ministro da defesa

Nas Entrelinhas: O ministro boa praça e os generais legalistas

Luiz Carlos Azedo*/Correio Braziliense

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, é um político escolado e sagaz, capaz de conduzir negociações delicadas e manter o diálogo positivo em momentos de estresse, graças à sua fleuma de saquarema pernambucano. É conservador, experiente nas negociações com o Congresso e no relacionamento com a alta burocracia da República.

Boa praça, desconhece um inimigo figadal na política. Desde que assumiu, seu espírito conciliador com os bolsonaristas, inclusive com o ex-presidente Jair Bolsonaro, sofre o “fogo amigo” do PT, acirrado ainda mais por causa da avaliação equivocada de que os acampamentos à porta dos quartéis se dissolveriam espontaneamente.

Há no governo e fora dele os que desejam um ministro durão, para “enquadrar” as Forças Armadas, como se isso fosse possível numa canetada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, não pensa dessa forma e o mantém no cargo, apesar do desgaste que Múcio sofreu por causa da invasão do Palácio do Planalto. A sede do governo deveria ter sido defendida pelo Batalhão de Guarda Presidencial, criado há 200 anos com essa finalidade, mas não foi o que aconteceu. Houve conivência dos militares.

Entretanto, o Exército sai mais desgastado do episódio do que o ministro da Defesa. Se compararmos com a situação anterior, noves fora o que houve no domingo, restabelecer o caráter civil do Ministério da Defesa e do próprio governo é um grande avanço.

Um balanço do que houve no domingo mostra, também, que o vandalismo bolsonarista resultou no fortalecimento de Lula, no alinhamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário em defesa da democracia, e no repúdio aos golpistas de quase toda a sociedade civil. Mas há um grande ponto de interrogação: as Forças Armadas foram capturadas por Bolsonaro e seu projeto antidemocrático?

Aparentemente, não, apesar da antipatia dos militares em relação a Lula e do apoio majoritário ao projeto de reeleição de Bolsonaro. Prevaleceu a autoridade dos generais legalistas. Entretanto, o compromisso com a hierarquia e a disciplina foi mantido à custa da conivência dos militares com os protestos contra o resultado da eleição e do imobilismo diante do que ocorreu domingo.

Professor de História Moderna e Contemporânea da IFCS/UFRJ e de Teoria Política do CPDA/UFRRJ, o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, num artigo publicado na revista Brasil de Fato, em janeiro de 2020, chamava a atenção para o aspecto de que os militares, mais de 30 anos após o fim do regime militar, “representam uma memória reconstruída pela direita nacional, cristã e dita patriótica, como repositório salvacionista-institucional” contra os movimentos populares e a esquerda, rotulados de comunistas e bolivarianos. Além disso, a expectativa “salvacionista” em torno dos militares transbordara para amplos setores da sociedade e grupos políticos.

Morrer na praia

“Trata-se, sem dúvida, de uma herança cesarista, com raízes em movimentos como o tenentismo, na Revolução da Aliança Nacional Libertadora, de 1934/35, ou nos regimes militares do tipo Juan Velasquez Alvarado (1968-1975) no Peru”, destacava.

Não se tratava, necessariamente, da presença física de elementos humanos unindo épocas — apesar do fato de o general Augusto Heleno ter sido ajudante de ordens do general Sílvio Frota, demitido do cargo de ministro do Exército pelo presidente Ernesto Geisel por ser contra abertura política do regime —, mas do “compartilhamento de memórias inventadas e da construção contínua da história através de entidades infra-institucionais, especialmente os colégios e escolas militares, as cerimônias e liturgias militares, as ordens do dia e entidades militares”.

“O papel da memória reconstruída, compartilhada e da liturgia corporativa são, neste processo, fundamentais”, destacou Teixeira. Graças a esse caldo de cultura, as manifestações de 2013 foram o catalisador do posicionamento político das Forças Armadas.

Os militares apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff, no bojo de um processo de colapso econômico do governo petista e seu isolamento político, com a bandeira da ética predominando na política, em razão da Operação Lava-Jato. A contrapartida foi o restabelecimento do controle militar sobre o Ministério da Defesa, com a nomeação do general Joaquim Silva e Luna para o cargo pelo presidente Michel Temer, que assumira o poder.

O comandante do Exército à época, general Eduardo Villas Boas, cuja liderança na Força era indiscutível, na crise, resgatou e ressignificou o papel de tutela das Forças Armadas sobre as instituições republicanas, com o diagnóstico de “um país à deriva”. O ponto culminante desse protagonismo foi o seu famoso tuíte dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF), para que não concedesse um habeas corpus a Lula, candidato favorito às eleições de 2018, que foi preso.

