ciro Gomes, do PDT, tem que lutar contra a possibilidade alta de Haddad convencer os eleitores de que é a alternativa mais segura contra Bolsonaro, além de atrair os que ficarem em dúvida sobre o apoio a Marina. Precisa ser o antiPT, mas com discurso de esquerda, e ser o antiBolsonaro, num momento delicado de saúde do concorrente.

Na campanha de Bolsonaro, desde o atentado da semana passada, ficou claro que a família, um grupo mínimo de amigos e o presidente do PSL fazem um cordão que não se alarga. Nesse círculo íntimo não entram o vice, general Mourão, nem o economista Paulo Guedes. Ele chegou a ir a Juiz de Fora e não o encontrou, apesar de Bolsonaro já ter recebido, e gravado vídeo, com o senador Magno Malta.

O candidato a vice, general Mourão, seria obviamente a pessoa adequada a substituí-lo em alguns eventos, mas não teve permissão para isso. Ele não tem traquejo para fazer os eventos de massa, mas poderia ter algum papel além de cumprir a própria agenda, que não tem muita visibilidade. Flávio Bolsonaro chegou a dizer que ele, Flávio, poderia ser o substituto de Bolsonaro em debates. Isso é um despropósito e sinal do problema desta campanha: sua estrutura é basicamente familiar. Quando o PRTB foi à Justiça, o partido queria apenas fazer uma consulta sobre a alternativa, caso fosse necessária, da substituição em atos de campanha, mas acabou deixando clara a fissura dentro do bolsonarismo. Os integrantes dessa cúpula precisam manter a campanha no ar, mas não sabem como fazê-lo sem Jair Bolsonaro.

Os outros candidatos não sabem muito bem qual é a melhor estratégia para combater o líder das pesquisas. Nas sabatinas do GLOBO, Marina e Ciro o criticaram, mas de forma bem calculada. O ataque mais duro de Ciro foi contra o general Mourão, a quem chamou de “jumento de carga”. Sobre a hipótese da vitória do capitão, disse que choraria e deixaria a política. Marina afirmou que a proposta de Bolsonaro para facilitar o acesso à arma foi desmoralizada por um ato, o feito contra o candidato. “Graças a Deus aquela pessoa não estava com uma arma”, disse Marina. Com a nova cirurgia, na noite de quarta-feira, redobraram-se os cuidados nas campanhas sobre o melhor tom da crítica a ele.

O candidato do PT, Fernando Haddad, está diante da perspectiva de subir nas próximas pesquisas, mas tem pouco tempo para lutar pela transferência de votos, sem seu poderoso padrinho ao lado. Além disso, Haddad tem problemas com seu discurso econômico. O programa foi preparado pelo mesmo pensamento da Unicamp deixado de lado em 2002, quando Lula escreveu a Carta aos Brasileiros. Ele precisa unir o partido em torno dele e, ao mesmo tempo, reduzir os temores sobre o seu caminho na economia.

Os próximos dias devem mostrar muita volatilidade nas intenções de voto. Neste denso nevoeiro de uma campanha que ficou mais incerta, o dólar sobe, o risco-país aumenta, os juros futuros se elevam. Seria estranho se não fosse assim.


Míriam Leitão: Candidato tutelado

Haddad precisou da autorização de Lula para dar cada passo que deu. Será um candidato tutelado a partir de uma cela da PF em Curitiba

Terminou ontem o ato que todos sabiam como iria acabar. O ex-prefeito Fernando Haddad foi anunciado como candidato do PT à Presidência da República para, se vencer, exercer o poder em nome de Lula e com o Lula. O ex-presidente continua sendo a primeira pessoa, agora na chapa encabeçada por Haddad. Na carta, o próprio ex-presidente definiu: “Haddad é meu representante nessa batalha.” Ele fica assim numa situação inusitada, só comparável ao que aconteceu com Héctor Cámpora na Argentina.

Cámpora assumiu em maio de 1973, depois de ter vencido as eleições como representante de Juan Domingo Perón. Ficou dois meses no cargo, permitiu a volta do ex-presidente, renunciou e convocou novas eleições, que elegeram Perón. A diferença entre os dois casos é que Cámpora tentava contornar o veto militar ao ex-presidente. Aqui, o que impede Lula de ser candidato é uma lei que ele mesmo sancionou, e em cuja tramitação o PT teve papel central. A impugnação de Lula é decorrência de uma lei democrática e não uma conspiração das elites, como disse ontem o candidato Fernando Haddad.

Só havia pessoas brancas no campo de visão da imagem transmitida pelo PT, quando Haddad relacionou, entre os vários motivos pelos quais Lula estaria sendo impedido, o de ter permitido a ascensão dos negros. “Será que é porque eles tiveram que se sentar com um negro no avião?” perguntou. Outro motivo teria sido a reação da elite ao fato de o partido ter tirado o Brasil do mapa da fome.

Demagogias assim são comuns em período eleitoral. Normalmente, elas se chocam com os fatos. A Pnad de 2015 mostrou que, no último ano que o PT governou o Brasil, nos 12 meses, a renda dos 10% mais pobres caiu 7,1%. A recessão provocada pelo próprio PT levou à inflexão no movimento virtuoso de redução da pobreza, que havia começado com o Plano Real e se acentuado com os programas sociais da era Lula.

Haddad dirigiu-se a quem “está sentindo a dor de não poder votar em Lula” e ofereceu-se como interposta pessoa. Voltou a repetir o clichê de que “Lula fez o que eles não conseguiram fazer em 500 anos”. Esse “eles” inespecífico faz parte da estratégia política do PT. Assim o eleitor entende como quiser. “Nós temos um líder”, disse Haddad, mais uma vez subserviente. E disse que quer “olhar no olho do povo” para lembrá-lo dos bons tempos do Lula.

