Míriam Leitão
Míriam Leitão: O caminho da reforma
Líder do governo na Câmara minimiza tumulto na CCJ, mas o deputado que foi relator da última reforma disse que o governo subestima as dificuldades
O líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), minimiza o tumulto na CCJ na quarta-feira e diz que a Comissão aprovará a admissibilidade no dia 17. Disse que o PSL fechou questão em torno da reforma da Previdência para mostrar que o partido será a “pedra angular” da base que está se formando. O deputado Arthur Maia (DEM-BA), que foi relator da última reforma, acha que a PEC era desnecessária, bastava ter usado o projeto do governo anterior. Há uma conta que assusta os políticos: dos 23 deputados que votaram a favor da proposta na Comissão Especial em 2017, só quatro foram reeleitos. Dos 14 que votaram contra, 10 voltaram.
Entrevistei os dois sobre a tramitação da reforma da Previdência, depois do tumulto da ida do ministro Paulo Guedes à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O líder do governo definiu a reunião como “tensa em alguns momentos”, mas acha que a “proposta foi bem defendida”. O deputado Arthur Maia diz que o ministro falou a verdade e a oposição “forçou a barra numa ação de provocação”. Mas o mais importante que vê é o desperdício de tempo.
— Estamos revivendo o que não precisaríamos reviver. Nós havíamos trabalhado numa reforma durante dois anos na Câmara dos Deputados. Esse texto novo é absolutamente desnecessário porque através de uma emenda aglutinativa poderiam mudar o nosso parecer, aceitando até emendas que não aceitei levar a plenário. O ministro e o governo subestimaram a dificuldade — diz Arthur Maia.
O deputado do Democratas da Bahia diz que se sente como aquela pessoa que lutou para empurrar uma carreta até a metade da ladeira, aí chega o novo governo e diz que prefere pôr o caminhão de volta ao começo para fazer tudo novamente.
Vitor Hugo explicou que o governo não aproveitou o projeto de Temer porque queria discutir mais:
— A gente não quer fazer as coisas de forma açodada, quer fazer com calma, inclusive para permitir uma discussão em todas as suas amplitudes e dimensões. E, para ter segurança jurídica, o governo resolveu começar do zero.
Arthur Maia acha que não ter base foi o que tornou mais difícil o clima na CCJ, no depoimento do ministro Paulo Guedes. Explicou que em qualquer debate como esse há falas intercaladas entre a oposição e o governo. Não foi o que houve na quarta-feira. Outro problema, segundo ele, é que na reforma anterior — não aprovada pelas crises do governo Temer — a participação do presidente e do ministro Henrique Meirelles foi total. E agora Bolsonaro quer se manter distante. Ele acha que isso não funciona.
— O presidente Bolsonaro há um ano era contra. Isso dá aos deputados a condição de se perguntar: por que eu vou ser a favor agora? — diz Maia.
O fato de tantos deputados que votaram a favor do projeto não terem conseguido a reeleição mostra, segundo os dois parlamentares, que o assunto é difícil. Maia acha que isso é reflexo do fato de que a opinião pública é contra a reforma porque tende a entender que o projeto é contra seu próprio bolso. Entre os que votaram contra o substitutivo de Maia estavam exatamente o então deputado Major Olímpio e o deputado Onyx Lorenzoni. Por isso perguntei a Vitor Hugo se essa falta de convicção dos atuais governistas não é parte das dificuldades que o projeto está enfrentado agora.
— Primeiro, o presidente levou pessoalmente os projetos ao Congresso e isso já demonstra o envolvimento pessoal dele. Nas duas ocasiões ele admitiu que errou no passado em não votar favoravelmente às reformas. Em segundo lugar, o ministro Onyx, o Major Olímpio e o PSL estão com a reforma. Depois, muito acertadamente o presidente não loteou os ministérios. Por isso há agora uma acomodação natural — diz o deputado governista.
Arthur Maia acha que na CCJ o projeto deve ser aprovado porque é maioria simples, mas está convencido de que hoje o governo não tem votos para aprovar a reforma da Previdência. Ele diz que a vantagem é que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é a favor do projeto e o ajudará a andar:
— Mas é preciso que o governo se movimente.
O deputado Vitor Hugo diz que o governo está se movimentando e que ele mesmo já recebeu uns 30 sindicatos de policiais, servidores que foram levar suas ansiedades e inquietações. Segundo ele, “o governo está aberto”.
Míriam Leitão: Risco de enterrar mais uma reforma
Paulo Guedes enfrentou dois problemas: o temperamento e a fraqueza da base. A oposição repetiu as demagogias de sempre
Eram cinco da tarde quando o ministro Paulo Guedes recebeu perguntas de deputados do PSL. Até então ele havia enfrentado apenas os 50 tons —e decibéis —de crítica ao projeto da Previdência. Isso é apenas uma amostra da falta de organização da base. O centrão, que já defendeu outros governos, e outras reformas, não jogou a favor. Guedes cometeu erros ao falar ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O principal foi cair em tantas provocações, o que acabou levando ao encerramento antecipado da sessão após bate-boca com um deputado. Mas Guedes está absolutamente certo no seu diagnóstico: o sistema de repartição está falido, a Previdência precisa mudar por ser deficitária e criadora de desigualdades.
A oposição não tem uma ideia nova, uma proposta. Não consegue explicar as próprias contradições. O PT fez também uma reforma da Previdência e se o fez é porque havia déficit. Agora nega o rombo, apesar de tê-lo aprofundado com suas desonerações. Mas é um equívoco o ministro achar que se um deputado grita ele deve gritar de volta. Esse estilo faz parte do show deles, mas nunca de um ministro da economia. Quem garante a palavra ao convidado é o presidente da Comissão e não a sua repetição de “eu tenho o direito de falar, pessoal?” A sorte de Paulo Guedes é Jair Bolsonaro não ser mais deputado. Ele era bem mais histriônico e agressivo do que os deputados que enfrentou ontem.
Um erro estratégico do ministro Guedes foi falar tanto em capitalização. Ele está convencido de que esta é a melhor proposta para o futuro. O problema é que a reforma da Previdência muda os parâmetros do atual sistema. O projeto de capitalização ficou para ser detalhado depois. O próprio Paulo Guedes afirmou que, dependendo “da potência fiscal” do que for aprovado, a capitalização nem será proposta.
Então esta é a hora de lutar pelo atual projeto e nele o ministro deveria ter se concentrado. Cairia em menos armadilhas. O ministro teve explosões bem típicas de seu temperamento, mas nada convenientes para o seu objetivo. Às oito da noite houve desentendimento em torno de ele ter dito que era preciso internar quem nega a necessidade da reforma. Ele costuma dizer que não é do meio político. Mas é fácil saber algumas regras. Ao responder, não dizia o nome do parlamentar, e sim “o primeiro a falar”, “o segundo”. O deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE) avisou que ali eram todos iguais. “De primeiro escalão para primeiro escalão”. Ele então acatou a sugestão de anotar o nome.
