Míriam Leitão
Míriam Leitão: Mercado busca um personagem
Rali nas bolsas mostra que o mercado escalou Bolsonaro para exercer o personagem de candidato que fará as reformas econômicas
Rali é como o mercado define um momento de euforia que se reflete na bolsa, nos juros e no câmbio. É o que o país viveu nos últimos dois dias. Mas eles estão eufóricos com o quê? Até pouco mais de um mês, a maioria dos gestores de instituições financeiras acreditava que o candidato ideal era Geraldo Alckmin e tinha muitas dúvidas sobre Jair Bolsonaro. Agora passou a comemorar o crescimento do candidato do PSL. Para entender o momento, é preciso separar a adesão a um político da especulação de curto prazo.
Parte do mercado diz que Bolsonaro fará as reformas econômicas necessárias e equilibrará as contas públicas. Mas é uma convicção recente. Até pouco tempo atrás, tinha apenas dúvidas em relação a ele. Dado que Alckmin não teve o desempenho que esperaram, eles transferiram para Bolsonaro o papel do “candidato reformista”. Nem todos acreditam nisso. Um economista me disse que os operadores escolheram a “cegueira deliberada”, ao ignorar o conflito claro entre a agenda liberal e o conjunto de convicções de Jair Bolsonaro e de seu círculo mais próximo. Diante das contradições, um dos mais importantes economistas do mercado explica assim o momento:
— Estamos interessados nos preços dos próximos 30 dias. Se em junho do ano que vem o governo tiver fracassado, simplesmente o preço passará a ser outro.
Ontem os preços exibiam essa alegria curto prazista. O Banco do Brasil e a Eletrobras chegaram a disparar 10% durante o pregão e fecharam com altas de 9,07% e 8,64%. A Petrobras subiu 4,25% e desde a véspera tinha voltado a ser a mais valiosa do Brasil. O volume financeiro foi o mais alto deste ano, o dólar caiu a R$ 3,88, o menor valor em dois meses. Para sustentar esses preços, eles estão fazendo duas apostas de risco: começaram a dar como certa a vitória do PSL e acreditam que ele terá habilidade para superar a crise.
Numa sondagem feita pela XP com 281 investidores institucionais, pouco mais de um mês atrás, de 28 a 31 de agosto, perguntava-se ao entrevistado qual seria a cotação do dólar na hipótese da vitória de cada um dos cinco candidatos principais. A que deu a maior dispersão foi Jair Bolsonaro. O dólar ia de R$ 3,40 a R$ 4,40 em sete diferentes cotações. Ou seja, ninguém sabia bem o que ele representava. Mas, com a alta do candidato nas pesquisas, eles transferiram para Bolsonaro as expectativas que tinham criado na vitória de um candidato que eles definem com a palavra mágica “reformista”.
Eles comemoram também o fato de o candidato do PT, Fernando Haddad, ter perdido o ímpeto. O PT retrocedeu ao programa pré-2002, com teses já reprovadas pelos fatos. Parte dessa agenda havia sido abandonada na Carta aos Brasileiros. Naquela disputa, em 2002, houve uma disparada do dólar e queda da bolsa com a expectativa de vitória do PT. E tudo acabou sendo resolvido após a posse, principalmente pela equipe que foi formada pelo então ministro Antonio Palocci. Mas naquele tempo o país estava com uma situação fiscal infinitamente melhor do que agora, completando cinco anos com superávit primário. Agora temos cinco anos de déficit.
O raciocínio do mercado é binário. Ele divide a eleição entre reformistas e não reformistas. Complexidades não cabem nesse pensamento. E o vazio de ideias e as propostas conflitantes do candidato Bolsonaro deixaram de ser considerados. O que o economista Paulo Guedes diz é o que o mercado quer ouvir, mas não necessariamente é o que acreditam os operadores políticos e o próprio candidato.
A verdade é que uma bruma de incerteza cobre essa candidatura quando o assunto é economia. Paulo Guedes cancelou, por ordens do chefe, a participação em eventos e recusa entrevistas. Escolheu esconder informação. Durante o período em que Guedes circulou pelo mercado, falou apenas para plateias escolhidas. Evitou participar de debates com os economistas dos outros candidatos. No pouco que falou, causou polêmica ao citar a possibilidade de recriação da CPMF. Então, na verdade, ninguém sabe se o populismo corporativista de direita que Bolsonaro sempre encarnou será abandonado por uma agenda de reformas, corte de gastos e privatização.
Mas como o papel ficou vago com a queda de Alckmin nas pesquisas, o mercado escalou Bolsonaro para representar o personagem. Porque o que ele queria mesmo era um rali. Que pode ser efêmero.
Míriam Leitão: Além da palavra de Palocci
Polícia Federal precisa levar Palocci a ir além das palavras, para que sua delação não seja derrubada pelos inimigos da Lava-Jato no STF
A importância da delação de Antonio Palocci é que é o primeiro dentro do PT a falar, o que quebrou o pacto do silêncio, que na Itália se chama Omertá. Mas há dois problemas. Um é o da hora da divulgação, a uma semana de uma eleição muito disputada. Outro é o sinal dado pelo Ministério Público. O MP no Paraná foi exposto às mesmas informações, mas preferiu não fazer o acordo de colaboração porque considerou que havia dificuldades de ter provas de corroboração.
Enquanto isso, José Dirceu já deu vários sinais ameaçadores nos últimos dias. Não ganhou ainda a eleição, mas avisou que desta vez o que quer é “tomar o poder, que é diferente de ganhar eleição”. E depois disse que é preciso tirar o poder de investigação do Ministério Público porque a Lava-Jato foi um erro. O PT não precisa de inimigos, basta a si mesmo.
Este é o momento de atrair os milhões de não petistas, que podem considerar votar no partido olhando mais para a sua história, de políticas de inclusão, e na esperança de que a Lava-Jato tenha ensinado algo. O partido prefere manter a narrativa excludente, voltada apenas para o público interno.
O condestável José Dirceu já avisa com quantas garras e dentes o PT se prepara. Com atos assim, eles falam para os true believers, os que sempre votarão no PT, mas não afastam os temores de quem neste momento reluta em votar em Fernando Haddad, apesar de considerar essa possibilidade. É esse eleitorado do centro que o partido deveria estar olhando.
Por outro lado, a divulgação da delação de Palocci em plena reta final da campanha é um ruído em momento muito conturbado. A delação traz informações do que Palocci tem dito, e tem sido rotina do juiz Sérgio Moro a abertura dos autos para dar mais transparência a todos os processos, mas a prudência talvez fosse melhor neste momento.