Do lado, séria e sem olhar na direção de Haddad, a ex-presidente Dilma foi citada rapidamente. A estratégia do partido é avivar a memória do período de crescimento no governo Lula e apagar a lembrança de que a recessão começou no período Dilma. A narrativa do PT é que ela cometeu erros pontuais, mas foi impedida de governar pelos que perderam a eleição de 2014. A verdade é bem mais complexa. Nos anos de crescimento do governo Lula, a política de ampliar o gasto público foi a semente da crise aprofundada pelos erros da gestão Dilma. Na última eleição, a economia já estava em forte desaceleração, na véspera de cair na recessão no começo de 2015.

A aposta petista é que a memória brasileira é curta e o eleitor, ferido pela recessão e pelo desemprego, verá Haddad como o novo rosto de Lula. O ex-ministro precisou da autorização expressa de Lula para dar cada passo que deu. E será, até o fim, um candidato tutelado a partir de uma cela da Polícia Federal em Curitiba. Até agora, conseguiu um feito importante que foi vencer as muitas correntes internas do PT. Tem apenas 26 dias para convencer o eleitorado a levá-lo ao segundo turno.

As duas principais campanhas continuarão sem seus titulares. O candidato do PSL permanecerá no hospital ou em recuperação. O PT deixou claro ontem, mais uma vez, por atos e palavras, que é Lula quem decide e manda. Nesta estranha campanha, tanto Lula quanto Bolsonaro conseguiram transformar seus dramas em alavancas.

O PT apresenta a prisão de Lula como uma punição injusta que ele recebe por ter distribuído bondades ao povo. Bolsonaro, depois de meses de defesa de um projeto belicoso, subiu na esteira de um ataque a faca que sofreu. O Ibope de ontem mostrou que Bolsonaro subiu quatro pontos, desde a última pesquisa, e está com seis pontos a mais na espontânea. Sua rejeição caiu pouco, apenas 3 pontos, e ainda é a mais alta, 41%. Nada está cristalizado, contudo. O voto ainda é volátil e vai se mover em várias direções nos próximos dias.


Míriam Leitão: Os estados que ensinam

Caminho para a educação é olhar para os bons exemplos. Há notícias positivas no meio do grande quadro de estagnação no ensino médio

É preciso aprender com os estados que avançaram no Ideb. Não se pode ignorar o tamanho no nosso atraso, mas como a desistência não é uma opção, é fundamental olhar os bons exemplos. Goiás e Espírito Santo foram os destaques do ensino médio este ano e a análise dos dois casos mostra uma mistura de melhora da gestão com maior foco nos fatores socioemocionais. O Ceará, um sucesso nos anos iniciais e finais, deu um salto no ensino médio. Pernambuco também é exemplo.

Na rede estadual pública do ensino médio, Goiás foi para o primeiro lugar e o Espírito Santo ficou em segundo. Quando o índice é da rede pública e privada, os dois se alternam: Espírito Santo vai para o primeiro e Goiás para o segundo. Quando se pergunta às pessoas que estão ou estiveram à frente desse processo exitoso nos dois estados, eles apontam para Pernambuco como sendo uma inspiração, que desta vez ficou em terceiro lugar mas que tem ensinado como superar o estrangulamento do ensino médio. O salto do Ceará foi impressionante: saiu do 12º lugar para o quarto, o que é mais animador diante do sucesso já comprovado do estado no fundamental.

O caminho é olhar os bons exemplos. Como escreveu ontem o jornalista especializado em educação Antonio Gois, “o pessimismo exagerado é tão paralisante quanto o otimismo descolado da realidade”. Penso assim também. Há notícias boas, no meio do grande quadro de estagnação nacional no ensino médio.

O Espírito Santo e Goiás se alternam em outros indicadores. Os capixabas tiraram a melhor nota em proficiência, e os goianos a maior taxa de aprovação. Os dois fizeram um bom trabalho. O secretário de educação do Espírito Santo, Haroldo Correa Rocha, contou que o primeiro passo foi estudar o exemplo de Pernambuco, inspirado no empresário Marcos Magalhães, do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação:

— Não tinha certeza na época de que era possível replicar o modelo, mas trouxemos a metologia e aplicamos na Escola Viva, que tem horário integral, oferece um conjunto de outras matérias eletivas e investe no desenvolvimento socioemocional.

Essas escolas são apenas 10% do total do ensino médio público capixaba, mas outra tecnologia, do Instituto Unibanco, foi implantada nas que têm cinco horas de aula:

— O importante é fazer o trabalho de apoio emocional, todo mundo está fragilizado. A escola precisa ser acolhedora e impulsionar o aluno. As escolas com cinco horas têm planos de ação e sistema de acompanhamento dos alunos. E, além disso, a gestão é fundamental. Não foi com mais dinheiro, foi com melhor gestão que avançamos. Aqui a recessão foi mais forte do que em outros estados, e nós melhoramos.

O Espírito Santo estava em 10º lugar em 2013, foi para quarto lugar em 2015 e agora chegou ao segundo. Goiás saiu do 16º lugar em 2009 para o quinto em 2011. Em 2013, ficou em primeiro, mas em 2015 caiu para segundo e em 2017 voltou ao primeiro, deslocando São Paulo.