Apesar de a CCJ não ser uma comissão de discussão de mérito, e sim de verificação da constitucionalidade, os deputados não respeitaram isso. E esse foi outro erro de estratégia. Paulo Guedes poderia ter levado sim uma apresentação mais estruturada com algumas ideias básicas e números. Isso evitaria a crítica de que ele fora genérico e não havia explicado a própria proposta. Aqueles minutos iniciais, com a imprensa transmitindo, seria uma boa oportunidade para explicar aos deputados e a quem acompanhasse os pontos centrais da reforma. Números importantes foram falados de forma vaga e sem informação visual.
As críticas que Paulo Guedes ouviu são conhecidas. Os que não querem fazer a reforma sempre explicarão a sua posição alegando que o projeto afeta os mais pobres. A realidade é que os mais pobres se aposentam mais tarde e recebendo menos. São 71% dos beneficiados. No caso da mulher, a média das que se aposentam hoje por idade já é 61,5 anos. Quem se aposenta com 54 anos está nos 29% do sistema do tempo de contribuição.
O governo deu um presente a quem quer argumentos demagógicos para se opor à reforma, quando propôs mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC). É fácil para um político dizer que está ali defendendo os mais pobres. Difícil é assumir que defende as aposentadorias dos que ganham mais no sistema. Qualquer consulta aos dados mostra que os servidores públicos, dos três poderes, se aposentam mais cedo e ganhando muito mais, têm inúmeras vantagens que são negadas ao resto da população.
A reforma dos militares ter ido junto com uma alta nos soldos torna mais difícil a vida do governo. Mas, como disse Paulo Guedes, “você são os senhores desse destino”. O Congresso, com os erros do governo e a demagogia da oposição, tem o poder de enterrar mais uma reforma. Se o fizer, tornará o colapso mais iminente.
Míriam Leitão: O IBGE sob novo ataque governista
O presidente ataca o IBGE, revela falta de informação básica sobre desemprego, mas o pior risco que o país corre é no Censo
O presidente Jair Bolsonaro revela mais do que ignorância quando critica o IBGE. É comum governantes não gostarem dos dados negativos, o que os diferencia é que os de mente autoritária querem desmoralizar o órgão que apura a estatística indesejada. Bolsonaro poderia afirmar que não é culpado pelo enorme desemprego do Brasil e que herdou o problema, afinal está no cargo há pouco mais de um trimestre. Em vez de dizer como enfrentará esse desafio, ele prefere brigar com o termômetro e ofender a inteligência alheia.
Em novembro, ele definiu como “farsa” o índice do desemprego. Agora, voltou à carga contra o instituto e, em entrevista à Rede Record, disse que os indicadores são feitos para “enganar a população”.
— O que acontece? Como é feita hoje em dia a taxa? Leva-se em conta só quem está procurando emprego. Quem não procura não é tido como desempregado — disse ele.
Se o presidente tivesse lido um pouco sobre o assunto saberia que os dois dados já são divulgados. O IBGE pergunta se a pessoa está procurando emprego. Se sim, ela entra na estatística dos desocupados, que deu 12,4%, ou 13,1 milhões de brasileiros, no trimestre encerrado em fevereiro. Se a pessoa gostaria de trabalhar, mas desistiu de procurar emprego, ela entra no índice dos desalentados, que registrou 4,9 milhões de pessoas. O IBGE divulga um terceiro dado que engloba tudo, chamado de subutilização da força de trabalho. Nele, entram os desempregados, os desalentados e os que estão subocupados. São ao todo 27,9 milhões de pessoas. O instituto brasileiro segue as melhores práticas internacionais.
Além de mostrar que desconhece o básico sobre as estatísticas do principal problema econômico e social do país, Bolsonaro diz mais uma coisa sem noção:
— Eu acho que é fácil você ter a metodologia precisa no tocante à taxa de desemprego, é você ver os dados bancários e os dados junto à Secretaria do Trabalho de quantos empregos você perde e gera por mês. É muito simples.
Ir aos bancos para saber quantos são os desempregados é uma ideia que não dá para qualificar mantendo a elegância. Sobre ir à Secretaria do Trabalho, esse dado já existe. É o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Mede apenas o mercado de trabalho formal. As empresas formais informam ao antigo Ministério do Trabalho os trabalhadores com carteira que contrataram e demitiram. O dado é importante, mas parcial, porque o Brasil tem 37 milhões de trabalhadores informais.
Qual é o objetivo do presidente ao atacar o instituto oficial de estatísticas, que fornece ao país um sem-número de indicadores, em todas as áreas, há mais de 80 anos? Essa sempre foi a tendência de governantes autoritários. Foi o que os Kirchner fizeram com o Indec porque não gostavam da informação de que a inflação estava subindo mês a mês. A intervenção no instituto argentino chegou ao ponto de o governo exigir saber quais eram os locais de coleta da informação.
Pesquisar desemprego é difícil, mas o IBGE tem aperfeiçoado sua metodologia. Hoje ele divulga todo mês o desemprego numa média móvel trimestral. Os estudos para implantar a Pnad Contínua começaram em 2006, mas ela só começou, de forma experimental, em outubro de 2011, no primeiro ano do governo Dilma. As primeiras divulgações ocorreram em 2014, ano de eleição. Na época, houve reclamações de dirigentes petistas, porque a taxa de desemprego medida pela Pnad estava maior do que a do antigo índice, a PME (Pesquisa Mensal de Emprego), usado pelo IBGE desde os anos 80 e que captava oscilações no mercado de trabalho em seis regiões metropolitanas. A Pnad é uma pesquisa muito mais abrangente. Coleta dados em cerca de 210 mil domicílios em 3.500 municípios em todo o país. Na época, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) pediu ao Ministério do Planejamento informações sobre a pesquisa, o que levantou suspeitas de uma possível interferência do governo no indicador. O IBGE tem sabido resistir às tentativas de intervenção.
Há outros temores. O pior perigo agora é que o governo imponha ao IBGE um Censo resumido, como foi sugerido pelo ministro Paulo Guedes recentemente.
O Censo é a nave-mãe das estatísticas. Dele o país depende para saber, por exemplo, por que a reforma da Previdência é necessária ou como distribuir os recursos do Fundo de Participação dos Municípios. Se errar no Censo, o Brasil terá um prejuízo que vai durar dez anos.