O grande beneficiário foi Jair Bolsonaro, cuja vitória representou a volta dos militares ao poder, pelas urnas. Nesse aspecto, a volta de Lula nas eleições de 2022 deixa-lhes a mesma frustração de “morrer na praia” da eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-ministro-boa-praca-e-os-generais-legalistas/

Bernardo Mello Franco: Os estribos do general

O novo ministro da Defesa está empenhado em agradar o chefe. Walter Braga Netto estreou no cargo com uma exaltação ao golpe de 1964. Em seguida, passou a usar cerimônias militares para endossar o discurso do capitão.

Ontem o general aproveitou a troca de comando do Exército para fazer mais um comício bolsonarista. Às vésperas da Cúpula do Clima, ele tentou rebater as críticas da comunidade internacional pela devastação da Amazônia. “Os brasileiros que estão presentes na região sabem que a floresta continua de pé”, afirmou.

A patriotada não apaga o que as imagens de satélite mostram ao mundo. Ao analisá-las, o Imazon constatou que o desmatamento em março foi o maior para o mês nos últimos dez anos.

Com o governo pressionado pela abertura da CPI da Covid, Braga Netto disse que “é preciso respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros”. A frase sugere que a eleição deu um salvo-conduto ao presidente, como se ele não precisasse prestar contas à sociedade e ao Congresso.

O ministro também afirmou que o Brasil passa por um período de “intensa comoção e incertezas, que colocam a prova a maturidade, a independência e a harmonia das instituições”.

Faltou lembrar que os ataques ao equilíbrio entre os poderes partem do Planalto. Nas últimas semanas, Bolsonaro voltou a atacar ministros do Supremo e acionou sua milícia digital para intimidar os senadores que pretendem investigá-lo na CPI.

O general arrematou o discurso com uma advertência pouco sutil. Disse que as Forças Armadas estão “prontas” e “sempre atentas à conjuntura nacional”. A conversa casa com a retórica golpista do capitão, que tem ameaçado adversários políticos com o que ele chama de “meu Exército”.

Braga Netto assumiu a Defesa no momento em que o presidente cobrava mais manifestações de apoio dos militares. Sua primeira medida foi derrubar o general Edson Pujol, que tentava controlar a exploração política da tropa.

Ontem o ministro se despediu do ex-comandante com um bordão da caserna: “Que nossos estribos se choquem em cavalgadas futuras”.


Bruno Boghassian: Militares mantêm escolta política e retórica golpista de Bolsonaro

Novo ministro da Defesa indica que vai seguir discurso de intimidação do presidente

Se alguém tinha dúvidas sobre as intenções de Jair Bolsonaro ao trocar o comando das Forças Armadas, basta acompanhar os pronunciamentos do novo ministro da Defesa. Em poucas semanas, o general Walter Braga Netto mostrou que pretende manter a escolta política dos militares ao governo e seguir a retórica conflituosa do presidente.

Desde o início do mandato, Bolsonaro usa as Forças Armadas como ferramenta para intimidar adversários políticos e outros Poderes. Foi assim em seu embate com governadores e em ameaças que fez ao STF. Braga Netto indicou que vai ajudar o presidente nesse delírio autoritário.

Na semana passada, com o governo acuado pela CPI da Covid, o ministro agiu como auxiliar político de Bolsonaro e repetiu a tática de desviar o foco das investigações. "O uso de recursos pelos gestores dessas instâncias, estadual e municipal, deve ser acompanhado pela população e sofrer apuração rigorosa", declarou.

Braga Netto reforçou o gesto de continência nesta terça (20), na posse do novo comando do Exército. Num recado ao Congresso e ao Judiciário, disse que "é preciso respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros".

"A sociedade, atenta a essas ações, tem a certeza de que suas Forças Armadas estão prontas a servir aos interesses nacionais", completou. O general só não quis explicar por que os militares deveriam vigiar o que ocorre no terreno da política.

Em contraste, o comandante demitido fez um discurso burocrático, quase sonolento. Edson Pujol passou longe da cartilha bolsonarista e apresentou um relatório de gestão que mencionava até a sinalização de trânsito no setor militar de Brasília.

O antecessor de Braga Netto também dava guarida ao presidente. Fernando Azevedo e Silva sobrevoou com Bolsonaro uma manifestação golpista e assinou uma mensagem ao STF em tom ameaçador, mas foi derrubado mesmo assim. O novo ministro já provou que está disposto a cumprir as missões políticas do chefe para ficar mais tempo no cargo.


O Globo: Relatório sobre opositores ‘é crime muito grave’, afirma Raul Jungmann

Para ele, este tipo de monitoramento é vedado pela lei, e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tem estrutura suficiente para produzir informações de qualidade

Vinicius Sassine, O Globo

BRASÍLIA — O ex-ministro Raul Jungmann afirma que a produção de um dossiê contra opositores do presidente Jair Bolsonaro é um “crime muito grave” e que é preciso identificar e punir a “cadeia de responsabilidade que está acima”. Para ele, este tipo de monitoramento é vedado pela lei, e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tem estrutura suficiente para produzir informações de qualidade.

Por que gasta-se mais com ações de inteligência e de segurança na Presidência da República, na sua visão?

