Míriam Leitão

Míriam Leitão: A inutilidade das polêmicas

Lista de polêmicas inúteis do governo é extensa. Com elas, o país perde tempo, quando as atenções deveriam estar em questões sérias para se construir o futuro

O governo roda em torno de si mesmo e do nada. Num país cercado de urgências e de problemas graves, o presidente, seus filhos, alguns ministros, altos funcionários são dedicados criadores de falsas polêmicas. Se nada mais tivéssemos para fazer, poderia ser divertido. Teríamos não um governo, mas uma central de entretenimento que oscila seus estilos entre o hilariante, o nonsense, o desprezível. Com a pesada agenda que temos e os absurdos que acontecem, o show não diverte. Acabrunha, irrita, revolta.

Nem bem nos recuperamos de uma e vem outra. Em três dias, houve o caso da carta do ministro da Educação, o do filho do presidente, Eduardo, defendendo o muro dos Estados Unidos contra o México, e o do presidente, Jair Bolsonaro, chamando de estadista o chefe de uma cleptocracia sanguinária que dominou os paraguaios por 35 anos. Mas desde o começo do mandato, a lista das polêmicas inúteis é extensa. Com elas, o governo perde tempo, quando todas as atenções deveriam estar em questões sérias que temos que superar para construir o futuro. Elas tiram atenção até dos projetos importantes como a reforma da Previdência e o pacote anticrime.

Há sempre quem pergunte. Viu a última? E este governo parece inesgotável produtor de últimas. Ele cria fatos que mais parecem fake news. A defesa de Alfredo Stroessner foi a mais recente, mas nada impede que enquanto escrevo estas linhas os caprichosos criadores de estultices estejam em atividade.

Stroessner foi o que foi. Não um homem de visão, um estadista, como descreveu Jair Bolsonaro, mas o chefe de um governo que torturou, matou e roubou por 35 anos. Não há ditadura boa, mas há algumas piores do que as outras. A do Paraguai foi das piores. Comandada com mão de ferro por um capitão reformado, que ficou no poder de 1954 a 1989, a ditadura paraguaia agia através de uma polícia política das mais violentas e não poupou nem integrantes do governista Partido Colorado. Se Bolsonaro pensou estar homenageando os paraguaios, errou. É figura tão controversa no nosso vizinho que o presidente Abdo Benitez, também do Partido Colorado, ficou em silêncio e não ecoou o presidente brasileiro. Stroessner, além de tudo, foi acusado de ter desviado bilhões para si e sua família. O país foi pilhado pelo governante que Bolsonaro admira.

Quando defende ditadores com tal convicção, Jair Bolsonaro informa sobre os valores que tem. Ele não é um democrata. Está democrata. Chefia um governo constitucional e legítimo, mas gosta mesmo, admira de fato, tem como heróis quem prendeu, torturou, matou e, no caso de Stroessner, roubou. O presidente brasileiro só exerceu mandatos que conquistou nas urnas, mas não deixa dúvidas sobre o seu ideário político.

O ministro Vélez Rodriguez conseguiu o fenômeno de cometer vários erros numa penada só. A carta é ruim pelo teor, pela intenção, pelas palavras escolhidas. Hino e bandeira são partes do pertencimento de cada cidadão em qualquer lugar do mundo, são símbolos da pátria e nunca de um governo que, por natureza, é transitório. O ministro da Educação só se deu conta que não poderia mandar filmar crianças para usar as imagens em propaganda governamental após as críticas. Aí avisou que pedirá autorização dos pais. Dos vários erros da sua carta infeliz aos professores e às escolas, ele só recuou do uso do bordão de campanha eleitoral. Mas o equívoco maior é o que ele não tem feito. Vélez Rodriguez não tem dedicado seu tempo aos graves problemas educacionais brasileiros. Gasta seu expediente em impropriedades seriais.

Os filhos do presidente já produziram tantas confusões que o espaço é curto para listá-las. Que fique apenas registrado o tom de sabujice com que o deputado Eduardo Bolsonaro disse que os brasileiros apoiam o muro que o presidente Donald Trump quer construir. Alguém precisa avisá-lo que do lado de cá do muro ficam latino-americanos, grupo ao qual pertencemos. E que ele não recebeu a delegação para falar em nome dos “brasileiros”.

A distribuição de cores por gênero em discurso histriônico, o ataque sem sentido do ministro do Meio Ambiente a Chico Mendes, o mesmo ministro apanhado com informação falsa em currículo, os delírios do chanceler. Há uma lista infindável de polêmicas artificiais criadas pelo governo. Como se não fosse o Brasil um país com tantas aflições reais.


Míriam Leitão: A economia depois da Previdência

Reforma da Previdência evita o pior cenário na economia, mas governo e Congresso terão que fazer mais reformas para acelerar o PIB

A aprovação da reforma da Previdência pode evitar o pior, mas ela sozinha não garante o cenário que está sendo vendido por alguns integrantes do governo e os mais entusiastas do mercado financeiro. Alguns economistas, mais realistas, calculam que mesmo com a aprovação da reforma o teto de gastos não se sustentará nos próximos anos. Outras medidas no campo fiscal terão que ser implementadas para aumentar a competitividade e acelerar o crescimento do PIB. Mas antes disso será preciso aprovar a reforma. Não será fácil.

Há uma tendência entre defensores da reforma de apresentá-la como uma panaceia. Ela é absolutamente indispensável, mas é o primeiro passo de uma difícil caminhada para resolver problemas crônicos do país. O economista Pedro Schneider, especialista em política fiscal do Itaú Unibanco, fez um cálculo a pedido da coluna. Mediu o impacto da reforma sobre a despesa primária do governo. Hoje, a Previdência consome 58% do Orçamento e, mesmo com a economia prevista de R$ 1,1 trilhão em 10 anos, esse percentual subirá 17 pontos percentuais, até alcançar 75% no fim desse período. Por causa desse forte crescimento, o teto de gastos aprovado pelo governo Temer, e que congela as despesas em termos reais, não ficará de pé. A Previdência continuará drenando recursos da saúde, educação, dos investimentos e de várias outras áreas cruciais para o país.

— A reforma da Previdência não é suficiente nem para o teto de gastos, nem para o reequilíbrio fiscal. O teto de gastos precisa de medidas além da Previdência, já em 2020, dado que o impacto da reforma é mais de médio prazo. As medidas principais, além da reforma, são a redefinição da regra de reajuste do salário mínimo e o controle de reajustes do funcionalismo público — disse Schneider.