Míriam Leitão: Direita festiva em negação
É triste ver as Forças Armadas ainda em negação, 55 anos depois. Já Bolsonaro é um caso clínico com sua reverência a ditadores
Hoje é 31 de março. Podia ser um dia qualquer, mas o presidente Jair Bolsonaro o transformou em mais um ponto de atrito, desgaste e divisões no país. Quando o presidente deu a ordem para as “comemorações devidas”, ele reabriu feridas e incomodou até os militares. Eles tentaram encontrar um tom, na ordem do dia e nos eventos, que reafirmasse sua versão sobre os fatos históricos, mas que evitasse a provocação sempre presente nas palavras e atitudes do presidente. Não conseguiram, e o general Leal Pujol acabou repetindo que o Exército de nada se arrepende.
Quando alguém festeja um regime autoritário é porque gostaria que ele se repetisse. Essa é a sombra que fica deste momento direita festiva. A apologia da ditadura foi de uma constância monótona na carreira política de Bolsonaro. Dentro dos quartéis, há pessoas que evoluíram o entendimento para considerar que aquele foi um período triste da história do Brasil, que feriu brasileiros, que não pode se repetir. O problema é que a instituição jamais admitiu qualquer erro. Preferiu cristalizar uma versão que impede a necessária e saudável autocrítica.
A nota do ministro da Defesa e dos comandos militares foi branda. Faz uma digressão histórica, passa por eventos, chega à Guerra Fria para dizer que tanto o “comunismo quanto o nazifacismo passaram a constituir as principais ameaças à liberdade e à democracia”. Diz que nesse ambiente é que se inseriu 1964. E conclui que as Forças Armadas apenas atenderam ao clamor popular e da imprensa. No início da nota, descreve de forma tão pálida os tórridos acontecimentos de 31 de março de 64 que eles ficam irreconhecíveis. O que houve, segundo o texto, foi assim: o Congresso em 2 de abril declarou a vacância do cargo de presidente, no dia 11, Castelo Branco foi eleito presidente e tomou posse no dia 15. No fim, diz que, passados 55 anos, o que as Forças Armadas têm a dizer é que elas “reafirmam o compromisso com a liberdade e a democracia, pelas quais têm lutado ao longo da História.”
O desconcertante é ver as Forças Armadas ainda em negação, 55 anos depois. Os fatos já fazem parte da História, são incontornáveis. As cassações, as mortes, as torturas, o exílio, o fechamento do Congresso, a censura à imprensa,o AI-5 não podem ser negados. Pode-se discutir o contexto. Eles fizeram o que fizeram por querer ou foram peões no tabuleiro do xadrez mundial? Contudo, é forçoso reconhecer o que de fato aconteceu, sob pena de o desvio ser naturalizado, como parte da história e da natureza mesma das Forças Armadas.
Outros países, vizinhos nossos, foram por caminho diverso até à conciliação com a história. Bolsonaro não entendeu que os governos de direita da região querem ser democráticos e não defender um passado indefensável. Ele tem ido em suas viagens espalhando constrangimento entre as autoridades do continente, como fez ao homenagear Alfredo Stroessner, no Paraguai, e Augusto Pinochet, no Chile. Bolsonaro não tem solução. Ele escolheu defender o que houve de pior naquele tempo, tem uma identificação e uma reverência a ditadores e a torturadores que o torna, a esta altura, um caso clínico. Triste é constatar a incapacidade de os militares brasileiros reconhecerem que houve erros e crimes no período de 21 anos em que as Forças Armadas governaram o Brasil.
O general da reserva Rocha Paiva foi escolhido para uma comissão que vai rever a Comissão de Anistia. Quando eu o entrevistei, em 2012, para um documentário sobre o deputado Rubens Paiva, um dos desaparecidos políticos, ele me veio com uma conta macabra. Disse que, se fôssemos pegar os que denunciaram na Justiça Militar que haviam sido torturados e os que o declararam depois, teríamos “uma média de meio torturado por dia a quatro torturados por dia”. Ele concluiu dessa estranha contabilidade que isso era pouco.
Há militares da ativa com pensamentos mais arejados. Eles explicitam o que foi apenas insinuado na nota do ministro da Defesa e dos comandantes militares, que falou em “aprendizados daqueles tempos difíceis”. O problema é o que não está na nota. A negação da realidade é o caminho mais curto para a repetição de tragédias. O nome do que houve é golpe. Ponto. A ele se seguiu uma ditadura. Ponto. Não há uma conversa adulta sobre aquele tempo sem essas duas palavras.
Míriam Leitão: Reforma no meio das trapalhadas
Reforma da Previdência está atolada na CCJ. Governo comete erros em sequência e se mostra incapaz de organizar forças
A confusão de ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) era esperada. Como o ministro da Economia, Paulo Guedes, comunicou algumas horas antes que não iria e mandaria representante, evidentemente haveria reação. Com isso, atrasou-se mais um pouco a tramitação do projeto da Previdência. Todo o episódio mostra o grau de descoordenação do governo. E como se não fosse confusão suficiente, um dia depois de desprestigiar a Câmara, Guedes confirmou a ida hoje ao Senado. No fim do dia, a Câmara manda um recado forte à equipe econômica ao aprovar a emenda do Orçamento impositivo, que é o oposto do que o Ministério da Economia quer fazer.
A tramitação começa na Câmara, então o lógico é que fosse lá o primeiro comparecimento do ministro. Mas ele vai é ao Senado. A CCJ era considerada a etapa mais fácil. A ser queimada rapidamente. A discussão é apenas para admissibilidade da proposta e exige cinco sessões em plenário. O projeto de Temer ficou uma semana na CCJ. Foi recebido no dia 7 de dezembro e aprovado na madrugada do dia 15. O atual chegou na CCJ no dia 22 de fevereiro, mas só no dia 13 de março foi instalada a Comissão e ainda nem teve seu relator indicado. Senão há relator, não há parecer e nada está valendo ainda, um mês e 5 dias depois. A reforma da Previdência de Bolsonaro está na verdade atolada na CCJ, comissão que ontem foi palco da briga que impediu o secretário Rogério Marinho de falar.
Depois de passar lá é que vem a etapa difícil, o debate do projeto em si na Comissão Especial. Na PEC 287, houve um período de três meses entre a instalação dessa Comissão, que aconteceu depois do recesso, até a aprovação do substitutivo do deputado Arthur Maia (DEM-BA), no dia 9 de maio de 2017. Poucos dias depois, no dia 17, a divulgação das gravações do empresário Joesley Batista com o então presidente fez aquele governo perder o rumo e o projeto.
