ministro da educação
Cristina Serra: O MEC e o exterminador do futuro
Ministro-pastor vê crianças como pequenos demônios contaminados pelo pecado
Quando o ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi nomeado, em julho, a imprensa chamou a atenção para um vídeo de 2016 no YouTube em que ele, também pastor presbiteriano, prega aos fieis sobre o uso da “dor” como método pedagógico para disciplinar as crianças.
Depois de dois meses de silêncio, Ribeiro deu uma entrevista a “O Estado de S. Paulo” e, pela quantidade de disparates que falou, procurei o vídeo para melhor entender o personagem e o assisti na íntegra. Basicamente, o pastor considera que crianças são pequenos demônios, contaminados pelo pecado, e cabe aos pais aplicar “a vara da disciplina” para corrigi-los. Diz o reverendo: “Há uma inclinação na vida da criança para o pecado, para a coisa errada”. Daí, segundo ele, a necessidade da violência.
Ele segue com provérbios da Bíblia, como este: “Tu a fustigarás [a criança] com a vara e livrarás a sua alma do inferno”. Para que não haja dúvida, o dicionário aponta como sinônimos de fustigar: chicotear, açoitar, surrar, flagelar, machucar, espancar, entre outros.
O pastor insiste: “Castiga a teu filho, enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo (…)”; “Não estou aqui dando uma aula de espancamento infantil. Mas a vara da disciplina não pode ser afastada da nossa casa”. Talvez um psiquiatra possa explicar a insistência na expressão “vara da disciplina”.
Na recente entrevista ao jornal, Ribeiro demonstrou homofobia, eximiu-se da responsabilidade de coordenar a rede pública de educação no país, menosprezou o sonho de milhões de brasileiros de conseguir formação de nível superior e, por fim, lavou as mãos quanto ao papel da educação na redução de desigualdades, tão agravadas pela pandemia. “Esse não é um problema do MEC, é um problema do Brasil. Não tem como, vai fazer o quê?”. Foi como se dissesse: “E daí?”. Soa familiar? Na marcha acelerada do Brasil rumo ao retrocesso civilizatório, Milton Ribeiro não é um ministro. É o exterminador do futuro.
Hélio Schwartsman: Zumbis existenciais
Para o filósofo Martin Hägglund, são as incertezas e a precariedade da vida que lhe dão valor
Para o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, a descrença em Deus transforma parte dos jovens brasileiros em zumbis existenciais. Segundo o religioso, a ausência de absolutos e de certezas faz com que vivam uma vida sem propósito nem motivações.
Será? Em “This Life” (esta vida), um dos melhores livros que li na pandemia, o filósofo Martin Hägglund (Yale) defende o avesso da posição do ministro. Para Hägglund, são as incertezas e a precariedade da vida que lhe dão valor. Se pessoas e coisas fossem eternas, aí sim é que não encontraríamos a motivação para nos ocupar delas ou nos importar com seu futuro. A própria ideia de futuro depende da possibilidade de corrupção. A eternidade seria um presente sem fim.
Há, sim, um elemento de fé, já que nos importamos com as coisas que nos são caras mesmo sabendo que elas desaparecerão, mas é o que Hägglund chama de fé secular, que não é compatível com a fé religiosa. Para o filósofo, a fé religiosa tenta nos fazer abandonar a fé secular, convencendo-nos de que nosso objetivo deve ser o de transcender à finitude. Como consequência, esta vida perde seu valor, convertendo-se em estado transicional do qual precisamos ser salvos.
Seria fácil desconstruir a tese de Hägglund como reflexões de um ateu. Mas o fascinante no livro é que ele chega a essas conclusões a partir de textos de autores insuspeitos para os religiosos, como santo Agostinho e C.S. Lewis, com pitadas de Charles Taylor e Paul Tillich.
O livro, aliás, é um banquete intelectual, que nos faz provar porções, às vezes generosas, às vezes só uma entradinha, de autores tão variados como Kierkegaard, Aristóteles, Dante, Proust, Marx e Knausgaard, além dos já citados.
Depois de ter fustigado os religiosos, Hägglund, na parte final da obra, bate forte no capitalismo. Ler “This Life” nos deixa com uma irresistível vontade de nos tornar zumbis existenciais.