Como não foi aprovada a reforma do governo Temer, o país perdeu tempo. Muito provavelmente este ano será consumido pela tramitação da nova PEC. O governo prevê que a reforma será aprovada nas duas Casas do Congresso até junho, mas não explica como se dará uma tramitação tão célere de uma proposta que já enfrenta bloqueios e críticas. É preciso ficar atento ao risco sobre o qual o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, está alertando: o de perder a batalha da comunicação. Maia alerta que não há ganho visível com a medida que muda o Benefício de Prestação Continuada (BPC), ou a que iguala idade mínima de homem e mulher na área rural, dado que na área urbana as idades são diferentes. Podem ser bodes na sala. Ou serem equívocos que elevarão resistência ao projeto.

Os técnicos do governo garantem que o projeto vai gerar uma economia de R$ 1,1 trilhão em dez anos, mas o relator da PEC 287, de Temer, deputado Arthur Maia (DEM-BA), duvida, argumentando que não há tanta diferença entre o substitutivo dele, que economizaria, R$ 450 bilhões, do projeto atual que reduziria o gasto em mais que o dobro disso.

São parecidos em vários pontos, mas o atual é mais abrangente e tem regras de transição mais curtas. Até chegar ao Congresso a proposta dos militares, a PEC da reforma ficará em banho-maria. Se a mudança dos militares vier com um plano de carreira que eleve salários, vai ser outro ponto de polêmica. Até agora já se sabe que a paridade e a integralidade serão mantidas. Isso será um problema enorme para as finanças estaduais, por causa dos gastos com a Polícia Militar.

Muitas polêmicas começam a se formar. Algumas são criadas por grupos que têm muitas vantagens em deixar tudo como está, outras são produzidas pela incapacidade que o governo demonstrou até agora de ter boa comunicação e boa articulação. Há outras críticas, como a do senador Randolfe Rodrigues, da Rede. Com a autoridade de quem abriu mão do direito à aposentadoria especial dos políticos, o senador critica o fato de as regras não serem mais duras para os que têm mandato atualmente. Só os futuros políticos serão enquadrados. Randolfe poderia requerer aposentadoria ao fim do atual mandato, com 16 anos de senatoria. Esses pontos vão ser usados por quem não quer a reforma de maneira alguma. E a Previdência é só a primeira batalha da economia brasileira.


Míriam Leitão: A estreita via da saída pacífica

Ação militar é o pior caminho para a crise da Venezuela e o grande desafio é ser efetivo pelos canais diplomáticos

A ofensiva do fim de semana dos países que apoiam o líder Juan Guaidó de entregar alimentos e remédios fracassou nas duas fronteiras. Isso deixa à região unicamente a via diplomática como saída para a crise na Venezuela. Apesar de Guaidó ter dito que todas as opções têm que estar em cima da mesa — mesma frase do vice-presidente americano, Mike Pence — o pior que pode acontecer é a alternativa de uma escalada militar na região. Isso, felizmente, é o pensamento também da cúpula militar brasileira.

O problema é quem pode ser o mediador de alguma saída que levasse, por exemplo, a novas eleições com o controle internacional. A União Europeia e o Uruguai conservaram sua capacidade de diálogo, mas o Brasil já a perdeu há muito tempo. Apesar de ser o maior país da América do Sul, o Brasil, na época do governo petista, assumiu completamente o lado chavista e perdeu a confiança da oposição; agora, assumiu integralmente o lado de Guaidó e portanto não tem canais com os governistas. As notas do Itamaraty do atual governo esqueceram qualquer estilo diplomático. Mais parecem panfletos. Felizmente, o serviço consular lá nas cidades próximas da fronteira tem funcionado.

O governo Maduro é condenável por inúmeros motivos e comete, há muito tempo, os maiores desatinos. Minou a democracia e demoliu a economia. Mas demonstrou ter o controle do território neste fim de semana. O governo perdeu o apoio popular que já teve no passado e se mantém no controle porque ao longo dos últimos 20 anos o chavismo foi construindo camadas sucessivas do aparelho de segurança. Além das Forças Armadas, da Polícia e da Guarda Nacional, o chavismo criou um exército paralelo através das milícias bolivarianas e dos coletivos. Muitos desses grupos paramilitares estão envolvidos em tráfico de drogas e outros crimes. Os brasileiros que estavam no Monte Roraima viram na cidade de Santa Elena de Uiarén pessoas encapuzadas e com facão em seu caminho até o território brasileiro. Eram provavelmente integrantes de uma dessas duas forças. O papel do vice-cônsul Ewerton Oliveira foi fundamental para garantir a vinda dos brasileiros.

O presidente Nicolás Maduro fez uma bravata quando disse que poderia comprar todo o suprimento que o Brasil queira vender. O comércio entre os dois países encolheu dramaticamente por incapacidade de pagamento por parte da Venezuela.

Em 2013, os dois países tiveram uma corrente de comércio de US$ 6 bilhões. No ano passado, a soma das exportações e importações foi de apenas US$ 740 milhões. Com a hiperinflação e a escassez de dólares, os venezuelanos perderam capacidade de comprar produtos do Brasil, ao mesmo tempo em que se isolaram economicamente na região. As exportações brasileiras para a Venezuela caíram de US$ 5 bilhões para US$ 570 milhões nesse período.

A produção de petróleo também está em queda livre. Isso é reflexo do sucateamento da PDVSA, a estatal que explora petróleo no país, e do afastamento de empresas estrangeiras, como a própria Petrobras. A Venezuela tem a maior reserva do mundo, 302 bilhões de barris comprovados, mais do que os 266 bilhões da Arábia Saudita. Em janeiro, produziu apenas 1,1 milhão de barris/dia, um terço do que já produziu, enquanto a Arábia Saudita produz 10 milhões de barris.

Ironicamente, os EUA são o principal destino do óleo venezuelano, e os venezuelanos são o terceiro país do qual os EUA mais importam, atrás apenas do Canadá e da Arábia Saudita. Trump tem ameaçado acabar com as importações, e de fato elas caíram 50% na primeira quinzena de fevereiro, sobre o mesmo período de 2018. A Venezuela é dependente dos dólares americanos, e apesar da crise os EUA continuam importando do país.

Existe caminho para continuar o cerco diplomático e o isolamento financeiro e comercial do governo de Maduro. O que não pode ser sequer pensado é a alternativa de uma ação militar americana. Ontem, o vice-presidente, Hamilton Mourão, descartou a possibilidade de tropas estrangeiras em território brasileiro e lembrou que isso dependeria de autorização do Congresso Nacional. Seria um óbvio risco para o Brasil ser um dos caminhos para esta ação militar contra o país vizinho. Há também o perigo de Maduro aumentar a coesão das Forças Armadas em torno do seu governo com o argumento do inimigo externo. Este é um momento de extrema delicadeza. E todo o bom senso é necessário.