Desta vez, o que se tem é uma administração no seu início, que tinha muito mais chances de andamento rápido do projeto. Mas o governo comete erros seguidos e se mostra incapaz de organizar as forças, mesmo dentro do seu próprio partido. O que houve ontem foi prova de “desarrumação e fragilidade” do governo, segundo o comentário de parlamentar que tende a votar a favor da reforma. O fato de não se conseguir um deputado que aceite relatar a admissibilidade da PEC é péssimo sinal.
A instalação da Comissão Especial é sempre difícil, os debates exigirão uma base coesa e congressistas dispostos a defender as propostas, além de maioria para aprovação. O problema é que o fogo amigo tem imperado até agora nesta massa disforme que pode vir a ser a base parlamentar.
Quanto tempo vai demorar a tramitação dessa proposta ninguém sabe, mas será preciso instalar a Comissão Especial e iniciar a discussão assim que passar na CCJ. A avaliação de especialistas é que pode demorar na Comissão Especial mais tempo do que a reforma do governo anterior porque é mais complexa. O que torna mais difícil aprovar neste semestre.
O manifesto dos 13 partidos que ontem apoiaram a reforma deixou claro os pontos dos quais discordam. Isso mostra no que o governo terá que ceder. Primeiro, a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Esse ponto o governo já sabe que terá que entregar. A dúvida é porque incluiu um item que facilmente seria atacado por todos, enfraquecendo o apoio ao projeto. Afinal, para ter direito ao B PC hoje a pessoa precisa ter 65 anos e estar em condições de “miserabilidade”. O segundo ponto é o da aposentadoria rural. E o terceiro é mais complicado. É o da desconstitucionalização, que o governo acha importante e quer defender, masque será muito difícil aprovar.
O recado ontem à noite pela Câmara, ao aprovar o Orçamento impositivo, já é um aviso contra a outra reforma pré-anunciada, da desvinculação. Além disso, um alerta de que sem se organizara base, o governo será surpreendido o tempo todo.
Na verdade, o que o governo Bolsonaro deveria ter feito desde o começo, na avaliação de quem entende de tramitação e torce pela reforma, é aprovado o projeto que já tinha passado por todas estas etapas. Bastava uma emenda aglutinativa em plenário. Se isso estivesse aprovado, outras mudanças mais profundas poderiam ser apresentadas depois. O que fez o governo querer começar do zero foi só a vaidade de ter uma reforma para chamar de sua. Isso está levando o país a perder tempo. Muito tempo.
Míriam Leitão: Papel político do presidente
Troca de farpas revelou que o presidente Jair Bolsonaro não entendeu ainda qual é a natureza da função que exerce
O presidente da República sempre será o gerente da coalizão. Não basta entregar o projeto ao Congresso e agir como se agora a bola estivesse com os parlamentares. Não é papel dele intervir em decisões do Legislativo, mas tem que continuar defendendo o projeto que enviou. Articulação não é sinônimo de corrupção. Quando sugere isso, o presidente Jair Bolsonaro fortalece um pensamento perigoso que enfraquece a democracia.
Mais importante do que saber da última troca de farpas entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e o presidente Jair Bolsonaro, ou noticiar que já há panos quentes de lado a lado, é entender a questão de fundo. Do que está se falando afinal de contas?
Tuítes à parte, quando Bolsonaro insinua que querem levá-lo à velha política ou ao destino de outros presidentes, ele está jogando mais fumaça na zona de nevoeiro que hoje se espalha perigosamente na política brasileira. Depois de tantas fases da Operação Lava-Jato, e tudo o que nos foi revelado, a opinião pública está traumatizada. E o caminho mais fácil é condenar a política como suja, velha, perniciosa e, por conseguinte, descartável. Quando o presidente confirma esse sentimento com suas frases ambíguas e suas perguntas com indiretas, ele está aumentando a rejeição aos políticos em geral, e não às práticas que o país quer ver encerradas.
Articular e negociar é da natureza da política. O que é preciso saber é com que moeda se negocia. O que gerou os casos de corrupção foi o uso da corrupção como moeda. A nomeação para cargos públicos de pessoas sem qualificação, e feita apenas para favorecer o político ou grupo que o indicou, o sobrepreço cobrado na obra e no contrato, as artimanhas para desviar dinheiro público para o caixa 2 eleitoral. Aliás, o caixa 2 nunca foi um crime solitário. É parte de outras ilegalidades. Não tem uma gravidade menor, como se diz com espantosa frequência.
Em qualquer país democrático, mas principalmente em um presidencialismo como o nosso, é forçoso negociar com o Congresso. E o presidente como o líder da coalizão tem que conversar insistentemente com sua base e com os outros partidos. A fragmentação aumentou muito nas últimas eleições. O partido do presidente tem a segunda maior bancada e apenas 52 deputados. No próprio PSL há seguidas demonstrações de resistência à reforma da Previdência. Bolsonaro não conseguiu unificar nem mesmo os deputados do próprio partido. Esta semana, em que oito ministros irão ao Congresso, é uma oportunidade. Mas o presidente jamais estará excluído desse esforço de convencimento, do trabalho de unir no mesmo objetivo o grupo que defenderá seu programa de governo no parlamento. É um equívoco a ideia, defendida por Bolsonaro, de que depois que o Executivo envia um projeto o trabalho se encerra, e a bola passa a ser do legislativo. A declaração mostra que ele não entendeu a natureza da função que exerce.
É errada também a ideia de que o líder da articulação do Executivo pode ser o presidente da Câmara dos Deputados. É isso que o deputado Rodrigo Maia quis dizer quando avisou que não se pode “terceirizar” a articulação. Maia tem poderes sobre a pauta, e sobre vários pontos da tramitação. Pode ajudar ou atrapalhar. Mas quem coordena as forças do governo, ou de eventuais aliados, na aprovação de uma reforma necessariamente é o próprio governo.
Há uma dificuldade extra neste momento que não estava no roteiro: a queda precoce da popularidade presidencial. Quando a popularidade cai, o presidente perde força de atração das suas bases e de outros grupos políticos. A exceção a essa regra foi o ex-presidente Temer, que conseguiu aprovar o teto de gastos e a reforma trabalhista, mesmo sendo o mais impopular dos presidentes desde a redemocratização. Mas aquele era um momento específico pós-impeachment. Jair Bolsonaro chegou ao pior nível de qualquer presidente neste período normalmente vivido como “lua de mel”.
O que o fez perder peso junto à opinião pública? O fato de que este é um governo que se afoga em copo d'água. O bate-boca do fim de semana com Maia foi apenas o caso mais recente. São muitas as crises fabricadas pelo próprio governo nestes poucos 84 dias. Na maioria das brigas, não havia uma questão importante em jogo. Com irrelevâncias, este governo vai queimando o precioso capital político do início de mandato.