Os protocolos de segurança presidencial elevam o nível de exigência. Numa tentativa de interpretação minha, no caso do presidente Bolsonaro, o fato de ter sofrido um atentado contra a vida dele efetivamente fez com que se ampliassem os dispositivos e o pessoal na área de segurança.

E com inteligência?

Há dois tipos de inteligência. Uma voltada a gerar informações para decisões, para o uso pelo presidente. Isto é feito pelo GSI, com o suporte da Abin. E há a inteligência policial. Isto está na própria lei do Sistema Brasileiro de Inteligência. O controle desta última é feito pelo Ministério Público Federal. Já a inteligência como suporte à tomada de decisão não tem a característica policial, portanto não pode monitorar grupos de pessoas, a não ser com autorização judicial. E está sob controle de comissão do Congresso.

Os dois tipos de inteligência são passíveis de controle.

Sim. O relatório da secretaria do Ministério da Justiça (de monitoramento de grupos antifascistas) só poderia ter ocorrido com autorização e controle judicial. A lei de criação da Abin, que é o órgão central do sistema, não permite monitoramento. Não há autorização. Eles não podem grampear, monitorar, nem com autorização judicial.

Quão grave é a elaboração desse relatório?

Um órgão de inteligência transgrediu a lei, cometeu um delito. É preciso identificar os responsáveis, em que nível houve essa ordem política. Esta ordem claramente atenta contra direitos e garantias constitucionais e, portanto, contra a própria democracia. É um crime muito grave. É preciso identificar a cadeia de responsabilidade. É algo que tem de ser exemplarmente identificado e punido. Preocupa por ter se dado dentro do aparato de Estado.

O presidente fez mudanças na Abin. Havia necessidade?

Não tenho em mãos a avaliação, mas acredito que a Abin, até o momento em que estivemos no governo, tinha uma estrutura. Dispõe de quadros qualificados e gera informações eficientes. Aquela estrutura era suficiente. O que é fundamental é que essa estrutura tem de estar sob o controle do Congresso, obedecer a lei e jamais se confundir com inteligência policial.


O Estado de S. Paulo: ‘Único caminho de acesso ao poder é pelo voto’, diz ministro da Defesa

General afirma que pedidos de intervenção incomodam os militares, por parecer que há conivência deles

Por Tânia Monteiro, de O Estado de S.Paulo

Incomodado com as manifestações de pedido de intervenção militar, principalmente na greve dos caminhoneiros, que parou o País nos últimos nove dias, o ministro da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, rechaçou essa possibilidade, em entrevista ao Estado. O ministro lembrou que as Forças Armadas só agem dentro da legalidade e declarou que o “único caminho” para os militares chegarem ao poder “é pelo voto”. Primeiro militar a assumir o Ministério da Defesa, o general Silva e Luna disse ainda que as Forças Armadas estão 100% empenhadas no estabelecimento do abastecimento do País. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Estamos vendo seguidos apelos de grupos pedindo intervenção militar. Existe essa possibilidade diante dos problemas que estamos enfrentando?
As Forças Armadas trabalham 100% apoiadas na legalidade, com base na Constituição e sob a autoridade do presidente da República. E esse dispositivo, intervenção militar, não existe na Constituição.

Incomoda a vocês, militares, esses pedidos de intervenção?
Incomoda sim, porque pode dar a impressão de que as Forças Armadas estão por trás de uma insuflação, o que não é verdade. Além disso, intervenção militar é inconstitucional. O caminho do acesso ao poder é pelo voto. É o único caminho.

A que o sr. atribui esses pedidos de intervenção?
Com relação a manifestações políticas, não nos cabe comentar intenções partidárias de segmentos da população, que tem direito de se manifestar.

As paralisações que se mantêm são por interferência política ou ainda por reivindicações não atendidas?
O movimento reivindicatório se esgotou depois do acordo que o presidente da República fez com os representantes dos caminhoneiros, concedendo tudo que foi pedido. Daí para a frente, as resistências têm pouco a ver com essas reivindicações. Passa a impressão de que há mais fundo político-partidário.

A convocação das Forças Armadas para esse tipo de ação de desobstrução de pistas e fim de greve é um problema para vocês?
O emprego das Forças Armadas em Garantia da Lei e da Ordem é 100% legal. Está na Constituição. Nós estamos agindo em todo o País, evitando um dano muito maior.

Há previsão de quando a normalidade volta ao País?
Terminar uma consequência. Insisto que não se pode fazer promessas. Temos de entregar resultados. E resultados, estamos entregando.

Que resultados o sr. destacaria?
Abastecimento de combustível de aviação em todo o País. Normalidade de transporte nas principais capitais. O volume de carga transportada, por exemplo, dobrou de segunda para terça em todo o País. Foram liberados 300 caminhões de hortifrutigranjeiros no Rio. Tivemos 270 carretas de combustíveis transportadas.