O deputado Thiago Peixoto, que foi secretário de Educação de Goiás de 2011 a 2013, e depois ocupou a Secretaria de Planejamento, conta que a mudança começou com melhor gestão:

— Implantamos um plano de reforma e de adoção de boas práticas. Sempre se diz que investimento em educação só se vê a longo prazo. Quis inverter essa lógica e buscar o resultado a cada dia. Havia 29 mil professores efetivos e 14 mil não estavam na sala de aula, tivemos que mudar isso. Criamos um sistema de bônus para o professor que não faltasse e fizesse planejamento de aula. Além disso, o sistema passou a ter foco no aluno.

Thiago também se inspirou no empresário do terceiro setor Marcos Magalhães e foi ao Ginásio Pernambucano, experiência pioneira, para ver como replicar o modelo. Conta que fizeram grande investimento em modelos pedagógicos e na formação de diretores.

O Ceará tem uma história muito bem sucedida nos anos iniciais e finais do fundamental, mas não avançava no ensino médio. Perguntei sobre isso a Ciro Gomes na sabatina da Globonews e ele disse que o Ideb traria uma boa notícia. E trouxe. O estado saiu do 12º lugar para o quarto lugar. No ensino fundamental, anos iniciais e finais, Ceará tem excelente desempenho. O Brasil tem tido bons casos em educação. Eles acontecem em cidades como Sobral ou Brejo Santo, que eu visitei, ou em escolas como o Ginásio Pernambucano, que também visitei no ano passado. Há tecnologia sendo desenvolvida. É preciso replicar os bons exemplos.


Míriam Leitão: As polêmicas dos vices

Não haverá um vice anódino: candidatos sabem o que querem e alguns admitem que almejam mais do que só substituir o presidente

O general Hamilton Mourão justifica as mortes de adversários políticos ocorridas dentro dos quartéis na ditadura, a senadora Kátia Abreu mantém sua posição contra a divulgação da lista suja do trabalho escravo e a relação de conflito com ambientalistas, a senadora Ana Amélia defende o PL dos agrotóxicos que foi condenado por instituições científicas. O ex-deputado Eduardo Jorge quer a redução do rebanho bovino e o ex-prefeito Fernando Haddad sustenta a política dos campeões nacionais.

Durante a semana, participei, junto com colegas, das entrevistas da Globonews com os candidatos a vice nas cinco principais campanhas e ficou claro que, de uma forma ou de outra, eles são polêmicos. Há duplas mais homogêneas, em que os dois têm os mesmos pensamentos. É o caso de Bolsonaro-Mourão e Marina-Jorge. Há bastante divergência entre Kátia e Ciro. O candidato do PDT se apresenta como de esquerda, e a sua vice é pessoa que se identifica com a direita. No caso de Alckmin e Ana Amélia há harmonia, mas ela o leva a defender a posição atual mais polêmica do agronegócio, que é o PL que amplia o uso de agrotóxicos no país. O candidato em situação mais inusitada é Fernando Haddad, que se prepara para assumir a cabeça de chapa, se vencer as brigas intestinas do PT, mas que no legado petista tem que tentar separar o que defender e o que reconhecer como erro. Uma coisa é certa, não haverá vices anódinos. Eles são, para o bem ou para o mal, pessoas que sabem o que querem e alguns admitem claramente que almejam mais poder do que o de substituir o presidente. Foi o que disse o general Mourão. Ana Amélia quer ser ministra da defesa.

Com voz serena, e depois de pregar a união nacional, o general Mourão disse coisas duríssimas. Não reconhece o erro de ter chamado os índios de indolentes e os negros de malandros. Ele tenta usar “teses sociológicas” e diz que temos que saber quem somos. Mourão admitiu que errou ao defender o golpe numa de suas entrevistas, mas a partir daí ele passou a reafirmar seu pensamento. Disse que as Forças Armadas têm a responsabilidade de intervir quando um dos poderes não está funcionando. Lembrado de que a Constituição só prevê a intervenção das Forças Armadas se os poderes constituídos convocarem, ele defendeu o direito de o comandante interpretar a letra da Constituição. Heraldo Pereira lembrou que quem interpreta é o Supremo Tribunal Federal. Ele insistiu na responsabilidade das Forças Armadas e, diante de uma pergunta de Merval Pereira, admitiu o autogolpe, caso em que um presidente convoca as Forças Armadas. Na pergunta que eu fiz sobre Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o Doi-Codi no período em que 47 presos foram mortos, Mourão sustentou que ele é seu herói, e concluiu: “heróis matam.”

Eduardo Jorge tem várias identidades com Marina, como a defesa do ambientalismo, mas seu sonho é radical. Ele quer que em algum momento no futuro não haja a exploração de rebanhos bovinos. Seu forte é política de saúde. Ele é um dos autores do SUS, das políticas dos genéricos, mas nessa área há uma dissonância com Marina porque, como médico, ele defende o aborto, para evitar mortes de mulheres que hoje o fazem em condições precárias.

Kátia Abreu é tão aguerrida na defesa de suas ideias quanto Ciro, mas sua agenda é de direita. Defendeu que não se divulgue a lista dos que foram flagrados praticando trabalho escravo. Numa resposta a mim, ela garantiu que nunca desmatou e na verdade há um processo contra ela por desmatamento ilegal de 777 hectares na fazenda Ouro Verde, no Tocantins, como mostrou o Fato ou Fake. A data da infração foi 21 de junho de 2004.

Ana Amélia defendeu o projeto de lei que já recebeu notas públicas de condenação de entidades como SBPC, Fiocruz, Instituto Nacional do Câncer. E diz que o faz em nome da ciência. Só que a ciência está condenando o projeto. Mas ela o defende por ser a bandeira atual do agronegócio.