Míriam Leitão: O exagero que derruba a tese
Paulo Guedes tem sólida formação intelectual, mas recorre a exageros para defender suas teses e aceita ideias que não caem bem a um liberal
O ministro Paulo Guedes seria mais convincente se não exagerasse nos números, cálculos e versões para confirmar seu ponto. Ele tem argumentos fortes que independem de distorção superlativa. Quando for à Câmara falar da reforma, seria bom que ele evitasse o que fez na sua eloquente e fluente fala nos Estados Unidos. Guedes disse em Washington que o Brasil foi governado 30 anos pela esquerda. Foram 13, na verdade. Os 30 anos incluiriam até José Sarney, Collor e Temer. Ele diz que nenhum presidente teve coragem de enfrentar a crise fiscal, mas o país teve 16 anos de superávit primário e tem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O fato de o Brasil estar desde 2014 com déficit primário é grave. Torçamos para que ele nos leve de volta ao superávit. Se ele quiser dizer que o presidente Bolsonaro terá a coragem de enfrentar o déficit, seria ótimo se o fizesse em bom português. Não precisa usar uma linguagem chula que transforma coragem em sinônimo de parte da anatomia sexual masculina. Isso não pegou bem nos Estados Unidos, uma sociedade aberta, na qual as mulheres têm cada vez mais poder, inclusive no mundo corporativo. Isso não pega bem no Brasil.
O ministro Paulo Guedes está correto em dizer que durante as últimas décadas o total do gasto público como percentual do PIB cresceu ano após ano. A democracia atendeu às demandas sociais represadas, mas também errou ao distribuir benesses a grupos corporativistas. A dívida aumentou no governo de Fernando Henrique porque ele colocou na contabilidade explícita o que durante a ditadura estava fora das estatísticas. Eram os chamados esqueletos. Os números têm história.
Todos os governos fizeram mudanças na Previdência. A reforma do ex-presidente Lula reduziu alguns privilégios no setor público, como o fim da paridade e integralidade para servidor civil. Agora será a vez de Jair Bolsonaro. Ele não é o primeiro e, ao contrário do que o ministro Guedes disse nos Estados Unidos, a reforma não acabará com privilégios. Vai de novo apenas reduzi-los em alguns pontos, e até elevar, no caso dos militares.
A insistência em agradar o chefe e afinar o discurso com a ala mais radical levou o ministro no discurso da Câmara Americana de Comércio a fazer seguidas críticas à mídia. Colocou-a como exemplo dos perdedores que, segundo ele, divulgam uma imagem falsa do presidente. E disse que a mídia “se encantou com o establishment”. Equívoco. Quem cobriu sistemática e intensamente os casos de corrupção no Brasil foram os grandes órgãos de imprensa. E o fizeram sem poupar qualquer lado envolvido. O processo virtuoso de enfrentamento da corrupção não é obra do presidente Bolsonaro, mas sim do Ministério Público, Polícia Federal e Justiça, e a eles a mídia brasileira, forte e independente, deu total cobertura ampliando o alcance das informações.
Ao tecer loas aos Estados Unidos, Paulo Guedes elogiou a abertura do comércio americano. Os Estados Unidos são um país de economia aberta, um pouco menos agora com o presidente Trump. Da perspectiva do Brasil, essa abertura tem falhas. Trump impôs sobretaxa e cotas às exportações brasileiras de produtos siderúrgicos. Depois, criou a possibilidade de contornar o bloqueio, mas houve aumento na burocracia. Eles subsidiam produtos agrícolas fortemente, como a soja, e isso restringe a entrada do Brasil em terceiros mercados.
Exemplo de exagero nefasto foi proclamar Olavo de Carvalho o “líder da revolução”. Não há uma revolução em curso. Não é bom para o próprio ministro perfilar-se no grupo dos aduladores de Olavo. Não é justo com ele mesmo, Guedes, que tem autonomia intelectual. Não faz bem entrar numa briga intestina, da qual deveria guardar distância. Se é para ter um lado, é o do grupo mais racional.
Na cena política reescrita por Paulo Guedes, está havendo no Brasil uma união perfeita de liberais e conservadores para derrotar os tais “30 anos” de esquerda no Brasil. Um liberal como ele é, de convicções firmes e antiga coerência, não pode estar confortável com um discurso tão iliberal quanto o que impera em certas áreas do governo, com o tom de caça aos hereges em diversas áreas, a repressão a professores, as teses retrógradas sobre mulheres e até a censura à educação sexual infantil. Um liberal de boa cepa não convive com tanto obscurantismo e isso ele pode conferir se revisitar os clássicos que formaram seu pensamento.
Míriam Leitão: Sustos na tramitação da reforma
Há várias pedras no caminho da reforma da Previdência. A prisão do ex-presidente Temer criou um novo foco de tensão. Existem outros. O PSL rejeita a criatura que o seu governo enviou. As brigas com o presidente da Câmara elevam a incerteza sobre o tempo de tramitação, que ainda nem começou. A reforma dos militares, enviada junto com um pacote de bondades para as Forças Armadas, deu mais um argumento contra o projeto.
O ponto que tanto pesou na bolsa de valores nos últimos dois dias pode nem perdurar muito. Se Temer receber um habeas corpus no curto prazo, a tensão diminuirá. O que realmente preocupa na reforma são todos os sinais dados esta semana pela base parlamentar e que se tornaram piores com a divulgação do projeto da previdência dos militares.
A dúvida é por que o governo enviou tudo junto: mudança das pensões e aposentadorias e o aumento dos rendimentos dos militares. O secretário de Previdência, Leonardo Rolim, me disse, numa entrevista que foi ontem ao ar na Globonews, que os dois assuntos estão juntos em cinco leis que estão sendo alteradas:
— Seria muito difícil alterar as mesmas leis em um momento, da parte da inatividade e pensões, e não alterar na parte das carreiras.
Isso é verdade do ponto de vista formal. Mas está sendo feito agora porque foi uma promessa de campanha do presidente Bolsonaro. Quando o assunto é soldo, as Forças Armadas são um pote até aqui de mágoa. Culpam o governo Fernando Henrique, que acabou com a promoção ao entrar na inatividade e estabeleceu que os que entrassem no contingente a partir de 2001 não teriam o direito de deixar pensão para as filhas. O benefício continuou para quem já era militar. Foram duas mudanças normais, mas eles a consideram ultrajantes. O que realmente eles têm razão é o que aconteceu nos governos seguintes:
— As reestruturações feitas nos últimos governos aumentaram substancialmente a remuneração dos civis. Não foram todas as carreiras, é bom deixar isso bem claro. São as de elite, como a minha, de consultor da Câmara, como a do Bruno Bianco, advogado da União, procuradores, auditores fiscais, gestores governamentais. Nelas, todos chegam ao topo, o que não acontece nas Forças Armadas. E chegam muito rápido. Os salários dos civis deviam aumentar mais devagar e respeitar mais a meritocracia.