As Forças Armadas podem atuar para tirar os caminhões e manifestantes que estão impedindo a passagem de outros trabalhadores nas estradas?
As Forças Armadas podem tirar sim. Mas o que é que se faz primeiro? Esgota-se os meios policiais presentes (policiais militares ou Polícia Rodoviária Federal).

O governo está falando em grupos infiltrados impedindo o fim da greve e agitando manifestações? O sr. sabe quem são?
Não temos identificação. Mas está caracterizado que existe.


O Estado de S.Paulo: ‘Pôr Forças Armadas nas ruas é dar férias para bandidos’, diz Jungmann

Para ministro, modelo de uso das tropas federais adotado na ocupação do Complexo do Alemão ficou no passado

Por Marcelo Godoy / O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO - O modelo das Forças Armadas ocupando uma área, como o Complexo do Alemão ou da Maré, está enterrado. Ao menos na atual gestão. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que os militares continuarão a atuar “sob demanda”, usando seu grande contingente para o cerco de áreas em apoio às polícias e na área de inteligência. O modelos anterior, segundo ele, tinha como único resultado “dar férias para os bandidos”. Aqui ele faz seu balanço sobre o uso das ações dos militares em missões de Garantia de Lei e Ordem no País.

Há um crescimento de década para década da participação das Forças Armadas em ações contra o crime organizado nos Estados. Essa tendência é sustentável a longo prazo, ministro?

O que eu tenho observado é que predominam no caso das GLOS as ações ligadas à greve de polícia, que é uma questão de segurança pública, e de combate à violência urbana. Somando os dois dados chega-se a 36% (o ministro refere-se à consolidação dos dados feitos pelo Ministério da Defesa), o que representa a emergência na área da segurança pública do País nas últimas duas décadas. Representa também uma opção do constituinte, que deixou 80% das responsabilidades da segurança pública com os Estados. A União ficou com 20%, com o combate ao tráfico internacional de drogas e armas. E não se criou nenhum corpo intermediário entre as Forças Armadas e as forças regulares da segurança pública para que atuasse nas situações extraordinárias, excepcionais, aonde você tem a falência ou incapacidade dos governos estaduais de manter a segurança. O que eu quero dizer com isso? Estou pensando no s Estados Unidos, que tem a Guarda Nacional que é exatamente esse corpo que desempenha esse papel.

O senhor quer dizer que não existe uma Polícia Militar Federal?

O que nos temos é um arremedo, que a Força Nacional, que cumpre sua função, mas precisa ser permanente, se não você tem a banalização da GLO. E essa banalização da GLO não é boa para s Forças, e não é boa para o próprio país. Por ela ser extraordinária, localizada no tempo e no espaço, e limitação que você tem . As forças armadas não tem capacitação e treinamento e muito menos vocação para substituir as polícias. Sem nenhum demérito ao papel e as importante que têm as polícias, mas a formação do militar é para a defesa da soberania nacional.

O senhor quer dizer que não se pode vulgarizar esse emprego?

Evidentemente não é conveniente.

Por exemplo, empregar as Forças Armadas para revista em presídios, como está sendo feito? Certamente quando se criou o modelo de GLO não se pensava que a falência na área de segurança chegasse ao ponto de exigir a presença do Exército para revistar penitenciárias, não é?

Vou lhe dar um dado que corrobora isso que você está dizendo. Um em cada três presos – e nós já fizemos mais de 30 varreduras – está armado. Ou seja os nossos presídios e penitenciárias são peneiras e são home office do crime organizado. Esse é um dos problemas centrais da nossa segurança: nós não somos capazes de cortar o comando de quem está preso e, aliás, grande parte dessas gangues surgiram no sistema penitenciário, que é uma espécie de incubadora do crime organizado. Marcinho VP está há 15 anos em Mossoró e continua mantendo o controle sobre sua organização. Marcola está mais ou menos o mesmo tempo preso. Ele mantém a estrutura e há uma não disposição de enfrentar esse problema. O que você verifica é que essa não é uma atribuição das Forças Armadas. Mas as Forças Armadas no Brasil cumprem funções extra centrais. É segurança difícil encontrar outras Forças Armadas que cumpram tantas funções.

Não se corre o risco de uma mexicanização?