É, contudo, um novo alerta. A Petrobras foi atacada duramente durante o período petista. Os bilhões desviados, a sangria da política errada de preços e o desperdício dos recursos pelo investimento com orientação política, tudo isso precisa ser evitado. Seja qual for o governo, a Petrobras não pode mais ser usada politicamente. A empresa adotou nos últimos dois anos uma série de medidas de governança para tentar se proteger. Mas será suficiente?
Na delação, Palocci conta várias coisas difíceis de provar, ainda que sejam bem possíveis, como o estilo Lula de fingir ser um estrangeiro em seu próprio governo. Ele teria chamado Palocci em fevereiro de 2007 para perguntar, “bastante irritado”, se era verdade que Renato Duque e Paulo Roberto Costa estavam envolvidos em diversos crimes. E ainda perguntar quem era o responsável pela nomeação, no que Palocci teria respondido que era ele próprio, Lula.
No quinto ano governando o Brasil, depois do mensalão e do escândalo envolvendo o próprio Palocci, seria estranho esse diálogo. Não fosse o fato de que, como contou Palocci, Lula costumava fazer esse tipo de encenação para ver se o interlocutor aceitava a sua versão de que ele não sabia. Se nada soubesse àquela altura, seria, além do mais, um péssimo governante, aquele que nada viu, nada sabe. Papel que Lula gosta mesmo de interpretar quando é conveniente.
Na delação de Palocci ele fala de um contrato de SMS (de requisitos gerais de segurança, meio ambiente e saúde, existente em contratos de óleo e gás) firmado pela área internacional com a Odebrecht, de R$ 800 milhões, e que pagou 5% de propina. “Que o contrato, tamanha a ilicitude revestida nele, teve logo seu valor revisado de 800 para 300 milhões.” Neste caso específico, deve ser fácil encontrar provas de um contrato revisado para menos da metade do seu valor. Há outras afirmações mais difíceis de se confirmar, como a de que o então presidente Lula teria passado a ter sonhos “mirabolantes” após o pré-sal. Isso é adjetivo demais para ter valor numa colaboração.
O ex-ministro Antonio Palocci também disse que, das mil medidas provisórias editadas nos quatro governos do PT, em pelo menos novecentas houve “traduções de emendas exóticas em propinas”. O assustador é que tudo parece verdade, mas uma delação assim será facilmente derrubada no Supremo por alguns dos ministros que no fundo concordam com José Dirceu que a “Lava-Jato foi um erro”. É por isso que a PF precisa levar Palocci a ir além das palavras.
Míriam Leitão: A nova mulher que foi às ruas
Mulheres foram às ruas com uma mesma ideia e conseguiram a união de centro-esquerda que os partidos tentaram mas não alcançaram
O movimento das mulheres conseguiu algo que os partidos de centro e de esquerda não alcançaram: levar para as ruas, com uma mesma ideia, eleitores de diversos candidatos que se opõem a Jair Bolsonaro. Era a união de centro-esquerda, que tanto defendem alguns políticos, em defesa de conquistas como democracia, liberdade, respeito às mulheres, combate ao racismo e à homofobia. Essa foi a ideia que predominou e é por isso que as cores presentes eram muitas, inclusive o vermelho do PT.
As passeatas do fim de semana não foram equivalentes. Uma é mais forte do que a outra, e não me refiro apenas ao número de pessoas. Não é quantitativa apenas a diferença, é qualitativa. As manifestações das mulheres se projetam para além das eleições e começaram antes da atual disputa. Representam a emergência de um fenômeno novo que é o protagonismo das mulheres, a causa feminista. As passeatas a favor de Jair Bolsonararo foram reativas, uma reação ao que houve no sábado. Representam o que sempre acontece em eleições, em que os candidatos que mais mobilizam eleitores conseguem fazer demonstrações disso. As fotos de uma e de outra manifestação já revelam a diferença. Em uma, há a predominância de mulheres, muita diversidade e nenhum partido específico no comando. Nas de Bolsonaro, a maioria era de homens, em geral brancos, e que a pé ou de carro gritavam os slogans em favor do seu candidato.
O #EleNão é um movimento. A passeata pró-Bolsonaro é o que pode ocorrer em qualquer eleição, quando os seguidores de um candidato vão demonstrar seu entusiasmo. O movimento das mulheres antecede a Jair Bolsonaro e é um fenômeno social que se espalha pelo mundo, tem parentesco com o #metoo e tudo o que representa o renascimento do feminismo em novas bases. As mulheres passaram por cima de ideologias para colocar as suas questões como parte central do debate. As mulheres negras fazem um outro ponto: a exclusão delas é ainda maior, porque é fruto da sobreposição de desigualdades. No século passado, os partidos de esquerda deixavam a causa feminista em segundo plano. Agora, as mulheres não permitirão que isso aconteça.
Uma das músicas cantadas pelas mulheres na passeata mostra em seus versos o chamamento para a caminhada coletiva. “Companheira, me ajude, que eu não posso andar só. Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor.” Ou outra que diz que “uma manhã eu acordei e lutei contra um opressor”. O que essas melodias, surgidas na esteira do antibolsonarismo, querem dizer vai além da conjuntura. Falam da necessidade de união de mulheres em torno de sonhos comuns há muito adiados e de luta contra vários tipos de opressão.
A questão da vez, emergencial, é um candidato que já demonstrou inúmeras vezes o seu desprezo pelas mulheres. As frases foram tantas e tão ofensivas, foram tão reiteradas, que não é preciso repeti-las. Mas, qualquer que seja o resultado desta eleição, as mulheres que estiveram na Candelária, no Largo da Batata, na Praça Sete, e inúmeras outras cidades brasileiras, carregarão o impacto dessa nova atitude. O movimento nasceu por acaso, de uma página feita por uma mulher que ainda nem sabe se vai votar. A adesão imediata de milhares e até milhões de mulheres veio da força da ideia no momento certo.
Quem não entender a importância da mulher no século XXI não tem a menor chance de governar bem país algum do mundo. Na semana passada, uma delegação japonesa se espantou ao ver um homem trocando a fralda de um bebê no prédio das Nações Unidas. Era o marido da primeira-ministra da Nova Zelândia, que tirou licença para se dedicar inteiramente ao bebê, enquanto a mulher governa o país.
As multidões eleitorais são difusas e se dispersam rapidamente. Não há uma liga específica. O eleitorado de Collor de Mello, que o levou ao poder em 1990, virou fumaça quando seu governo entrou em crise. Ele convocou para as ruas os seus apoiadores e sugeriu que eles vestissem verde e amarelo. O país foi de preto pedindo a sua queda.
Havia muitas divisões entre as mulheres que andavam juntas no sábado, 29. Elas se separarão nas urnas entre candidatos diferentes. Mas há uma liga entre elas, um ponto em comum, para além dos partidos. E esse sentimento do novo, da mulher atual, permanecerá conosco para além das eleições, qualquer que seja o resultado.