Isso de fato criou defasagem entre servidores civis e militares. O problema nessa área é entender do que eles estão falando. Na apresentação da reforma da Previdência, feita há um mês, o Ministério da Economia divulgou uma tabela com déficit militar de R$ 20 bilhões. Os jornalistas estranharam o número, que estava subestimado. Eles explicaram que falavam apenas das pensões, porque o pagamento aos inativos não seria déficit da Previdência, dado que militar não se aposenta, mas entra para a reserva remunerada. É triste ver a equipe econômica capturada por esse eufemismo que distorce as contas. O ministro Paulo Guedes falou que o sistema seria superavitário. E não será. Não com essa reforma.
O secretário Rolim contou que no fim de abril será feita uma avaliação atuarial do regime dos civis e dos militares.
— Dentro de alguns anos estará sim equilibrado o sistema de pensões — afirmou.
Ele está se referindo apenas parcialmente ao déficit que hoje é de R$ 43 bilhões. Isso aumenta os ruídos de uma área cheia de números conflitantes.
A reforma dos militares e o aumento de R$ 87 bilhões em 10 anos no custo dos soldos e aposentadorias é um fator a mais num ambiente já conflagrado. Esta semana o líder do PSL no Senado, Major Olímpio, duvidou do déficit apresentado pela própria equipe econômica, e o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, disse que a reforma dos militares é um “abacaxi”. O presidente da CCJ, Felipe Francischini, também do PSL, disse que só escolherá o relator depois que o ministro Paulo Guedes explicar a proposta das Forças Armadas.
Este governo não precisa de inimigos. Bastam o presidente, seus aliados e os filhos. Carlos Bolsonaro disparou contra Rodrigo Maia, que já estava ofendido pelas frequentes falas enviesadas do próprio presidente sobre os conselhos para que ele melhore a articulação política. Bolsonaro faz crer que isso é pedido da “velha política”.
Com tudo isso, a prisão de Temer não é o problema da Previdência. O que mais ameaça a tramitação da reforma é o governo mesmo que a encaminhou.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: Temer e os riscos da Lava-Jato
Investigadores mostraram indícios robustos que justificam a prisão de Michel Temer. O risco da Lava-Jato é ficar presa do jogo político
A Lava-Jato tem uma grande capacidade de renascer das cinzas, mas ela só sobreviverá se não estiver ligada a grupo político. Nos últimos dias a operação viveu mais um dos seus prenúncios de morte. Ganhou sobrevida com a prisão do ex-presidente Michel Temer. Não por prendê-lo, mas porque os investigadores conseguiram comprovar que o faziam baseados em fortes indícios, como uma tentativa de depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo pela Argeplan, empresa do coronel Lima.
Que Michel Temer seria preso ninguém tinha dúvidas. Afinal, ele é alvo de 10 inquéritos que correm na Justiça Federal de Brasília, São Paulo, Rio e na Justiça Eleitoral. A conversa entre ele e o empresário Joesley Batista, no Jaburu, divulgada por este jornal no dia 17 de maio de 2017, chocou o país e dividiu seu governo ao meio. Na segunda metade ele abandonou projetos como a reforma da Previdência e usou todo seu poder político para impedir que fossem adiante as denúncias da Procuradoria-Geral da República contra ele no Congresso. A dúvida sobre Temer era quando ele seria preso e em que inquérito. A surpresa foi a ordem ter partido de Marcelo Bretas. A ironia é ele estar agora na PF no Rio, que fica na região portuária da cidade.
Bretas construiu sua decisão com recados de endereço certo. Lembrou que não era desdobramento da Operação Calicute, mas sim da Operação Radioatividade, por propinas pagas em Angra 3. E se baseava na delação de José Antunes Sobrinho, da Engevix. Quem protocolou a delação da Engevix foi o ministro Luis Roberto Barroso. Quem cuida da Radioatividade é o ministro Edson Fachin. Fosse a Calicute, o caso iria para Gilmar Mendes. Outro recado é que Temer não estava sendo preso por crime ligado a caixa dois e usou para confirmar isso a palavra do próprio ex-presidente, que, em depoimento, garantiu que o coronel Lima nunca arrecadou dinheiro para suas campanhas.
A última dúvida que desabou sobre a Lava Jato foi a decisão por 6 a 5 determinando que os crimes relacionados ao caixa dois sejam destinados à Justiça Eleitoral. Ela tem menos estrutura para julgar crimes complexos como os que se escondem atrás do dinheiro não declarado de campanha. Apequena maioria mostrou que até o STF tem dúvidas sobre a decisão que, de tão controversa, produziu uma onda de críticas à corte suprema do país. Nessa onda surfou o grupo político do presidente Bolsonaro, tentando de novo manipular politicamente aluta contra a corrupção, em manifestações e agressões nas redes, como fez durante a campanha eleitoral. Nenhum grupo político, muito menos o do atual governo, é dono desta luta, porque no dia que for, aí sim, acabou a Lava-Jato. O fato de o ex-juiz Sérgio Moro ter virado ministro não deu ao governo um selo de qualidade.
Areação do STF às críticas que recebeu não ajudou a reestabelecer o equilíbrio. O inquérito que foi iniciado por ordem do ministro Dias Toffoli, as ofensas gritadas pelo ministro Gilmar Mendes contra procuradores, a ideia ruim do MP em Curitiba de ter uma fundação para gerir uma parte do dinheiro recuperado pela Lava-Jato. Tudo foi criando um ambiente de crise institucional.
Por isso, a prisão de ontem foi entendida como forma de a Lava-Jato sair do córner e dar uma resposta ao Supremo. Se foi esta a intenção, é o caminho mais curto para o próprio fim. Se procuradores, investigadores, e até juízes se deixarem dominar por um lado da política brasileira, se acharem que têm que traçar armas com a cúpula do Judiciário, a operação estará realmente condenada.
Os procuradores e policiais federais no Rio mostraram uma lista grande de motivos que os levaram a pedir a prisão do ex-presidente. Não foi apenas a palavra do delator. Houve fatos como a tentativa, no final do ano passado, detectado pelo Coaf, de um depósito de R$ 20 milhões em espécie pela empresa Argeplan. Ela é do coronel Lima, paga a conta de um telefone usado por Temer. Não tem funcionários nem capacidade técnica, mas ganhou concorrência na usina nuclear de Angra 3. Há comprovantes bancários, troca de e-mails, ligações telefônicas. Há fartura de indícios. E, segundo procuradores, riscos de, neste tempo de modernidade tecnológica, quantias serem transferidas, provas serem apagadas.