Míriam Leitão: Ilan: reforma trata as injustiças

De saída do Banco Central, Ilan Goldfajn elogia a reforma da Previdência e divide com a equipe de Temer os méritos pela queda da inflação

O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, define a reforma da Previdência como “abrangente” e tem ainda o mérito de “tratar as injustiças”. Segundo ele, quanto mais eficiente for a reforma, melhor para o Banco Central, porque mais fácil fica coordenar as expectativas e manter os juros baixos. Ele está encerrando o tempo de dois anos e nove meses à frente do BC, período em que a inflação e os juros caíram, apesar das dificuldades políticas e econômicas do país.

Ele me recebeu para a entrevista na sala do Copom, que tem na parede um enorme Portinari, de 1954/1955, “Independência do Brasil”. O acervo do BC é impressionante e foi formado na época em que a instituição ficava com quadros e bens de bancos que faliam. Muitos deles estão em exposição no próprio BC, mas agora está sendo feito também acordo de comodato com o Masp para que em torno de 20 a 25 dessas obras sejam expostas no museu.

Quando Ilan assumiu o BC, nem se sabia quanto ia durar o governo Temer, porque foi exatamente no período em que a ex-presidente Dilma tinha sido afastada, mas estava correndo o processo de impeachment. A inflação tinha batido em 11% e estava entre 9% e 10%. Os juros, em 14,25%, com o país no seu segundo ano de recessão severa. Ele conseguiu reduzir a inflação fortemente. Houve um tempo que estava abaixo do piso da meta. E os juros caíram para o nível mais baixo da história. Assim, foi possível passar por uma eleição extremamente polarizada, sem qualquer problema na política monetária. Ele divide os créditos da queda dos juros e da inflação com a área econômica do governo Temer.

— Acho que teve uma combinação de política econômica, enquanto se perseguia a reforma da Previdência que agora está de novo no Congresso. Foi aprovada a PEC do teto dos gastos, a reforma trabalhista, mudou-se a taxa do BNDES. No BC, foi importante não abandonar o objetivo.

Quando eu assumi, a pressão era para que a meta fosse elevada. Nós reforçamos a comunicação do que iríamos fazer, do compromisso com a meta, aumentamos a transparência, não cedemos e isso elevou a credibilidade. A queda forte da inflação ajudou num outro momento de tensão política, na eleição do ano passado, em que houve crise externa. Ilan lembrou que o Brasil não precisou subir os juros, como outros emergentes: — Quando juntou a incerteza eleitoral com a incerteza externa — houve crise na Argentina, na Turquia, nos emergentes — houve bastante pressão dos mercados para que os bancos centrais subissem os juros.

Alguns subiram 30%, como na Turquia. Mas como nós estávamos com folga na inflação e a gente tinha a credibilidade adquirida, não precisamos subir quando o consenso era que os BCs subiriam. No Brasil, a curva de juros, que é o que o mercado imagina que vai acontecer, estimava uma subida de dois pontos. E acabou não sendo feito.

Nestes dois eventos, o que se vê é a importância de um Banco Central independente. No Brasil, o BC tem tido autonomia de fato. Mas ainda falta ter na lei: — Sabe por que é importante? No meio da eleição chegavam para mim perguntas sobre o que mudaria no Banco Central. A história de independência do Fed é que o defendeu agora dos ataques do presidente Trump. Na Turquia, na crise, o presidente atacou o BC e isso gerou uma desvalorização de 15%. Na Argentina, mudou-se o presidente do BC. A independência dá tranquilidade para se fazer outras coisas. Ilan Goldfajn elogiou a reforma da Previdência:

—Os sinais são ótimos, a reforma é ampla, abrangente. E quando digo que é abrangente é porque trata as injustiças. A questão será a implementação. Para o Banco Central, quanto mais profunda for e mais economia trouxer, melhor em termos de inflação e juros. Agora tem o passo importante que é passar pelo Congresso.

Ilan diz que o Brasil tem um “desafio fiscal relevante” pela frente e esse é o maior ponto de preocupação da economia brasileira. Acha que o país tem agora que trabalhar a capacidade de crescer de forma sustentável, com medidas que aumentem a produtividade. Ele acha que o Banco Central tem trabalhado com esse olhar mais longo na Agenda BC+, que tem uma lista de medidas para aumentar a competição no sistema bancário para acelerar a queda dos juros. Quando a inflação está baixa, lembra, o país pode trabalhar pelo crescimento.


Míriam Leitão: A difícil crise da Venezuela

Brasil em hipótese alguma vai cruzar a fronteira da Venezuela, mas esse fechamento imposto por Maduro elevou muito a tensão entre os dois países

A visão do Brasil é que a tensão está na divisa entre Colômbia e Venezuela. E a decisão tomada é de, em hipótese alguma, o Brasil cruzar a fronteira, segundo disse um integrante do governo. O anúncio da Venezuela de fechar a fronteira com o Brasil coloca o país numa situação rara na história das relações com os vizinhos. De um lado, o presidente Nicolás Maduro, cercado de militares, anunciou o fechamento da fronteira, de outro, o porta-voz da Presidência brasileira, Otávio Rêgo Barros, confirmou que os alimentos e remédios serão enviados o mais próximo da Venezuela, à espera de que caminhoneiros venham buscar. Mesmo que eles consigam atravessar, certamente enfrentarão violência do lado de lá. O nosso ponto fraco, como se sabe, é a dependência de Roraima da energia da hidrelétrica de Guri.

Das várias coisas estranhas desta crise, uma é o reconhecimento de Juan Guaidó como presidente da Venezuela, que de fato ele não é.

— O ato de reconhecimento pressupõe controle do território, controle do poder real. Esse é o primeiro requisito do reconhecimento. E Guaidó não tem isso. O que se esperava nessa ação de vários países era criar uma situação que favorecesse a queda de Maduro, mas isso foi há quase um mês, ele permanece controlando o país, e tudo o que se espera é uma cisão nas Forças Armadas — diz o embaixador Rubens Ricupero.

Em 2018, houve um impedimento por decisão judicial de entrada de venezuelanos, mas o bloqueio logo foi suspenso. Fechamento com tropas da divisa do Brasil não ocorre há muito tempo.

— Fui chefe da divisão de fronteiras, e nos últimos 50 anos não me lembro de um fechamento como esse. O temor de Maduro é de que haja uma invasão militar do país, não pelo lado brasileiro, mas pelo lado da Colômbia, que tem uma fronteira muito mais povoada e muito mais porosa. A presença do vice-presidente americano na Colômbia neste fim de semana aumenta essa tensão — afirmou Ricupero.