Míriam Leitão: A verdade inescapável
Programa do PT fala em fortalecer a Petrobras, mas a verdade inescapável é que a petrolífera foi assaltada nos governos Lula e Dilma
O programa do PT fala em fortalecer a Petrobras mas o partido a enfraqueceu. O acordo da Petrobras com o Departamento de Justiça americano, fechado na semana passada, foi mais um dos episódios da lenta e difícil recuperação da estatal depois do ataque feito contra ela no período em que o Partido dos Trabalhadores governou o Brasil. As narrativas do PT são mentiras bem construídas, usando pedaços de verdade para desviar o olhar do ponto principal. E o ponto sobre a Petrobras é que a empresa foi assaltada.
O partido é o segundo colocado nas intenções de voto e tem chances de passar a primeiro no segundo turno, por isso é preciso que fique claro o seu erro. Se voltar ao poder, a fiscalização tem que ser redobrada para evitar-se a repetição da mesma tragédia. Internamente há mais anticorpos hoje que podem impedir uma nova tragédia como a que foi revelada pela Lava-Jato.
Na negociação com o Departamento de Justiça, a estatal brasileira teve que lutar para não ser considerada empresa corrupta pela legislação americana. Se o fosse, seria banida do mercado americano. Conseguiu fechar o acordo, pagará um preço alto, mas se livrou do pior. Ficou escrito no documento assinado que durante os anos de 2004 a 2012 “os executivos e seus gerentes” junto com “fornecedores e prestadores de serviço montaram um enorme esquema de fraude e propina”. Este período é o dos governos de Lula e Dilma. Os maiores beneficiários desse esquema foram os partidos que estavam no poder, principalmente o PT, o PP, o PMDB.
A governança começou a mudar com Pedro Parente em 2016 e continuou com Ivan Monteiro. Uma das razões de a corrupção ter sido bem sucedida na empresa era a estrutura corporativa. Cada diretoria era uma espécie de “baby Petrobras”, como explica um executivo. Assim, a diretoria de Abastecimento, por exemplo, comandada até 2012 por Paulo Roberto Costa funcionava como se fosse uma empresa independente.“Era um silo fechado”, ao qual outras diretorias não tinham acesso, e que reportava a si mesmo. Isso foi substituído por uma estrutura com mais comunicação interna e decisões colegiadas. Nada do que foi feito blinda a empresa, contudo.
A narrativa do PT é que a companhia chegou ao maior valor de mercado em 2008 na época do Lula. De fato, por causa do pré-sal e do preço do petróleo, mas também foi no governo Dilma que ela teve o seu valor mais baixo, quando a empresa não tinha sequer a capacidade de ter um balanço auditável. Afirma-se que foi Dilma que demitiu Paulo Roberto Costa, até antes da Lava-Jato. É verdade, mas foi Lula quem nomeou.
A verdade inescapável é que a Lava-Jato descobriu um esquema gigantesco de corrupção na companhia montado nos governos petistas. A mesma operação que hoje tem sido combatida por tantos políticos e enfraquecida por decisões do Supremo. O país deve à Lava-Jato o começo da operação que tem recuperado a Petrobras. Na semana passada, houve a superação de mais um obstáculo no processo de saneamento da empresa. O PT tem feito, há anos, uso eleitoral da acusação que faz aos adversários de quererem privatizar a companhia. O esquema descoberto pela Polícia Federal e pelo Ministério Público é a pior forma de privatização. A que usa a empresa para o butim partidário.
O sucesso da 5ª rodada de leilão do pré-sal ilumina outro erro cometido pelos governos petistas. As mudanças regulatórias tornaram a disputa mais competitiva, participaram 12 empresas estrangeiras que ofereceram volumes de óleo-lucro à União muito acima do valor mínimo. Quem menos ofereceu foi a Petrobras ao exercer seu direito de preferência. Antes a empresa era obrigada a ser a operadora única e isso era uma camisa de força para ela e para o país. A perspectiva é de que nas próximas três décadas o Estado brasileiro tenha um enorme lucro com esse leilão da última sexta. Cálculos são de R$ 240 bilhões só de pagamento de impostos.
A Petrobras é fundamental para o país e precisa ser blindada contra a corrupção e protegida dos erros ideológicos, qualquer que seja a tendência do governo escolhido pelos eleitores brasileiros. Alguns erros são conhecidos: indicações políticas, falta de autonomia, imposição de investimento sem retorno, uso da política de preços para segurar a inflação. Tudo isso enfraqueceu a Petrobras. Essa é a verdade que derrota qualquer narrativa.
Míriam Leitão: No ninho goiano dos tucanos
Marconi Perillo tomou algumas boas decisões que foram desfeitas por seus próprios erros e agora precisa explicar dinheiro vivo na campanha
O ex-governador Marconi Perillo, do PSDB, não dormiu ontem numa prisão apenas porque está sob proteção da lei eleitoral. A Operação Cash Delivery mostra que, mais de quatro anos após o início da Operação Lava-Jato, os sinais explícitos de corrupção, inclusive quantia exorbitante de dinheiro vivo na mão de assessores, rondam as campanhas políticas.
A sensação de corrupção generalizada tem alimentado o desânimo e a raiva dos eleitores neste momento perigoso que o país atravessa. Marconi Perillo administrou Goiás por quatro vezes e poderia ter sido a renovação dos tucanos. Houve áreas em que ele tomou decisões corretas que levaram a bons resultados. Na educação, Goiás estava no 16º lugar em 2009.
Os especialistas em educação apontam a melhora na gestão como explicação para o sucesso. Não houve aumento de gastos. Goiás ficou nos mesmos 25% da receita corrente líquida, mas o dinheiro passou a ser mais bem administrado e por isso o estado chegou ao primeiro lugar no Ideb do ensino médio de 2017, divulgado recentemente. Esse sucesso na educação poderia ser usado como plataforma para projetos políticos mais altos. Se ele não tivesse cometido os erros que cometeu.
Na área fiscal, Goiás começou a melhorar depois de ter sido companhia para os estados que estão em pior situação, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. No ranking do Tesouro, esses estados são letra D, Goiás conseguiu subir para C após uma série de medidas corretas na área da administração fiscal. Uma delas foi corrigir um erro que ele mesmo havia cometido.
Em 2014, Marconi Perillo concedeu um aumento salarial para a área de segurança que, feitas as contas, demonstrou ser impagável. Ele mesmo chamou os sindicatos e os líderes do governo e negociou uma fórmula para diminuir o aumento concedido. Em 2016 ele vendeu a Celg, empresa de energia, e entraram R$ 850 milhões no caixa. Goiás fechou aquele ano com R$ 1,36 bilhão de superávit.