Haddad é um vice que pode não ser. Ele tenta ignorar a ruína econômica em que acabou o governo petista, por isso escolhe o que quer ressaltar e culpa a oposição pela recessão. Acabou defendendo a política de campeões nacionais como o caminho certo. Ficou claro que isso será repetido numa eventual volta do PT. Haddad avisou que o PT não vai escrever uma nova “carta ao mercado”. A carta de 2002 foi aos brasileiros.


Míriam Leitão: Eleição líquida e voto volante

Dúvida é se Bolsonaro se apresentará como uma vítima vingadora, ou se haverá mudança de tom para atrair os eleitores mais ao centro

O ambiente é absolutamente fluído, e as consequências do atentado a Jair Bolsonaro podem ter os mais variados desdobramentos. Um mês antes das eleições, o tempo é líquido no Brasil. A situação do candidato do PSL antes de ir para Juiz de Fora era a de quem liderava a eleição sem Lula, mas havia tido um aumento da rejeição e perdia no segundo turno para Ciro, Marina e Alckmin. Agora, tudo dependerá dos próximos movimentos de cada um dos atores desta campanha.

Na segunda-feira, o Datafolha poderá mostrar a reação no eleitorado nas primeiras horas do atentado. A pesquisa é preciosa como um instantâneo. Na terça-feira, o PT anunciará sua chapa. O que o candidato oficial a vice, Fernando Haddad, disse na Globonews, respondendo a Merval Pereira, foi que ele pode ser vice do Lula, mas de nenhum outro. O que ficou implícito é que se for vencedora no PT outra corrente que não a que tem sustentado o ex-prefeito de São Paulo, seja consagrando Gleisi Hoffmann, seja Jaques Wagner, a vice será a ex-deputada Manuela D’ávila, do PCdoB.

A decisão das principais campanhas de suspender as atividades foi importante para evitar qualquer palavra impensada. A um mês das eleições, a dúvida do eleitor é elevada, e foi isso que a pesquisa Ibope mostrou. Num quadro desses, qualquer fator interveniente produz efeitos encadeados e incertos, aumentando ainda mais a imprevisibilidade.

Na pesquisa do Ibope, parte dos eleitores de Lula se dispersou de forma fragmentada, indo para Ciro, Haddad e até Bolsonaro. Os eleitores volantes nunca foram tantos e tão determinantes como nesta eleição. Nas simulações de segundo turno, Jair Bolsonaro perderia para Ciro, Marina e Alckmin, mas o percentual dos que votariam em branco ou nulo e dos que não souberam responder ficou em 23%, na hipótese com Ciro e com Marina, e 27%, quando o oponente de Bolsonaro é Alckmin ou Haddad. O representante do PT é o único que aparece empatado com Bolsonaro, mas ele ainda não é oficialmente o candidato e não teve tempo de exposição oficial.

Quando a chapa do PT, na terça-feira, for definida, restarão apenas 26 dias para as eleições. O partido terá que correr na sua estratégia de transferência de votos. Enquanto isso, a campanha de Bolsonaro seguirá sem ele. Por enquanto, os representantes oscilam entre vários tons. Desde o “agora é guerra”, do presidente do PSL, Gustavo Bebianno, até as declarações mais amenas do general Hamilton Mourão, em Porto Alegre, no dia do atentado.

Quando falou no vídeo do senador Magno Malta, o candidato Jair Bolsonaro misturou no discurso Deus, pátria e família. Malta repetiu que Bolsonaro está em missão de Deus. Bolsonaro lembrou que era o dia 7 de setembro e que gostaria de estar no desfile militar no Rio de Janeiro. Como os eleitores reagirão a esses apelos é ainda uma incógnita.

O general Mourão define Bolsonaro como vítima de um crime político, de um atentado contra o Estado. A dúvida é se a campanha o apresentará como a vítima vingadora, numa guerra santa contra os “inimigos”, ou se haverá uma mudança no discurso para trazer mais seguidores para o seu grupo. O grande desafio de qualquer candidato, de direita ou de esquerda, é capturar parcelas mais ao centro. Lula conseguiu isso em 2002 e iniciou a sua escalada de popularidade.

Na pesquisa Ibope, a rejeição de Bolsonaro havia subido de 37%, em agosto, para 44%, em setembro. Na intenção de votos, ele oscilou na margem de erro, de 20% para 22%, mas o percentual dos que acham que ele vai ganhar subiu de 27% para 38%.

Para o sociólogo Zygmunt Bauman, a era em que vivemos é de incerteza e falta de referências; de relações fluídas, voláteis, que escorrem pelos dedos. Nestes tempos líquidos, a um mês de uma eleição dramática, com um candidato na UTI, depois de um atentado, e outro impugnado dirigindo a campanha da prisão, nunca foi tão verdadeira a frase “tudo pode acontecer”.

O voto volante pode ser atraído por qualquer dos candidatos. Até parte dos eleitores que já têm candidato pode migrar, sem obediência aos compartimentos políticos definidos como esquerda, direita e centro. Isso tudo faz com que estejamos definitivamente numa eleição líquida.


Míriam Leitão: Violência que atinge o país

É preciso reduzir a radicalização e fazer o caminho de volta a uma disputa serena em que as ideias e os rumos do país estejam no centro das discussões

O Brasil viveu ontem o dia mais difícil da eleição mais tensa desde a redemocratização, com o ataque ao candidato do PSL, Jair Bolsonaro. A reação da maioria dos outros candidatos e grupos políticos repudiando o crime é um sinal de que o país pode estar começando a procurar um outro tom. O atentado a qualquer candidato que esteja legitimamente na disputa é uma ameaça à própria democracia.