Maduro convocou as milícias bolivarianas e os coletivos, grupos armados, sem disciplina militar, e instalados em áreas de alta criminalidade, a ficarem de prontidão. A suspeita é de que eles estejam se preparando para atacar e saquear os caminhões caso eles entrem em solo venezuelano. Já que Guaidó tem voluntários, mas não o poder da força.

A Venezuela sangra há tanto tempo que desafia qualquer previsão sobre a evolução dos acontecimentos. O governo provocou o encolhimento do PIB em 50% em cinco anos — a última vez que o país cresceu foi em 2013 — e a explosão de uma hiperinflação de um milhão e 700 mil por cento. Em qualquer país, esse governo já teria caído. É intolerável o sofrimento continuado que o chavismo tem imposto aos venezuelanos, como resultado dos seus erros na economia e seu sistemático ataque às instituições democráticas.

A dificuldade é saber qual é a melhor forma de influenciar positivamente a evolução política do país. No meio desse esforço internacional, no qual o Brasil se envolveu, há uma disputa entre Estados Unidos e Rússia, com a China acompanhando a uma certa distância. A Venezuela por sua vez tem Forças Armadas muito bem equipadas.

As relações comerciais entre Brasil e Venezuela já encolheram muito desde o fim do governo petista, que estimulava o comércio e as relações econômicas, concedendo empréstimos através do BNDES. Apesar disso o Brasil ainda depende da energia de Guri para manter o suprimento em Roraima. Em 2017, a Eletronorte gastou R$ 134 milhões comprando energia para atender dois terços da demanda do estado.

A Venezuela não é um governo de esquerda, como supõe uma parte da esquerda brasileira. É uma ditadura, que persegue qualquer líder que surja na oposição, que promoveu um ataque sistemático à imprensa independente, que saqueou os recursos do país para se manter no poder e comprar o apoio dos militares. Com a crise econômica, o governo chavista empobreceu os pobres que havia prometido empoderar no começo desses 20 anos em que está no poder.

No governo de direita no Brasil há outro perigo. Se deixado apenas com o Itamaraty de Ernesto Araújo, de ideologia delirante, podem ser tomadas decisões que ponham o Brasil em risco. Faz bem o governo de mandar o vice-presidente, Hamilton Mourão, junto com o chanceler para Bogotá. Todo o cuidado é pouco neste momento de tensão extrema.


Míriam Leitão: Reforma atenua desigualdades

Proposta de reforma atenua privilégios e é a mais ampla já apresentada no país. Grande desafio será a articulação política

A reforma da Previdência do governo Bolsonaro é a mais ampla e a mais dura já apresentada até agora no país. Tem inúmeros méritos e trata de temas difíceis. Atinge em vários pontos os que ganham mais. Não é completa, contudo. Reduz desigualdades, mas elas permanecem. O grande desafio será aprovar o projeto num Congresso ainda sem articulação, com o governo prematuramente atingido por uma crise.

Um servidor contratado antes de 2013 pode se aposentar, em alguns casos, ganhando o salário de um ministro do STF. Os militares, cujo projeto ainda não foi divulgado, manterão a integralidade e a paridade, ou seja, aposentadoria pelo último salário e os inativos têm os mesmos aumentos da ativa. Mas era assim antes. A reforma atenua as vantagens. Agora, esse funcionário para atingir o teto terá que trabalhar até 65 anos e a regra de cálculo ficou mais difícil. Os militares terão que servir por mais tempo e as pensionistas passarão apagar contribuição, da qual eram isentas. Aliás, os anistiados políticos também passarão a contribuir. Mas muitos privilégios permanecem.

O ponto mais controverso é o que atinge os mais pobres: os que ganham Benefício de Prestação Continuada. São idosos ou deficientes com renda familiar per capita de 1/4 de salário mínimo. O governo antecipou o pagamento a eles, mas diminuiu o valor por algum tempo. Antes, a pessoa ao chegar aos 65 anos poderia receber o benefício de um salário mínimo. Agora esse valor será atingido só com 70 anos. P orou trolado, ele passa a recebera partir dos 60 anos um auxílio de R $400. Com essa medida e o fim do abono para quem ganha dois salários mínimos o governo vai economizar R$ 41,4 bilhões em quatro anos.

O secretário Rogério Marinho explicou que isso tem uma razão. O governo quer prestigiar o contribuinte. Argumentou que o trabalhador que contribui 20 anos para a Previdência acabará se aposentando com um salário mínimo e aos 65 anos, se for homem. Se o BPC não mudasse, mesmo quem não contribuiu teria o mesmo benefício.

O valor de R$ 1,1 trilhão de ganho em dez anos está sendo contestado no mercado. Mas eu conferi ontem com os técnicos que a prepararam: especialistas em cálculo atuarial fizeram em grupos separados todas as contas e chegaram ao mesmo resultado. Evidentemente, qualquer projeto é alterado no Congresso e quando isso acontecer o número pode mudar.

A reforma teve a coragem de mexer em vários vespeiros. Professores vão se aposentar com 60 anos. Antes não havia idade mínima. Mas há quem se pergunte sobre a razão de terem uma idade diferente. Policiais civis, federais e agentes penitenciários terão idade mínima de 55 anos para se aposentar e terão que comprovar tempo de contribuição de 30 e 25 anos. Os servidores que ganham mais pagarão uma alíquota efetiva muito maior que pode chegar à 16,5%. Esses pontos da reforma ajudam diretamente os estados. Da mesma forma que o aumento da alíquota para 14%, que será automática para quem tem déficit.

No futuro acabará a aposentadoria por tempo de contribuição que hoje está na raiz das maiores desigualdades. As aposentadorias precoces hoje são todas por este sistema e são os que ganham mais. Mas o futuro da capitalização, que sempre foi o projeto do ministro Paulo Guedes, ficou para depois. Será regulamentado por lei complementar.

O governo está desconstitucionalizando grande parte das regras. No texto da própria emenda, informa-se que mudanças futuras poderão ser feitas por lei complementar. Isso tornará mais fácil fazer alterações. A equipe não teme que isso seja uma faca de dois gumes, que seja usada também para se tornar as regras mais generosas. Segundo eles, quando é para elevar os benefícios consegue-se maioria facilmente. O difícil é ter votos para endurecer.

A reforma faz algo que não tem ganho fiscal mas ajudará enormemente o debate, que é acabar com a DRU para a seguridade e separar as contas de saúde, assistência e previdência. A mistura que há atualmente e a parcela da receita retirada pela DRU alimentam a narrativa de que o déficit não existe. A sociedade saberá agora quanto custa cada item.