Alguns fatos são conhecidos, outros são novos. O importante é que Michel Temer seja investigado e julgado de acordo com as provas e as leis. Não pode ser um peão na briga que divide algumas das instituições no Brasil.
Míriam Leitão: Curto-circuito na reforma
Militares quiseram fazer a reforma e corrigir salários ao mesmo tempo e conseguiram elevar o ruído em torno da Previdência
A mudança nas pensões e aposentadorias dos militares chegou com tantos bônus que elevou o ruído em torno da reforma da Previdência. Ficou mais difícil aprová-la a partir de agora. É impossível explicar que, a esta altura, o governo dê um aumento tão grande nos soldos. Se o gasto médio anual será de R$ 8,6 bilhões, o que está acontecendo é uma elevação de cerca de 34% no custo da folha dos militares da ativa, que hoje é de R$ 25 bilhões.
As Forças Armadas têm razão quando dizem que criou-se uma defasagem nos últimos anos entre a carreira militar e outras do setor público. Eles perderam na época de Fernando Henrique. No período petista houve muito aumento para algumas carreiras, muitos concursos em que os funcionários de todos os poderes progrediam rapidamente e passavam a altos salários. Por isso o ministro Paulo Guedes se referiu ao fato de que um servidor civil com poucos anos de trabalho, dependendo do setor, pode ganhar mais que um general.
As queixas salariais represadas estouraram quando o ex-presidente Michel Temer apresentou sua proposta. Os militares exigiram ficar de fora e formular eles mesmos uma reforma e junto fazer uma reestruturação da carreira. Seria apresentada depois da aprovação do projeto de Temer que, contudo, nunca foi a plenário. As regras foram decididas dentro das Forças Armadas. À equipe econômica coube engolir e justificar algo que desafina completamente com tudo o que vem sendo dito pelo ministro Paulo Guedes. Ontem ele afirmou que a previdência dos militares será superavitária após a reforma. Não será, evidentemente. Hoje o rombo é de R$ 40 bilhões. O déficit real é menor porque não há contribuição patronal. Mesmo assim, o ganho médio de R$ 1 bi por ano não resolve o buraco.
O subsecretário Bruno Bianco repetiu ontem várias vezes que a reforma e a reestruturação foram anunciadas juntas por uma questão de transparência. Não foi isso. É que os comandantes militares entenderam que esta era a melhor oportunidade. Eles cederiam em alguns pontos e, ao mesmo tempo, corrigiriam o que enxergam como injustiça.
Os militares continuarão com vantagens que já estão caindo para todos os funcionários públicos e nunca existiram para os outros trabalhadores, como a paridade e a integralidade. Ou seja, vão se aposentar com o mesmo salário e na reserva receberão todos os reajustes que forem dados para os da ativa. Quando passarem para a reserva receberão uma gratificação de oito meses de salário. Antes eram quatro. Quando fizerem cursos continuarão tendo direito ao adicional de habilitação, só que os percentuais subiram. Para os oficiais superiores, sai de 30% para 73%.
Passarão a ter direito a outro adicional, o de disponibilidade. O argumento para justificar esse novo benefício é que eles quando vão para a reserva continuam à disposição do serviço militar, que pode chamá-los a qualquer momento. Pode até ser que sejam convocados, mas é raro. Imagina só o exemplo do capitão Jair Bolsonaro. Ao ir para a reserva, aos 33 anos, ele continuou ganhando o salário de capitão que, depois, acumulou com o que ganhava como vereador, deputado e agora presidente. E desde então nunca foi chamado para qualquer serviço extra. Este é apenas um exemplo que mostra que quando estão aposentados eles podem executar outros trabalhos e por eles são remunerados. Como agora acontece com os muitos assessores que povoam o governo.
Os militares não têm direitos de outros trabalhadores, como hora extra, adicional noturno, FGTS. Se fosse pagar, pela conta do general Eduardo Garrido Alves, seria um custo de R$ 20 bilhões para a União. Mesmo assim, a superposição de vantagens, adicionais, correções, tratamentos diferenciados pareceu ontem demasiada.
Até o PSL já começa a se afastar da reforma. Basta ver o que aconteceu na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), na última terça-feira. O senador Major Olímpio defendeu que o déficit previdenciário não existe e elogiou os petistas Paulo Paim e Ricardo Berzoini. Ele dizia isso no governo Temer. Só que agora ele é do partido do presidente e líder no Senado.
Ontem foi um dia ruim para a reforma da Previdência. Existem distorções no ganho dos militares, mas a correção a esta hora, e neste nível, pareceu totalmente sem sentido.
Míriam Leitão: Viagem e reformas, agendas cruzadas
Paulo Guedes falou a língua do mercado, mas falta muito para entregar o que promete. No encontro dos presidentes, risco é o deslumbramento
O ministro Paulo Guedes falou a língua do mercado e agradou a uma plateia que estava querendo ouvir promessas de corte de gastos, reformas, privatização e abertura do mercado, mas muito do seu discurso precisa conversar com a realidade. O presidente Jair Bolsonaro fez uma crítica aos Estados Unidos, “onde a esquerda está crescendo”. Ele se referia ao Partido Democrata, que pode em 2020 governar o país. O inteligente em diplomacia é não se comprometer com forças políticas passageiras.
Na seu fluente discurso, Paulo Guedes impressionou, porque demonstrou conhecimento e rumo. O problema está nos detalhes. Quando ele diz que o Brasil privatizou aeroportos, pulou a parte de que tudo foi preparado pelo governo anterior. Quando diz que vai abrir a economia, é apenas intenção. Até agora em tarifa externa houve apenas a elevação da sobretaxa ao leite. Paulo Guedes disse que as informações que chegam aos EUA estão distorcidas, “porque vocês falam com os perdedores no Brasil”, e citou como exemplo de perdedores a “mídia estabelecida”. Na versão do ministro da Economia, as críticas que o governo recebe são porque está dizendo que vai privatizar ou porque o presidente está avisando que não pode mais roubar. A realidade é que o combate à corrupção foi feito pelas instituições e que o governo atual está devendo explicações sobre os casos que já surgiram. Outra negociação em curso, sobre a qual Guedes falou, foi a da entrada do Brasil na OCDE. A retirada do veto americano estava sendo negociado para ocorrer nesta viagem.
É importante falar de mudanças em curso, inspirar confiança e atrair investimentos. Esse é o papel do ministro da Economia. Este é um bom momento, e ontem a bolsa bateu em 100 mil pontos durante o pregão. Os investidores locais e estrangeiros estão ainda dando crédito de confiança ao governo, na expectativa de que ele cumpra pelo menos parte da sua agenda de liberalização da economia, redução do rombo fiscal, eliminação de entraves ao crescimento econômico e todas aquelas promessas resumidas no discurso de ontem de Guedes.