Nesta campanha, houve tiros à caravana do ex-presidente Lula, no Paraná, e houve agora esse gravíssimo fato que foi o atentado contra a vida de Jair Bolsonaro. É preciso reduzir a radicalização no país e fazer o caminho de volta a uma disputa mais serena, em que as ideias e os rumos do país possam estar no centro das discussões.

O mercado financeiro teve a reação superficial de sempre. Avaliou que o atentado reduz as possibilidades de que a esquerda ganhe a eleição e por isso o dólar caiu, a bolsa subiu e o risco-país diminuiu. É particularmente irônico que se considere menor o risco depois de um atentado a um candidato que tem conseguido até agora atrair uma ampla parcela do eleitorado. Na verdade, a maneira como o país atravessará esse fato é que poderá dizer que grau de maturidade tem a democracia brasileira e que dará a dimensão real do risco Brasil, no sentido mais profundo da expressão.

Há muito tempo, o PT tem falado na suposta divisão do país entre nós e eles. De outro lado, o próprio Bolsonaro tem feito do enfrentamento a sua proposta de solução para os problemas brasileiros, usando inclusive o sinal de arma como parte do marketing eleitoral. Não se quer dizer com isso que sejam o PT ou o PSL os culpados. Só há um culpado, o autor do esfaqueamento. Mas é forçoso refletir sobre as causas desse momento de radicalização na política e torcer para que o próximo mês de campanha antes das eleições no primeiro turno se concentre nas discussões sobre propostas.

Não há saída fácil para a situação em que o Brasil se encontra. Esta eleição é completamente diferente de qualquer outra que tenhamos vivido. O ex-presidente Lula, preso em Curitiba, tem estado na frente de todas as pesquisas em que seu nome aparece. Na espontânea, o nome dele é o que tem a maior indicação, ainda que tenha caído na última sondagem. E ele está com sua candidatura impugnada. O PT não apresentou até agora o candidato que liderará a sua chapa, apesar de se ter como certo que será Fernando Haddad. Para completar, a lei sob a qual a candidatura de Lula foi impugnada foi proposta pela população, assumida e relatada pelo PT e promulgada pelo ex-presidente. A origem da lei que recai sobre o PT enfraquece ainda mais o discurso da perseguição ao partido.

Os próximos dias deveriam ser usados pelas campanhas, todas elas, inclusive a de Jair Bolsonaro, para refletir serenamente sobre quais serão os próximos passos. Se a resposta for mais radicalização, o clima ficará ainda pior, e mais perigoso, nas semanas que nos separam das urnas. Essa campanha é em tudo singular. A incerteza é enorme. As decisões estão sendo tomadas pelos eleitores agora.

É preciso entender que momento estamos vivendo. Olhar a cena completa. O Brasil viveu 21 anos sob ditadura militar, reconquistou a democracia depois de uma enorme luta e muito sofrimento. Comemora agora 30 anos de uma constituição democrática escrita por aqueles que foram escolhidos nas urnas. A democracia fez conquistas notáveis: estabilizou a economia, solucionou a dívida externa, desenvolveu políticas sociais de inclusão. Depois disso, iniciou um processo de luta contra a corrupção, fundamental para o futuro do país.

Apesar de todas essas conquistas, o Brasil entrou nesta oitava eleição presidencial desde o fim da ditadura num clima que tem se deteriorado dia a dia. E chegou ao ápice com o atentado a Jair Bolsonaro em Juiz de Fora. É preciso encontrar o tom certo nessa eleição, antes que seja tarde demais. A disputa sempre será intensa, mas deve se concentrar nas ideias e nas propostas de solução para os graves problemas vividos pelo país. O que permitirá uma transição pacífica para o próximo governo, seja ele liderado por quem for, será a capacidade de resposta que os líderes políticos, de todos os lados, souberem dar neste momento em que um candidato é esfaqueado em praça pública. A violência sofrida por Bolsonaro é inaceitável e atinge a todos.


Míriam Leitão: As urgências do setor elétrico

Candidatos tratam de forma genérica as urgências do setor elétrico. Consumidor terá conta bilionária a pagar nos próximos anos

Quem vencer a eleição enfrentará, ao chegar ao governo, uma série de problemas no setor de energia, passivos não resolvidos, subsídios que precisarão ser reduzidos ou eliminados, uma conta que tem aumentado cada vez mais, desde 2014. Os programas dos candidatos tratam de forma genérica o assunto, e mesmo quando estão certos são propostas de lenta implantação. No melhor cenário, se o país retomar o crescimento, a energia será um limitador.

Todo dia uma conta nova aparece, que a Aneel, sem hesitar, transfere para o consumidor. Hoje é até difícil explicar esse amontoado de pesos que acabou sendo depositado nos usuários. A Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia elétrica, calcula que os passivos juntos cheguem a R$ 90 bilhões. E eles podem ser repassados à conta de luz nos próximos anos.