Não vejo isso. No caso específico do México foi feito uma atribuição para as Forças Armadas de combate ao crime organizado. Eu não acredito que se passe isso, embora exista o desejo. De um lado o País não se sente ameaçado. A elite brasileira se desobrigada de pensar e se preocupar sobre o Exército, não entendendo que se você cai abaixo de um certo limite de dissuasão as ameaças aparecem e elas obstruir, constrangem o País. Isso faz com que a elite – e aqui falo também da elite congressual – ela se desobriga de entender e aplicar na questão da defesa. Mas isso não quer dizer que você pode chegar onde o chegou o México. Primeiro porque temos uma grau de profissionalização das nossas Forças Armadas e de formação entre as melhores do mundo. Podemos não ter os equipamentos, mas em termos de formação nós temos. E isso eu diria é um obstáculo praticamente intransponível para você a leve a exercer esse tipo de papel. E em segundo lugar eu não acredito que tenhamos a capacidade de colocar em risco esse profissionalismo e capacidade dissuasória aplicando forças armadas de forma permanente, até porque seria extremamente nocivo como já demonstraram outros países, particularmente o México. É algo que ninguém se dispõem a passar, Estive no México recentemente. E me disse o nosso embaixador lá que você tinha 3 mil desaparecidos e um elevado grau de deserção nas forças armadas. Então, isso aí é o cabe evitar a todo custo. O problema da segurança nós não vamos resolver na Defesa, nós vamos resolver na segurança e temos de enfrentá-lo. Não vai ser fazendo uma transposição que vamos resolver. è capaz de um problema passemos a ter dois grandes problemas. Então isso de fato é algo que não pode e nem deve acontecer.

O senhor percebe o desejo de governos estaduais de transmitir o ônus da segurança pública para o Exército?

É uma tentação. É uma tentação porque governos estaduais com a crise fiscal - tem estado que pede GLO e há 12 anos não faz concurso para a polícia -, com sistemas prisionais saturados e convivendo com problemas de opinião pública, é evidente que é uma tentação de usar as forças armadas. Se nós vamos como é o objeto do desejo que é por as forças armadas policiamento as ruas, eu quero dizer que isso isoladamente é dar féria aos bandidos. Quando você põe as tropas nas ruas, o crime se retrai. Porque ele sabe que nós não podemos ficar lá muito tempo. Seja porque ele sabe que a lei não permite, seja porque é muito caro. Quando nós saíamos, eles voltam. Ou seja, você não golpeia a capacidade operacional do crime.

Ao mesmo tempo os Estados se sentem desobrigados...

Claro que há uma certa desobrigação. De fato isso se comprovou. Nós tivemos durante um bom tempo no Alemão e na Maré, As quadrilhas saíram, ganhamos a confiança das comunidades, mas como o Estado não entrou fazendo a complementação social disso: emprego, renda, saúde e educação, quando nós saímos tudo voltou a ser como antes. E os militares se sentem nesse sentido, corretamente, usados. Pois fizemos todo o trabalho, o trabalho mais duro, mas não houve complementação. O sentimento é que nós enxugamos gelo. Nós cumprimos missão, mas não fizeram outra parte. O custo no Alemão foi de R$ 400 milhões, praticamente R$ 1 milhões por dia para depois olhar para esse resultado e não trazer o esperado, isso reforça a percepção no interior das forças e também de nós é que nós podemos ter um papel coadjuvante, de apoiar, mas nós não vamos assumir o combate à criminalidade. Às vezes escuto: ‘Por que vocês não subiram na Rocinha e fizeram o combate ao crime? Porque se nós subíssemos para valer e fizemos o combate, de acordo com é treinado e com a capacidade do Exército, nós poderíamos destruir a Rocinha e isso ninguém quer. Poderíamos gerar um número tal de mortes que jamais poderia ser assumido por um exército nacional.

Qual será então o papel das Forças Armadas nessas ações?

Então, o papel, nós estamos atuando no Rio de Janeiro dentro da seguinte lógica: nós não ocupamos permanentemente nenhuma área. Segundo: nós atuamos por demanda, em apoio às forças policiais que lideram o processo. Então por exemplo, você tem uma comunidade. Nosso papel e de fechar, de blindar. Só nós temos massa para fechar por exemplo todas as entradas e acessos de uma grande comunidade como a Rocinha, que tem 80 mil pessoas. Isso libera o pessoal lá dentro para fazer busca e apreensão. Terceiro nos atuamos integradamente por meio da inteligência e estamos a à disposição para fazer varreduras e apoio logístico. Isso decorre da compreensão de que a ocupação abaixa a temperatura, mas não combate nem elimina a infecção. A infecção tem de ser combate com a inteligência, com os policiais e a capacidade do Judiciário. E nós não somos agentes para fazer isso. Por isso no início gerou tanto confusão e tanto desentendimento. Mas quem lidera o processos soa as polícias e por isso as polícia precisam ter reforçar. Precisam terem melhores condições de trabalho e salário, precisam ter um sistema de correição que elimine os ligados ao crime organizado e os que estão de alguma forma ligadas à corrupção e precisam ser despolitizadas. Essas são as questões centrais.

 


O Globo: Ministro da Defesa diz que situação está estabilizada na favela da Rocinha

Ministro da Defesa Raul Jungmann afirmou que as Forças Armadas ficarão no Rio até o fim de 2018

O ministro da Defesa Raul Jungmann, disse na manhã desta segunda-feira, em entrevista à rádio CBN, que há uma 'estabilização' na situação da Rocinha, na Zona Sul do Rio. Ele avaliou como positiva a operação como positiva e fez um balanço do último fim de semana.