Em 2017, já em clima pré-eleitoral, o governo de Perillo passou a desfazer o que havia feito. O ágio do leilão da Celg, por exemplo, que deveria ter sido usado para reduzir a dívida, ou investido para melhorar a logística de uma região que depende do agronegócio, foi desperdiçado em obras para cimentar a relação com os prefeitos. Ontem foi preso, entre outros, Jayme Rincón. As ligações com Perillo são muitas. Foi seu tesoureiro e hoje coordena a campanha à reeleição do tucano José Eliton que o sucedeu no governo.
Na casa do motorista particular de Rincón foram encontrados R$ 940 mil em dinheiro vivo. A operação foi baseada no depoimento dos delatores da Odebrecht Fernando Reis e Alexandre Barradas, que informaram terem pago R$ 10 milhões às campanhas de Perillo de 2010 e 2014. A defesa protesta e acusa a operação de ser eleitoreira. E o quase R$ 1 milhão em dinheiro vivo na casa do motorista do ex-tesoureiro e atual coordenador de campanha do aliado, é eleitoreiro ou é coincidência?
O Brasil está desde março de 2014 vivendo um festival interminável de exibição de mau comportamento dos políticos. O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, que poderia ter sido a renovação do PMDB no estado, se afundou na mais torpe e doentia corrupção.
Durante seu governo, Cabral melhorou a educação, saindo de 26º para 4º lugar no Ideb. Tocou adiante um projeto na área de segurança que melhorou de fato os indicadores de violência, até que o próprio governo naufragou. Ontem foi mais um dia em que restou comprovado que o combate à corrupção é tão amplo quanto o próprio problema, e jamais foi uma perseguição seletiva ao PT como o partido gosta de dizer para justificar o injustificável perante a militância.
Todos esses escândalos foram usados pelo candidato Jair Bolsonaro para apresentar-se ao eleitor como aquele que não se corrompeu. Os fatos não confirmam isso. Pelo contrário, a denúncia publicada na “Veja” deste fim de semana é mais uma comprovação de que ele não é o político que diz ser. Com manipulação, desculpas esfarrapadas, estratégias jurídicas bem sucedidas, decisões inexplicáveis de ministros do Supremo, e a reação dos políticos, a Lava-Jato vem sendo ameaçada. E ela é que nos trouxe a chance de mudar a política e a economia do país.
Míriam Leitão: Inimigos íntimos da reforma
Uma reforma da Previdência de um eventual governo Jair Bolsonaro encontrará a oposição dos operadores políticos do candidato. Um desses ferrenhos adversários está cotado para chefe da Casa Civil, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS). O outro é o deputado Major Olímpio (PSL-SP). Na Comissão Especial que analisou a proposta do governo Temer, eles votaram juntos com o PT contra o projeto e até defenderam a tese de que não há déficit.
Esta é mais uma das muitas confusões do programa de Jair Bolsonaro, em que o texto diz uma coisa, os economistas, outra, e o candidato faz declarações que não combinam com o que é dito ou está escrito. Ontem houve mais um evento que exibe essa falta de qualquer programa. A declaração do general Hamilton Mourão contra o 13º foi desmentida pelo candidato Jair Bolsonaro como sendo uma “ofensa ao trabalhador”.
Na economia, uma ideia conflita totalmente com a outra. Os parlamentares Lorenzoni e Major Olímpio são integrantes da campanha e podem vir a ser os operadores políticos, principalmente o deputado gaúcho, que já foi falado para a Casa Civil. Se o economista Paulo Guedes está propondo uma reforma da Previdência terá que antes de tudo passar por esses dois obstáculos.
Quem acredita que um eventual governo Bolsonaro vai fazer um ajuste das contas públicas precisa ver o que falaram os dois deputados bolsonaristas na Comissão Especial que analisou a proposta de reforma. Onyx Lorenzoni chamou de “terrorismo demográfico” os dados, que podem ser conferidos com qualquer demógrafo, sobre o aumento rápido do envelhecimento da população. Ele nega que haja déficit da Previdência. Propõe que sejam separadas as contas previdenciárias das da assistência social e diz que desta forma se encontrará um superávit entre os anos de 2010 e 2016 e, portanto, o problema não existe. Chegou a dizer que tinha um projeto de reforma, segundo ele, inspirado no modelo italiano, em que a partir de 55 anos, mesmo sem estar aposentado, o trabalhador receberia uma complementação de renda paga pela Previdência. Não diz quanto isso custaria. Ele também propõe o sistema de capitalização, o da conta individual, também sem qualquer conta para mostrar como seria possível.
Major Olímpio sempre foi um defensor de interesses corporativistas dos servidores públicos, principalmente dos policiais. Aliás, o próprio candidato Jair Bolsonaro fez a sua carreira dentro desse nicho. Olímpio foi um agressivo inimigo da reforma nos trabalhos da comissão, aliou-se ao PT e disse que a proposta “dava um cacete” nos servidores.
O presidente Temer defendeu esta semana a ideia de aprovar a reforma depois das eleições, com o apoio do novo governo. O problema desse projeto é que os dois candidatos com maior percentual de intenção de votos — do PSL e do PT — são adversários da atual reforma. Apesar de Guedes ter uma proposta que tem a mesma idade mínima do projeto de Temer e uma regra de transição apenas um pouco mais suave, precisará combinar com o candidato e seu círculo próximo.
Em entrevista que me concedeu esta semana, na Globonews, o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, defendeu a ideia de que juntos, o atual e o próximo governo, conseguirão aprovar a PEC no final do ano. Para dar uma dimensão do déficit da Previdência federal, somando servidores com o INSS, Caetano fez uma comparação impressionante:
— Só o déficit da Previdência federal, se você vender uma Petrobras inteira, não daria para cobrir um ano. Mesmo contando a parte privada da empresa. É urgente. Não é questão de conjuntura, é estrutural. E temos uma dinâmica populacional que o Brasil envelhece de forma muito rápida. As pessoas vivem cada vez mais, com casais com menos filhos.
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Com defensores do corporativismo, deputados do baixo clero, e gente que nega a existência do déficit, evidentemente, não se fará reforma alguma. Major Olímpio disse que denunciaria “para todo o sempre” quem votasse a favor de aumento da contribuição previdenciária dos servidores.
A confusão de ideias na candidatura de Jair Bolsonaro aparece diariamente, e as declarações flutuam por teses conflitantes entre si. A candidatura nunca esclarece para que direção vai, mas todos os sinais são de uma torre de Babel. A solução para tanta bateção de cabeça tem sido a ordem de que todos falem menos. O país vai para uma eleição sem saber qual é o projeto do líder das pesquisas em qualquer assunto.