O maior custo, nesse cálculo da Abrace, é o da Amazonas Energia, que mesmo se for vendida tem um rombo de R$ 20 bilhões para ser jogado sobre todos os brasileiros. O governo ainda tenta privatizar a empresa este ano, mas se conseguir irá apenas evitar prejuízos futuros. A conclusão de Angra 3, se for feita, representaria mais R$ 17 bi. Para recompor o chamado risco hidrológico, até dezembro deste ano, os consumidores terão que arcar com mais R$ 15 bi em 2019. A bandeira tarifária já tem uma conta de R$ 5 bilhões. Risco hidrológico é o quanto as empresas do setor alegam ter a receber por causa da queda do volume de chuvas. Elas dizem que está muito abaixo da média histórica e do que previam os contratos. Mesmo assim elas têm que entregar a energia contratada. Houve ainda decisões do governo Dilma que as obrigaram a gerar energia, quando deveriam estar poupando água.

Há mais custos não contabilizados. Na Justiça, há uma briga em torno de R$ 55 bilhões, diz Lucien Belmonte, diretor da Abividro, por causa das indenizações não pagas às transmissoras de energia, durante a implementação da MP 579. As concessões foram renovadas de forma automática, com redução de tarifas, e as empresas brigam para receber por investimentos feitos que não foram amortizados.

Ontem, em evento em São Paulo patrocinado pela Abrace, alguns representantes dos candidatos à Presidência não demonstraram grande familiaridade com o tema. O enviado pelo PT, Maurício Tolmasquim, que presidiu a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) durante o mandato da ex-presidente Dilma, admitiu que a gestão petista não conversou com o setor.

— Faço uma autocrítica. Faltou, no período, maior diálogo com o setor. Um mérito da equipe que nos sucedeu foi reatar esse diálogo, tanto geradores quanto consumidores — afirmou Tolmasquim.

Não houve qualquer entendimento não apenas com o setor, mas com a realidade. A MP 579 provocou a maior desorganização no sistema de financiamento e precificação de energia, distribuiu passivos e algumas contas ainda estão chegando.

O professor Helder Queiroz, do grupo de economia e energia da UFRJ, disse que em dezembro de 2019 vencerá o tratado assinado do gasoduto entre Brasil e Bolívia (Gasbol). Paulo Pedrosa, que foi secretário de Minas e Energia no governo Temer, lembrou que a Amazonas Energia tem um rombo anual de R$ 5 bi, e que se não for vendida continuará sendo pago pelos consumidores. O advogado Julião Coelho, especializado em energia e ex-diretor da Aneel, perguntou se vale a pena concluir Angra 3, que tem um custo anual de R$ 2 bilhões por ano. A agenda do setor é cheia de decisões urgentes.

— Será que já não chegou a hora de parar com Angra 3 e dar como perdido o investimento feito? Ainda serão necessários mais R$ 2 bilhões por ano para que a usina fique pronta sabe-se lá quando, em 2021 para frente — questionou.

Com outras fontes mais eficientes, baratas e seguras, está mais do que na hora de se perguntar se um erro que começou no governo militar, que enterrou bilhões em má gestão e corrupção, deve continuar consumindo recursos públicos.

Há muito o que discutir na energia, e há vários curtos-circuitos a desarmar. Se por um lado existem velhos passivos e dilemas, houve também um crescimento importante das novas fontes renováveis, principalmente eólica e solar. A eólica é uma realidade no Nordeste e o aumento da fonte fotovoltaica tem superado todas as expectativas. O governo que assumir terá que equacionar as confusões que ainda não foram resolvidas e ao mesmo tempo pensar no crescimento da oferta de energia no país.


Míriam Leitão: A Argentina no espelho

Crise argentina expõe dilema ao Brasil: quem promete ajuste rápido pode não conseguir, quem promete corte gradual pode não ter tempo

A crise da Argentina cria para nós um dilema. O presidente Maurício Macri assumiu afirmando que consertaria a difícil herança que recebera e faria isso gradualmente. Não teve tempo. Agora seu governo está contra a parede e ele tenta dobrar a aposta e correr com o ajuste que talvez não tenha como fazer. O próximo governo, seja qual for, receberá a herança de um país com grave desequilíbrio fiscal. Quem promete o ajuste imediato pode não conseguir, quem promete fazê-lo gradualmente pode não ter tempo.

Existem diferenças que nos favorecem na comparação entre os dois países. O Brasil tem alta reserva cambial, acumulada principalmente nos governos do PT. O país está com inflação e juros baixos alcançados na administração Michel Temer. Com esses três elementos — reservas, inflação e juros — nos distanciamos da crise argentina. Existe uma semelhança que nos ameaça, o déficit público criado pelo governo Dilma Rousseff ainda não foi vencido e continua alto.

Macri recebeu de herança um país com inflação alta, preços públicos reprimidos que, para corrigir, levariam a outro choque de preços, e déficit primário. Uma das suas primeiras medidas foi suspender os impostos sobre exportações que pesavam fortemente no agronegócio, principalmente o de soja. As retenciones foram reduzidas, porque ele havia prometido na campanha e porque é um imposto que aumenta o desajuste da economia. O tributo fazia o país perder competitividade e isso derrubava exportações, agravando a crise. Macri eliminou o imposto como um gesto antigoverno Cristina Kirchner. Só que esta semana, no seu pacote para aumentar receitas, voltou com o imposto.

A Argentina tem extrema fragilidade externa: pouca reserva e dívida dolarizada. Segundo relatório do banco brasileiro Itaú Unibanco, que tem operações na Argentina, 90% da dívida pública líquida do país é dolarizada. Isso significa que quando o dólar sobe — e ele já subiu 100% este ano, de 19 para 38 pesos — a dívida cresce e o rombo do país aumenta. A desvalorização atinge diretamente o custo do endividamento. A dívida brasileira é majoritariamente em moeda local. Aqui, se a desvalorização for forte pode provocar inflação, mas o fato de ela estar na meta reduz os riscos.