— Tivemos a apreensão de 22 fuzis, aproximadamente 8 granadas, uns 80 carregadores, quantidade de drogas, pouco dinheiro, além de prendermos 17 bandidos, inclusive um dos chefes do tráfico do Caju (...) Além disso, há uma estabilização de ontem (domingo) para cá dentro da comunidade da Rocinha, e os tiroteios que foram reportados não eram mais como anteriormente, entre facções, mas sim entre polícia e bandido.

O ministro afirmou que as Forças Armadas ficarão no Rio até o presidente Michel Temer sair da Presidência.

— Nós estaremos lá (Rio), segundo determinação do presidente Michel Temer, até o último dia de dezembro de 2018. Estamos permanentemente colaborando, apoiando as polícias. E nós temos feito isso. Já é praticamente a quinta operação que nós fazemos. Além disso, estamos atuando de forma integrada em termos de logística, em termos de troca de informação e sempre atendendo à demanda do estado. É bom lembrar que as Forças Armadas atuam por demanda exatamente das policiais, porque são elas que conhecem o terreno, a dinâmica criminal. E nós estramos, como fizemos agora recentemente, fazendo um cerco, um bloqueio, para que ninguém escape — afirmou, ele acrescentando que há outras ações previstas para o Rio.

Sobre a falta de sintonia entre os governos estadual e federal no início da operação na Rocinha, o ministro disse que isso já foi acertado.

— Eu tive uma reunião com o governador (Luiz Fernando Pezão) onde nós passamos a limpo todos os nossos pequenos conflitos, que nós vinhamos tendo até então. Isso foi devidamente superado e o exemplo está aí. Nós temos atuado de forma extremamente harmônica na Rocinha e vamos continuar atuando assim, por que isso é uma exigência do povo do Rio de Janeiro, e as autoridades têm que se entender quando há uma exigência do povo. Afinal de contas, o que justifica estarmos aonde estamos é exatamente para procurar atender à população — disse.

O ministro acredita que os índices de segurança devem começar a melhor a partir de 2018, quando o Rio voltar a ter crédito:

— Todos os indicadores de roubo de carga, crime doloso, roubo de carro, assalto a pedestres e até as UPPs vinham tendo um desempenho positivo até meados de 2014, sobretudo, 2015. Aí você tem a queda de todos esses índices. Mas eles caem de uma maneira absolutamente uniforme. O que quer dizer isso? A crise fiscal do Rio de Janeiro, a crise econômica do Rio de Janeiro, a falta de recurso para pagar salário, para pagar o RAS (Regime Adicional de Serviço) — horas extras —, para pagar o Sistema de Metas que premia por desempenho. Então, tudo isso levou a uma queda enorme das conquistas que tinham sido feitas. Na hora em que o governador voltar a ter crédito, obtiver o empréstimo de R$ 3 bilhões, voltar a pagar os salários atrasados a partir de outubro, voltar a pagar o RAS, a fazer concursos, botar mais policias nas ruas, sem sobra de dúvidas, vão representar uma melhora — afirmou.

Sobre a atuação de bandidos de dentro do presídio, como no caso do traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, que deu ordens para criminosas invadirem a Rocinha, o ministro defendeu que as conversas dos chefes do tráfico de drogas, advogados, agentes carcerários, parentes e visitantes deles sejam gravadas.

— Se a gente não corta a comunicação do comando do crime que está dentro da unidade prisional, penitenciária, presídio, se o comando do crime transforma as nossas penitenciárias em home office, gabinete de trabalho porque ele continua se comunicando com quem está na rua, a gente está enxugando gelo (...) Há uma campanha também que peço: que se corte a comunicação do comando do crime que está na prisão com o comando do crime que está nas ruas. Isso só se faz gravando tudo e colocando à disposição da Justiça. E isso faz parte do conjunto de medidas que nós vimos solicitando junto ao estado e ao legislativo — disse o ministro, acrescentando que foram feitas 30 varreduras em presídios do país. Segundo ele, em cada três presos, um estava armado. Também foram encontramos chips e celulares.

 


Revista Veja: Poderes corrompidos

O ministro da Defesa defende a Lava Jato e diz que, no modelo atual, qualquer presidente, inclusive Temer, precisa render-se ao leilão de cargos e verbas, sob pena de não governar

Por Robson Bonin, Páginas Amarelas, Revista Veja

A agenda do ministro da Defesa, o pernambucano Raul Jungmann, de 65 anos, é espinhosa. É dele a responsabilidade de comandar a intervenção das tropas federais no Rio de Janeiro, contornar a insatisfação dos militares com a penúria orçamentária e intermediar a relação do presidente Michel Temer com o seu partido, o PPS, que, apesar de ter abandonado a aliança governista, ainda pode dar votos favoráveis à reforma da Previdência. Para encarar a dureza da rotina, Jungmann despacha ao som de óperas do compositor italiano Giuseppe Verdi. Na militância política, o ministro, que é suplente de deputado federal, lamenta o estado deplorável do sistema político-eleitoral, mas acha que a Lava-Jato está fazendo um necessário trabalho de saneamento. Hoje, tal como está, o sistema é um convite à corrupção mútua, em que um poder corrompe o outro. A seguir, os principais trechos de sua entrevista a VEJA.