Mas se a bolsa sobe, as projeções do PIB estão derretendo. Ontem, o Focus trouxe uma queda da previsão do crescimento este ano de 2,28% para 2,01%. Há um mês era 2,48%. Há uma ano era 3%. O otimismo para 2019 está encolhendo. O IBC-Br teve um tombo de 0,41% em janeiro.
De concreto existe apenas a reforma da Previdência enviada ao Congresso, mas que não andará enquanto não for apresentado o projeto dos militares, que está sendo tratado diretamente entre o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e o presidente, Jair Bolsonaro. A equipe econômica torce para que fique pronta até quarta-feira, mas pode não ficar, por causa da viagem aos EUA. Bolsonaro terá hoje a reunião direta com Donald Trump, na qual qualquer erro custará caro. Os acordos foram negociados antecipadamente, como o usual, mas um compromisso ou uma palavra além do que for do nosso estrito interesse será prejudicial.
O pior risco é que a viagem acontece no momento em que o presidente e seus principais assessores na área externa estão ainda prisioneiros do deslumbramento com o trumpismo. Essa captura mental pode produzir confusões. Bolsonaro ainda não demonstrou nestes primeiros 70 dias ter adquirido o equilíbrio que o cargo exige.
A reforma da Previdência dos militares está sendo preparada para atender à velha reivindicação das Forças Armadas de correção de diferenças de níveis salariais entre eles e outros setores do funcionalismo. O risco é que a reforma aumente custos, em vez de diminui-los, e enfraqueça o argumento fiscal que tem sido usado.
Brasil e Estados Unidos estão anunciando os acordos previamente negociados nas áreas de comércio, investimentos e cooperação militar e do uso da base de Alcântara. Nada de incomum, mas o tom triunfalista usado lembra o da época do “nunca antes” do lulismo. A verdade é que as relações foram boas nos períodos das duplas Lula-Bush e Lula-Obama, FHC-Clinton. Os dois países têm interesses em comum, mas cabe ao Brasil não comprar a agenda alheia.
Não nos interessa brigar com a China, e tomar partido na guerra do 5G da telefonia celular, porque isso pode custar caro ao agronegócio brasileiro. Não nos interessa ser usados como bucha de canhão na ofensiva do governo americano contra Venezuela, Nicarágua e Cuba. A queda do governo Maduro é desejável por inúmeros motivos, mas o Brasil precisa se mover nesse xadrez da política internacional com sabedoria.
Míriam Leitão: Muito barulho para pouco fato
Como o governo acaba de chegar, é saudável que apresente suas soluções. O risco é atropelar a si mesmo com o excesso de anúncio de ideias
Na economia, o governo é de muito barulho e pouco fato. Ele mal começou, é verdade, mas já produziu um volume de anúncios impressionante. De concreto, tem uma reforma da Previdência que ainda não deu um passo no Congresso e na sexta-feira houve um bem-sucedido leilão que vendeu 12 aeroportos. O detalhe é que os modelos do leilão e da concessão foram preparados pelo governo Temer. O mérito do atual foi realizar o planejado.
Há muita coisa para mudar na economia de um país que não consegue retomar o crescimento, tem um rombo fiscal persistente e 12 milhões de desempregados. Como o governo acaba de chegar, é saudável que apresente suas soluções. O risco é atropelar a si mesmo nessa mistura de anúncios de medidas futuras.
Apesar de ter dito que a chamada PEC do Pacto Federativo esperaria pela aprovação da reforma da Previdência, o ministro Paulo Guedes continua falando dela como se o projeto fosse iminente. A reforma orçamentária é extremamente importante. Há dificuldades concretas na vida dos administradores públicos com o excesso de rigidez no uso dos recursos.
A questão é que mesmo Hércules fez uma tarefa por vez. Essa é de espantosa complexidade e mesmo se for aprovada um dia não eliminará os gastos incontornáveis. Além disso, pode provocar uma dispersão da base de apoio ao governo, base aliás que nem foi ainda consolidada pela incapacidade da articulação política. A boa notícia da sexta-feira foi o fato de que 12 aeroportos passaram para as mãos de operadores privados e com o pagamento de um grande ágio. Mais importante do que os R$ 2,3 bilhões que o governo vai arrecadar, são os investimentos futuros na melhoria da logística aeroviária do país.
O sucesso do leilão foi muito bem recebido pelos empresários. Para o diretor-superintendente do grupo Astra, Manoel Flores, que fabrica revestimentos e materiais de construção, a notícia confirma a avaliação de que o pior da crise econômica ficou para trás. Ele fala olhando para os próprios números. Acaba de participar de uma feira no setor que teve uma alta no volume de negócios fechados e tem projeção na sua empresa de faturamento 10% maior, com um aumento de 5% no número de funcionários.
No mercado financeiro também o leilão foi lido como um sinal positivo, principalmente pela presença do capital estrangeiro. Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, disse que o resultado foi muito melhor do que o esperado, e que a presença de operadores internacionais disputando os aeroportos brasileiros prova que, de fato, os investidores estão acreditando no Brasil.
É possível ouvir palavras de ânimo tanto na economia real quanto na área financeira, mas a conversa termina sempre com o mesmo alerta: é preciso aprovar a reforma da Previdência para que se confirme o cenário de melhora nas contas públicas brasileiras. Portanto, é nesse ponto que tem que estar o foco da área econômica.
O grande desafio para a reforma neste momento será o envio nos próximos dias do projeto que muda as pensões e aposentadorias dos militares. Ele virá com mudanças na carreira que elevarão ganhos, manterão vantagens como paridade e integralidade, e pode ter inclusive a garantia de aumento anual dos soldos. Ficará difícil explicar isso num contexto de escassez.
O Ministério da Economia falou em esfaquear o Sistema S, e a ameaça contundente acabou contornada. Falou em fazer uma abertura da economia para tirar os empresários das suas trincheiras da Primeira Guerra e já elevou tarifas de importação. Prometeu dar aos estados a maior fatia do dinheiro do grande leilão das áreas excedentes do pré-sal, mas ainda não conseguiu concluir as negociações da Petrobras com a União, que, a propósito, estavam bem adiantadas no governo anterior.
Na sexta-feira, o ministro Paulo Guedes prometeu digitalizar o governo, reduzindo à metade o número de funcionários públicos através da não realização de concursos para substituir os que se aposentarem.
Há boas ideias nas propostas feitas pelo ministro, mas nada do que ele anuncia é tão fácil quanto ele diz. O mais difícil, contudo, é fazer tudo ao mesmo tempo. A ordem de prioridades precisa ficar mais bem definida para elevar a confiança na economia, permitindo o aumento da atividade, ainda excessivamente fraca.