A maior parte dos defeitos da reforma decorre do fato de que não é possível mexer no passado ou no presente. No país dos direitos adquiridos, as maiores desigualdades podem apenas ser atenuadas. Só no futuro se pode sonhar com mais igualdade.


Míriam Leitão: Diálogos apequenam a Presidência e a reforma chega no meio do tiroteio

A reforma da Previdência é ambiciosa e chega no meio de um tumulto revelador das intrigas palacianas e após uma derrota na Câmara

A reforma é ambiciosa, tem um sistema de divulgação precário, e vem a público no meio de uma crise que desnudou o governo exibindo uma realidade muito pior do que a imaginada. O presidente Jair Bolsonaro que aparece nos áudios é um governante cercado de rancores e sentimentos de perseguição, preso a questiúnculas e capaz de cancelar uma viagem à Amazônia sem qualquer motivo aparente. Um detalhe da conversa choca mais do que os outros: o momento em que o ex-ministro Gustavo Bebianno diz que sua presença na reunião das quartas-feiras não era permitida pelos militares. Parece sinal de uma Presidência tutelada. Quem deve decidir os participantes de qualquer reunião é o próprio presidente. E não os generais.

Ontem foi também dia de derrota do horroroso decreto presidencial para ampliar o número de funcionários que podem definir como sigiloso os documentos públicos. O decreto é uma espécie de antilei de acesso à informação, que foi tão duramente conquistada pelo país. Espera-se que o Senado confirme a rejeição da Câmara a esse decreto autoritário. Mas a derrotam ai ordo governo ontem foi a divulgação dos áudios e tudo o que eles revelaram.

No Ministério da Fazenda dava-se os últimos retoques da reforma que vai propor desconstitucionalizar a maior parte das regras da Previdência. A ideia é deixar um arcabouço na Constituição remetendo o máximo de definição de normas para lei complementar. Isso facilitaria futuras alterações nas regras.

Para os jovens será criada a possibilidade de se integrar a um modelo novo, que mantém o trabalhador no regi mede repartição, mas ao mesmo tempo cria para ele uma conta virtual em que fica registrado tudo o que ele depositou ao longo da vida, e tudo o que o empregador depositou. Tem o horroroso nome de “sistema nocional”. Ainda não havia certeza ontem à noite se o modelo de capitalização vai entrar nesse projeto. Se entrar, a opção será por esse modelo que mistura repartição e capitalização, mas isso seria apenas para os jovens.

O governo discutiu também uma forma de desvincular os benefícios da Previdência do salário mínimo. Quem tem acompanhado as discussões internas sobre o assunto diz que os últimos dias foram de muita instabilidade na proposta, porque chega-se num acordo entre os técnicos, mas o presidente manda mudar e volta-se à estaca zero.

Para tentar neutralizar as críticas que sempre são feitas aos projetos de reforma da Previdência, serão anunciadas medidas contra as fraudes e providências para a cobrança de dívidas previdenciárias. Outra crítica recorrente é que a reforma pesa mais sobre alguns e poupa outros segmentos profissionais. Os técnicos garantem que todos serão chamados a dar uma parte do sacrifício coletivo para que haja o que eles estão chamando de “Nova Previdência”.

A estratégia de comunicação é a de que apenas os técnicos deem entrevista à imprensa, enquanto o ministro Paulo Guedes e o secretário Rogério Marinho estarão dedicados a explicar aos governadores e aos parlamentares. Até ontem à noite, o que a assessoria garantia é que o ministro Paulo Guedes não estará presente à coletiva de imprensa.

Nunca houve uma reforma dessa magnitude que dispensasse a presença do próprio ministro no esforço de explicação para a imprensa. Eles estão convencidos que estão fazendo tudo certo e que vão conquistar o apoio da população porque saberão explicar melhor do que todos os outros que os antecederam nesta mesma tentativa de reformar a previdência. E confiam na campanha de marketing para divulgar a “Nova Previdência”.

O tumulto político criado pelo governo com a demissão do ministro Gustavo Bebianno agravou-se ontem com a divulgação dos áudios trocados entre ele e o presidente. Os diálogos deixam várias dúvidas: por que mesmo Bolsonaro achava uma viagem de ministros à Amazônia inconveniente? Por que o ministro do Meio Ambiente achava que tinha coisas mais importantes a fazer do que estar na maior floresta tropical do mundo? Uma sucessão de dúvidas surgem daquelas conversas e uma certeza: o presidente Jair Bolsonaro não entendeu ainda a natureza e a dimensão do cargo que ocupa. Ele apequena a Presidência.


Míriam Leitão: A exoneração que desvia o foco

Briga foi criada para tirar o foco de um caso de desvio de fundo eleitoral, acontece na pior hora para a Previdência e tira do governo um aliado íntimo

Se o governo estava pensando em atrapalhar a reforma da Previdência, fez tudo certo até agora. Esses dias que precedem a entrega oficial da proposta foram de fratura exposta nas hostes governistas. A escolha desse estilo de exoneração, com humilhação e em câmera lenta, só faz sentido se o objetivo era ampliar ao máximo o tempo da exposição negativa do governo e alimentar a dispersão da base que ainda nem se formou adequadamente. A decisão foi anunciada três dias depois de tomada, com a única explicação de que era “de foro íntimo do presidente”.

A briga Bebianno-Bolsonaros foi em torno de uma espuma e não sobre o centro do problema. Isso foi deliberado. A reportagem da “Folha de S. Paulo” mostrou um caso claro de candidatura laranja. Para não se falar nisso, criou-se outro foco de atenção. A discussão passou a ser sobre se Bebianno havia falado ou não com Bolsonaro, se era mentiroso ou não. Permanece sem explicação o dinheiro enviado para uma candidatura laranja de Pernambuco, pelo PSL. Bebianno era presidente do partido e coordenador da campanha do presidente. Isso é o relevante. E não os maus modos de Carlos Bolsonaro, ou mesmo o fato de ter sido apoiado pelo pai presidente em suas ofensas ao ex-aliado. Desviar a atenção é truque tão velho quanto usar de forma tortuosa dinheiro do fundo eleitoral. A demora da exoneração de Bebianno e as ofertas de prêmios de consolação, que foram de cargo em estatal a embaixada, só aumentaram os indícios de irregularidade.