Com Alvaro Gribel (de São Paulo)
Míriam Leitão: Perdas e ganhos com o petróleo
Alta do petróleo aumenta a atratividade do pré-sal, mas tornará mais complexo para o próximo governo resolvera questão do diesel
O petróleo tem subido de forma constante. Quando atinge um novo patamar, a cotação oscila um pouco, mas não volta ao ponto anterior e, segundo executivos do setor, vai continuar assim. A alta do petróleo e do dólar, por causa da eleição, aumentará o custo do subsídio ao diesel. Além disso, há outros problemas no setor de óleo e gás que exigirão um entendimento da questão maior do que demonstram ter alguns dos candidatos à frente nas intenções de votos.
A produção do Irã está em queda e a dos dois maiores fornecedores, Arábia Saudita e Rússia, não está aumentando. Por isso, o cenário mais provável é de preços elevados, talvez indo em direção aos US$ 100. Esse é um bom momento para atrair mais investidores para o pré-sal brasileiro, área que tem sido considerada uma das fronteiras mais competitivas de exploração e produção do mundo. Se o Brasil tiver uma política de hostilidade aos investidores, perderá de novo a chance, como aconteceu entre 2008 e 2013, quando o PT suspendeu por cinco anos os leilões para mudar as regras para o regime de partilha.
Na sexta-feira, haverá a 5ª Rodada de leilão do pré-sal, no regime de partilha, e grandes empresas de vários países do mundo se inscreveram para participar. Estarão presentes BP, Chevron, Shell, Total, Equinor (ex-Statoil), Exxon, e duas grandes chinesas. Há uma extrema incerteza sobre o que acontecerá no Brasil neste setor a partir de 2019, mas elas vieram. Por quê? A explicação no mercado é que houve retirada de alguns dos obstáculos, por exemplo, o alto conteúdo nacional dos equipamentos e a obrigatoriedade de a Petrobras ser a operadora única do pré-sal. Isso estava nas regras criadas pelo PT e foram alteradas pelo governo Temer. Com isso, aumentou o interesse dos investidores. A própria Petrobras ficou com mais flexibilidade.
—Dos quatro blocos que foram ofertados, a Petrobras só demonstrou interesse em um. Isso mostra a grande diferença entre ter a obrigatoriedade ou não. Ela seria obrigada a participar de outros três, apesar de não ter interesse — disse o especialista em petróleo da Tendências Consultoria, Walter de Vitto. Fontes da empresa confirmam que a flexibilidade é um ganho para a Petrobras. E se as regras mudarem pelo novo governo? Os estrangeiros vieram porque o desembolso inicial é pequeno, o maior gasto é ao longo da maturação do projeto. Se o país tomar a trilha errada, mais uma vez, basta eles desistirem dos investimentos.
O risco de o país tomar o caminho errado agora é que pode não haver outra chance.
—O pico da demanda era em 2050, depois foi revisado para 2040, agora já calculam que será em 2030, portanto, a procura por petróleo tende a começar a cair mais cedo do que se imaginava, a hora de produzir é agora —diz um dirigente da Petrobras.
O consultor Walter de Vitto acha que mesmo que o consumo de energia se altere nas próximas décadas a indústria de petróleo continuará forte por algum tempo:
—Esses leilões do pré-sal podem garantir uma boa curva de crescimento de produção para os próximos 10 anos.
Há uma consequência da alta do petróleo que cria um dilema urgente para o Brasil. O subsídio ao diesel termina no fim do ano e o novo governo o que fará? Perguntados, os candidatos dão respostas insuficientes, mas isso é uma bomba que vai estourar no colo do próximo governo.
O PT afirma em seu programa que a política de preços será “reorientada”, para criar “um preço estável e acessível para os combustíveis”. Isso significa voltar o subsídio a todos os derivados de petróleo que ajudou a arruinar as contas da empresa. O programa de Bolsonaro diz que os preços internos vão seguir os do mercado internacional, mas “suavizados com mecanismos de hedge”. O candidato, quando foi perguntado sobre isso na Globonews, deu uma resposta confusa e falou até em vender a Petrobras para resolver o problema do preço do diesel. Voltou atrás depois. O candidato Ciro Gomes disse que não vai seguir preços internacionais. A pessoa que for eleita terá que decidir, assim que assumir, o que fazer com o subsídio ao diesel. Mais importante será definir uma política para a Petrobras e o petróleo em momento em que somos muito produtivos, mas a queda do consumo já está na linha do horizonte.
Míriam Leitão: Incertezas da campanha
Cientista político Lúcio Rennó diz que a eleição está aberta e será definida pelo grau de abstenção e pelo que acontecer na reta final
O cenário eleitoral permanece indefinido, apesar de estar faltando pouco tempo para o primeiro turno, diz o cientista político Lúcio Rennó, da UnB. “Em 2014, duas semanas antes poucos imaginavam que Marina não estaria no 2º turno”, lembra. Ele acha que a abstenção pode ser alta, e ela acontece mais no eleitorado de menor renda do Norte e Nordeste, por isso o PT precisa ficar atento. Mesmo assim, ele acha que o mais provável, no momento, é uma disputa entre Bolsonaro e Haddad, como mostrou ontem a pesquisa Ibope.
— Esta eleição, mais do que as anteriores, até pela redução do tempo de campanha, privilegia mais os movimentos abruptos de um contingente muito significativo do eleitorado, na reta final, finalíssima mesmo, nos últimos dois ou três dias.
Um dos fenômenos aos quais menos se presta atenção, segundo o professor, é a abstenção. Ela costuma ser maior do que a captada nas pesquisas. Nas últimas eleições, o não comparecimento e os brancos e nulos chegaram a quase 30%:
— Ela ocorre principalmente em estados com a renda média familiar per capita baixa. Isso tem correlação alta de voto nos estados com o PT. Esse é outro elemento que nenhuma pesquisa está captando e que numa eleição tão apertada pode dar surpresa na hora da apuração. É difícil prever a abstenção. E não é trivial o efeito. Se sobe mais, com 35% dos votos totais um candidato pode se eleger no 1º turno.
Esta campanha para os cientistas políticos tem um grau imenso de incertezas. Uma delas é o que acontece com o líder das pesquisas se ele fica em silêncio na reta final, e sendo uma pessoa com declarações tão controversas quanto Jair Bolsonaro. Rennó admite que o silêncio e a não exposição em debates podem proteger o candidato do PSL, mas alerta que este é o momento que é “um pesadelo das campanhas”, porque qualquer palavra errada, ou certa, qualquer fato, pode mudar tendência.