O PPS, seu partido, deixou a base governista por causa das denúncias de corrupção. O senhor se sente à vontade no governo do presidente Michel Temer? Se não me sentisse à vontade, sairia. Houve uma precipitação do PPS, e eu disse isso ao presidente do partido. Não me senti obrigado a deixar o governo porque estou em uma função de Estado, em um momento de crise, e tenho compromisso de lealdade com o presidente Temer e os comandantes das Forças Armadas.

Não é constrangedor dividir o ministério com investigados na Lava-Jato? Essa purgação trazida pela Lava-Jato é necessária. Do mesmo jeito que no Brasil há capitalismo de laços, vivíamos uma política de laços, e acho que isso está sendo rompido pela Lava-Jato. Melhor seria se o próprio sistema político tivesse se antecipado. Não o fez, agora está pagando o preço. Esse processo não pode nem deve parar, para o bem do Brasil.

O senhor disse que o presidente Temer tem o direito de terminar o mandato. Não era direito da sociedade ver o STF investigando as denúncias que pesam contra ele? Lembro que o Congresso decidiu que não cabe investigar o presidente agora. A investigação deverá prosseguir, se assim o Judiciário entender, depois do mandato. Mas acho que há interesse público na continuidade de um governo que se propõe a retirar o país da crise a que o populismo nos lançou. Aceitar a denúncia lançaria o país numa turbulência ainda pior.

Como político, o senhor acha razoável destinar bilhões de reais para financiar campanhas eleitorais? Não é razoável. Fomos lançados nessa situação por uma decisão equivocada do Supremo ao proibir — e não limitar, que seria o correto — as doações privadas. O Brasil não tem tradição de doação de pessoa física às campanhas. A proibição do financiamento privado nos condenou à busca de saídas equivocadas como essa. Não é aceitável nem palatável concordar com essa saída neste momento.

Como o senhor avalia as negociatas e barganhas envolvendo o Congresso? Temos um sistema ingovernável, com mais de trinta partidos. Ressalvando meia dúzia que têm projeto, a grande maioria se transformou em negócios. A lassidão e a frouxidão no controle dos partidos levam à situação em que qualquer presidente da República, para fazer maioria, precisa barganhar cargos e emendas. É uma forma sofisticada e disfarçada de corromper um poder pelo outro.

O senhor cogita concorrer ao governo do Rio de Janeiro, como dizem? Se eu fizesse um movimento desses, jogaria no lixo todo o trabalho e a operação que aí estão. E teria de pedir demissão do cargo, porque as Forças Armadas, como instituição do Estado, não se prestam a ser cabo eleitoral de quem quer que seja. Não sou moleque para fazer uma coisa dessas.

"Lula teve chances incomparáveis, com condições econômicas favoráveis aqui e lá fora, de tornar o Brasil um país moderno e não o fez. Ele ficou no populismo econômico"

Lula tem chances de vencer a próxima corrida presidencial? Se o Lula tiver condições de ser candidato, acho difícil que ganhe as eleições. Ele tem teto eleitoral, e esse teto não lhe permite chegar à Presidência. Lula teve chances incomparáveis, com condições econômicas favoráveis aqui e lá fora, de tornar o Brasil um país moderno e não o fez. Ele ficou na esfera do populismo econômico e fiscal, torrou bilhões de reais e deu guarida ao maior esquema de corrupção já investigado na história brasileira.

O senhor foi ministro da Reforma Agrária no governo FHC. Aquele desafio era maior do que o atual? Eu peguei o auge dos conflitos fundiários no Brasil. Fui nomeado doze dias depois de Eldorado dos Carajás (quando a Polícia Militar do Pará, em abril de 1996, matou dezenove trabalhadores sem-terra). Brinco que aqui é o Ministério da Defesa. Lá era o Ministério da Guerra. Naquele momento, o PT usava o MST para fazer o governo FHC sangrar. Hoje as coisas mudaram. Os governos Lula e Dilma promoveram a cooptação do MST, que passou a ser chapa-branca e entrou em declínio, tendo agora um papel secundário.

Qual o impacto da penúria financeira na caserna? Estamos operando no limite. Se não houver a liberação de recursos até o início de outubro, teremos problemas operacionais nas Forças Armadas. Isso gera preocupação e desconforto como em qualquer outra instituição que depende de orçamento. A pressão existe, mas a área econômica prometeu liberar recursos agora que a meta fiscal foi revisada. O que o Brasil ganha investindo dinheiro e tropas em ações como a missão no Haiti? Em treze anos de operação, cerca de 36 000 soldados brasileiros passaram pelo Haiti. Foi uma grande oportunidade de treinamento para as tropas. O país ganhou respeito e reconhecimento internacional pelo desempenho dos nossos soldados em prover a paz, tanto que temos solicitações de dez países para coordenar uma futura missão. Depois do Haiti, iremos para a República Centro-Africana.