Uma crise política antes de uma reforma complexa é o pior que existe porque drena forças quando o governo deveria estar fazendo o movimento oposto: acumulando forças. Ao mesmo tempo, informa-se que o presidente e sua família pensam em se mudar para um novo partido, a UDN. E isso antes de se costurar qualquer coisa parecida com unidade dentro do PSL, partido que é capaz de se meter numa discussão pública sobre uma missão à China, ou expor uma disputa de egos, como a que houve entre os deputados Eduardo Bolsonaro e Joyce Hasselmann. O PSL virou o partido de passagem dos Bolsonaros enquanto não se ressuscita a UDN.

No roteiro de como enfraquecer a própria reforma tem também o item conhecido que é o de alterar o projeto para que ele seja mais aceitável. A tramitação normalmente enfraquece qualquer proposta de ajuste fiscal, por isso não se deve desidratá-la antes.

A melhor estratégia teria sido, como disse ontem o economista Marcos Lisboa, neste jornal, aproveitar a reforma apresentada pelo ex-presidente Michel Temer e fazer ajustes. Mas falou mais alto a vaidade de ter uma marca própria. No conteúdo, a reforma Bolsonaro tem caminhos muito parecidos, a mesma idade mínima, diferenças nas regras de transição. Quem está dando os retoques finais no projeto diz que ele será forte ao tratar o regime dos servidores públicos e que retoma algumas das ideias que foram abandonadas durante a tramitação da PEC do governo Temer.

Não adianta ter um bom diagnóstico sobre a necessidade da reforma, como tem a equipe econômica, não adianta ter reunido tão bons profissionais. Tudo isso já aconteceu antes. É preciso ter estratégia para encaminhar a proposta e fazê-la tramitar. A ideia de o presidente ir pessoalmente ao Congresso para entregar a PEC pode apagar um pouco a impressão deixada por suas inúmeras declarações contrárias à reforma e às ideias da sua equipe econômica.

Como faz diante de qualquer crise ou dilema, o presidente Jair Bolsonaro nomeou um general para o Ministério. Até agora, escolheu militares com qualificações para os cargos que exercem, e o general Floriano Peixoto tem também bom currículo. Mas o governo precisará de negociadores políticos. E conta para isso com dois generais, Onyx Lorenzoni e um líder do governo na Câmara que a base não prestigia.

Tudo segue o roteiro de como atrapalhar a própria reforma. O espetáculo da demissão de Bebianno, fritado em público pelo filho do presidente, deixa sequelas, mesmo que o ministro demitido nunca siga o caminho do ex-deputado Roberto Jefferson. O episódio mostrou que o novo governo não é dado a lealdades políticas. E o foro íntimo que demitiu Bebianno não funcionou para o ministro do Turismo, também dono de um laranjal.


Foto: Beto Barata\PR

Míriam Leitão: As revelações da crise política

Caso Bebianno envolve suposto desvio de dinheiro público, nos moldes da velha política, intervenção familiar, e cargos em estatais como moeda de troca

O governo Bolsonaro tem 48 dias e já viveu várias crises, a última tem elementos perigosos e reveladores. Primeiro, o caso do ministro Gustavo Bebianno envolve suposto desvio de fundos públicos, nos mesmos moldes da velha política que o presidente Jair Bolsonaro prometeu combater. Segundo, exibiu também de forma extravagante a anomalia que se temia: a intervenção da família nas questões de governo. Por fim, Bolsonaro tentou ajeitar tudo oferecendo a Bebianno uma diretoria da Itaipu, como se cargo fosse moeda de troca.

Bebianno foi copa e cozinha de Bolsonaro desde a pré-campanha. Não há o que o atinja que não respingue no presidente. Fez parte do círculo mais restrito que iniciou a caminhada que levou Bolsonaro ao Planalto. Foi o coordenador da campanha e, portanto, tinha o poder de distribuir dinheiro. O esquema que está sendo revelado é conhecido no Brasil. Verba eleitoral vai para candidatos-laranja, que depois não sabem explicar como foi usado o dinheiro. Neste caso, não falta nada, nem a gráfica suspeita.

A primeira reação do grupo governista foi a odiosa frase do presidente do PSL, Luciano Bivar, para explicar os duzentos e poucos votos na candidata que recebeu a maior parte do fundo partidário. “Política não é muito a vocação da mulher. Essa regra (de 30% de candidaturas femininas) violenta o homem”. Para ele, a vocação da mulher é ser bailarina. O país está tão calejado de frases discriminatórias que isso nem provocou maiores reações.

Afinal, na mesma semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os processos contra Bolsonaro, que foi acusado de incitação ao estupro. O STF fez isso porque ele virou presidente, e assim determina a lei, mas o tribunal não consegue explicar por que não o julgou em tempo hábil.

Bolsonaro nunca escondeu de ninguém seu pensamento jurássico sobre várias questões, mas ele havia garantido que combateria a corrupção. Já surgiram vários casos como o do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que teria usado quatro candidatas-laranja na campanha do PSL em Minas Gerais. O mesmo esquema no qual agora está envolvido Bebianno. Há ainda a fratura exposta das movimentações bancárias de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e do próprio senador.

O presidente Bolsonaro disse que mandou a Polícia Federal investigar as suspeitas sobre as candidaturas-laranja do PSL que receberam recursos do partido. Imagina-se que a PF investigue, em geral, sem esperar pedidos presidenciais, até para não aceitar vetos presidenciais. Os assuntos que precisam ser investigados que o sejam.

Mas a questão que permanece aberta, independentemente da exoneração de Gustavo Bebianno, é que muito cedo começaram a aparecer sinais da velha política no grupo político mais próximo do presidente. Também muito mais cedo do que se imaginava surgiram turbulências provocadas pelos filhos do presidente. O Brasil não elegeu um clã, até porque a democracia não toleraria isso. Elegeu Jair Bolsonaro. Os três filhos do primeiro dos três casamentos do presidente foram eleitos e exercem seus mandatos. É natural que tudo o que eles façam ganhe muito destaque, mas eles têm exagerado. O vereador Carlos Bolsonaro interferir em assuntos do Planalto é completamente fora de propósito. E o que ele disse foi confirmado pelo pai.

Tudo nesse episódio é esdrúxulo. E disso sabem integrantes do governo. Mesmo que a turma das patentes entre tentando pôr equilíbrio na bagunça, será difícil evitar novos episódios. Carlos, Eduardo e Flávio jamais terão perfil discreto porque nunca tiveram. Aliás, de todos, Flávio é o menos inflamado, mas é o mais encrencado pessoalmente. Jair Bolsonaro criou os filhos assim, eles se espelham no pai. A família jamais se notabilizou pela sensatez e pelo equilíbrio. Só que agora é tempo de governar, e esses poucos dias de exercício do poder têm dado sinais inquietantes.