Ontem, Bolsonaro deu sua primeira entrevista, mas sem entrar em polêmicas recentes de sua campanha. As candidaturas ficam à procura de uma bala de prata e, ao mesmo tempo, tentando evitar o escorregão, do qual ninguém está protegido, nem mesmo quem está fora dos atos de campanha, como Bolsonaro:
— As participações de Bolsonaro nas entrevistas e sabatinas cristalizaram o voto dos que já estavam com ele. O aumento recente nas pesquisas se deve à facada. É besteira dizer que a facada não teve efeito.
A volatilidade natural de fim de campanha, que este ano está maior, faz com que outros cenários de segundo turno não estejam descartados, e candidatos como Ciro e Alckmin, e até Marina, podem tornar a disputa bem mais competitiva. Por enquanto, explica, o que tem se cristalizado é o voto que favorece os dois polos.
— Muita gente não está completamente satisfeita com os candidatos que estão postos, todo mundo sabe quem não quer, mas não sabe quem quer. O voto dos true believers, dos convictos, está no Bolsonaro e no Haddad. Mas tem esse eleitorado grande que não quer nem um nem outro. É importante olhar para este eleitor que pode migrar para o voto útil na reta final. Esta eleição tem a força dos convictos, mas há uma predominância dos que vão votar no menos pior.
O cientista político acha que a abstenção e esse eleitorado que pode migrar na última hora para o voto útil são dois imponderáveis, e para os quais as pesquisas não ajudarão muito.
Na eleição para a Câmara dos Deputados, Lúcio Rennó acha que a mudança de regras de financiamento concentrou a maior parte do fundo eleitoral nos grandes partidos, que enviam os recursos para os que já têm mandato. Isso reduz a taxa de renovação. Ao PT, isso ajudará a não reduzir muito a bancada em relação a 2014, apesar de o partido ter hoje muito menos capilaridade por ter perdido prefeituras em 2016. Na hipótese de vitória do PT, ele teria que construir a coalizão com o centrão que já esteve com eles, como o PP e o PR. E na hipótese de vitória do Bolsonaro?
— Ele governaria com o baixo clero do qual faz parte. O que pode acontecer é a criação de um novo partido para o qual migrariam os bolsonaristas.
Sobre a ideia de Paulo Guedes de criar uma regra para que as bancadas dos partidos votem de acordo com a vontade da maioria, o cientista político explica que isso não acabaria com a barganha e é impossível porque partido é organização da sociedade civil com autonomia. O Estado não pode impor uma mudança de estatuto. “Isso não prospera”, afirma.
Míriam Leitão: Em busca da racionalidade
Eleições sempre provocam paixões, mas nada se assemelha a essa sensação de guerra do fim do mundo que o Brasil vive
Em qualquer país democrático do mundo, os eleitores oscilam entre tendências, ora mais à esquerda, ora mais à direita, mais intervencionista na economia ou mais liberal. As eleições sempre provocam paixões, mas nada se assemelha a essa sensação de guerra do fim do mundo que o Brasil está vivendo. O PT que havia vencido os temores de empresários e investidores ao começar a governar em 2003 voltou a ser visto como um perigo. A direita tem um candidato que negou, ao longo de toda a sua vida, valores e princípios democráticos.
Esta é uma eleição que será por muito tempo caso de estudo dos analistas de todas as áreas —psicanalistas, inclusive. Eles certamente encontrarão razões profundas para essa polarização doentia que surgiu. Nada parece racional. Os que estão no centro precisam avaliar o que fizeram de errado para que os votos antipetistas estejam sendo capturados por alguém tão radical e sem a mínima condição de unificar o país após as urnas. O PT também precisa assumir que cometeu erros que o levaram a ser visto como uma ameaça política e econômica.
Na campanha de Jair Bolsonaro, os últimos dias foram de previsível crise. O que era obscuro ficou ainda mais confuso. Os economistas que assessoram o candidato falaram em reuniões no mercado, ou em entrevistas, a respeito de um imposto que incidiria sobre transações financeiras. Foi entendido como uma nova CPMF. O candidato respondeu por tuítes negando tudo e o comando da campanha mandou o economista em chefe, Paulo Guedes, e o candidato a vice falarem menos. Ou seja, a 14 dias da eleição, o líder das pesquisas faz escolha deliberada por esconder informações sobre seu programa econômico.
A declaração que detonou a onda foi dada por Paulo Guedes, a portas fechadas, numa reunião com uma gestora de grandes fortunas. Se serão criados impostos, isso tem que ser explicado aos contribuintes, em reunião pública. O economista disse a alguns jornalistas que era em substituição a outros. Marcos Cintra, que tem conversado com Paulo Guedes e defende a proposta, deu detalhes ao “Valor”.
A ideia seria criar um imposto sobre movimentações financeiras que substituiria diversos outros impostos e teria a alíquota de 1,28%. Ele não mostrou cálculos que possam ser aferidos ou entendidos. Ao fim, tudo ficou no disse-não-disse, e no cala-boca geral dado via Twitter pelo candidato. O fato de Jair Bolsonaro estar em recuperação do atentado que sofreu e, por isso, impossibilitado de ir a debates e entrevistas tornou tudo mais nebuloso. Na reta final, o país tem menos informação sobre as ideias de quem lidera as pesquisas. Assim, aprofunda-se o processo irracional de escolha na qual o Brasil está envolvido.
No segundo lugar está o candidato do PT, Fernando Haddad, que confirma, a cada fala, seu papel secundário em sua própria campanha. Ele representa Lula, como repete. O país viveu há 16 anos um ambiente em que o PT era temido porque poderia desmontar a estabilização econômica na qual o país tinha investido vários anos. O partido tinha feito por merecer. Um ano antes aprovara um programa que falava em não pagamento da dívida interna. Levado a cabo viraria um calote em todos os investidores, pequenos, médios e grandes.
As propostas econômicas nem podiam ser definidas como de esquerda. Eram apenas ruins, velhas e inflacionárias. Esse ideário não foi seguido nos primeiros anos. A caminhada do PT, a partir da inflexão dada através da Carta aos Brasileiros, foi para se viabilizar como opção de esquerda. A inflação baixa, as contas públicas ordenadas, o respeito aos contratos não têm cor política.
São a base na qual se constrói o projeto escolhido nas urnas. Não haveria Bolsa Família, nem qualquer dos programas sociais que reduziram a pobreza, se o país tivesse voltado a ter inflação alta, ou se tivesse adotado as políticas aprovadas na convenção de 2001.
O PT precisa refletir sobre a razão de ser visto, de novo, com o mesmo temor que há 16 anos. A explicação persecutória que tem dado convence a militância mas é falsa. Para vencer a eleição o partido precisa superar os temores e a rejeição em parcelas da classe média e nos empresários e investidores. A democracia pressupõe que o país tenha opções democráticas nas diversas tendências políticas.