O Brasil ainda não sabe como resolver o problema fiscal. Os programas dos candidatos prometem equilíbrio em um ano (Bolsonaro), ou dois anos (Alckmin, Marina e Ciro), mas ainda não está claro como conseguirão. Ciro fala em aumento de vários impostos. O programa do PT não marca data, diz que será gradualmente e conta com uma reversão do baixo crescimento para ajudar na recuperação das receitas. O que o caso da Argentina mostra é que o gradualismo pode não dar certo. E que o bom humor em relação a um novo governo pode não durar. Em 2017, a bolsa argentina teve uma das três maiores altas do mundo. Subiu 72%. Este ano ficará entre as três piores, em dólar, queda de 53%, segundo o banco UBS.

O ajuste do novo governo brasileiro terá sim que ter data e parecer crível. O nosso risco não é o cambial que ameaça o vizinho, mas sim a dívida pública que subiu fortemente a partir de 2014 e continua sendo alimentada pelo déficit primário que em 2019 estará no seu sexto ano.

É comum falar no impacto da Argentina na exportação e na produção industrial brasileiras. Mas isso é apenas parte do problema. Uma instabilidade lá reflete aqui se há canais de transmissão, como os que o Brasil tem, déficit primário alto e persistente, dívida pública crescente e uma enorme incerteza eleitoral. Por isso, o real continuará na gangorra quando a volatilidade bater do lado de lá da fronteira.

Se olharmos no espelho, não vamos ver em nós a mesma situação da Argentina, mas em vários pontos o semblante será o mesmo. Se não tomarmos cuidado vamos repetir o destino de imitá-los nos erros. O Congresso brasileiro tem uma série de pautas-bomba engatilhadas, o Judiciário aumentou seus próprios salários e agora pode, só para não parecer incoerente, derrubar a MP que adia o reajuste dos servidores. Não faz sentido um país com um enorme déficit primário, com um orçamento que terá parte das despesas cobertas por crédito extraordinário a ser pedido pela pessoa que for eleita este ano, aumentar os salários do funcionalismo. A Argentina está cheia de alertas sobre o que não fazer. A decisão será nossa.


Míriam Leitão: O que fazer com as cinzas

É tão simbólico que grita. O incêndio do Museu Nacional em momento de tanta confusão sobre quem somos nós parece deliberado. E de certa forma é. Queimamos o nosso passado, ignoramos o nosso futuro e ficamos prisioneiros do redemoinho presente. Os brasileiros choram hoje sobre as cinzas e se perguntam como recuperar o patrimônio perdido. Irrecuperável, dizem os especialistas e cada um de nós sabe que é verdade. Mas haverá um amanhã depois do incêndio.

O meteorito sobreviveu, mas não a história do Brasil. E o que fazer agora? Na manhã do dia seguinte tudo o que se sabe é que o próprio prédio pode ruir. Perdeu-se um patrimônio da riqueza natural, da história que vivemos e do que houve nos milhares de anos antes de começarmos a construir o que podemos chamar de civilização brasileira. Anda Luzia. E agora? A presidente do Iphan anunciou que “Luzia morreu”. Ela resistiu por milhares de anos, mas não sobreviveu a nós. E teremos que explicar isso aos estudantes, porque museu é parte da educação de um povo.

Neste tempo da perplexidade é inevitável pensar no simbolismo de tudo isso. De certa forma, o Brasil sempre ignorou seu passado. Durante muito tempo preferimos fazer blague sobre os personagens fundadores do que somos, preferimos jogar luz sobre os maiores defeitos de cada personagem e não seus acertos. Rimos dos exotismos, e não valorizamos as sagas. Nas viagens ao exterior, visitamos museus e reverenciamos a história alheia. Mas aqui, deixamos para ir aos museus de arte ou de história em outro momento. Afinal, eles estarão sempre ali. E quando chegam as notícias, parcas, esporádicas, de que a manutenção do patrimônio está precária, lamentamos e vamos cuidar da vida. Há tantas emergências, o passado fica para depois.

Na noite de domingo, muita gente chorou vendo chamas poderosas nos aplicando castigo irrecorrível. O fogo não deu segunda chance.

Na manhã do dia seguinte, acordamos desamparados, sem identidade, sem uma parte de nós. Mas precisaremos entender o que houve, onde foi que erramos tanto e tentar prevenir novos desastres. Há um patrimônio ainda a preservar e isso deve envolver todo mundo, cidadãos, empresas, instituições, governos.

Não adiantará culpar um governo, mas todos; uma pessoa, mas todas; os outros, mas cada um de nós. E mais do que culpar é preciso refletir e entender. Ainda é cedo, é o momento do choque da perda abrupta, total e inesperada. Só há uma forma de começar de novo: é pensar no que fazer com os outros museus e sítios históricos, com o patrimônio natural que permanece, com os fatos passados que ainda não entendemos.

Há países em que as empresas abraçam constantemente a história para a recuperação e a manutenção. Podem dizer que fazem isso porque depois descontam no imposto de renda. Pode ser. Mas aqui os governos dão cada vez mais dinheiro para as empresas, reduzindo os tributos de forma aleatória, sem que haja qualquer contrapartida. Os grupos econômicos recebem por receber, só para aumentar seus lucros, apenas porque dizem que irão embora para outro país se nada receberem, ou estão com a existência ameaçada pela concorrência externa. Quase não há mecenas e benemerentes, nem grandes, nem pequenos.