O desfecho do caso Bebianno já foi dado, sejam quais forem os próximos desdobramentos. A “filhocracia”, na feliz definição do colega Ancelmo Gois na coluna de quinta-feira, está instalada, os métodos da velha política estão presentes no novo governo, e diretoria de empresa pública é moeda de troca e prêmio de consolação. A crise confirmou as piores previsões sobre o governo Bolsonaro.


Míriam Leitão: Reforma ampla e difícil de explicar

Reforma incluirá todos os segmentos para mostrar que cada um fará parte do sacrifício, mas governo terá que se esforçar na explicação

Um dado mudou a opinião do presidente Jair Bolsonaro. Ele continuava querendo uma idade bem mais baixa para a aposentadoria da mulher. Mas foi mostrado a ele que hoje a mulher pobre se aposenta em média com 61 anos e seis meses. Isso porque mesmo chegando aos 60 anos ela tem tido dificuldades de comprovar os 15 anos de contribuição. A reforma a ser apresentada na semana que vem vai incluir todos os segmentos e todos os regimes especiais. A mudança para os militares será por projeto de lei, mas divulgado no mesmo dia.

Durante a conversa com o presidente, ficou claro para quem estava na sala que ele tinha estudado o assunto no seu período no hospital. Em alguns momentos, como na explicação da diferença entre a expectativa de vida no Piauí e a expectativa de sobrevida ao chegar à idade de aposentadoria, ele interrompia para dizer que já havia entendido. Mesmo assim, Bolsonaro considerou fundamental ter uma idade diferente para homem e mulher. Na maioria dos países que faz reforma atualmente, busca-se a convergência para a mesma idade.

A reforma como está formatada é forte porque tem um período de transição mais curto. Se na proposta de Michel Temer haveria 20 anos para se chegar à idade mínima, agora serão 10 anos para os homens e 12 para as mulheres. Além disso, já começa com 56 e 60 anos, bem acima do que era anteriormente. Quem a prepara está convencido de que ela é mais simples de explicar. Não parece ser. Vai exigir do governo um grande esforço para tornar claro um projeto que terá três formas diferentes para se aposentar: idade, tempo de contribuição, pontuação. Isso sem falar na capitalização.

Pode-se escolher a aposentadoria por tempo de contribuição, mas respeitando-se a idade mínima. Quem estiver a dois anos de se aposentar pela velha fórmula pagará um pedágio de 50%. Se a pessoa tem 33 anos de contribuição, por exemplo, e se aposentaria daqui a dois anos, ela terá que trabalhar um ano a mais. Então se aposentará daqui a três anos.

O sistema de pontuação já existia. Mulher com 86 pontos e homem com 96 somando-se a idade com o tempo de contribuição. Mas antes isso era critério para saber o valor do benefício, agora passará a ser um critério de elegibilidade, ou seja, de permitir a aposentadoria.

O mais difícil será explicar o sistema de tempo de contribuição porque cada pessoa tem uma situação específica. A aposentadoria por idade, normalmente a dos mais pobres e que recebem um salário mínimo, é mais fácil de explicar e muda pouco.

A reforma abarcará todos os segmentos profissionais para reduzir as desigualdades, porém cada regime especial será tratado diferentemente. Policiais e professores não terão a mesma idade e as mesmas regras dos demais profissionais. Mas todos os setores darão uma contribuição para o esforço de reequilibrar a previdência e reduzir as desigualdades.

A proposta para as Forças Armadas só não estará na PEC porque elas hoje já são reguladas por legislação infraconstitucional. Mas o projeto de lei será divulgado ao mesmo tempo exatamente para passar a ideia de que todos os brasileiros estarão se esforçando juntos para que o país tenha um novo sistema de pensões e aposentadorias.

O fato de haver um político no ninho de economistas, o ex-deputado Rogério Marinho, é visto como um diferencial a favor. Ele tem sido capaz de se entender perfeitamente com os técnicos, mas ao mesmo tempo tem a vantagem de ter experiência política e poder participar da articulação da reforma.

Nada será fácil, contudo. A explicação de uma reforma desse porte é sempre difícil. Há segmentos que não querem entender, porque não querem mudar. A articulação política do novo governo está claudicando mais do que era de se esperar, dado esse início. Há brigas internas. Há também uma incompreensão sobre o processo de negociação política. O errado não é gerir a coalizão, às vezes com aprovação de projetos e obras para os municípios ou setores representados pelo parlamentar. O errado é usar como moeda política a corrupção. A formação do governo atendendo a bancadas, em vez de partidos, não melhora a qualidade da política e piora muito a gestão da coalizão.

Na semana que vem começa a grande batalha da área econômica. Como explicar a reforma em seus detalhes técnicos e como conduzir a tramitação até a aprovação do projeto. Nada será fácil.


Míriam Leitão: A Petrobras na era Bolsonaro

Presidente da Petrobras quer acabar com os monopólios da empresa no refino e no gás. Política de patrocínios focará na educação infantil

“O monopólio é incompatível coma democracia”, afirma o novo presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, avisando que vai vender ativos da empresa para que haja competição em todas as área sonde atua. Ele diz que os preços dos combustíveis vão seguiras cotações internacionais. Depois do petróleo, o maior foco da empresa será ampliara oferta de gás no país. Ele confirma que mudará toda apolítica de patrocínio de esporte e cultura da companhia para investirem educação infantil.

Castello Branco tem formação liberal, é doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas com pós-doutorado na Universidade de Chicago. Diz que teve o privilégio de ter aulas com Gary Becker, prêmio Nobel, um dos pais da teoria do capital humano, e de trabalhar com Carlos Geraldo Langoni. Por isso, afirma que a empresa fará investimentos em educação infantil para crianças pobres. Falou sobreis sono contexto da revisão dos patrocínios para o esporte e acultura, durante uma entrevista que fiz com ele na Globonews:

— Existem outros financiadores para a cultura. Não vamos sair completamente. Achamos que o retorno para a sociedade será muito maior se fizermos isso (investir na educação infantil).

Ele já foi um grande defensor da privatização da Petrobras, mas quando perguntei sobre o fato de o presidente Jair Bolsonaro ser contra ele disse que é disciplinado e seguirá essa orientação. Mas defende um programa muito mais agressivo de venda de ativos no refino:

— Detestamos a solidão do mercado. Queremos ter concorrentes no refino, para que a decisão sobre preços seja percebida pela sociedade como decorrência da relação fornecedor-cliente.