Qual o resultado das varreduras que o Exército vem fazendo em presídios de vários estados? É espantoso. Na 14ª de 21 varreduras realizadas até agora, o somatório da população carcerária revistada dava 12 000 homens e já contávamos mais de 4 000 armas brancas. Ou seja, você tinha uma arma branca para cada três apenados. Isso é a maximização da tragédia e do massacre. Ainda tinha celular, armas de fogo, drogas, munição, televisores, rádio, geladeira, freezer... Identificamos presídios em que o controle interno era feito pelos próprios presos. A superpopulação carcerária e o déficit de agentes penitenciários levaram os governos de alguns estados a realizar pactos não escritos com o crime organizado.

Se o sistema carcerário não impede a entrada de novas armas nos presídios, o que fazer? É exatamente essa a nossa preocupação. Por isso, tornamos público o resultado das varreduras nos presídios e chamamos a atenção dos governos estaduais e da opinião pública. O governo liberou recursos para a construção de pelo menos um presídio em cada estado. Mas é muito difícil que os municípios aceitem recebê-los e que haja velocidade em suas obras. É uma face da tragédia do sistema carcerário.

O uso das Forças Armadas em conflitos de segurança pública é adequado? Quando um governador solicita o emprego de Forças Armadas, o presidente da República se vê diante de um dilema. Ele não pode deixar a população exposta e vulnerável ao crime. Por outro lado, a utilização das tropas, cada vez mais recorrente em decorrência da crise de segurança, vem banalizando as operações de garantia da lei e da ordem. As Forças Armadas não são treinadas e preparadas para combater o crime. Costumo dizer que o emprego delas para esse fim faz com que o bandido simplesmente tire férias. As tropas entram, o bandido sabe que não pode ficar ali e se retrai. Quando as tropas saem do território, ele volta. A presença das Forças Armadas apenas inibe, mas não tira a capacidade operacional do crime. Isso quem pode fazer são as polícias. É como se fosse uma anestesia. A dor passa no primeiro momento, mas, quando cessa o efeito da anestesia, o mal está lá, continua.

É o que acontece no Rio de Janeiro? O Rio de Janeiro é um caso necessário de intervenção federal. Pelos dados que temos, o Rio tem mais de 800 comunidades controladas pelo crime organizado e pelas milícias. Quem controla a comunidade controla votos, e quem tem votos elege aliados e representantes. Essa cooptação do poder público, esse Estado paralelo é o grande problema do Rio. O estado foi cooptado pelo crime em suas mais diversas esferas. Precisamos criar uma força-tarefa federal que consiga fazer essa desintrusão do crime dentro do estado do Rio de Janeiro. É preciso golpear o comando do crime, os arsenais e o circuito financeiro. Isso se faz com integração de órgãos e inteligência de todas as forças. O presidente determinou que as Forças Armadas ficarão no Rio de Janeiro até o último dia de governo.

"As Forças Armadas inibem, mas não tiram a capacidade operacional do crime. A dor passa no primeiro momento, mas, quando cessa o efeito da anestesia, o mal está lá"

A crise na Venezuela pode trazer instabilidade para toda a região? A Venezuela definitivamente se tornou uma ditadura. A Constituinte de Maduro encerra a ideia de que somos o subcontinente da paz, que os nossos conflitos são de baixíssima intensidade e que o Brasil é líder nesse subcontinente. É muito provável que a gente venha a ter uma repressão de Estado. Se o cenário se degradar desse jeito, teremos um problema sério, porque isso pode provocar o envolvimento de outras potências de fora do subcontinente em assuntos sobre os quais o Brasil se vê como líder. Isso vai nos deixar diante de um grande dilema.

O que preocupa mais: uma escalada militar ou a questão dos refugiados? Não creio em intervenção militar, porque o Brasil tem na Constituição o respeito à soberania das nações e a paz como instrumento essencial. Creio em um período longo de dificuldades humanitárias crescentes. As nossas preocupações mais imediatas são com os refugiados e os brasileiros que vivem na Venezuela. São 17 000 legalizados, mas esse número pode chegara 30 000 com os ilegais. Estamos nos preparando para a hipótese de termos de criar um corredor humanitário para retirar esses brasileiros do país. Isso vai demandar um esforço logístico e uma atuação grande da Defesa.

Para evitar o impeachment, aliados da presidente Dilma cogitaram decretar no Brasil o Estado de Defesa. Era viável? Naquele instante, as Forças Armadas mandaram recado à presidente Dilma que de forma alguma consideravam necessário, tampouco se comprometiam com a decretação de um Estado de Defesa. Antes de isso ocorrer, houve algo mais sério, que foi o decreto que retirava dos comandantes a competência para a promoção das tropas. Isso, sim, representava um retrocesso democrático inaceitável.