Há outros erros. Nos momentos de cortes, a Cultura é o ponto em que a tesoura vai em primeiro lugar. Nos momentos em que a austeridade é necessária, nunca escolhemos os gastos certos. O dinheiro do BNDES era pouco, alguns milhões, que bom que foi liberado, mas chegou tarde para o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista. Inevitável a comparação com a presteza dos bilhões que foram engordar os bois nos pastos, e as contas bancárias de alguns.

Dona Leopoldina era criticada e chamada de “imperatriz deselegante” porque, a cavalo, de camisa e calça masculinas, saía em busca de pedras e plantas raras para começar a construir o acervo científico nacional. Isso foi no princípio. No domingo vimos o fim, o que fizemos com o trabalho dela e de milhares de outros pesquisadores que buscaram nossas raízes, que conservaram relíquias, que escavaram o chão atrás do passado. O meteorito sobreviveu a nós, porque é capaz de resistir a todo tipo de desaforo na sua viagem incandescente até a terra. O país terá que procurar nas cinzas o resto do seu passado. E nesta hora do luto, precisará entender o que fazer no tempo do recomeço com o patrimônio que ainda temos.


Míriam Leitão: PIB não caiu, mas desacelerou

A boa notícia é que o país cresceu em cinco trimestres nos últimos seis, porém os números revelam a anemia da recuperação

A incerteza eleitoral e a crise de confiança, após o baque da greve dos caminhoneiros, são os principais fatores apontados por especialistas para o fraco crescimento do PIB de abril a junho, de 0,2% na comparação com o primeiro trimestre do ano. A indústria e os investimentos encolheram 0,6% e 1,8%, respectivamente, no trimestre. Nesse cenário, empresários pisam no freio e economistas já revisam para baixo as projeções de crescimento para o ano. O rombo fiscal de R$ 159 bilhões não permite investimentos públicos, e o superávit é esperado só em 2022.

Para recuperar empregos, país precisa crescer ao menos 2% ao ano. A notícia é ruim, mas tem atenuantes e também um alerta. O crescimento do PIB de 0,2% no segundo trimestre é fraco, praticamente zero. O que ajuda a explicar o resultado é que o trimestre foi atropelado pela greve do transporte de carga. Nesse aspecto, ter ficado no azul, ainda que pálido, é melhor do que voltar ao negativo. Nos seis últimos trimestres, houve alta em cinco e isso chega a ser uma boa notícia. Porém, o alerta é que a economia está desacelerando. Se comparado com o mesmo trimestre do ano passado, a alta é de 1%, quando era de 1,2% no período até março.

O país saiu mesmo da recessão e não voltou ao negativo desde o primeiro trimestre de 2017, o problema é que a economia desacelera antes de retomar o crescimento mais forte. Ele perdeu o fôlego, a densidade de retomada. Esse é o triste resumo desta dolorosa e lenta saída da crise.

O resultado de 0,2% no trimestre, ou 1% na comparação com o mesmo período do ano anterior, é muito menos do que o país precisa para superar a crise no mercado de trabalho. A paralisação do setor de transportes afetou principalmente a indústria e os investimentos e freou a recuperação. Ainda assim, há notícias positivas no relatório divulgado ontem pelo IBGE. A economia havia tido oito quedas consecutivas, desde o primeiro trimestre de 2015. Desses, seis ocorreram no governo Dilma, quando a economia caiu na recessão. Ela deixou o governo no meio do segundo tri de 2016, no pior momento da crise, quando os quatro trimestres acumulavam retração de 4,6%.

Nos dois primeiros trimestres integralmente do governo Temer, a economia ainda encolheu, depois foi para o terreno positivo, como se pode ver no gráfico. O problema é a falta de dinamismo desse movimento para recuperar-se da queda. Na taxa em 12 meses, tudo voltou para o azul no segundo trimestre, com exceção do consumo do governo, que precisa cortar gastos por causa da crise fiscal.

Os dados do PIB foram divulgados um dia após o IBGE mostrar novamente o maior drama do país: no trimestre encerrado em julho, 12,9 milhões de brasileiros estavam desempregados, outros 4,8 milhões simplesmente desistiram de procurar vagas. No total, 27,6 milhões estavam subutilizados no mercado de trabalho. Na taxa, houve uma queda do desemprego, mas muito fraca. Saiu de 12,9% para 12,3%. Um PIB que só sobe 0,2%, depois de uma alta de 0,1% no primeiro trimestre, não atende à urgência da crise que o país vive no emprego.

No segundo trimestre, a indústria de transformação e a construção civil caíram 0,8%, no segundo recuo seguido em relação ao trimestre anterior. Os investimentos encolheram 1,8% nessa forma de comparação. Esses foram os mais afetados pela greve dos caminhoneiros. Os serviços, por outro lado, conseguiram crescer 0,3%, e o consumo das famílias subiu 0,1%.

Tudo somado, o primeiro semestre acabou sendo fraco e por isso as projeções para 2018, que chegaram quase a 3%, já estão na casa de 1%. O Bradesco, por exemplo, estima apenas 1,1% de alta. O Itaú estima 1,3%, enquanto a MB Associados projeta 1,6%, mas com possibilidade de o dado ser revisado para pior. A Rosenberg Associados cortou de 2% para 1,5% a sua estimativa. Ontem, o Banco Central também divulgou os dados das contas públicas. O setor público consolidado fechou o mês de julho com um déficit de R$ 3,2 bilhões, rombo menor do que o esperado pelo mercado, mas ainda assim mais um número vermelho, o que já virou rotina nesse indicador. A dívida bruta também continuou subindo e atingiu 77% do PIB. O país está preso em uma dupla armadilha: baixo crescimento e crise fiscal.