Míriam Leitão: Grande impacto da guerra comercial
Guerra comercial entre China e EUA pode tirar 2 pontos do PIB mundial em 2019 e fazer o comércio cair 17,5%, estima o diretor-geral da OMC
O comércio mundial pode cair 17,5% se as medidas dos Estados Unidos e da China forem implementadas, diz o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), embaixador Roberto Azevêdo, e isso levaria a uma redução de dois pontos percentuais no ritmo de crescimento mundial. A América Latina perderia meio por cento, mas não por estar mais protegida, mas porque as economias da região, principalmente a brasileira, são ainda fechadas. Essa avaliação Azevêdo fez numa entrevista que me concedeu sobre a guerra comercial.
— É difícil dizer que não estamos em guerra comercial. Se não é guerra, muitos tiros foram disparados. Temos que conviver com o fato de que é uma escalada, e que não dá sinais de arrefecimento. E isso é muito preocupante — afirmou o embaixador
A OMC tem feito cálculos do quanto isso impactará o comércio global e a economia do mundo, mas eles precisam sempre ser refeitos porque o conflito está se agravando. A economia mundial deixaria de crescer 2%. O maior impacto seria na China, que perderia em torno de 3,5% de sua taxa de crescimento, e nos Estados Unidos, 2,2%:
— O efeito dominó não é novidade. Isso já esperávamos, mas infelizmente esse foi o caminho adotado por algumas das principais economias do mundo.
Esta semana, o governo Donald Trump anunciou aumento de tarifas contra exportações chinesas no valor de US$ 200 bilhões, e a China respondeu com a elevação de barreiras a exportações americanas no valor de US$ 60 bilhões. Esses dados que o embaixador tem são calculados sem contar com os últimos tiros dessa guerra. Portanto, o efeito pode ser pior.
O embaixador dá alguns dados que mostram a dimensão do efeito desse conflito entre Estados Unidos e China:
— Cada produto e cada setor têm uma cadeia de valor distribuída no mundo inteiro e cada cadeia tem a sua lógica. Dois terços dos produtos que são vendidos no mundo são hoje fabricados em pelo menos dois países.
Ou seja, quando a China deixa de exportar para os Estados Unidos — e seu volume de vendas é enorme, de US$ 500 bilhões — vários países podem estar sendo afetados. E vice-versa:
— Estive na fábrica da Rolls-Royce e a turbina tinha componentes de 49 países. Então se a empresa não vende, 49 países são afetados. Hoje em dia, quando se cria uma barreira ao comércio, é como se colocasse uma parede no meio de uma fábrica. É preciso reestruturar tudo na fábrica para contornar a barreira. Isso significa custos de produção, ineficiência, e o produto vai ficar mais caro.
Esta semana o secretário americano de Comércio, Wilbur Ross, disse à rede de televisão CNBC que o consumidor americano não perceberia, porque são milhares de produtos e o efeito se espalharia. O jornal “New York Times” considera no entanto que não há possibilidade de haver uma guerra comercial sem dor e alertou para o risco inflacionário. O embaixador Roberto Azevêdo disse que se não houver impacto na inflação, então tudo o que ele aprendeu de economia ao longo da vida está errado.
Segundo o embaixador, deve-se entender o contexto desse conflito. De um lado, o presidente Donald Trump é fruto da insatisfação americana com os efeitos da reestruturação econômica. De outro, a China desperta reações por ter crescido rápido demais em período muito curto:
— Em 2001 (quando entrou na Organização Mundial do Comércio) a China era a décima economia mundial, agora é a segunda, multiplicou por dez seu tamanho. Tudo o que ela faz é observado com o microscópio. Está todo mundo preocupado com o crescimento chinês e o domínio chinês em várias áreas.
Para o Brasil, qual é a melhor estratégia? Segundo o diretor-geral da OMC, não é aumentar o protecionismo com o argumento de que os Estados Unidos também estão elevando tarifas.
— A tarifa média brasileira é cinco vezes maior do que a americana. A preocupação do Brasil tem que ser menos a proteção e mais a competitividade. A realidade é que o Brasil é pouco competitivo na área industrial, exceto alguns setores de excelência que são exceção. A indústria brasileira durante décadas se pautou pelo mercado interno. O externo era o bônus. Os países que estão crescendo e se desenvolvendo de maneira mais sustentável são aqueles abertos à competição internacional — diz o embaixador.
E é nesse mundo de uma escalada de conflitos que o Brasil precisará encontrar um caminho para a sua fragilizada economia.
Míriam Leitão: Bolsonaro e o vazio de ideias
Campanha de Bolsonaro é um vazio de ideias nas mais variadas áreas: economia, educação e até mesmo segurança pública
O candidato que está na frente das pesquisas de intenção de votos é justamente aquele do qual menos se sabe, quando o assunto é projeto para a economia. Ontem já houve confusão. Paulo Guedes falou em criação de uma espécie de CPMF, Bolsonaro negou, e o economista explicou que o imposto poderia ser criado em substituição a outros, diminuindo a carga. Ninguém sabe qual é a proposta econômica de Bolsonaro, porque ele nada entende do assunto, e as ideias propostas por Guedes ou não têm relação com o conjunto de crenças do candidato ou são inviáveis.
A leitura do programa divulgado pela candidatura e as entrevistas do candidato e do seu economista em chefe, Paulo Guedes, não ajudaram muito a esclarecer o que seria o projeto de Bolsonaro. Guedes teria falado num encontro fechado em suspender toda a contribuição patronal para a Previdência e mudar para o regime de capitalização. Isso seria financiado pela volta da CPMF. Ontem, explicou que não seria um imposto a mais, mas uma espécie de imposto único que substituiria vários outros impostos federais. É preciso apresentar alguma conta para saber do que se está falando. A Previdência já tem um déficit de quase R$ 300 bilhões por ano, a saída para a capitalização teria um custo astronômico. Um imposto novo não cobriria essas duas fontes de desequilíbrio: isenção total às empresas e o custo de transição para um novo regime. E além disso haveria outras reduções de impostos.
O ajuste fiscal se baseia na proposta de conseguir R$ 2 trilhões com a venda de todas as estatais e de todos os ativos da União. Inviável, impossível e contraditório. Depois de ter defendido a venda até da Petrobras, na sabatina da Globonews, Jair Bolsonaro voltou atrás. O Balanço da União tem uma relação de 700 mil ativos. Isso inclui, por exemplo, o Palácio do Planalto. Alguém vai vender? É possível vender todos os prédios ocupados pelos três poderes da República, os parques nacionais, as florestas nacionais, as áreas de conservação? Tirando tudo que é inviável vender, sobrariam, segundo cálculos da Fazenda, algo como R$ 200 bilhões em ativos. Para vender cada um deles tem que se cumprir uma lista infindável de obrigações, mas vamos imaginar que tudo seja simplificado. Como seria vendido, por exemplo, o prédio do Ministério da Fazenda no centro do Rio? Difícil achar comprador para um edifício enorme, que precisará de muitos investimentos até para a climatização, e numa área com grande espaço ocioso em prédios novos e baratos. A conta não guarda a mínima relação com a realidade econômica e comercial.