Castello Branco diz que logo depois do choque do petróleo houve uma greve de caminhoneiros nos Estados Unidos por causa do preço. Foi incluída uma cláusula sobre reajuste do diesel no contrato entre as transportadoras e as empresas que demandam esse serviço, que funciona até hoje. Está sendo pensado também a criação de um cartão pré-pago, em que o caminhoneiro possa pagar antecipadamente o combustível. De qualquer maneira, a política de preços não será de reajuste diário, mas haverá o acompanhamento de cotações internacionais.

Sobre as refinarias, Castello Branco disse que a ideia é reduzir para 50% a participação da Petrobras. O governo anterior programara vender apenas participações. Agora, serão unidades inteiras. Mas ele disse que o governo Bolsonaro não quer trocar um monopólio estatal por outro privado:

—O monopólio prejudica muito os consumidores e acaba prejudicando o próprio monopolista, atraindo a intervenção do Estado e gerando enormes distorções. Nós queremos nos ver livres disso.

A diretriz da empresa é agora investir no que ele define como os “ativos que ela é dona natural”:

— Nosso foco é pré-sal, águas profundas, onde temos ativos de classe mundial. Alta qualidade, custo baixo de extração, longa vida, esse é o nosso negócio principal.

Muitas companhias de petróleo estão se reposicionando como empresas de energia, preparando-se para o mundo da energia de baixa emissão. As últimas duas administrações da Petrobras estavam aumentando investimento em energia solar e eólica. Agora o interesse será no gás:

— No curto prazo, nosso foco é a produção de petróleo, é extrair o máximo de riqueza que temos. A mãe natureza nos deu uma riqueza fantástica, com o uso da tecnologia e capital humano para explorar isso. Outra riqueza que temos é o gás natural. É um mercado que precisa ser aberto. A Petrobras possui monopólio em toda a cadeia produtiva. É necessária uma mudança em leis e regulações para termos um mercado vibrante. O gás é um combustível fóssil com baixa emissão de carbono. Quanto às renováveis, solar e eólica, a Petrobras tem projeto de pesquisa mas olha com perspectiva de longo prazo.

Ele diz que a tendência é vender a participação na Braskem. Sobre o leilão da cessão onerosa, disse que até o final deste mês vai ser concluída a primeira parte e deve ocorrer ainda este ano. Sobre governança, ele acha que as duas últimas administrações fizeram as mudanças necessárias. Castello Branco afirmou que uma grande preocupação da sua gestão será minimizar os riscos de acidentes ambientais, seja nas plataformas, nas refinarias ou nos dutos.


Míriam Leitão: Erros do governo na Amazônia

Generais se preocupam com o Sínodo católico sobre Amazônia, e ministro do meio ambiente ataca Chico Mendes. Os problemas da região são outros

Em termos de Amazônia, o atual governo está se especializando em criar falsas polêmicas, como se já não fossem suficientes os problemas que a região realmente enfrenta. O Planalto considera que é preciso monitorar uma reunião da Igreja Católica sobre Amazônia, porque entende que será um atentado à soberania brasileira na região se líderes católicos criticarem o governo. “Nós não damos palpite sobre o deserto do Saara, ou o Alasca”, disse ontem o general Augusto Heleno. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atacou um morto. Fez acusações irresponsáveis contra Chico Mendes, assassinado há 30 anos.

A vitória de Jair Bolsonaro se deveu em parte à forte militância dos líderes das igrejas evangélicas. O ideal é que nenhuma religião fizesse militância partidária e eleitoral, porque essa mistura de púlpito e palanque interfere no direito de escolha do eleitor. Contudo, qualquer denominação religiosa é livre para defender temas que achar mais coerente com seus valores. O mesmo grupo político que não se preocupou com o uso das igrejas evangélicas na caminhada eleitoral de Jair Bolsonaro agora acha perigoso o que a Igreja Católica discutirá no Sínodo sobre Amazônia a ser realizado em outubro, em Roma.

O Estado é laico. Isso todos sabem, mas é sempre bom lembrar nestes tempos em que ministros acham que podem fazer proselitismo religioso nas decisões de políticas públicas. As igrejas também são livres para terem as suas visões dos fatos. É delirante a ideia de que se houver críticas ao governo Bolsonaro a soberania do Brasil estará ameaçada. Primeiro, crítica ao governo não é atentado à pátria. Segundo, a Amazônia não é apenas brasileira, é um bioma que se espalha por nove países. Terceiro, a Igreja Católica vem alertando sobre a urgência de proteção do meio ambiente muito antes de haver o governo Bolsonaro. É de 2015 a Encíclica Laudato Si do Papa Francisco.

Em entrevista à repórter Tânia Monteiro, do “Estado de S. Paulo”, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), admitiu que há uma preocupação do Planalto com as reuniões preparatórias do Sínodo. Disse que o assunto “vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI”. E promete: “Vamos entrar fundo nisso.”

Melhor faria o GSI se aproveitasse a experiência que o general Heleno e outros integrantes da cúpula do governo acumularam quando serviram na Amazônia para entrar fundo nos problemas reais da região: a invasão de grileiros em florestas e parques nacionais, o desmatamento ilegal e predatório, a ameaça aos indígenas, a destruição da biodiversidade, os documentos falsos de propriedade de terra, o uso da região como rota do crime organizado.

As divergências que os especialistas de diversas áreas, as entidades do terceiro setor e eventualmente integrantes do clero tenham em relação às posições do governo Bolsonaro sobre questões ambientais e climáticas são apenas isso: divergências. Uma sociedade democrática é, por natureza, plural. As pessoas divergem, discutem, se manifestam, são convencidas, convencem, mudam de ideia. Hoje os partidos que se opõem à atual administração estão enfraquecidos em grande parte por seus próprios equívocos políticos. Mas isso não significa que o governo não enfrentará, na sociedade, vozes discordantes às decisões que tomar em qualquer área, principalmente nos temas mais sensíveis.

Os militares que comandaram o Exército brasileiro na Amazônia, e que hoje estão no governo, são pessoas inteligentes, preparadas e conhecem o terreno de andar nele. Quem não demonstra entendimento mínimo é o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A acusação que fez a Chico Mendes desqualifica o próprio ministro e não o líder seringueiro. Salles fez no Roda Viva acusação sem prova, e sem fonte, contra quem não pode se defender. Disse que “as pessoas do agro da região disseram”. E o que disseram? “Que Chico Mendes usava os seringueiros para se beneficiar e fazia manipulação de opinião.” Sem fontes, sem fatos, a aleivosia do ministro do Meio Ambiente revela muito sobre o próprio ministro e o seu caráter.

Há adversários a enfrentar na Amazônia, os militares brasileiros os conhecem porque sempre estiveram presentes na região. Não é o Vaticano. Não é Chico Mendes.