A promessa é fazer tudo isso, liquidação geral de ativos e privatização, rapidamente, porque o déficit seria zerado no primeiro ano de governo. Quando na Globonews, Paulo Guedes foi perguntado sobre os prazos legais e obstáculos para a privatização, a resposta que ele deu foi: “Eu me recuso a ficar dentro da caixa, eu falo de uma aliança de centro-direita, nós não somos prisioneiros da caixa.” Não explicou como contornaria obrigações legais de avaliação, modelagem, e instituições como Ministério Público, Congresso, ou órgãos como Tribunal de Contas da União (TCU).
A campanha de Bolsonaro é obscura em todas as áreas, não apenas econômica. Na segurança, resume-se a permitir o porte de armas. Não há um projeto sobre o que o Estado fará para reduzir a criminalidade. Na educação, a proposta é apenas por uma escola militar por estado. Sobre saúde, questão climática, logística, cultura, ou qualquer outra área, não há propostas, simplesmente porque não há ideias. A campanha é improvisada, organizada por alguns militares, os filhos do candidato, e um ou outro amigo. Uma estrutura claramente insuficiente e que não se dispôs a pensar um projeto para o Brasil. Antes do atentado que sofreu, cada entrevista, debate, declaração do candidato só fazia aumentar sua rejeição. Para citar um exemplo: o país ainda chocado com a perda do Museu Nacional, e ele sai com um “já queimou, agora quer que eu faça o quê?” Seu vice, o general Hamilton Mourão, tem ido na mesma toada, como fez na declaração em que ofendeu mães e avós. Quanto menos Bolsonaro fala, mais ele é poupado do constrangimento de exibir seu enorme vazio de ideias e propostas.
Míriam Leitão: Mentira eleitoral tem preço alto
Collor e Dilma foram os que mais contaram mentiras em campanha. Pagaram um preço elevado por dizer uma coisa e fazer o contrário
Em época de eleição, a verdade sobre a economia é negada na maioria das campanhas. O Brasil enfrenta, como sabem todos os que seguem o noticiário, uma grave crise fiscal. Ela não será resolvida em um passe de mágica, ou em um ano. Ela não poderá ser superada com a repetição das mesmas decisões que nos levaram à crise. O discurso demagógico, o apelo ao sentimentalismo, o ataque a adversários são as armas mais usadas na propaganda política. E é exatamente no marketing eleitoral que morre a verdade sobre a economia.
Quando entrevistei os candidatos, seus vices e os economistas indicados pelas campanhas ficou claro para mim que há graus diferentes de ambiguidade quando se pergunta sobre como enfrentar a crise econômica. Alguns mentem, negam problemas que sabem que existem ou propõem caminhos inviáveis. Há os que são mais sinceros, e esses costumam perder voto.
Candidato sempre foge de assuntos incômodos. Fernando Henrique adiou o ajuste do câmbio para depois das eleições de 1998, e a Carta aos Brasileiros foi escrita em linguagem cifrada, que o mercado entendeu, mas os eleitores que acreditaram no programa econômico do partido em 2002 foram enganados. As duas eleições com taxa de mentira mais elevada foram as de 1989 e 2014. A ex-presidente Dilma, nas entrevistas, negou as evidências de que o país estava entrando em recessão e que as tarifas de energia estivessem defasadas. Ao ganhar a eleição, mudou totalmente a conversa.
Admitiu que havia crise e aprovou um tarifaço que elevou a conta de luz em mais de 50%. A recessão que estava latente apareceu e, com ela, o desemprego disparou. Estava claro para quem cobria aquela campanha que isso aconteceria, mas a ex-presidente foi reeleita dizendo que faria o oposto do que fez. Na campanha de 1989, Collor de Mello acusou Lula de preparar um plano secreto para tomar a poupança dos brasileiros. E seu primeiro ato foi sequestrar todas as aplicações financeiras e contas bancárias dos brasileiros. Dilma e Collor ganharam, e isso parece indicar que mentir vale a pena. Os dois sofreram impeachment, isso deveria ser um alerta para os candidatos.
Os números mostram que não será possível superar esta crise sem a reforma da previdência, para ficar apenas em um ponto. Isso é admitido por Geraldo Alckmin, Marina Silva e Ciro Gomes. Mas a campanha de Ciro propõe uma mudança para o modelo de capitalização, em que cada pessoa passa a ter a sua própria conta. Afirmar que pode haver uma mudança de modelo, e não dizer quanto custa e como financiará a transição, é vender terreno na lua. A atual previdência continuará tendo custos crescentes. O PT diz que se o país voltar a crescer tudo será resolvido. Com crescimento fica mais fácil resolver qualquer problema, óbvio, mas negar o desequilíbrio da previdência é enganar. E o partido sabe disso porque já governou o país.
Na campanha de Bolsonaro não há relação entre o que diz o candidato e o que está no seu programa econômico. A afirmação de Bolsonaro, na entrevista que deu à Globonews, de que vai recuperar em valor do salário mínimo os benefícios previdenciários é uma bomba fiscal de vários megatons. E é o oposto do ajuste em um ano que o economista Paulo Guedes promete. O que Bolsonaro disse é inviável, porém em todos os seus votos como deputado ele demonstrou não ter qualquer preocupação com as contas públicas. E essa proposta é inviável. Isso porque desde o Plano Real houve uma recuperação do valor do salário mínimo. Nos governos Fernando Henrique, o salário mínimo subiu em termos reais 44%, nos governos Lula, 54%. O piso da previdência acompanhou, mas os outros benefícios, não. Se todos fossem agora corrigidos pelo múltiplo do salário mínimo da época em que foram concedidos, as despesas explodiriam. O economista de Bolsonaro sabe disso, mas Bolsonaro sequer entende do que está se falando. Só que ele é que tomará as decisões se vencer as eleições.
Há candidatos que admitem a gravidade da crise como Marina e Alckmin. Ciro Gomes também admite, mas tem propostas de solução que podem agravar o problema. O PT em 2002 fez um programa e governou com outro. Agora voltou às mesmas ideias do programa de 2002. Se mudar de rumo, sem avisar antes, será estelionato. Bolsonaro é a mais pura incerteza na economia. Ninguém sabe o que ele faria na eventualidade de ser eleito. Nem ele.